Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01015/16.2BEPNF 0534/18
Data do Acordão:10/03/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
CRÉDITOS
CONTRATO DE TRABALHO
PRAZO DE RECLAMAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Com o regime do «FGS» instituído em 2015 pelo DL n.º 59/2015, manteve-se o prazo de prescrição de créditos que se encontra inserto no art. 337.º do Código de Trabalho [CT], passando o referido Fundo, em caso, nomeadamente, de insolvência do empregador, a assegurar o pagamento aos trabalhadores dos créditos emergentes de contrato de trabalho quando o pagamento lhe vier a ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho [arts. 01.º e 02.º, n.º 8, daquele novo regime].
II - Instituiu-se, assim, um prazo de reclamação cujo termo final se apresenta como diverso do regime até aí vigente e que constava do n.º 3 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, dado que neste preceito se disciplinava que os créditos poderiam ser reclamados até três meses antes da respetiva prescrição e, como tal, estávamos em face de prazo «basculante» visto o respetivo termo final «oscilava» ou «pendulava» em função das intercorrências sofridas ou havidas no cômputo do prazo de prescrição.
III - Visto o regime normativo transitório definido no art. 03.º do DL n.º 59/2015 na sua concatenação com o demais regime legal vigente, nomeadamente o n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» e o art. 337.º do CT, não foi propósito do legislador o de instituir ex novo e de modo generalizado um prazo de admissão de requerimentos de trabalhadores contendo pedidos de reclamação de pagamento de créditos junto do «FGS» e que este viesse ou passasse a responder, enquanto garante e com tal amplitude, independentemente ou abstraindo-nos da necessidade de aferição do decurso ou não dos prazos [prescricional ou de caducidade] e/ou com total abstração de situações constituídas.
IV - Quando a lei nova [«LN»] vem encurtar um prazo a ponto de, por força da entrada em vigor daquela lei, o mesmo poder ficar automaticamente prescrito ou caduco impõe-se que a contagem do novo prazo seja efetuada a partir do início de vigência da «LN» com a ressalva da parte final do n.º 1 do art. 297.º do Código Civil.
V - Viola o princípio da confiança ínsito no art. 02.º da CRP um entendimento que, em aplicação do quadro normativo referido em I., aceita como conforme à nossa ordem jurídica que, em aplicação da «LN» que modifica regra relativa a prazo, um trabalhador possa, por caducidade, perder o direito ao pagamento dos créditos salariais antes mesmo da entrada em vigor dessa lei e da própria data de apresentação do requerimento ou de esta mesma ser possível à luz daquela lei.
Nº Convencional:JSTA000P24971
Nº do Documento:SA12019100301015/16
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A……….., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa contra o «FUNDO DE GARANTIA SALARIAL» [«FGS»], peticionando a anulação do ato de 15.04.2016 do Presidente do Conselho de Gestão do «FGS» que havia indeferido o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

2. O «TAF/P», por sentença de 24.02.2017 [cfr. fls. 88/94 - paginação «SITAF» - tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o R. do pedido.

