Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0168/22.5BELLE
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não pode admitir-se o recurso para uniformização de jurisprudência interposto ao abrigo do artigo 284.º do CPPT se à data em que foi proferido o acórdão recorrido ainda não estava transitado em julgado o acórdão invocado como fundamento do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P31832
Nº do Documento:SAP202401240168/22
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de Outubro de 2022, vem, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada oposição entre aquele acórdão e o acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul e da mesma data (13 de Outubro de 2022), proferido no processo n.º 169/22.3BELLE.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. A identidade das situações aqui em causa é quase absoluta. Tratam-se de duas reclamações de acto do órgão de execução fiscal (art.º 276.º CPPT), interpostas simultaneamente pelos mesmos sujeitos, os números dos processos até são consecutivos, com origem em decisão semelhante do Chefe de Finanças do S.F. de Portimão em dois processos executivos diferentes dos mesmos executados.
B. Em termos sumários, na origem de ambos os processos está exactamente o mesmo facto que teve lugar em 11.02.2022 em que, na sequência da venda de um imóvel pelos aqui reclamantes, foi pago em cheque o montante de €115.200,00 entregue directamente a um representante da AT presente na escritura, montante foi depois aplicado como pagamentos nos valores de € 29.913,73 e € 85.286,27, nos processos executivos nº ...89 e apenso e ...70, tendo aqui sido apreciado o primeiro e no acórdão fundamento o segundo.
C. Cada uma destas aplicações foi objecto de reclamação, que deu origem aos dois processos aqui em causa. Curiosamente, o Tribunal Tributário de Loulé considerou procedente uma e improcedente a outra. Ambos foram objecto de recurso e ambos considerados procedentes pelo Tribunal Central Administrativo Sul, invertendo-se completamente a situação anterior.
D. Assim sendo, só nos resta vir junto do Supremo Tribunal Administrativo pedir que se esclareça de vez de que lado está a razão, uniformizando-se o entendimento a adoptar na presente situação que servirá igualmente para o futuro em que certamente a questão virá a ser novamente colocada.
E. Reagindo à decisão desfavorável em primeira instância, os Reclamantes interpuseram recurso em cujas conclusões se defende que o processo executivo onde foi aplicado o montante aqui em causa se encontrava enquadrado num plano de pagamento em prestações aprovado e cumprido encontrando-se a respectiva garantia ainda pendente de uma reclamação judicial o que implicava a suspensão dos processos até à sua resolução definitiva.
F. O fundamento da presente decisão (cfr. 2.2.2. - fls. 12 e seg) foi o de considerar:
1. Por um lado, que “(…) A afectação em exame mostra-se precludida, dado que a apreensão judicial do imóvel, confere garantia ao credor exequente, apenas em relação aos créditos, cobrados em processo executivo, no âmbito do qual foi adoptada a diligência de apreensão em causa (artigos 822.º e 824.º do Código Civil). Tal significa que o direito real de garantia associado à penhora em referência apenas opera em relação aos créditos fiscais garantidos, no âmbito de tal processo executivo e não em relação a outros”.
2. Por outro, que “(…) havendo plano de pagamento em prestações da dívida exequenda, no quadro do processo de execução fiscal n.º ...92, o qual se mostra vigente, não pode a Administração Fiscal, realizar diligências de cobrança coerciva e pagamento da dívida, ao arrepio do mesmo, porquanto tal actuação contraria o regime de pagamento em prestações da dívida exequenda”.
G. Mas no Acórdão produzido no processo n.º 169/22.3BELLE o entendimento foi completamente o oposto:
Em súmula, à questão colocada de saber se o acto de aplicação do montante de € 85 286,27, é ilegal por se verificar a suspensão do processo de execução fiscal, importa responder negativamente. Uma vez que à data da sua aplicação, o processo executivo de que estes autos constituem apenso, não estava suspenso, tendo em consideração que havia decorrido o prazo para a prestação da garantia oferecida, através de hipoteca voluntária sobre a aeronave identificada no ponto c) do probatório, e que a prestação da garantia dependia exclusivamente da iniciativa dos executados, não estava o órgão da execução fiscal impedido de prosseguir com a execução, procedendo à penhora de bens para garantir a cobrança da dívida.
