Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037/18
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22995
Nº do Documento:SA120180228037
Data de Entrada:01/17/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………………… intentou, no TAF de Braga, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (doravante CGA), acção administrativa especial pedindo (1) a anulação do acto que lhe concedeu a pensão de aposentação unificada com base em contribuições inferiores às que foram pagas e a (2) condenação da Ré (a) a reformular a contagem do seu tempo de serviço e (b) a pagar-lhe o diferencial da reforma apurada.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente, anulando o acto impugnado mas indeferindo os pedidos condenatórios.

E o TCA Norte, para onde a Autora e a CGA apelaram, negou provimento a ambos os recursos mantendo a decisão recorrida.

É desse Acórdão que a Autora recorre ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora, previamente à formulação do seu pedido de aposentação, requereu ao Centro Nacional de Pensões (CNP) a contagem do seu tempo de contribuições para essa entidade tendo-lhe sido prestada informação certificando que a mesma tinha efectuado descontos durante 348 meses, isto é, durante 29 anos (Vd. ponto 1 da M.F que tem a seguinte redacção: “Em 14.10.2007, o Centro Distrital de Segurança Social de Braga emitiu uma declaração referente ao tempo de serviço da Autora com o teor que se transcreve:
“Nome A…………………
Data Nascimento: 1952/06/05
Número de identificação da Segurança Social: ……………..
Declara-se que, nesta data, o requerente acima mencionado está abrangido pelo(s) Regime(s) e períodos abaixo indicados:
1. Regime GERAL, de 04/1967 a 12/1970, no total de 45 meses
2. Regime GERAL, de 01/1971 a 12/1991, no total de 238 meses
3. Regime GERAL, de 08/1994 a 09/1995, no total de 13 meses
4. Regime GERAL, de 04/2000 a 08/2005, no total de 52 meses (cfr. doc. n° 3 junto com a Petição Inicial.)”. E foi no convencimento de que tal informação correspondia à verdade que requereu à CGA a sua aposentação.
Todavia, quando deferiu o seu pedido de aposentação, a CGA calculou o montante da pensão da Autora com base em 35 anos e 2 meses de tempo de serviço sendo que, desse tempo, 12 anos e 2 meses correspondiam a contribuições à Caixa Geral de Aposentações e 23 anos ao Centro Nacional de Pensões.

O que levou a Autora a impugnar esse acto, que reputou de ilegal pela seguinte ordem de razões:
- Porque, previamente ao pedido de reforma, requereu ao CNP a contagem do seu tempo de serviço e este informou-a que tinha descontado para esse sistema previdencial durante 29 anos e foi com base nesta informação e na credibilidade que a mesma lhe merecia que requereu a sua aposentação.
- Todavia, a CGA, ignorando aquela informação, apenas considerou que a Autora tinha descontado para o CNP durante 23 anos e não durante os 29 anos que ele certificou.
- Deste modo, a contabilização do tempo de descontos da Autora para a CGA foi errada e causou-lhe, e continua a causar-lhe, enormes prejuízos.
- O acto impugnado está, assim, inquinado por erro nos seus pressupostos o que devia conduzir não só à sua anulação mas também à restituição do que lhe era devido.
Daí que tivesse formulado três pedidos; o de anulação do acto da CGA que lhe calculou o tempo de serviço, o de condenação da CGA a praticar um acto onde contabilizasse o tempo de descontos na forma certificada pelo CNP e, finalmente, o de condenação da CGA a pagar-lhe o diferencial entre o que tem recebido e o que devia estar a receber.

O TAF julgou a acção procedente apenas no tocante ao pedido de anulação com a seguinte fundamentação:
“Deste modo, independentemente da veracidade desta informação, a verdade é que a mesma foi prestada pelos Serviços da Segurança Social, criando uma convicção na Autora de que assim era. Trata-se de uma declaração de uma entidade pública que dispõe da informação e da competência para a prestar, fazendo fé da sua veracidade.
É ainda de ter em conta que da Declaração em causa, não consta qualquer diferenciação de regimes, encontrando-se todos os períodos enquadrados no Regime Geral, fazendo a Autora acreditar que durante aqueles períodos se encontrava a descontar ao abrigo do regime previdência do Centro Nacional de Pensões.
Deste modo, independentemente da informação prestada ser ou não a correta, serviu para a Autora fundar a sua decisão na informação prestada, convicta da veracidade da mesma.
A Autora ao basear a sua decisão de requerer a reforma antecipada, na declaração prestada em 14.11.2007, agiu com erro sobre os pressupostos de facto, o que constitui causa de invalidade do ato administrativo. O erro nos pressupostos de facto constitui uma ilegalidade de natureza material, pois incide sobre a substancia do ato administrativo que contraria a lei.”

E julgou improcedentes os pedidos condenatórios pelas seguintes razões.
“Apesar de a Autora alegar que o trabalho prestado ao abrigo do Centro Nacional de Pensões perfaz uma totalidade de 29 anos de serviço, alicerça-se apenas num documento emitido pelo Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de Segurança Social de Braga, que consta do ponto 1 dos factos assentes.
A Autora não alega ou demonstra quaisquer outros factos que permitam concluir que trabalhou efetivamente durante o período que alega, sendo que por outro lado, não resultam do processo administrativo quaisquer outros documentos que possam demonstrar o tempo de trabalho que a Autora pugna.
O documento em que a Autora alicerça o cômputo erróneo do tempo de serviço, não tem força suficiente para contrariar a contagem exposta no ato impugnado, uma vez que só por si não demonstra a efectividade do trabalho prestado.
Pelo exposto, não existem elementos suficientes nos presentes autos que permitam concluir pelo vício de violação de lei alegado, por erro nos pressupostos de facto quanto à contagem do tempo de serviço efetivamente prestado ao abrigo do regime previdência do Centro Nacional de Pensões.
Atenta a improcedência do referido vício, fica prejudicado o conhecimento do pedido relativo à condenação à prática do ato devido, cuja dependência da procedência do vício de violação de lei era condição inultrapassável. Bem como, do pedido de condenação da Ré ao pagamento à Autora do diferencial da reforma apurada, atento que também se encontrava na dependência da procedência do vício de violação de lei, por errónea quantificação dos anos a ter em conta para a pensão adstrita ao regime previdencial do Centro Nacional de Pensões.”


