Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0296/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22094
Nº do Documento:SA2201707050296
Data de Entrada:03/10/2017
Recorrente:ADC - ÁGUAS DA COVILHÃ, E.M.
Recorrido 1:A................S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

ADC- Águas da Covilhã, EM veio reclamar para a conferência do despacho proferido em 3 de Maio de 2017, a fls. 33 e 34 que não admitiu o recurso tendo em conta o valor da impugnação, tendo apresentado as seguintes conclusões:
a) O legislador não quis manter em vigor o n.º 2 do art.º 6.º do ETAF sendo esta lei especial relativamente à Lei Geral Tributária, pelo que aquele normativo e mantém em vigor na Ordem Jurídica Portuguesa, e, em consequência, deve a decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator ser revogada e substituída por outra que, a final, admita o interposto recurso.

O teor do despacho reclamado é o seguinte:
«
ADC- Águas da Covilhã, EM, veio ao abrigo do disposto no art.º 643.º, do Código de Processo Civil, apresentar reclamação da decisão que não admitiu o recurso por si interposto da sentença proferida em 27 de Janeiro de 2017.
Fundamenta a sua pretensão no texto do art.º 6.º, n.º 2 do ETAF, em seu entender vigente e que determina que a alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância, sendo que esta está fixada em 5 000,00€, art.º 24,º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08.
Sobre as alçadas definia a Lei Geral Tributária, no art.º 105, na versão inicial dada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro que: «A lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito.»
O ETAF - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, foi criado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro e dispunha no seu art.º 6.º o seguinte:
«1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada.
2 - A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
3 - A alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
4 - A alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação.
5 - Nos processos em que exerçam competências de 1.ª instância, a alçada dos tribunais centrais administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo corresponde, para cada uma das suas secções, respetivamente à dos tribunais administrativos de círculo e à dos tribunais tributários.
6 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a ação.»
O art.º 105, na versão actual dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 dispõe que: «A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.». Simultaneamente, a mesma lei fez alterar a redacção do art.º 280.º, n.º 4 do Código de Processo e Procedimento Tributário que passou a estabelecer que: Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância.».
A nova redacção do art.º 105.º da Lei Geral Tributária produziu a revogação tácita do art.º 6.º, n.º 2 do ETAF por ter disposto de forma diferente sobre a mesma matéria – alçada tribunais tributários -, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 2 do Código Civil.
Em 2015, o legislador, pelo Dec. Lei nº 214-G/2015 de 2 de Outubro, veio introduzir alterações aos artigos 1º, 2º, 4º, 9º, 13º, 14º, 17º, 24º, 29º, 40º, 41º, 43º, 44º, 46º, 48º, 49º, 51º, 52º e 74º do ETAF nada dizendo ou alterando quanto ao art.º 6.º, que, como mencionamos, viu o seu número 2 tacitamente revogado pelo art. 105.º da Lei Geral Tributária na redacção que a este foi introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, isto é, um ano antes. A republicação do ETAF menciona ainda o art.º 6.º, n.º 2, tacitamente revogado, o que gera à primeira vista uma confusão por menor rigor da técnica de republicação, mas sem força jurídica bastante para operar a repristinação de uma norma antes revogada.
Tendo em conta que o valor da acção foi fixado, sem que tal se mostre em discussão em 4 052,00€, nos termos do disposto no art.º 280.º, n.º 4 do Código de Processo e Procedimento Tributário não é admissível recurso, pelo que o despacho reclamado procedeu a uma adequada aplicação e interpretação da lei, a determinar a sua confirmação com o consequente desatendimento da reclamação apresentada por falta de fundamento legal que a sustente.»
Ouvido o Magistrado do Ministério Público, veio aquele Magistrado indicar que:
«Nos termos do disposto no artigo 105.° da LGT, na redação introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, em vigor em 01/01/2015, a alçada dos tribunais tributários corresponde à dos tribunais judiciais de 1.ª instância.
De acordo com o estatuído no artigo 44.°/1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei 40-A/2016, de 22/12, a alçada dos tribunais de judiciais de 1ª instância está fixada em € 5.000,00, pelo que é essa a alçada dos tribunais tributários, a partir de 01/01/2015.
Ora, com a entrada em vigor da Lei 82-B/2014, em 01/01/2015, verificou-se a revogação tácita da norma do artigo 6.°/2 do ETAF, que estatuía que a alçada dos tribunais tributários correspondia a ¼ da que se encontrava estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
De facto, nos termos do estatuído no artigo 7.°/2 do CC, a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declara, como, ainda, como é o caso em análise, seja com ela incompatível.
E certo que o ETAF foi objeto de alterações (e republicação), operadas pelo DL 214-G/2015, aos artigos 1º, 2.º, 4.º, 9.º, 13.º, 17º, 24.º, 29º, 40.º, 41.º, 43º, 46º, 48º, 49º, 51.º, 52.º, e 74º, mas, ao contrário do que sustenta a reclamante, isso não significa que a norma do artigo 6.°/2 recuperasse a sua vigência e tivesse ocorrido a revogação das normas que tacitamente a haviam revogado.
Na verdade, o legislador que procedeu às alterações ao ETAF não manifestou a intenção de mexer na matéria das alçadas ou de proceder à alteração da norma que constava do artigo 6.º e qua havia sido, entretanto, revogada (Neste sentido acórdão do STA, de 24/02/2016-Recurso n.° 01291/15, disponível no sítio da Internet www.dgis.pt).
Assim, tendo a ação de impugnação judicial sido iniciada a partir de 01/01/2015 e sendo o valor da ação de € 4.052,32, é certo que, nos termos do estatuído no artigo 280.°/4, na redação introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, a sentença proferida nos autos não é suscetível de recurso.
A decisão objecto da presente reclamação, em nosso entendimento, não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento à presente reclamação, e manter- se a decisão recorrida na ordem jurídica, baixando os autos à instância.»

Em causa na reclamação está apenas saber se, pela republicação do ETAF operada na sequência das alterações (e republicação), que lhe foram introduzidas pelo DL 214-G/2015, aos artigos 1º, 2.º, 4.º, 9.º, 13.º, 17º, 24.º, 29º, 40.º, 41.º, 43º, 46º, 48º, 49º, 51.º, 52.º, e 74º, a norma do artigo 6.°/2 do ETAF, que estava anteriormente revogada, recuperou a sua vigência.
Tal como mencionado no despacho recorrido e no parecer do Magistrado do Ministério Público, a mera republicação do ETAF, com o dito artigo 6.º, antes revogado, sem que haja qualquer menção à recuperação da sua vigência, ou, de qualquer outra forma se tenha aquele DL 214-G/2015 referido a qualquer intenção de alteração das alçadas, não pode ser interpretado como dando vigência ao artigo 6.º do ETAF, há muito revogado, por a tal se oporem as regras de interpretação da lei constantes do art.º 9.º do Código Civil.
Tratou-se, seguramente de um lapso na republicação pouco cuidada do ETAF, não podendo tal erro material ter como consequência a alteração da alçada do Tribunal que foi cuidada e expressamente alterada pelo art.º 105.º da Lei Geral Tributária, na redação introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, e em vigor em 01/01/2015. No mesmo sentido se tem vindo a pronunciar o Supremo Tribunal Administrativo, em várias decisões, nomeadamente no ac. proferido em 24 de Fevereiro de 2016, proc. 12/91.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) António Pimpão – Ascensão Lopes.