Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01276/18.2BESNT
Data do Acordão:09/07/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO DE ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS
Sumário:O acto revogatório de acto constitutivo de direitos obedece aos requisitos de validade previstos nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 167.º do CPA, não podendo aqueles requisitos considerar-se validamente observados quando o efeito revogatório provém da prática de um acto de indeferimento ou de recusa de uma pretensão, após decorrido o prazo legalmente fixado para o efeito e estando já a produzir efeitos o deferimento tácito entretanto formado nos termos legalmente previstos. Neste caso, o acto revogatório tem, desde logo, que contemplar um juízo que é intrínseco à actividade administrativa e que consiste na externalização das razões pelas quais, verificados os pressupostos legais, a Administração entende que, no caso concreto, o interesse público a prosseguir se sobrepõe aos direitos já constituídos, justificando o seu sacrifício, sem prejuízo da respectiva indemnização.
Nº Convencional:JSTA00071759
Nº do Documento:SA12023090701276/18
Data de Entrada:02/17/2022
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO PER SALTUM
Objecto:SENTENÇA TAF DE SINTRA
Decisão:REVOGA A SENTENÇA
Área Temática 1:URBANISMO
Área Temática 2:DECLARAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL
Legislação Nacional:n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 167.º do CPA,
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A..., S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) acção administrativa contra o MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS e o MINISTÉRIO DO AMBIENTE E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA, na qual formulou o seguinte pedido:
«[…]
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e em conformidade:
a) Declarar-se nula ou anular-se, com os fundamentos supra invocados, a DECAPE expressa desfavorável da CCDRA de 13/07/2018 aqui impugnada;
b) Reconhecer-se a posição jurídica substantiva da Autora decorrente da DECAPE tácita favorável produzida, pela ausência de decisão expressa no prazo de 50 dias úteis, enquanto ato constitutivo de direitos que atesta a conformidade ambiental do projeto de execução com a DIA e incorpora as medidas de compensação relacionadas com a Linaria algarviana propostas pela Autora em 03/04/2018;
c) Condenar a CCDRA à não revogação ou anulação administrativa da DECAPE tácita favorável ou, subsidiariamente, condenar a CCDRA a não revogar ou anular a DECAPE tácita favorável com fundamento no não cumprimento da medida de minimização 15-A da DIA ou no não cumprimento das condições de licenciamento previstas no art.º 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro.
[…]».


2 – Por sentença de 14 de Maio de 2021, a acção foi julgada improcedente por não fundamentada nem provada e os RR. foram absolvidos do pedido.


3 – Inconformada, a Autora, e aqui Recorrente, apresentou recurso per saltum, ao abrigo do artigo 151.º do CPTA, juntando alegações que concluiu da seguinte forma:
1º O presente recurso de revista per saltum tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 14 de maio de 2021, que julgou improcedente a presente ação administrativa, sendo o sentido desta decisão, bem como toda a fundamentação de Direito aduzida, o objeto do presente recurso.

[…]

8º A DECAPE expressa desfavorável aqui impugnada, ao fazer cessar ou destruir os efeitos de um ato constitutivo de direitos insuscetível de revogação ou de anulação fora dos casos legalmente previstos, padece de vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 165.º, 167.º e 168.º do CPA, sendo, por conseguinte, anulável, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA; pelo que, ao ter concluído pela validade do ato impugnado que anulou ou revogou o ato constitutivo de direitos que é aqui a DECAPE tácita favorável, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo feito uma errada interpretação e aplicação dos artigos 165.º, 167.º e 168.º do CPA.

9º Considerando que a Recorrente cumpriu, integralmente, o ponto 15-A da DIA e que, por isso, a DECAPE tácita não padece de qualquer invalidade, e que nem o ato impugnado, nem a sentença recorrida, identificam qualquer invalidade da DECAPE tácita favorável, o Tribunal a quo não podia ter concluído pela validade do ato impugnado enquanto anulação administrativa, tendo incorrido em erro de julgamento na interpretação e aplicação dos artigos 165.º, n.º 2, do CPA e 2.º, al. f) e 20.º, n.º 1, do RJAIA. Em conformidade com tais preceitos legais, o Tribunal a quo deveria ter concluído que o ato impugnado não constitui uma anulação administrativa implícita válida, sendo antes inválida, por vício de violação de lei e anulável, nos termos do artigo 163.º do CPA, postergando o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos consagrado no artigo 266.º, n.º 1, da Constituição e no artigo 4.º do CPA.

10º A DECAPE favorável tácita apenas poderia ter sido revogada se se verificasse uma das hipóteses legalmente admitidas de revogação de atos constitutivos de direitos, o que, manifestamente, não sucede, concluindo-se que a DECAPE desfavorável impugnada, ao fazer cessar os efeitos de um ato constitutivo de direitos insuscetível de revogação, padece de vício de violação de lei, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, e 167.º, n.os 2 e 3 do CPA, sendo, por conseguinte, anulável (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do CPA). Neste sentido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando concluiu pela validade do ato impugnado enquanto ato de revogação de um ato constitutivo de direitos.