Actuação que, além de dar cumprimento ao disposto no artigo 199.º n.º 8 do CPPT, está em consonância com o que dispõem os artigos 36.º, n.º 3 da LGT e 85.º, n.º 3 do CPPT que estabelece o princípio geral de que a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos previstos na lei, nem suspender a execução fiscal fora dos casos previstos na lei.”
H. Verifica-se, portanto, uma identidade substancial das situações fácticas absolutamente evidente, uma vez que as partes e até o acto que lhe dá causa é rigorosamente o mesmo, sendo também patente a contradição entre as soluções jurídicas perfilhadas, pelo que nos parecem reunidas as condições para que, nos termos do artigo 284.º do CPPT, o presente recurso seja admitido.
I. Em síntese, a questão decidenda em ambos os processos é a de estabelecer se os actos do órgão de execução fiscal de aplicação de um montante proveniente da alienação de um imóvel não penhorado por parte dos executados em dois processos de execução fiscal distintos com plano prestacional aprovado e a ser cumprido, mas sem que tenha sido constituída garantia no prazo legalmente estabelecido, é ou não legal e merece permanecer na ordem jurídica.
J. Nos presentes autos, o TCA Sul pronunciou-se pela negativa por duas ordens de razões.
K. Começando pela segunda, considerou-se que a AT estaria impedida de realizar diligências de cobrança coerciva porque o plano prestacional se encontrava “vigente” no processo executivo aqui em causa (ver ponto 11).
L. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta posição, porque a cobrança da dívida tributária apenas se suspende no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações desde que tenha sido prestada garantia idónea ou expressamente dispensada nos casos de insuficiência económica (cfr. artigos 52.º da LGT e 169.º do CPPT).
M. E se ficou estabelecido que o plano de pagamento em prestações estava em vigor e a ser cumprido, não ficou assente neste processo o facto que a execução estaria suspensa, porque não estava prestada a garantia necessária para o efeito, condição sine qua non para que a administração ficasse impedida de prosseguir as diligências para a cobrança coerciva dos créditos tributários.
N. Conforme consta da factualidade estabelecida, ainda antes da escritura de venda é afirmado sem qualquer contestação pelo Chefe de Finanças de Portimão em mensagem de 04.02.2022 que “Considerando que existem dívidas activas sem garantia ainda aprovada podemos emitir as guias de IMT/IS mas penhorando o produto da venda” (sublinhado no original),
O. Por isso, a AT, nestas circunstâncias, está porque, como se diz no acórdão fundamento, (e as nossas desculpas pela repetição) trata-se de uma “Actuação que, além de dar cumprimento ao disposto no artigo 199.º n.º 8 do CPPT, está em consonância com o que dispõem os artigos 36.º, n.º 3 da LGT e 85.º, n.º 3 do CPPT que estabelece o princípio geral de que a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos previstos na lei, nem suspender a execução fiscal fora dos casos previstos na lei.”
P. Além de que, lembramos que os créditos fiscais são indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária” conforma se dispõe igualmente no artigo 30.º da LGT, estando a violação deste preceito cominada com responsabilidade subsidiária pelos valores envolvidos além de eventual responsabilidade disciplinar e até criminal.
Q. Por outro lado, entendeu-se aqui que a circunstância de o imóvel não estar penhorado no processo onde foi afectado o montante apurado impediria essa aplicação por força do estabelecido nos artigos 822.º a 824.º do Código Civil que limita essa possibilidade aos processos em que já exista essa garantia.
R. O primeiro problema é que não foi o imóvel que foi objecto de penhora, mas sim o produto parcial da sua venda (o sinal já tinha sido pago anteriormente), acto que nunca foi contestado em si mesmo, tendo sido apenas reclamado a sua aplicação dos montantes apurados nos processos executivos.
S. Pelo que não nos parece que a situação corresponda à previsão das normas indicadas. Mas também, com todo o respeito, não podemos concordar com o recurso a normas gerais do direito civil, quando existem normas especiais do processo tributário que regulamentam a matéria e que derrogam a sua aplicação.
T. Regulamentação essa que já foi desenvolvida anteriormente, na esteira do acórdão fundamento, pelo que, salvo melhor opinião, também aqui a posição presentemente assumida não se manter.