3. O A., inconformado recorreu para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual, por acórdão de 30.11.2017 [cfr. fls. 148/155], veio a negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o A., de novo inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 191 e segs.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
I. Até ao dia 4 de maio de 2015, os artigos 317.º a 326.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, mantiveram-se em vigor, por força do artigo 12.º, n.º 6 al. o), da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, até serem revogados pelo artigo 4.º al. a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
II. Nos termos do n.º 1, do art. 91.º, do CIRE, a declaração de insolvência determinava o vencimento de todas as obrigações do insolvente.
III. Por seu turno, nos termos do n.º 1 do art. 128.º, do mesmo Código, os credores deveriam reclamar a verificação dos créditos vencidos, e só após o respetivo reconhecimento é que os poderiam solicitar ao Fundo de Garantia Salarial.
IV. Nos termos do n.º 1 do art. 319.º do RCT, então vigente, o Fundo de Garantia Salarial assegurava o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecediam a data da propositura da ação nos casos em que o empregador fosse judicialmente declarado insolvente (art. 318.º do RCT).
V. Mister é dizer que, tendo em vista que existiam créditos vencidos nos seis meses que antecederam a propositura da ação de declaração de insolvência, então, só após o empregador ser judicialmente declarado insolvente, é que os mesmos se poderiam considerar vencidos para efeito do requerimento apresentado ao FGS, a fim da competente indemnização a que o Recorrente tinha (e tem) direito.
VI. O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que substituiu o regime anteriormente previsto na RCT, nos artigos 316.º a 326.º, não alterou os créditos abrangidos pela garantia de pagamento concedida pelo FGS: “os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação”, desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador (cfr. alínea a), do n.º 1, do art. 1.º).
VII. O regime revogado estabelecia que “O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição” (artigo 319.º, n.º 3 da RCT).
VIII. Esta formulação obrigava, então, a verificar o prazo de prescrição dos créditos laborais previsto no Código do Trabalho.
IX. O Supremo Tribunal Administrativo entende que é um prazo suscetível de interrupção na sua contagem nos termos e situações previstos, mormente, nos artigos 323.º, 324.º e 325.º todos do Código Civil - Cfr. Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 17.12.2014, proc. 0632/12.
X. Daí, ter de aplicar-se a interrupção e suspensão da prescrição prevista nos artigos 323.º e 327.º do Código Civil.
XI. Porém, o prazo a que alude o n.º 8 do art. 2.º do Novo Regime não refere o regime da prescrição, ao invés do revogado n.º 3 do art. 319 do RCT.
XII. No entanto, até então, sempre se iniciava a contagem de um ano a partir do momento em que iniciou o prazo para o Recorrente requerer ao FGS os seus créditos laborais.
XIII. O prazo para requerer ao FGS os créditos laborais estava interrompido no dia 4 de maio de 2015 (data da entrada em vigor do Novo Regime do FGS), pelo que o Tribunal a quo, considerando que o prazo a que alude o n.º 8 do art. 2.º do Novo Regime é um prazo de caducidade, sempre teria de iniciar a contagem de um ano a partir de 4 de maio de 2015.
XIV. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo reiteradamente entende que, no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente, o Fundo de Garantia Salarial assegurava os créditos salariais que se tivessem vencido nos seis meses antecedentes à data de propositura da ação de insolvência - Inter alia cfr. Acs. do STA de 17.12.2008 - Proc. n.º 0705/08, de 04.02.2009 - Proc. n.º 0704/08, de 07.01.2009 - Proc. n.º 0780/08, de 10.02.2009 - Proc. n.º 0820/08, de 11.02.2009 - Proc. n.º 0703/08, de 25.02.2009 - Proc. n.º 0728/08, de 12.03.2009 - Proc. n.º 0712/08, de 25.03.2009 - Proc. n.º 01110/08, de 02.04.2009 - Proc. n.º 0858/08, de 10.09.2009 - Proc. n.º 01111/08; de 10.09.2015, Processo n.º 0147/15, todos disponíveis in www.dgsi.
XV. Então, se quando da entrada em vigor do novo regime do FGS aprovado pelo DL 59/2015, de 21 de abril, o direito estava na esfera jurídica do recorrente, interpretar que a contagem do prazo de um ano (caducidade) desde a cessação do contrato de trabalho, a que alude o novo regime do FGS, também se aplica aos processos pendentes (retirando esse direito), consubstancia uma restrição dos direitos e garantias ínsitos na Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, violação do princípio constitucional de proteção da confiança …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 210 e segs.], concluindo nos seguintes termos:
«...
A. O requerimento do A. foi apresentado ao FGS em 06.05.2015, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento do A. foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art. 319.º, 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja, 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
F. Sendo aplicável o novo regime, temos de considerar como estando ultrapassado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
G. É nosso entendimento que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decidiu bem ao manter a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.
H. Assim como o Tribunal Central Administrativo ao confirmar a sentença proferida por aquele Tribunal.
I. Não assistindo razão ao A. no recurso que agora interpõe …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 14.06.2018, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 232 e segs.].

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso [cfr. fls. 240 e segs.].

8. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o assacado erro de julgamento acometido pelo A./recorrente ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado, visto entender haver violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 02.º, n.º 8, do novo regime do «FGS», anexo ao DL n.º 59/2015, de 21.04 [na redação original - redação essa a que se reportarão ulteriores citações daquele diploma], 03.º do mesmo DL, 02.º e 18.º ambos da Constituição da República Portuguesa [CRP], e, nessa medida, deveria ter sido julgada procedente a pretensão impugnatória por si deduzida ao invés do que concluíram as instâncias [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].




FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
10.1) Em 28.10.2014 deu entrada no Tribunal de Amarante a ação de insolvência em que é devedora «B……….., Ld.ª», que correu os seus termos sob o n.º 293/14.6T8AMT - cf. fls. 22 do processo administrativo [«PA»] apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10.2) No âmbito da ação mencionada no ponto antecedente foi proferida sentença de declaração de insolvência transitada em julgado em 09.02.2015 - cf. fls. 22 do «PA».
10.3) Em 08.05.2015, o A. requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos seguintes termos:
«
Identificação do Empregador: “B…………, Ld.ª”
Data de admissão: 01/01/2013
Data da cessação: 29/04/2014
Total - € 7.231,35 …» - cfr. fls. 19 do «PA» apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10.4) Por despacho de 15.04.2016 do Sr. Presidente do Conselho de Gestão do «FGS» foi indeferido o requerimento, porquanto o pedido não foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou com contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 02.º do DL n.º 59/2015, de 21.04 - cfr. fls. 11 verso do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

*

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista.

12. Insurge-se o A., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, negando provimento ao recurso, manteve a sentença do «TAF/P» que havia julgado improcedente a ação por ele intentada contra o R./«FGS», e onde impugnou o ato que lhe indeferiu o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

13. A discussão nos autos centra-se na interpretação e aplicação à situação vertente do regime previsto nos arts. 02.º, n.º 8, do novo regime do «FGS» publicado em anexo ao DL n.º 59/2015 e 03.º do mesmo DL [diploma que veio estabelecer o novo regime do «FGS», previsto no art. 336.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02), transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, e que entrou em vigor em 04.05.2015 - cfr. art. 05.º do referido DL] nos termos que se mostram efetuados pelo R., e reputados como errados pelo A..

14. Cotejando o quadro legal em referência extrai-se do art. 03.º do referido DL, sob a epígrafe de «aplicação da lei no tempo», no que releva para a situação objeto de litígio, que «[f]icam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor» [n.º 1], que «[o]s requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão são apreciados de acordo com a lei em vigor no momento da sua apresentação» [n.º 2], sendo que «[f]icam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, sendo objeto de reapreciação oficiosa: a) Os requerimentos apresentados, na pendência de Processo Especial de Revitalização, instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril; b) Os requerimentos apresentados entre 1 de setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência» [n.º 3].

15. Resulta, por sua vez, do art. 01.º do novo regime do «FGS», publicado em anexo ao referido DL, que «[o] Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador; b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. (IAPMEI, I.P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas» [n.º 1], sendo que «[o] Fundo assegura o pagamento dos créditos referidos no n.º 1 ao trabalhador que exerça ou tenha exercido habitualmente a sua atividade em território nacional ao serviço de empregador com atividade no território de dois ou mais Estados-Membros, ainda que este seja declarado insolvente por tribunal ou outra autoridade competente de outro Estado-Membro da União Europeia ou outro Estado abrangido pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu» [n.º 3].

16. E no art. 02.º do mesmo regime, que tem por epígrafe «créditos abrangidos», prevê-se que «[o]s créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação» [n.º 1], que «[a]os créditos devidos ao trabalhador referidos no número anterior deduzem-se: a) Os montantes de quotizações para a segurança social, da responsabilidade do trabalhador; b) Os valores devidos pelo trabalhador correspondentes à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento» [n.º 2], que «[o] Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas» [n.º 4], sendo que «[c]aso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência» [n.º 5], e que «[o] Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho» [n.º 8].

17. Nos termos do art. 336.º da Lei n.º 07/2009, de 12.02 [diploma que veio aprovar o Código Trabalho («CT»)], sob a epígrafe de «Fundo de Garantia Salarial», «[o] pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica», prevendo-se no normativo seguinte do mesmo diploma, sob a epígrafe de «prescrição e prova de crédito», que «[o] crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho» [n.º 1] e que “[o] crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo» [n.º 2].

18. Decorria, ainda, do art. 316.º da Lei n.º 35/2004, de 29.07 [diploma que veio, entretanto, a ser revogado pelo DL n.º 59/2015 - cfr. al. a) do seu art. 04.º] que «[o] presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho», derivando o normativo seguinte que «[o] Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes» e que o «FGS» assegurava «[o] pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente» [art. 318.º, n.º 1], que «se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior» [art. 319.º, n.º 1], e que lhes tenham sido «reclamados até três meses antes da respetiva prescrição» [n.º 3 do referido preceito].