11º O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando admitiu a hipótese de não se produzir o efeito anulatório quanto ao ato impugnado por o seu conteúdo não poder ser outro, tendo feito uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA (e do princípio do aproveitamento do ato administrativo ilegal). O Tribunal a quo deveria ter concluído que o ato impugnado não pode ser aproveitado e deve ser anulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CPA, com todas as legais consequências.

12º O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir pela improcedência do vício de forma por falta de fundamentação, tendo desconsiderado que, como o próprio reconheceu, está em causa uma revogação ou anulação administrativa de um ato constitutivo de direitos, a qual, para ser válida, está sujeita a uma fundamentação mais exigente, nos termos do disposto nos artigos 165.º, n.º 2, e 167.º do CPA, pelo que devia ter concluído pela verificação do vício de falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, bem como nos artigos 114.º, n.º 2, al. a), 151.º, n.º 1, al. d), 152.º, n.º 1, al. a), e 153.º, n.os 1 e 2, 165.º, n.º 2, e 167.º do CPA.

13º O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não concluir pela invalidade do ato impugnado por padecer de vício de violação de lei por violação dos princípios da proporcionalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e artigo 7.º do CPA), da cooperação e da boa-fé procedimental (cfr. artigos 10.º, 11.º e 60.º do CPA) e o princípio do inquisitório (cfr. artigos 58.º e 117.º do CPA), vício este que é independente da natureza do ato impugnado enquanto ato revogatório ou anulatório de ato constitutivo de direitos.

14º A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, porque o Tribunal a quo não se pronunciou sobre duas questões que devia ter apreciado, mais concretamente não se pronunciou sobre dois vícios que implicam a anulação do ato impugnado e que foram invocados pela Recorrente, a saber: (i) vício de violação de lei por violação do âmbito da DECAPE legalmente definido nos artigos 2.º, alínea f), e 20.º, n.º 1, do RJAIA e dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, advenientes da DIA, e (ii) vício de violação de lei por a DECAPE desfavorável estar sustentada num fundamento não admitido por lei ou em lei não aplicável, em violação do disposto nos artigos 2.º, alínea f), e 20.º, n.º 1, do RJAIA.

15º Sendo evidente que a Recorrente cumpriu, integralmente, o ponto 15-A da DIA, a CCDRA só podia ter emitido uma DECAPE favorável, pelo que, ao ter emitido uma DECAPE desfavorável, em violação do ponto 15-A da DIA, a mesma é ilegal, por vício de violação de lei e anulável, nos termos do artigo 163.º do CPA, violando o âmbito da DECAPE legalmente definido nos artigos 2.º, al. f) e 20.º, n.º 1, do RJAIA e os direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, advenientes da DIA, postergando o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos consagrado no artigo 266.º, n.º 1, da Constituição e no artigo 4.º do CPA.

16º A CCDRA não podia ter fundamentado a DECAPE desfavorável na alegada certeza do indeferimento pelo ICNF de um futuro pedido de licenciamento para corte de exemplares de Linaria algarviana, erigindo em fundamento da decisão, não a desconformidade com a DIA, mas um fundamento não admitido pelo RJAIA, pelo que a DECAPE desfavorável, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, deveria ser sido anulada por padecer de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de Direito, por estar sustentada num fundamento não admitido por lei ou em lei não aplicável, em violação do disposto nos artigos 2.º, alínea f), e 20.º, n.º 1, do RJAIA.

17º Por força das nulidades e dos vários erros de julgamento de que padece, a sentença não julgou procedentes, como deveria ter julgado, os três pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente, na presente ação.

Termos em que se requer a V. Ex.ᵃˢ se dignem admitir o presente recurso jurisdicional, julgando-o procedente e, em consequência, determinar a revogação da sentença recorrida e a respetiva substituição por decisão que declare totalmente procedente a presente ação, declarando, assim, procedentes os três pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente, assim se fazendo

JUSTIÇA!

[…]».