Os Recorridos contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:
a. Entendem os Recorridos que o despacho que admitiu o recurso e o mandou subir ao Supremo Tribunal Administrativo se encontra ferido de nulidade, na medida em que a subida do recurso fi determinada antes de decorrido o prazo de que dispunha para apresentar contra- alegações, não lhes tendo, assim assegurado o direito ao contraditório, essencial em qualquer processo judicial – pelo que já apresentaram a competente Reclamação junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
b. Este despacho é nulo, na medida em que permite a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, a apresentação de contra-alegações, de modo a assegurar o princípio do contraditório.
c. À cautela, de forma a não perderem o prazo para apresentar as referidas contra-alegações e ao abrigo do princípio da celeridade processual e do aproveitamento dos actos praticados em juízo, os Recorridos apresentam as contra-alegações directamente no Supremo Tribunal Administrativo.
d. A Recorrente considera que a sentença proferida nos presentes autos - datada de 13 de Outubro de 2022 - se encontra em oposição com o entendimento perfilhado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, também de 13 de Outubro de 2022, proferida no âmbito do processo n.º 169/22.3BELLE.
e. Tal entendimento baseia-se no facto de em ambos os processos estarem em causa reclamações de actos do órgão de execução fiscal interpostas pelos Recorridos em simultâneo, e que em ambos os casos se fundam em decisão semelhante do Chefe de Finanças do Serviço de Portimão em dois processos executivos diferentes dos mesmos executados, ora Recorridos – os processos executivos n.ºs ...89 e ...07 e apenso, ...88.
f. No âmbito destes processos de execução fiscal aplicaram-se como pagamentos montantes provenientes da venda da fracção autónoma de um imóvel pelos Recorridos em 11.02.2022.
g. Em concreto, a AT aplicou aquele valor ao pagamento parcial dos referidos processos, como segue:
· €29.913,73 foi aplicado na antecipação do pagamento do valor em dívida no processo executivo n.º ...89;
· €85.286,27 foi apresentado no pagamento dos processos executivos n.º 111220210125507 e ...08.
h. Sendo esse o acto contra o qual os Recorridos apresentaram reclamação (a aplicação dos valores ao pagamento de processo de execução fiscal em curso), que deu origem aos acórdãos que a Recorrente considera perfilharem posições opostas uma à outra.~
i. Os Recorridos não concordam com esse entendimento.
j. Consideram, ao invés da Recorrida, que os acórdãos versam sobre questões jurídicas que se distinguem entre si.
k. Entendem, assim, que no Acórdão proferido no processo 168/22.5BELLE se toma como thema decidendum o saber se a afectação do produto da venda do imóvel ao pagamento do crédito da Recorrente titulado pelo PEF n.º ...89 era legal, já que o mesmo se encontrava suspenso, garantido e com plano de pagamento em prestações aprovado e em cumprimento, e procedendo à cobrança coerciva do montante devido através da aplicação do produto da venda de imóvel que não se encontrava penhorado à ordem daquele processo.
l. Ao passo que o Acórdão proferido no processo 169/22.3BELLE trata da questão de saber se o PEF n.º ...70 se encontrava suspenso em virtude da reclamação apresentada pelos Recorridos à decisão do órgão fiscal para discussão dos termos do plano prestacional a vigorar, bem como da eventual prestação de garantia no âmbito do mesmo.
m. Pelo que, no entender dos Recorridos, não se verificam os requisitos para que seja proferido acórdão para uniformização de jurisprudência, por não haver identidade da questão fundamental de direito a resolver nos casos levados a juízo ao douto Tribunal, não se gerando qualquer contradição de acórdãos.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o doutro suprimento de V. Exas, deverá:
a) Determinar-se a nulidade do Despacho que mandou subir o recurso antes de decorrido o prazo para a apresentação de contra-alegações;
b) Considerar-se que as presentes contra-alegações foram apresentadas em prazo e devem ser consideradas;
c) Ser rejeitado o recurso apresentados pela Recorrente, por não verificação dos requisitos necessários para ser proferido acórdão de uniformização de jurisprudência;
d) Manter-se na íntegra o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul proferido em 13 de Outubro de 2022.

O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer de fls.1485 do SITAF.

Ouvidas as partes sobre a questão da não verificação dos requisitos legais para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284.º do CPPT, veio a Recorrente pugnar pela sua admissibilidade.


Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
A. Contra os Reclamante correu, no Serviço de Finanças de Portimão, o processo de execução fiscal n.º ...89, a que foi apensado o processo de execução fiscal n.º ...79 - facto que se extrai o documento identificado como n.º 1, constante nos autos.