19. Presente o quadro normativo antecedente temos que a jurisprudência deste Supremo proferida no quadro do regimes legais que foram disciplinando a matéria veio entendendo, de forma uniforme e reiterada, que no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente o «FGS» garantiria os créditos salariais que se tivessem vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da ação de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação [previsto no DL n.º 316/98] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 17.12.2008 - Proc. n.º 0705/08, de 04.02.2009 - Proc. n.º 0704/08, de 07.01.2009 - Proc. n.º 0780/08, de 10.02.2009 - Proc. n.º 0820/08, de 11.02.2009 - Proc. n.º 0703/08, de 25.02.2009 - Proc. n.º 0728/08, de 12.03.2009 - Proc. n.º 0712/08, de 25.03.2009 - Proc. n.º 01110/08, de 02.04.2009 - Proc. n.º 0858/08, de 10.09.2009 - Proc. n.º 01111/08, de 17.12.2014 - Proc. n.º 0632/12, de 10.09.2015 - Proc. n.º 0147/15, de 08.02.2018 - Proc. n.º 0148/15, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Supremo Tribunal sem expressa referência em contrário].

20. Para tal sustentou-se, no essencial, que o «FGS», que havia sido instituído pelo DL n.º 219/99, de 15.06 [diploma que, entretanto, veio a ser revogado pela Lei n.º 99/03 - cfr. art. 21.º, n.º 2, al. m)], assegurava o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência [desde que tais créditos lhe tivessem sido reclamados até três meses antes da respetiva prescrição], sendo que, para esse efeito, importava, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, visto inexistir necessidade de um título executivo para efeitos da reclamação do pagamento dos créditos junto do «FGS» [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 17.12.2008 - Proc. n.º 0705/08, e de 02.04.2009 - Proc. n.º 0858/08].

21. Com o novo regime do «FGS» instituído em 2015 pelo DL n.º 59/2015, mantendo-se o prazo de prescrição de créditos que se encontra inserto no art. 337.º do CT, temos que o referido Fundo passou, em caso de insolvência do empregador, a assegurar o pagamento aos trabalhadores dos créditos emergentes de contrato de trabalho quando o pagamento lhe vier a ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

22. Instituiu-se, assim, em matéria do regime normativo de garantia do pagamento por parte do «FGS» de créditos emergentes de contrato de trabalho relativos a empregadores insolventes, um prazo de reclamação cujo termo final se mostra ou se apresenta como diverso do regime até aí vigente e que constava do n.º 3 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, dado que neste preceito se disciplinava que os créditos poderiam ser reclamados até três meses antes da respetiva prescrição e, como tal, estávamos em face de prazo «basculante» visto o respetivo termo final «oscilava» ou «pendulava» em função das intercorrências sofridas ou havidas no cômputo do prazo de prescrição.

23. Para além disso importa atentar que, como resulta do quadro supra convocado, previu o legislador no art. 03.º do referido DL um regime de direito transitório formal com e no qual se disciplinou qual a lei concretamente aplicável no tempo às situações jurídicas, sujeitando, por um lado, à lei nova os requerimentos que vierem a ser apresentados no «FGS» após a entrada em vigor do novo regime [cfr. seu n.º 1] e à lei vigente no momento da sua apresentação quanto aos requerimentos pendentes de decisão no mesmo Fundo [cfr. seu n.º 2], e, por outro lado, à instituição de uma obrigação de reapreciação oficiosa por parte do «FGS», sujeita à aplicação da lei nova, para as situações previstas nas als. a) [requerimentos apresentados na pendência de Processo Especial de Revitalização - Lei n.º 16/2012] e b) [requerimentos apresentados entre 01.01.2012 e 04.05.2015 por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência] do n.º 3 do referido preceito.