4 – O Recorrido MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS, agora MINISTÉRIO DA COESÃO TERRITORIAL, contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«[…]
F) Tendo presente os fundamentos do recurso interposto pela Recorrente, não pode deixar de se concluir que não lhe assiste razão: o Tribunal a quo decidiu bem, não merecendo censura a douta Sentença.
G) Desde logo, porque não existe DECAPE favorável formada tacitamente, em momento prévio à emissão da DECAPE objeto de impugnação.
[…]
L) Por outro lado, não se encontram verificados os pressupostos necessários à formação de ato tácito, porquanto o prazo para a produção da decisão final no procedimento esteve suspenso no período compreendido entre o início da fase de audiência dos interessados e o dia do terminus da mesma (artigo 121.º, n.º 3, do CPA).
M) A suspensão a que o Recorrido se refere tem por base a pronúncia da Recorrente, datada de 3 de abril de 2018, em sede de audiência prévia, na qual a mesma vem propor uma série de novas ações como medidas de compensação não constantes do RECAPE, no sentido da proteção da Linaria Algarviana, requerendo que as suas propostas fossem devidamente ponderadas.
N) Acresce que, diversamente do que alega a Recorrente, a DIA favorável condicionada emitida, em fase de estudo prévio, em 2013 e alterada em 2015, não é um ato constitutivo de direitos na sua esfera, que possa justificar a criação de uma situação de vantagem que admita, de forma irrevogável, a viabilização do projeto por si apresentado.
O) A criação de uma situação de vantagem na esfera do destinatário da DIA pressupõe que essa vantagem se encontre estabilizada, em termos de se poder afirmar que o destinatário do ato pode justificadamente confiar na existência dessa vantagem na sua esfera.
P) Ora, dois argumentos depõem no sentido de que a DIA favorável condicionada não é, em qualquer caso, fundamento para a justificação de tal confiança na esfera jurídica do seu destinatário: por um lado, a situação de desvantagem (e não vantagem) da DIA favorável condicionada que se constitui na esfera do seu destinatário, pois esta continua a ser estruturalmente uma decisão desfavorável para o seu destinatário, que sinaliza um sério perigo de lesão dos bens jurídicos ambientais objeto de proteção legal e que o impede de prosseguir, naqueles termos, com o empreendimento (ante)projetado; por outro lado, a precariedade da eficácia jurídica da DIA, evidenciada pela maior permissividade legal na sua mutabilidade, e pela decomposição do RJAIA em duas fases - sendo que só na última fase se poderá imputar aos atos aí produzidos definitividade jurídica.
Q) Não pode, assim, a Recorrente, afirmar que a alegada DECAPE tácita produz, na sua esfera jurídica, uma situação de vantagem quando, a montante, a DIA de que fora destinatária correspondia estruturalmente uma decisão desfavorável e precária.
R) Mesmo que se entendesse - o que apenas se faz por mera cautela de patrocínio - ter decorrido o prazo de 50 dias necessário à formação do deferimento tácito, e que fora criada uma situação de vantagem na esfera jurídica da Recorrente, o deferimento tácito alegado pela Recorrente não se teria produzido, por se impor, em qualquer caso, ao intérprete aplicador a desaplicação da norma do RJAIA habilitante desse tipo de deferimento (o artigo 21.º, n.º 7, parte final - na versão anterior, o n.º 5).
S) Esta conclusão impõe-se à luz do princípio do primado do Direito da União Europeia: a previsão de um deferimento tácito em matéria de licenciamento ambiental contraria a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que já declarou que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as exigências contidas nas diretivas reguladoras da matéria.
T) Na doutrina portuguesa, são várias as vozes que pugnam pela desconformidade dos regimes atuais em matéria de Direito ambiental que consentem a formação de deferimento tácito com o Direito da União.
U) Decorre do princípio do primado do Direito da União que, em caso de conflito, os Estados têm o dever de desaplicar a norma de direito nacional contrária ao Direito da União - efeito que não se circunscreve aos casos em que servem de parâmetro as normas de Direito da União com efeito direto; também as normas contidas em diretivas podem ser invocadas com vista a remover a aplicação do direito nacional inconsistente com as obrigações decorrentes das diretivas.
V) No caso sub judice, a observância do princípio do primado do Direito da União basta-se com o afastamento do direito nacional conflituante: o afastamento da norma, contida no trecho final do artigo 21.º, n.º 5, do RJAIA (atual n.º 7), que sanciona a inércia da autoridade de AIA na emissão de DECAPE com a produção de deferimento tácito.
W) Sem conceder, ainda que se admitisse a formação da alegada DECAPE tácita, este ato tácito teria sido anulado pela DECAPE, como bem entendeu - no plano da sua argumentação subsidiária - o Tribunal a quo.

X) Não obsta a esta eficácia anulatória o facto de a DECAPE não ter feito expressa referência à anulação da alegada DECAPE tácita. Mesmo que se entenda estar em causa uma anulação implícita, daí não resulta prejuízo para a operatividade da eficácia anulatória da DECAPE.

Y) O não cumprimento da Medida 15-A da DIA, introduzida mediante alteração da mesma em 22.04.2015, trata-se de motivo suficiente para sustentar a anulação da alegada DECAPE tácita.

Z) Não é possível considerar, sem mais, e por atacado, que a Recorrente deu cumprimento a esta medida pelo simples facto de ter apresentado medidas de compensação do impacto negativo que decorre da execução do projeto. Da apresentação dessas medidas não resulta a idoneidade ou adequação das mesmas ao desiderato que subjaz à Medida 15-A da DIA.

AA) Razão pela qual o Tribunal a quo: (i) não só não deu como provado que a Recorrente tenha cumprido a Medida 15-A da DIA, (ii) como relevou as considerações sobre o tema contidas no parecer do ICNF, a elas aderindo, reproduzindo-as passim na Sentença para justificar a eficácia anulatória da DECAPE, bem como a não violação dos princípios da proporcionalidade, da cooperação e da boa-fé.

BB) A DECAPE (desfavorável) fundamenta, de forma clara e coerente, a desconformidade do RECAPE no que respeita à Medida 15-A estabelecida na DIA.