B. Os Reclamantes apresentaram pedido de pagamento em prestações no âmbito dos procedimentos de execução fiscal acima referidos - facto que emerge do requerimento a fls. 177 dos autos, numeração SITAF.
C. O pedido de pagamento em prestações apresentado pelos Reclamantes foi deferido, nos moldes definidos no “print” do sistema informático da Autoridade Tributária, cujo excerto se segue:
(imagem)
D. Em 7 de Fevereiro de 2022, foi determinada, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ...70 e ...88, a penhora do seguinte bem [doravante igualmente identificado apenas como imóvel] (doc. 9, junto com a p.i.): (imagem)
E. Por comunicação electrónica datada de 10 de Fevereiro de 2022, a mandatária dos Reclamantes, participou ao Serviço de Finanças de Portimão, o seguinte (doc. 8 junto com a p.i.): (imagem)
F. Antecedendo a comunicação acima referida, constava, infra, comunicações electrónicas com o seguinte teor: (imagem)
G. À comunicação electrónica enviada pela mandatária dos Reclamantes, melhor identificada na alínea E), o Serviço de Finanças de Portimão, respondeu o seguinte: (imagem)
H. Por comunicação electrónica datada de 10 de Fevereiro de 2022, a mandatária dos Reclamantes, participou ao Serviço de Finanças de Portimão, o seguinte: (imagem)
I. Em 14 de Fevereiro de 2022, o Serviço de Finanças de Portimão, dirigiu à mandatária dos Reclamantes a seguinte comunicação electrónica (doc. 8 junto com a p.i.): (imagem)
J. Em 11 de Fevereiro de 2022, foi realizada a venda da fracção autónoma referida nos autos, pelo preço de € 128.000,00, sendo que haviam sido pagos a título de sinal, directamente aos Reclamantes o valor de € 12.800,00, e € 115.200,00, foram pagos em cheque, a título de pagamento do valor remanescente do preço - facto admitido, cfr. artigo 12.º da p.i.
K. Em 11 de Fevereiro de 2022, o Chefe do Serviço de Finanças de Portimão proferiu o seguinte despacho: “[c]onsiderando o exposto e que a senhora mandatária do executado não se opõe à aplicação do produto da venda na dívida, proceda-se em conformidade.” - cfr. fls. 177 dos autos, numeração SITAF.
L. O despacho referido no ponto anterior assentou na seguinte informação dos serviços:
Em face do cheque nº ...12 do Banco 1... dó valor de 115.200 € e do alegado pelo contribuinte na reclamação nº ...69 do art.º 276º do CPPT de 4-02-2022. nomeadamente pontos 49º, 50º e 57º. em que "colocaram à venda um dos imóveis, numa tentativa de realizar um valor que lhes permita realizar um pagamento mais substancial”; "o imóvel está a ser promovido através do link ...". "é intenção proceder ao pagamento integrei do valor em dívida..." parece ser de antecipar o pagamento do pagamento das prestações 33 a 36 do plano ...82, processo ...79 e apenso
...89 no valor de 29.913,73€, por serem os processos mais antigos, e aplicar 85.286.27€ e no processo ...70.
Foi esta intenção comunicada á senhora mandatária do contribuinte que nada disse. (Fls. 177, do sitaf).
M. Com data de 11 de Fevereiro de 2022 foi aplicado o valor de € 29.913,73, no processo de execução fiscal n.º ...89 - cfr. o documento identificado como n.º 8, junto aos autos.
N. O valor acima referido foi retirado do cheque n.º ...12, do Banco 1..., S.A., emitido à ordem de IGCP, E.P.E., no valor total de € 115.200,00, datado de 11 de Fevereiro de 2022 - cfr. o documento identificado como n.º 8, junto aos autos.