24. Presente o que se mostra previsto e instituído em termos de definição do concreto regime normativo transitório aplicável nos n.ºs 2 e 3 do referido art. 03.º às situações ali descritas afigura-se-nos, desde logo, não ter sido propósito do legislador o de, com o n.º 1 do citado preceito na sua concatenação com o demais regime vigente, nomeadamente o n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» e o art. 337.º do CT, haver instituído ex novo e de modo generalizado um prazo de admissão de requerimentos de trabalhadores contendo pedidos de reclamação de pagamento de créditos junto do «FGS» e que este viesse ou passasse a responder, enquanto garante e com tal amplitude, independentemente ou abstraindo-nos da necessidade de aferição do decurso ou não do prazo prescricional e/ou com total abstração de situações constituídas.

25. E na apreciação da situação sub specie cumpre termos igualmente como presente que a norma contida no art. 02.º, n.º 8, do novo regime do «FGS» veio já a ser julgada pelo Tribunal Constitucional [TC] como inconstitucional dada a violação dos arts. 02.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP] [cfr. Acs. do TC n.º 328/2018, n.º 583/2018, n.º 251/2019 e n.º 270/2019, todos consultáveis in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário], «na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão».

26. Para o efeito, entendeu-se que a norma em crise ao sujeitar o direito do trabalhador ao acionamento do «FGS» a prazo de caducidade de um ano, prazo esse insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão [cfr. art. 328.º do CC] e contado a partir do dia seguinte àquele em que tem lugar a cessação do contrato de trabalho independentemente do momento em que, em caso de insolvência da entidade empregadora, tiver sido proferida a sentença com que é dado início à fase de reclamação dos créditos laborais, colocava a possibilidade de pagamento de tais créditos na dependência de um evento [emissão da sentença de insolvência] cuja verificação não estava e não está no controlo do trabalhador, escapando-lhe por completo, o que atentava contra os comandos constitucionais referidos.

27. Afirmou-se, assim e para o efeito no acórdão do TC n.º 328/2018 o entendimento, reiterado nos demais acórdãos daquele Tribunal, de que o «que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível - rectius, possa por ele ser adotado - no sentido de evitar essa preclusão», pelo que «[a]o fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição - e ao “remédio” (…) para a sua perda - a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013 …), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito», gerando-se «diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado», a ponto de os beneficiários deste regime de proteção «não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição)».

28. É em decorrência deste juízo e para obstar à manutenção da inconstitucionalidade do referido regime legal que o legislador, em 2018, através da Lei n.º 71/2018, de 31.12, procedeu à alteração do art. 02.º do novo regime do «FGS» introduzindo neste um n.º 9 com o seguinte teor: «[o] prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações».

29. Ora, cientes dos considerandos antecedentes, temos que na ação administrativa sub specie o A., aqui recorrente, veio impugnar o ato de 15.04.2016 do Presidente do Conselho de Gestão do «FGS» que lhe indeferiu o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e que não lhe haviam sido pagos pela entidade empregadora declarada insolvente, fundando para o efeito tal indeferimento no facto de o pedido pelo mesmo deduzido [em 08.05.2015] não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou com contrato de trabalho [em 29.04.2014], nos termos do n.º 8 do art. 02.º do DL n.º 59/2015.

30. Insurge-se o A. com o juízo firmado pelo «TCA/N» que, confirmando o juízo de improcedência da pretensão impugnatória que havia sido emitido pelo «TAF/P», o fez assentando, ao que se infere do nele afirmado, no entendimento de que teria havido erro nos pressupostos de direito na identificação e aplicação do regime legal que seria/deveria ter sido aplicado, já que era a anterior ao referido DL e que, como tal, «o novo prazo» nele inserto não seria sequer «aplicável, conquanto não há prazo “em curso” (art. 297.º, n.º 1, do CC)», para além de «que é de alheia discussão equacionar se viola, ou não, confiança», pelo que sendo «[d]e mérito vinculado» então cumpria «manter o ato por princípio de aproveitamento, e sob esta fundamentação a sentença ao julgar improcedente a ação».

31. Temos, assim, que o «TCA/N» afastando-se da fundamentação utilizada pelo «TAF/P» veio a fazê-lo com substituição de motivos, porquanto não podendo deixar de estar ciente de que o ato objeto de impugnação na ação administrativa havia indeferido a pretensão do A. fundando-se no disposto no art. 02.º, n.º 8, do novo regime do «FGS», como expressamente resulta do seu teor, acabou, todavia, por aferir da legalidade do mesmo e mantê-lo na ordem jurídica com apelo e fundando-se no regime legal pretérito que entendeu como sendo o aplicável, concluindo que teria caducado o pedido [cfr. art. 319.º da Lei n.º 35/2004].