CC) Não procede a alegação da Recorrente no sentido de que a condição que lhe foi imposta no âmbito da Medida 15-A da DIA é desproporcional, por a ampla formulação da condição permitir todo o leque de medidas e indagações em sede de Declaração de Impacte Ambiental - acusando esta condição de indeterminabilidade e de, com isso, a Recorrente ficar privada de tutela.

DD) Se fosse esse o caso, o que justifica que, confrontada com essa pretensa indeterminabilidade desde 2015, a Recorrente não tenha solicitado formalmente à autoridade da AIA a concretização ou a densificação dessas exigências?

EE) O não cumprimento da Medida 15-A da DIA constitui - como bem reconhece o Tribunal a quo - fundamento suficiente para a anulação da alegada DECAPE tácita.

FF) Fica assim demonstrado que a DECAPE não é inválida, nem padece de nenhum dos vícios que a Recorrente lhe aponta, não se encontrando verificado nenhum fundamento que justifique que seja declarada a nulidade ou a anulabilidade da DECAPE.

GG) Improcede, consequentemente, o pedido de reconhecimento, formulado pela Recorrente, da situação jurídica subjetiva decorrente de alegada DECAPE tácita, bem como o pedido de condenação da CCDRA à não revogação ou anulação administrativa da alegada decisão tácita ou, subsidiariamente, a condenação da CCDRA à não revogação ou anulação administrativa da alegada decisão tácita com fundamento no não cumprimento da medida de minimização 15-A da DIA.

HH) Em suma, e face ao exposto, a douta Sentença não merece censura,

Termos em que se requer a V. Ex.ªs se dignem manter a sentença recorrida e declarar a total improcedência dos três pedidos formulados pela Recorrente, assim se fazendo

JUSTIÇA!

[…]».


5 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

6 – Por acórdão de 15 de Dezembro de 2022, o STA decidiu suspender a instância e formular as seguintes questões ao TJUE:
- é conforme ao direito europeu do ambiente uma solução como a consagrada no artigo 21.º, n.º 7 do RJAIA, que admite a formação de deferimento tácito do DECAPE em caso de não emissão de pronúncia expressa pela autoridade competente no prazo de 50 dias (úteis) desde a submissão do RECAPE?

Em caso de resposta positiva a esta questão:

- deve entender-se, em linha com o princípio da protecção da confiança legítima, princípio comum de direito europeu, que a formação do deferimento tácito constituiu na esfera jurídica do requerente uma expectativa legítima à execução do projecto conforme o RECAPE submetido, da qual apenas possa resultar uma modificação posterior daquele conteúdo mediante o pagamento pelo Estado de uma indemnização por sacrifício de direitos?


7 – Por Despacho do TJUE, de 27 de Junho de 2023 foi o pedido considerado inadmissível, tendo aquela Entidade ainda advertido na sua decisão que
“[…] Primeiro, de acordo com jurisprudência constante, a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais interpretarem, na medida do possível, o direito nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido e, assim, dar cumprimento ao artigo 288. º, terceiro parágrafo, TFUE, está sujeita a certos limites. Assim, a obrigação do juiz nacional se referir ao conteúdo de uma diretiva quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C-282/ 10, EU:C 2012:33, n.º5 24 e 25, e de 15 de janeiro de 2014, Association de médiationsociale, C-176/ 1 2, EU :C:2014:2, n.º5 38 e 39).
Segundo, e na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio preveja, em conformidade com os pedidos do Ministério, aplicar uma diretiva específica em detrimento da A..., há que recordar que uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações para um particular e não pode, assim, ser invocada enquanto tal contra este num órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Smith. C-122/17, EU:C:20 1 8: 631, n.º 42; de 17 de março de 2022, Daimler, C-232/20, EU:C: 2022:196, n.º 81, e de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C-267/20, EU:C:2022:494, n.º 76), incluindo no âmbito de um litígio entre um Estado-Membro e um particular [v., neste sentido, Acórdão de 8 de outubro de 2020, Subdelegación dei Gobierno en Toledo (Consequências do Acórdão Zaizoune), C-5 68/19, EU:C:2020:807, n.º 3 5 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional só é obrigado a afastar uma disposição nacional contrária a uma diretiva quando esta é invocada contra um Estado-Membro ou órgãos da sua Administração (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C-122/17, EU:C:2018:631, n.º 45 e jurisprudência referida) […]”.

8 – Notificadas as partes do teor do Despacho do TJUE, nada disseram.