O. Os Reclamantes apresentaram reclamação nos termos do artigo 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do acto de aplicação do valor da venda que tem vindo a ser referido - facto que se extrai de fls. 44 dos autos, numeração SITAF
P) Em 11/03/2022, os serviços elaboraram informação, ao abrigo do disposto no artigo 277.º/2, do CPPT, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
«22-Verifica-se ainda que com referência ao processo executivo nº ...70, em 2022.02.11, foi efetuado um pagamento voluntário através do DUC (Documento Único de Cobrança) nº ..., no montante de € 85.286,27. // 23- Consultada a tramitação dos processos de execução fiscal (PEFs) nº ...89 e ...79, no Sistema de Execuções Fiscais (SEFWEB), verifica-se que os mesmos se encontram extintos por pagamento voluntário em 2022.02.11, com o pagamento do DUC (Documento Único de Cobrança) nº ...60, no valor de € 29.913,73. // A reclamação tem por fundamento a ilegalidade, inconstitucionalidade e inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada, por violação dos artigos 266º da CRP, alínea a) e e) do nº 2 do artigo 8º da LGT, artigo 55º da LGT e artigo 59º da LGT. // Nos termos do nº 2 do art.º 277º do CPPT, o órgão da execução fiscal poderá ou não revogar o ato reclamado. Perante o exposto, verifica-se que foi remetido o ofício nº ...16 em 2022.02.11, à Conservatória do Registo Predial de Portimão, para desistência da penhora da fração autónoma designada pela letra ..., inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Venteira, concelho de Amadora, ...53, efetuada à ordem dos processos executivos nº ...70 e ...88, e, salvo melhor opinião, parece ser de manter o pagamento efetuado nos processos executivos nº ...89 e ...79, no valor de € 29.913,73, e remeter o processo ao tribunal.
2.1.2.O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
a) Em 05.10.2021 foi instaurado, contra o Reclamante, o processo de execução fiscal n.º ...70, para a cobrança coerciva de uma divida no valor de € 555.515,86 (cfr. documento 1 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
b) Em 21.11.2021 os Reclamantes requereram o pagamento em prestações da dívida exequenda O plano foi inicialmente deferido em 36 prestações e, na sequência da apresentação de uma reclamação contra o ato do órgão da execução, o número de prestações passou para 60 (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento ... junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
c) Em 15.12.2021, foi proferido despacho pela Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro, que autorizou o pagamento dos processos de execução fiscal nºs ...70 e ...88, em 36 prestações mensais e autorizou a constituição de hipoteca voluntária sobre a aeronave modelo ...... com a designação “D-...” e o nº de série 936 cujo valor de mercado é de € 920.000,00/€ 950.000,00, com a concessão de prazo de 30 dias para a finalização da constituição de hipoteca (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 3 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
d) Em 30.12.2021 os Reclamantes reclamaram do despacho acima identificado com fundamento na sua ilegalidade e requerendo que fosse determinado o pagamento do valor em dívida em 150 prestações mensais e sucessivas ou, se assim não se entendesse, fosse autorizado o pagamento do referido valor em 60 prestações mensais e sucessivas (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 4 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
e) Em 14.01.2022 a Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro, em regime de substituição por delegação, revogou o despacho anterior proferido em 15.12.2021 e elaborou novo despacho autorizando o pagamento da dívida em 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas, nada sendo referido sobre a garantia aprovada anteriormente (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 5 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
f) Em 03.02.2022, os Reclamantes apresentaram nova reclamação, contra o ato acima identificado com fundamento na sua ilegalidade, e pedindo a substituição do mesmo por um despacho que autorize o pagamento do valor em dívida em 150 prestações mensais e sucessivas (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 6 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
g) Em 04.02.2022, foi requerido junto do serviço de finanças de Amadora 1, a emissão das guias de IMT e Imposto de Selo, para efeitos de realização da venda da fração autónoma designada pela fração autónoma com a letra ..., sito em R…, freguesia de V…, concelho de Amadora, inscrito na matriz sob o artigo …. e descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º …..-DX, propriedade dos Reclamantes, tendo a mesma sido negada e informado que a emissão das mesmas dependia de autorização do serviço de finanças de Portimão (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 8 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