O TCA Norte, para onde a Autora e a CGA apelaram, negou provimento a ambos os recursos.
No tocante ao recurso da Autora argumentou:
“…Impõe-se tal como decidido, julgar improcedente a acção na parte em que se pede a condenação à prática do acto devido, tendo em conta que a Autora não logrou efectivamente provar o facto que serve de pressuposto essencial para este pedido, o de que prestou serviço e efectuou descontos no período compreendido entre 09/1999 e 06/2005, face ao disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09.12, e no artigo 4º, n.º1, do Decreto-Lei nº 361/98 de 18.11.”

Relativamente ao recurso da CGA ponderou:
“O vício da vontade manifestada pela Autora está comprovado: foi-lhe apresentado como tempo de serviço a computar para aposentação, adstrito ao Centro Nacional de Pensões, 29 anos.
Só nesse pressuposto requereu a aposentação. Dito de outro modo: a aposentação que requereu foi com a totalidade do tempo de serviço que lhe foi indicado e não com um período de tempo de serviço inferior.
Só nesses termos lhe poderia ser deferido o pedido de aposentação porque só nesses termos correspondia ao pedido.
…..
Pelo que efectivamente se verifica o erro nos pressupostos de facto e de direito que determinou a anulação do acto pela decisão recorrida, dado que não se verifica uma situação de aposentação obrigatória e a concedida não corresponde à que foi pedida.”

3. Conforme resulta do antecedente relato, o TAF e TCA concordaram que a Autora só requereu a sua aposentação por ter sido convencida pela informação prestada pelo CNP de que a mesma havia feito descontos para aquela entidade durante 29 anos. Informação que o TAF considerou vinda de “uma entidade pública que dispõe da informação e da competência para a prestar, fazendo fé da sua veracidade.” Juízo que o TCA não pôs em causa.
Daí que a Autora/Recorrente não se conforme com a improcedência dos pedidos condenatórios. Censurando o Acórdão recorrido por entender que a referida informação era suficientemente credível e demonstrativa de que a Autora tinha contribuído durante 29 anos para o CNP e de, por isso, se impunha a anulação do acto impugnado mas, simultaneamente, considerando que a mesma era imprestável para a condenação da Ré a fixar a pensão de acordo com os elementos que dela constavam e a pagar-lhe o diferencial entre o montante que vem recebendo e aquele a que tem direito. E isto porque, tendo a certidão passada pelo CNP “valor jurídico e valor probatório daquilo que nele consta”, não fazia sentido que a CGA fosse absolvida dos pedidos condenatórios.
E há que reconhecer que a lógica que subjaz ao discurso alegatório desta revista faz sentido e tem força suficiente para a mesma ser admitida.
Com efeito, parece ser incongruente que o Acórdão recorrido – à semelhança do TAF - considere que a informação prestada pelo CNP seja relevante para se dar por assente que o pedido de aposentação só foi formulado porque a Recorrente confiou na seriedade e no rigor daquela entidade pública e, com esse fundamento, anular o acto impugnado e, por outro lado, entenda que essa informação, por si só, não servia para fundamentar um juízo de procedência dos pedidos condenatórios. E isto porque ou a referida informação é credível e merece ser atendida e, nessa medida, serve para fundamentar a procedência não só do pedido de anulação como dos restantes pedidos ou a mesma não merece consideração e, então, deveria conduzir à improcedência da totalidade dos pedidos.
Ou seja, impõe-se reanalisar o valor probatório da mencionada informação e decidir se a mesma pode ser fundamento da factualidade que a Recorrente pretende ver provada. Questão que é, claramente, uma questão de direito e que, por isso, pode fundamentar a admissão da revista.
Como também se impõe reanalisar o valor da documentação que serviu à CGA para negar a pretensão da Recorrente. E isto porque não parece fazer sentido exigir que a Autora prove que trabalhou efectivamente durante o período que alega e que no mesmo pagou as contribuições devidas para o CNP através de elementos que não provenham desta entidade recebedora dessas contribuições. E resto, parece que nenhuma prova pode ser considerada mais atendível do que a certidão vinda da entidade receptora dos descontos feitos pela Recorrente.

Finalmente, haverá que ter em conta que a decisão recorrida coloca a Recorrente numa situação verdadeiramente insólita uma vez que, por um lado, vê a primeira das suas pretensões ser coroada de êxito e, por essa razão, vê anulado o acto que calculou a sua pensão com base num tempo contributivo que ela considera errado e, por outro, constata que esse êxito é enganador visto que o mesmo irá colocá-la numa situação que lhe poderá provocar sérios prejuízos por a consequência natural daquela anulação ser o seu regresso à vida activa e a devolução à CGA dos montantes que esta, entretanto, lhe pagou. Ou seja, trata-se de uma vitória que causa mais prejuízos do que uma derrota.
Tudo o que fica dito aconselha a que se admita o recurso com vista a uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.