Cumpre apreciar e decidir


II – Fundamentação


II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. Mediante despacho de 13.07.2018, proferido pelo Vice-Presidente da CCDR Algarve, foi emitida decisão desfavorável da CCDR Algarve, enquanto Autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental, sobre o pedido de reconhecimento da conformidade ambiental do projecto de execução (RECAPE) das Infra-estruturas Gerais da Unidade de Execução 1 do Plano de Pormenor da Praia Grande, Silves, com a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), no âmbito do processo n.º 21.01.00001.2013, com fundamento no parecer desfavorável do ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. docº. 1 junto com a p.i., e procº. instrutor):”

[IMAGEM]

2. - Em 07/02/2013, a Autora submeteu o Projeto a avaliação de impacte ambiental, em fase de estudo prévio – cf. Estudo de Impacte Ambiental («EIA»), revisto em maio de 2013, e em outubro de 2013, foi emitida DIA – Declaração de Impacte Ambiental, favorável, condicionada ao projecto das infra-estruturas gerais dessa unidade de execução, apresentado pela Autora em fase de estudo prévio, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.2 e 4 juntos com a p.i., e procº. instrutor).

3. - Na apreciação técnica do EIA, o ICNF sublinhou que: “(…) A UE1 do PP da Praia Grande não se localiza em qualquer área sensível. Também não existem na sua envolvente quaisquer áreas sensíveis que, possam, de algum modo, ser indirectamente afectadas pelo projecto (cfr. docº. 3 junto com a p.i., e procº. instrutor).

4. - Por carta datada de 11/09/2014, a SPEA- Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, remeteu ao Secretário de Estado do Ambiente um parecer da SPB que “confirma a presença da espécie botânica Linaria algarviana numa área muito vasta entre a ribeira de Alcantarilha e a lagoa dos Salgados, que será afectada pelo Plano de Pormenor da Praia Grande”, e solicitou que a informação fosse ponderada para efeitos de anulação da DIA aprovada ou, pelo menos, em sede de RECAPE (cfr. docº. 5 junto com a p.i., e procº. instrutor).

5. – O ICNF elaborou, em 10/02/2015, um memorando sobre o assunto sob referência, que remeteu ao Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 6 junto com a p.i., e procº. instrutor).

6. - Por ofício recebido a 10/04/2015, a CCDRA informou o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza que determinou aos serviços, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental («RJAIA»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151- B/2013, de 31 de outubro, a “alteração à DIA – Declaração de Impacte Ambiental da Unidade de Execução 1 do Plano de Pormenor da Praia Grande (AIA 2694), com o objectivo de salvaguarda das condições essenciais para a realização da prospecção determinada efectuar ao ICNF relativa à presença da espécie Linaria algarviana na área de intervenção do PP da Praia Grande” , oficio cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 7 junto com a p.i., e procº. instrutor).

7. - Por ofício de 05/05/2015, a Autora foi notificada para se pronunciar, em sede de audiência prévia, sobre a proposta de alteração da DIA, nos termos da qual seria introduzida uma condicionante à DIA nos seguintes termos: “7. Até que seja delimitada a ocorrência da espécie Linaria algarviana na área abrangida pelo PP da Praia Grande, não poderão ser efectuadas quaisquer acções de mobilização do solo que inviabilizem as prospecções da espécie”, ofício cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 8 junto com a p.i., e procº. instrutor).

8. – Em 22.06.2015, a CCDRA, em 22/06/2015, aprovou alteração à DIA, mediante aditamento de uma medida de minimização do impacto do Projecto, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 9 junto com a p.i., e procº. instrutor).

9. - A alteração à DIA fundamentou-se na “salvaguarda do interesse público e das condições físicas necessárias à realização das prospecções da espécie Linaria algarviana” e consistiu na introdução de um novo ponto 15-A, na parte referente a “Outras condições para licenciamento ou autorização do projecto / Medidas de minimização / Fase prévia ao início das obras” (cfr. docº. 9 junto com a p.i., e procº. instrutor).

10. - Em face da alteração da DIA e da medida de minimização imposta, a Autora promoveu a realização de prospecções da espécie Linaria algarviana em 2015, 2016 e 2017, do que resultaram relatórios de prospecção, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. 10, 11, e 12 juntos com a p.i., e procº. instrutor).

11. – Na sequência de reunião havida em 07.06.2016, para aferir da relevância da espécie Linaria algarviana na área abrangida pela Unidade de Execução 1 do Plano de Pormenor da Praia Grande, em Silves, o o ICNF remeteu um ofício à CCDRA, com a ref.ª n.º ...16..., datado de 17.11.2016, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 13 junto com a p.i., e procº. instrutor).

12. - O ICNF realizou prospecções em 2016, e em 2017 nos concelhos de Aljezur, Vila do Bispo, Silves e recolha de sementes em Vila do Bispo, Sagres e Praia Grande – Lagoas do Salgados – cfr. memorando de 19/07/2017 dos técnicos superiores do ICNF, Dr. AA e Dr. BB, cujos relatórios aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. 15 e 16 juntos com a p.i., e procº. instrutor).

13. - Em 29.09.2017, a Autora submeteu o RECAPE na plataforma b, tendo sido juntos os relatórios de prospecção da Linaria algarviana no respectivo Anexo 4.11., cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 17 junto com a p.i., e procº. instrutor).

14. - Em 16/10/2017, a CCDRA instruiu o processo, tendo solicitado, para tanto, a emissão de pareceres junto das entidades representadas na Comissão de Avaliação, assim como promoveu discussão pública (cfr. procº. instrutor e admissão por acordo).