h) Na mesma data, o Chefe do serviço de finanças de Portimão informou que a emissão das guias de IMT e Imposto de Selo poderiam ser emitidas, mas penhorando o produto da venda, por não existir garantia aprovada (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 8 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
i) Em 07.02.2022, o serviço de finanças de Portimão elaborou o “Auto de Penhora” sobre a fração autónoma com a letra ..., sito em R…, freguesia de V…, concelho de Amadora, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.º …-DX, propriedade dos Reclamantes, para efeitos de garantia do valor devido nos processos de execução fiscal n.ºs ...70 e ...88, constando do mesmo o seguinte:«Imagem no original»
(cfr. documento 1 junto com a petição inicial e documento 9 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
j) Na mesma data foi elaborado o ofício ...83, para efeitos de notificação da penhora acima identificada
(cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e aviso de receção, registo n.º ... constante do documento 9 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
k) Na mesma data foi requerido o registo da penhora acima identificado junto da Conservatória do Registo Predial de Portimão (cfr. documento 9 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
l) Em 10.02.2022, a Chefe Adjunta do serviço de finanças de Portimão enviou a seguinte comunicação à mandatária dos Reclamante:
«Imagem no original»
m) Em 11.02.2022 foi realizada a venda da fração autónoma referida nos autos, pelo preço de € 128.000,00, sendo que haviam sido pagos a título de sinal, diretamente aos Reclamantes o valor de € 12.800,00, e € 115.200,00 foram pagos em cheque e entregue diretamente ao representante da Fazenda Pública presente na escritura (cfr. documento 8 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
n) ATO RECLAMADO - Na mesma data o valor de € 85.286,27 foi aplicado para efeitos de pagamento da dívida exequenda no âmbito do processo de execução n.º ...70 (cfr. documento 9 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
o) Em 14.02.2022 foi remetido através de comunicação eletrónica à mandatária dos reclamantes, comprovativo de pagamento do valor total de € 115.200,00, efetuado através de guias de pagamento modelo ...0, no valor de € 29.913,73 e € 85.286,27, correspondentes a pagamentos efetuados nos processos executivos nº ...89 e apenso e ...70, respetivamente, bem como enviada cópia do cheque nº ...12 do Banco 1..., passado à ordem do IGCP (cfr. informação e documento 8 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
p) Na mesma data, os Reclamantes conseguiram levantar a correspondência remetida em seu nome, do qual constava o ofício ...83 de 07.02.2022, contra o qual reclamam, que os informava da penhora realizada no dia 07.02.2022, para garantia do valor devido nos processos de execução fiscal nº ...70 e ...88, acima mencionado (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08 e documento 9 junto em Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...24) de 24/03/2022 19:50:08);
q) Em 21.02.2022 os Reclamantes apresentaram a presente reclamação, dirigida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (cfr. Petição Inicial (...29) Documentos da PI (...23) de 24/03/2022 19:50:08);
r) Em 23.06.2022 o serviço de finanças de Portimão informou que “não se concretizou a penhora nem a hipoteca da aeronave modelo ...... com a designação “D-...” e o número de série 936 registada em nome de P…. Mais se informa que foi solicitada, em 18 de Maio de 2022, a substituição da garantia pela constituição de uma hipoteca sobre o avião terrestre plurimotor, marca ..., modelo ..., ano de fabrico de 1989, número de série de fabricante 857 com as marcas de nacionalidade e matrículas ... e a hipoteca dos artigos matriciais nº … e … da freguesia de M…, concelho de Portimão, inscritos na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o art. …, estando este Serviço a aguardar elementos para que seja apreciado o pedido” (cfr. ofício junto aos autos em 28.06.2022 e inicialmente dirigido ao processo 168/22.5BELLE, a correr termos neste Tribunal);
s) Em 17 de Junho de 2022 a Autoridade Nacional da Aviação Civil, certificou além do mais «que se encontra registada, no RAN, desde 15 de abril de 2022, uma terceira hipoteca voluntária, outorgada, em 8 de junho de 2022, pela S…, S.A., como devedor hipotecário, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, no Serviço de Finanças de Portimão como credor hipotecário, para garantia do pagamento em prestações de dívidas de P… e C…, exigida nos processos executivos ns° ...70 e ...88, no montante máximo garantido de €703.080,64 (setecentos e três mil e oitenta euros e sessenta e quarto cêntimos).