32. Um tal juízo não pode manter-se.

33. Desde logo, impunha-se que a aferição da legalidade do ato impugnado fosse feita por referência ao concreto quadro legal que no mesmo foi expressamente convocado e no qual se fundou, sendo que a convocação e discussão em termos da não produção de efeito anulatório [cfr. art. 163.º, n.º 5, do CPA] e o apelo ao princípio do aproveitamento do ato pressupõem a verificação ou existência de uma ilegalidade.

34. De facto, só uma vez concluído que o ato errou na escolha do regime legal aplicável e que, então, sempre o mesmo enfermaria de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito é que, de seguida, caberia discutir e analisar em concreto da produção ou não do efeito anulatório.

35. No caso estamos confrontados com ato que expressamente se fundou e que fez aplicação de norma legal que, na sua redação originária, se mostrava ferida de inconstitucionalidade material, já que violadora dos arts. 02.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3, da CRP como conclui o TC e cujo juízo aqui se acolhe, pelo que outra conclusão não poderemos retirar que não seja a da procedência do fundamento de ilegalidade e consequente invalidade daquele ato por afetado pela referida inconstitucionalidade, não sendo minimamente adquirido que a decisão do «FGS» que venha a ser proferida em decorrência do presente juízo anulatório, aplicando o regime legal em decorrência da regra definida pelo art. 03.º do DL n.º 59/2015 [dado que estamos em presença de pretensão deduzida em 08.05.2015 e como tal após início da sua vigência (04.05.2015)], venha a ter conteúdo decisório idêntico ao do ato ora impugnado atenta a redação atualmente vigente do art. 02.º do novo regime do «FGS» [cfr. art. 163.º, n.º 5, do CPA].

36. Mas, para além disso, temos também que não se pode acompanhar o juízo feito no acórdão recorrido quando firmado à luz do regime legal pretérito ao referido DL e presente, igualmente, a leitura feita supra do respetivo regime normativo transitório do mesmo diploma.

37. É que os créditos do A. emergentes do contrato de trabalho, presente o regime legal decorrente dos arts. 336.º e 337.º do CT, 316.º, 317.º, 318.º e 319.º da Lei n.º 35/2004, só prescreviam decorrido o prazo de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho [in casu 30.04.2014], sendo que os mesmos teriam de ser reclamados junto do «FGS» até três meses antes da ocorrência do referido prazo prescricional.

38. Ora no caso o prazo de prescrição dos créditos do A. veio a ser interrompido com a instauração da ação na qual foi peticionada a insolvência da entidade empregadora [28.10.2014], sendo que se inutilizou todo o tempo que havia decorrido até aí e o novo prazo prescricional de um ano só começou a correr com o trânsito da sentença proferida na ação de insolvência [09.02.2015] [cfr. arts. 323.º, 326.º e 327.º, todos do CC].

39. Nessa medida, quando em 08.05.2015 o A. reclamou junto do «FGS» o pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho não pagos pela entidade empregadora declarada insolvente fê-lo, ao invés do que se concluiu no acórdão recorrido, com e em estrita observância dos prazos previstos no regime legal pretérito [cfr. arts. 336.º e 337.º do CT, 316.º, 317.º, 318.º e 319.º, da Lei n.º 35/2004], na certeza de que temos, também, como desacertado o juízo feito em aplicação do disposto no art. 297.º do CC e considerando o novo regime do «FGS» introduzido em 2015, nomeadamente a regra do novo prazo prevista no n.º 8 do art. 02.º.

40. É que se, como vimos, o prazo de reclamação junto do «FGS» do pagamento dos créditos por parte do A. ainda não se mostrava decorrido no quadro da lei antiga dado que a definição do seu termo estava dependente do que fosse ou viesse a ser em concreto o termo final do prazo de prescrição dos créditos emergentes de contrato de trabalho [cfr. arts. 337.º do CT e 319.º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004] estamos confrontados com a emergência na situação jurídica de um prazo fixado na lei nova cujo modo contagem foi considerado como sendo de caducidade e que, nessa medida, na falta de expressa previsão, na sua contagem não era suscetível de suspensão ou interrupção.

41. E, por isso, na ausência de relevância de qualquer facto interruptivo ou suspensivo o seu decurso poderá vir torná-lo mais «curto» na sua contraposição com aquilo era o regime legal pretérito.