15. – Das entidades consultadas, e no âmbito do RECAPE - Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução, o ICNF veio a emitir parecer desfavorável sobre a pretensão da Autora, incidindo sobre a necessidade de alteração do Projecto, sobre a insuficiência das medidas de compensação sugeridas para implementação e sobre a alegada certeza no indeferimento pelo ICNF de um futuro pedido de licenciamento, a apresentar pela ora Autora, para corte dos exemplares de Linaria algarviana, parecer constante do ofício de 17.11.2017, cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. docº. 18 junto com a p.i., e procº. instrutor):”

[IMAGEM]

16. – A CCDRA notificou a Autora, em 18.12.2017, de uma proposta de DECAPE desfavorável para efeitos de pronúncia em sede de audiência prévia, ofício cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 19 junto com a p.i., e procº. instrutor).

17. – A A. pronunciou-se em sede de audiência prévia, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. 20 e 21 juntos com a p.i., e procº. instrutor).

18. – Em março e abril de 2018, foram realizadas pela Autora prospeções à Linaria algarviana na área do Parque Ambiental da Praia Grande, tendo sido possível confirmara as áreas das classes com ocorrência da espécie, e lavrado relatório datado de maio de 2018, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 22 junto com a p.i., e procº. instrutor).

19. - Em 06.04.2018, a CCDRA remeteu ao ICNF a proposta de medidas a adoptar apresentada pela Autora, solicitando a emissão de parecer até ao dia 20.04.2018, proposta cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 23 junto com a p.i., e procº. instrutor).

20. - Em 09.05.2018, foi elaborada informação técnica pelo Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Algarve, sobre as medidas propostas pela ora Autora, na qual se concluiu que: “O nosso parecer viabilizando a emissão de DCAPE favorável só deverá ser equacionado perante o assumir prévio da estratégia a seguir e, caso se adote a posição de deslocalização das medidas compensatórias, da apresentação pelos promotores de todos os elementos (contratos, cronogramas…) comprovativos da viabilidade de execução das minimizações e compensações aprovadas e ainda das consequências em caso de incumprimento”, informação cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. docº. 24 junto com a p.i., e procº. instrutor).

21. - Em 16.05.2018, foi elaborado, pelo ICNF, “Relatório de Prospeção à Linaria algarviana”, relatório cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 25 junto com a p.i., e procº. instrutor).

22. - Por ofício de 21.05.2018, a CCDRA solicitou ao ICNF, no seguimento de ofício de 09.05.2018 e de ofícios anteriores aos quais não foi dada resposta, a emissão de parecer até 30.05.2018, ofício cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 26 junto com a p.i., e procº. instrutor).

23. - Por requerimento apresentado em 20.06.2018, a Autora solicitou que fosse emitida uma DECAPE expressa favorável que titulasse o resultado final do procedimento e incorporasse as medidas de compensação propostas e aprovadas, requerimento cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 28 junto com a p.i., e procº. instrutor).

24. - Por ofício de 09.07.2018, o ICNF comunicou à CCDRA que “emite parecer desfavorável às medidas propostas no âmbito da conformidade do projeto de execução com a Medida n.º 15-A da DIA, uma vez que estas não evidenciam poder assegurar a minimização e/ou compensação adequados da destruição do núcleo de Linaria algarviana e do seu habitat no território do PP da Praia Grande, decorrente do projeto, nem dão enquadramento ao cumprimento das condições do licenciamento excecional previsto no art.º 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro, em derrogação do art.º 12.º do mesmo diploma”, parecer cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. docº. 29 junto com a p.i., e procº. instrutor).

25. – Com fundamento no parecer desfavorável emitido pelo ICNF, o Senhor Vice-Presidente da CCDRA emitiu, em 13.07.2018, DECAPE expressa desfavorável (cfr. docº. 1 junto com a p.i., e procº. instrutor).



II. 2. De direito

2.1. Da nulidade por omissão de pronúncia

A Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre: i) o alegado vício de violação de lei por violação do âmbito da DECAPE legalmente definido nos artigos 2.º, alínea f), e 20.º, n.º 1, do RJAIA e dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, advenientes da DIA; e ii) o alegado vício de violação de lei por a DECAPE desfavorável estar sustentada num fundamento não admitido por lei ou em lei não aplicável, em violação do disposto nos artigos 2.º, alínea f), e 20.º, n.º 1, do RJAIA.