t) A hipoteca identificada no ponto anterior foi registada no Registo Aeronáutico Nacional (RAN) e incidiu sobre o avião terrestre plurimotor, marca ... PLC, modelo ..., ano de fabrico 1989, com o número de série de fabricante 857, marcas de nacionalidade e matrícula ..., equipado com dois motores marca ..., modelo ... 331-1..., com os números de série do fabricante P-... e ...;
u) sobre o avião identificado no ponto anterior incidem outras duas hipotecas a favor da Fazenda Pública para garantia do pagamento de dívidas em execução noutros processos de execução fiscal no montante máximo garantido de € 380 075,06 e 374 850,90;
v) A comunicação identificada no ponto h) constituiu resposta ao pedido formulada pela mandatária dos executados dirigido àquele órgão da execução fiscal do seguinte teor:
«Imagem no original»

x) Em 11/02/2022 foi emitido cheque visado à ordem do IGFCP, EPE no valor de € 115 200,00 entregue a funcionário da Direcção de Finanças de Lisboa no acto da escritura identificada em m) (cf. documento n.º 2);
y) Na mesma data e local da realização da escritura referida no ponto anterior foram emitidas e entregues ao comprador guias para pagamento de IMT e Imposto de Selo (cf. documento n.º 2);
z) Em 18 de Maio de 2022 o executado solicitou a substituição da garantia autorizada identificada em c), pela constituição de uma hipoteca sobre o avião terrestre plurimotor, marca ..., modelo ..., ano de fabrico de 1989, número de série de fabricante 857 com as marcas de nacionalidade e matrículas ... e a hipoteca dos artigos matriciais nº … e … da freguesia de M…, concelho de Portimão;
aa) A reclamação do acto identificada em f) correu termos no TAF de Loulé com o n.º 155/22.... e foi julgada improcedente por sentença proferida em 27/06/2022 transitada em julgado - cf. consulta à plataforma sitaf.

2.2. O direito
O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do CPPT, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido nestes autos por alegada oposição com o entendimento perfilhado no acórdão do TCAS de 13 de Outubro de 2022, no processo n.º 169/22.3BELLE.
De acordo com o artigo 284.º, n. º1, alínea a) do CPPT, pode ser interposto recurso para uniformização de jurisprudência quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
E nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CPTA e no artigo 281.º do CPPT, como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado.
Da conjugação das normas em causa decorre que o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, conforme aliás tem vindo a considerar este Tribunal no âmbito de recursos interpostos ao abrigo do artigo 25.º do RJAT e cujo entendimento é totalmente transponível para o presente recurso - neste sentido, entre outros, acórdãos STA (Pleno) de 28/9/2023, Processo 63/23.0BALSB; de 25/10/2023, Processos 50/23.9BALSB; 51/23.7BALSB; 45/23.2BALSB; de 22/11/2023, Processo 38/23.0BALSB.
Como se assinalou no acórdão STA de 28/9/2023, recurso n.º 063/23.0BALSB, “(….) o legislador, objetiva e inequivocamente, exige que a decisão/acórdão aduzida/o como fundamento tenha sido proferida/o em data anterior, precedente, à da emissão da/o objeto do recurso uniformizador.
Esta exigência radica e justifica-se, objetivamente, por só fazer sentido, axiológico, uma eventual censura, jurisdicional, da decisão recorrida, por contradição/oposição, com outra, na hipótese de o decisor da visada ter podido, no quadrante do tempo, contactar com a orientação (englobando-se, além do mais, as respetivas circunstâncias fáctico-jurídicas) da decisão fundamento, no momento, também já, transitada em julgado.”.
Adicionalmente, referiu-se no acórdão STA de 25/10/2023, Processo 50/23.9BALSB, que destinando-se o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência a resolver uma contradição objectiva entre duas decisões proferidas pelas instâncias ou pelo Supremo Tribunal é determinante que o julgador (ou julgadores) da decisão mais recente possa ter tido acesso a uma doutrina jurisprudencial consolidada na ordem jurídica à qual, em princípio, deve obediência por duas ordens de razões, a de igualdade dos cidadãos perante a Lei e da estabilidade da própria jurisprudência, sem nunca, contudo, se coarctar a liberdade interpretativa. Ou seja, o julgador da segunda decisão, da decisão recorrida, para que verdadeiramente se possa falar de contradição entre duas decisões nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA, tem que ter acesso a uma decisão anteriormente transitada em julgado, consolidada na ordem jurídica, para que verdadeiramente possa divergir da doutrina que resulta dessa decisão.
No caso em apreço, os dois acórdãos (recorrido e fundamento) foram proferidos na mesma data (13 de Outubro de 2022), sendo, por isso, manifesto que à data em que foi proferido o acórdão recorrido não se verificava o trânsito em julgado do acórdão fundamento.
Pelo que o presente recurso não pode ser admitido.

Em conclusão: não pode admitir-se o recurso para uniformização de jurisprudência interposto ao abrigo do artigo 284.º do CPPT se à data em que foi proferido o acórdão recorrido ainda não estava transitado em julgado o acórdão invocado como fundamento do recurso.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024 – Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.