Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/20.4BCLSB
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26869
Nº do Documento:SA120201203062/20
Data de Entrada:11/12/2020
Recorrente:SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em sede de arbitragem necessária, tendo o TAD proferido acórdão em 09.06.2020 decidindo anular a sanção que havia sido aplicada àquela, por decisão da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que condenara a Recorrente a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 61.200,00 peja prática da infracção disciplinar "lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros", prevista e punida pelo art. 112º, nºs 1 e 3 do Regulamento de Disciplina da Liga (RD).
Interposto recurso jurisdicional pela FPF, em 24.09.2020 o TCA Sul proferiu acórdão que julgou o recurso procedente, revogou o acórdão do TAD, que anulou a deliberação que condenou a ali Recorrida a pagar a multa de € 61.200,00 que lhe fora aplicada pelo acórdão de 11.06.2019 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, proferido nos processos disciplinares (apensos) nºs 63-18/19 e 64-18/19, pela prática da infracção disciplinar "lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros", mantendo, consequentemente, esta decisão condenatória. Mais negou provimento à ampliação do objecto do recurso.
Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD não se conforma com esta decisão, interpondo a presente revista, alegando que esta visa a apreciação de questão de elevada relevância jurídica e social e uma melhor aplicação do direito.

Não foram produzidas contra-alegações.


2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental' ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma "válvula de segurança do sistema", que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Defende a Recorrente na presente revista que o acórdão recorrido não teve em conta na matéria de facto provada um conjunto de factos essenciais para a boa decisão da causa, os quais se encontram suportados na documentação junta aos autos, comportando o não conhecimento de tal factualidade pelo Tribunal recorrido um acto de denegação de justiça não admitido pela Constituição, por violar o art. 20º, n° 4 da CRP. E que a interpretação efectuada dos nºs 1 e 3 do art. 112º do RD, viola os arts. 8º, 37º e 38º da CRP, por se afigurar uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa, violando o art. 10º da CEOH, que faz parte integrante do ordenamento jurídico português por via do art. 8º da CRP, devendo, como tal, aqueles preceitos ser declarados inconstitucionais.

Desde logo se diga que não parece assistir razão à Recorrente, já que o acórdão recorrido seguiu a jurisprudência reiterada deste STA sobre a matéria em causa nos autos.
O acórdão recorrido, após explicitar que em causa nos autos está a prática da infracção disciplinar prevista e punida no art. 112º do RD, fez uma transcrição extensa e circunstanciada dos factos dado como provados [escritos difundidos no site oficial da Recorrente - cfr. págs. 32 a 37 do acórdão].
Concluiu que: «Da leitura destes escritos, em especial das asserções que nos permitimos sublinhar no local próprio, considerando o referencial já explicitado pelo STA, temos que o exercício do direito da RECORRIDA à crítica e à indignação colidiu com os direitos da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL e dos Conselhos de Disciplina e Arbitragem, visados com as expressões escritas e publicamente divulgadas, ao bom nome e reputação.»
E, ao conhecer da ampliação do objecto do recurso requerida pela aqui Recorrente (em termos em tudo semelhantes aos invocados na presente revista), e sobre a omissão da matéria de facto considerou o seguinte: «Começa a RECORRIDA por sustentar que há violação do princípio da imparcialidade (do Conselho de Disciplina e dos seus membros) e dessa imparcialidade decisória do órgão punitivo resulta, igualmente, a violação do direito a um processo justo e equitativo. Defende que o acórdão do Conselho de Disciplina é violador do princípio da imparcialidade, porquanto os membros daquele Conselho tinham interesse na sorte dos autos.
Mas não lhe assiste razão.
Com efeito, sendo o Conselho de Disciplina o órgão exclusivamente competente para apreciação destas infracções, e sendo a competência irrenunciável, dificilmente se poderia admitir que os membros se declarassem impedidos quando o órgão é atingido na sua honra e reputação. Na verdade a ofensa foi dirigida ao órgão em si, e não a cada um dos seus membros. E o órgão é a manifestação de uma vontade da pessoa coletiva em que se insere, com interesses próprios e autonomizáveis da vontade concreta e individual de cada um dos seus membros.
(…)
Certo é que, no caso presente, nem a RECORRIDA, concretiza qual ou quais dos membros do órgão que deveriam declarar-se impedidos e porquê, nem os autos, em face do que vem provado o evidenciam.»
Ora, não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha incorrido em omissão relevante na fixação da matéria de facto, contrariamente ao que defende a Recorrente.
Com efeito, afigura-se-nos, no juízo sumário que nesta sede preliminar cabe fazer, plausível e adequada a fundamentação no acórdão expendida ao considerar não se justificar o aditamento à matéria de facto como requerido pela aqui Recorrente por não haver conexão com o presente caso [até por respeitar a anteriores decisões do Conselho de Disciplina e alegadas disparidades na apreciação e valoração da prova]. Sendo certo que a este Supremo Tribunal compete aplicar definitivamente o regime jurídico adequado, tendo em atenção os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não sendo o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa objecto de revista (cfr. nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA).
Quanto à invocada inconstitucionalidade do art. 112º do RD, foi a mesma objecto de pronúncia por parte do acórdão recorrido por remissão para o acórdão deste STA de 04.06.2020, Proc. nº 154/19.2BECLSB, no sentido de que inexistia tal inconstitucionalidade.
Ora, para além deste STA ter já tido oportunidade de se pronunciar sobre esta questão de constitucionalidade, a mesma, só por si, não justifica a admissão da revista, desde logo, porque a Recorrente poderá dirigir-se ao Tribunal Constitucional e discutir aí os fundamentos da sua pretensão, conforme esta formação preliminar tem reiteradamente sublinhado (cfr., v.g., acs. de 22.03.2017, proc. nº 0285/17 e de 10.07.2019, proc. nº 01468/05.BELSB).
Assim, e porque a questão atinente à fixação da matéria de facto não pode ser objecto de revista e a questão suscitada referente à invocada inconstitucionalidade nem sequer poderia ser resolvida em última instância por este STA, não se justifica a admissão da revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que os Exmos Juízes Adjuntos Conselheiros Jorge Madeira dos Santos e Carlos Carvalho - têm voto de conformidade.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020

Teresa de Sousa