Esta questão, porém, foi objecto de decisão no acórdão deste STA proferido em 15.12.2022 e já transitado em julgado, no qual se escreveu o seguinte:

“[…] A questão da violação do âmbito legalmente definido para a DECAPE – que a A. sustenta com a tese de que aquele acto apenas se pode limitar a, de forma expressa ou tácita, verificar se a execução do projecto está em conformidade com a DIA e, neste caso, isso significaria que apenas se teria de verificar se tinha sido dado cumprimento à medida de minimização do ponto 15-A da DIA – é tratada na sentença recorrida quando ali se afirma o seguinte: «(…) argumentação da A. de que a decisão favorável da DIA dita a decisão favorável da DECAPE, mas essa matéria respeita, antes, ao bem ou mal fundado da decisão impugnada, ou seja, se a decisão de indeferimento de DECAPE é inválida por razões de facto e de direito que ditem a sua invalidade (…)» e «(…) é a A. que apresentou medidas inadequadas e insusceptíveis de promover e assegurar a minimização e/ou compensação adequada da destruição do núcleo Linaria algarviana(…)». Em suma, ainda que não de forma autonomizada, a sentença tratou a questão suscitada pela A. no recurso e concluiu que a decisão de indeferimento expresso da DECAPE se fundamentou no não cumprimento das medidas impostas no aditamento à DIA, aditamento que havia sido aceite por ela.

A questão da violação dos interesses legalmente protegidos da Recorrente advenientes da DIA é também expressamente tratada na decisão recorrida quando ali se rejeita esta tese ao afirmar: “(…) A aprovação da DIA inicial não confere à A. a legitima expectativa ou direito de decisões igualmente de aprovação, porquanto em cada fase pode ser ponderada, não só a anterior fase como se verá, como a fase seguinte pode ter o desfecho de acto de recusa ou indeferimento (…)”.

Por último, a questão de a DECAPE estar sustentada num fundamento não admitido por lei ou em lei não aplicável prende-se com a questão alegada na petição inicial de que a DIA não estabeleceu qualquer condicionante ou medida relacionada com a obtenção de licença do ICNF e de que a destruição da Linaria algarviana constituía um procedimento autónomo a desencadear a posteriori, pelo que a recusa da DECAPE com fundamento no parecer do ICNF constituía um fundamento não admitido por lei. Mas esta questão foi tratada pela decisão recorrida ao sustentar-se a legalidade da DECAPE no parecer do ICNF, afirmando-se o seguinte: “(…) o arguido deferimento tácito foi objecto de revogação anulatória (cfr. Art.º 165.º/2/CPA), válida por tempestiva e fundamentada face ao conteúdo do parecer do ICNF que permite concluir a situação de facto da A. como ilegal, por desconforme às regras legais aplicáveis, in casu por as medidas propostas pela A. não assegurarem a minimização e/ou compensação adequada da destruição do núcleo Linaria algarviana (cfr. parecer do ICNF) (…)”. Daqui resulta que a decisão – bem ou mal, não releva para este efeito – rejeitou a argumentação da A. e considerou que a violação das regras em matéria de preservação da Linaria algarviana, nos termos definidos no parecer do ICNF e com a fundamentação nas normas e nos regimes jurídicos ali invocados, era um fundamento válido e adequado para o indeferimento da DECAPE.

Improcedem, pois, todas as nulidades imputadas à decisão recorrida […]”

2.2. A Recorrente aponta ainda diversos erros de julgamento à decisão recorrida, a saber:

i) erro na interpretação e aplicação dos artigos 165.º, n.º 2 do CPA e 2.º, al. f) e 20.º, n.º 1 do RJAIA na medida em que postergou o princípio do respeito pelos direitos e interesses protegidos, consagrado no artigo 266.º, n.º 1 e no artigo 4.º do CPA;

ii) erro na interpretação e aplicação dos artigos 165.º, n.º 1 e 167.º, n.ºs 2 e 3 do CPA por “fazer cessar os efeitos de um acto constitutivo de direitos insusceptível de revogação”;

iii) erro na interpretação e aplicação do artigo 163.º, n.º 5, al. a) do CPA ao concluir-se que o acto impugnado sempre teria de ter aquele conteúdo;

iv) erro de julgamento ao considerar não procedente o vício de falta de fundamentação;

v) erro de julgamento ao considerar não procedente as invalidades por violação dos princípios da proporcionalidade, da cooperação e da boa-fé procedimental e o princípio do inquisitório

vi) violação do âmbito da DECAPE legalmente definido nos artigos 2.º, alínea f) e 20.º, n.º 1 do RJAIA e dos direitos da Recorrentes advindos da DIA favorável;

vii) utilização de um fundamento não previsto no RJAIA para sustentar a DECAPE desfavorável.

2.3. Tínhamos também já concluído, em aresto anterior, o seguinte

“[…] Os alegados erros de julgamento identificados em i) e ii) devem ser tratados em conjunto, uma vez que ambos assentam no pressuposto de que existiu a formação de um acto tácito de deferimento da DECAPE, que depois foi revogado pelo acto impugnado – a emissão de uma DECAPE de não conformidade ambiental –, o que violaria o disposto nos artigos 165.º e 167.º do CPA por se tratar da revogação de um acto que tinha constituído direitos na esfera jurídica da Recorrente e que, nessa medida, era insusceptível de revogação. Vejamos se lhe assiste razão.

O que está aqui em causa é um procedimento de verificação da conformidade ambiental do projecto de execução, regulado pelos artigos 20.º e 21.º do Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, e a primeira questão que cabe apurar é a de saber se, face à matéria de facto assente, se deve dar como preenchido o pressuposto normativo do n.º 7 do artigo 21.º daquele diploma legal.

