Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:039/19.2BCLSB
Data do Acordão:11/12/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25146
Nº do Documento:SA120191112039/19
Data de Entrada:09/24/2019
Recorrente:FUTEBOL CLUBE DO PORTO - FUTEBOL, SAD E FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com penas de multa pelas infracções previstas e punidas nos art.º 187.º, nº 1, alíneas a) e b) do RDLPFP.

O TAD negou provimento ao recurso e o TCA Sul, para onde o FCP recorreu, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e anulou as sanções impugnadas.

É desse Aresto que a FPF recorre (art.º 150.ºdo CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O FCP foi punido pelo Conselho de Disciplina da FPF pelo comportamento dos seus adeptos decisão que, depois de confirmada pelo TAD, foi revogada pelo TCA. É deste Acórdão que a FPF ora recorre.
Está em causa saber se a ocorrência dos factos que determinaram a punição do FCP é, por si só - independentemente do que se vier a provar em sede de culpa - suficiente para o sancionar pela prática das identificadas infracções. Ou, dito de diferente forma, importa saber se o TCA ajuizou correctamente quando considerou que para que se pudesse condenar o Recorrido pela prática das infracções disciplinares em causa tornava-se necessário que a entidade detentora do poder disciplinar lograsse provar factos dos quais se pudesse concluir que o Autor violou, de forma culposa, os deveres que sobre ele impendem.
O que evidencia que essa questão tem relevante importância jurídica e social uma vez que é decisivo saber, se nas circunstâncias dos autos, recai sobre a acusação o ónus de provar o que o Acórdão recorrido considerou indispensável sob pena de absolvição do Clube acusado. Se assim for, isto é, se for fundamental fazer a prova exigida por aquele Aresto a conclusão que se retira é que os normativos alegadamente violados terão uma diminuta aplicação visto ser muito difícil fazer essa prova. O que vale por dizer que a aplicação do disposto nos art.º 127.º e 187.º do RD da FPF, que a Recorrente considera importante para assegurar a ordem nos desafios de futebol, será residual.
Nesta conformidade, aquela questão justificava, por si só, a admissão da revista para melhor aplicação do direito se a mesma nunca tivesse sido objecto de pronúncia deste Tribunal.
Sucede que, recentemente, foi tirado neste Supremo um Acórdão que contraria o entendimento que fundamentou a decisão recorrida. Com efeito, aí se lê:
“67. É, por conseguinte, neste ambiente de proteção, salvaguarda e prevenção da ética desportiva, bem como do combate a manifestações de violência associada ao desporto, que incidem ou recaem sobre vários entes e entidades envolvidos, designadamente sobre os clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, um conjunto de novos deveres in vigilando e in formando e em que a inobservância destes deveres assenta não necessariamente numa valoração social, moral ou cultural da conduta do infrator, mas antes no incumprimento de uma imposição legal, sancionando-se aqueles por via da contribuição omissiva, causal ou co-causal que tenha conduzido a um comportamento ou conduta dos seus adeptos.
70. Frise-se que é na e da inobservância dos deveres de assunção da responsabilidade pela segurança do que se passe no recinto desportivo e do desenvolvimento de efetivas ações de prevenção socioeducativa que radica ou deriva a responsabilidade disciplinar desportiva em questão, dado ter sido essa conduta que permitiu ou facilitou a prática pelos seus adeptos dos atos ou comportamentos proibidos ou incorretos.
71. E que cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos junto dos seus adeptos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam esses atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização.” - Acórdão de 21/02/2019 (rec 33/18).

O que vale por dizer que o Acórdão recorrido decidiu de forma oposta àquela que, desde a publicação do Acórdão acima parcialmente transcrito, constitui jurisprudência uniforme deste Supremo. Deste modo, tendo-se em vista a sua uniformização, impõe-se a admissão do recurso.
Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 12 de Novembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.