42. Ora considerando o regime previsto no n.º 1 do art. 297.º do CC temos que «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou SJ, se tal prazo ainda se achava em curso no momento de IV da LN, é porque tal SJ ainda se não achava constituída (ou extinta) neste momento», e, então, «cabe à LN a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma SJ», sendo que «por razões de justiça e de prática conveniência» e prevenindo «possíveis efeitos de surpresa» que podem verificar-se «quando a LN vem encurtar um prazo», a ponto de poderem «ficar automaticamente prescritos por força da entrada em vigor da LN», importa «contar o novo prazo a partir do IV da LN, com a ressalva da parte final do preceito» [cfr. J. Baptista Machado, in: «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», pág. 243].

43. Daí que, nesta medida, também não poderá colher o entendimento expresso no acórdão recorrido.

44. De todo modo e vista a norma de aplicação da lei no tempo inserta no art. 03.º do DL n.º 59/2015 temos que também se apresenta ainda como desacertada uma interpretação e aplicação mecânica e automática que feita no ato impugnado do n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» na sua redação originária à concreta situação jurídica sub specie, porquanto violadora do art. 02.º da CRP, dado a mesma implicar que o direito do A. a requerer o pagamento dos créditos laborais junto do «FGS» caducaria ainda antes da entrada em vigor do referido DL [ocorrida esta como vimos em 04.05.2015], já que contado o prazo de pagamento dos créditos do dia seguinte à data de cessação do contrato [30.04.2014] e não havendo, ao invés do que atualmente ocorre, qualquer suspensão ou interrupção do prazo ali definido, em 30 de abril de 2015 operou a caducidade do direito.

45. Ora um entendimento no sentido de que perde o direito ao pagamento dos créditos salariais por caducidade o sujeito que, após a entrada em vigor da lei nova, apresenta requerimento ao «FGS» que é sujeito a essa lei nova e em que ainda antes da data de apresentação do mesmo requerimento e/ou dessa possibilidade já tinha decorrido o prazo previsto naquela lei tudo quando a mesma ainda nem sequer vigorava, tal consubstancia uma retroatividade da lei, que viola o princípio da confiança ínsito no art. 02.º da CRP.

46. Assistindo, assim, razão ao A. nas críticas que dirigiu ao acórdão recorrido, temos em que se impõe conceder provimento ao presente recurso e julgar procedente a pretensão pelo mesmo deduzida na ação, sem necessidade de outros considerandos.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido;
B) julgar a presente ação administrativa procedente, por provada, e consequentemente, anular o ato impugnado, com todas as legais consequências.
Custas nas instâncias e neste Supremo a cargo do R./Recorrido. D.N..

Lisboa, 3 de outubro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos (com a declaração que junto).
DECLARAÇÃO DE VOTO
O art. 3º do DL n.° 59/2015, de 21/4, definiu a aplicação, no tempo, do novo regime do FGS. E, à luz dessa definição, o requerimento que o autor dirigiu ao FGS, porque posterior a 4/5/2015, haveria de decidir-se segundo esse novo regime.
Esta «lex nova» estatuí no seu art. 2°, n.° 8, que o pedido de pagamento de créditos laborais deve ser formulado «até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho». E foi com base nesta norma que o acto impugnado indeferiu a pretensão do autor, já que o seu contrato de trabalho cessara mais de um ano antes do pedido dele ao FGS e, até, da entrada em vigor do novo regime.
Mas é evidente a ilegalidade do acto. Esse prazo de um ano não existia no regime anterior do FGS, onde se falava de um prazo contado de maneira diversa. Assim, tem de se considerar o prazo desse art. 2°, n.° 8, como inovador.
Sendo o prazo inovador, o seu «dies a quo» há-de coincidir com a data do início de vigência do diploma que o estabeleceu — sob pena do prazo poder findar antes da sua própria previsão legal.
E é para essa exacta coincidência que o art. 297° do Código Civil aponta, «impliciter»; pois tal artigo esclarece que o prazo inovador surgido na «lex nova» apenas se conta desde a entrada em vigor dela.
Utilizaria, portanto, esta fundamentação — alheia ao regime anterior do FGS ou a problemas de inconstitucionalidade — para suportar a pronúncia do acórdão.
Jorge Artur Madeira dos Santos