De acordo com a matéria de facto assente: i) em Outubro de 2013 foi emitida uma DIA favorável para o Projecto submetido pela A., condicionada ao projecto das infra-estruturas gerais da unidade de execução, ou seja, estamos perante uma DIA que se reporta a um Estudo de Impacte Ambiental de um estudo prévio da Unidade de Execução 1 (UE1) do Plano de Pormenor da Praia Grande e que ficou condicionada ao cumprimento de determinadas condicionantes, a cumprir nos elementos a entregar em fase de RECAPE, tais como medidas de minimização, de compensação e programas de monitorização para minorar ou gerir os impactes ambientais identificados nesta fase, maxime o impacte na composição das comunidades faunísticas na área UE1, onde se incluíam espécies protegidas como o alcaravão (Factos assentes 1 e 2); ii) em 11.09.2014 a SPEA- Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, remeteu ao Secretário de Estado do Ambiente um parecer da SPB que “confirma a presença da espécie botânica Linaria algarviana numa área muito vasta entre a ribeira de Alcantarilha e a lagoa dos Salgados, que será afectada pelo Plano de Pormenor da Praia Grande”, e solicitou que a informação fosse ponderada para efeitos de anulação da DIA aprovada ou, pelo menos, em sede de RECAPE (facto assente 4); iii) nessa sequência foi determinada a alteração da DIA “com o objectivo de salvaguardar as condições essenciais para a realização da prospecção determinada pelo ICNF a respeito da presença da espécie Linaria algarviana na área de intervenção do PP da Praia Grande, alteração relativamente à qual se procedeu a audiência prévia da Recorrente, tendo a mesma sido determinada em 22.06.2015, através do aditamento de uma medida de minimização contemplada no ponto 15-A (factos assentes 4 a 9); iv) a Requerente conformou-se com aquela alteração e promoveu a realização de prospecções da espécie Linaria algarviana em 2015, 2016 e 2017 (facto assente 10); v) o ICNF também realizou prospecções na área durante os anos de 2016 e 2017 (facto assente 12); vi) a Recorrente submeteu o RECAPE em 29.09.2017 e a CCDRA instruiu o processo, solicitando pareceres às entidades representadas na Comissão de Avaliação, tendo o ICNF emitido parecer desfavorável em 17.11.2017, parecer notificado pela CCDRA à autora em 18.12.2017 como fundamentação proposta para a DECAPE desfavorável (factos assentes 13 a 16); vii) no seguimento de prospecções realizadas em Março e Abril de 2018, a Recorrente remeteu à CCDRA, que por sua vez as endereçou ao ICNF, medidas a adoptar para minimizar o impacte ambiental identificado sobre a espécie Linaria algarviana, tendo o ICNF comunicado em 09.07.2018 o seu parecer desfavorável, o qual deu origem à emissão pela CCDRA da DECAPE desfavorável em 13.07.2018 (factos assentes 18, 19, 24 e 25); viii) em 20.06.2018, a Recorrente tinha solicitado a emissão de uma DECAPE favorável que incorporasse as medidas de compensação propostas no requerimento que apresentara em abril de 2018.

Daqui decorre que a Recorrente entende que, tendo submetido o RECAPE em 29.09.2017, o prazo de 50 dias (úteis, ex vi do disposto no artigo 87.º do CPA) esgotou- se muito antes da emissão da DECAPE desfavorável, e, nessa medida, produzir-se-iam os efeitos do deferimento tácito previstos no n.º 7 do artigo 21.º do RJAIA, pelo que a DECAPE desfavorável, ao equiparar-se a um acto de revogação de um acto constitutivo de direitos, teria de considerar-se ilegal e, nessa medida, ser anulado pelo Tribunal.

Já a Entidade Demandada entende que aquele efeito (o deferimento tácito) não se pode produzir, na medida em que a Recorrente, quando foi notificada em 18.12.2017 da proposta de DECAPE desfavorável, conformou-se com os fundamentos daquela proposta de decisão. A isso acresce que quando a proposta de decisão foi notificada à Recorrente já tinham decorrido os ditos 50 dias para a adopção de uma decisão expressa por parte da CCDR (que terminaram em 14.12.2017), e a Recorrente, não só não “alegou” a formação do deferimento como ainda promoveu novas prospecções com o intuito de ultrapassar as objecções apontadas naquela proposta de decisão, revelando, assim, ter aceite integralmente o respectivo teor. Mais, foi nessa sequência que a agora Recorrente propôs, em 04.2018, novas medidas de minimização do impacte ambiental, as quais deram origem a nova instrução no procedimento, que só culminou com a decisão expressa de DECAPE desfavorável, notificada à Recorrente em 13.07.2018. Assim, na contra-argumentação apresentada pela Recorrida teria de se considerar que teria havido aqui uma interrupção ou suspensão do procedimento que impediria a formação do deferimento tácito.

Quanto a este argumento não parece que exista razão por parte da Recorrida, pois não há dúvida de que mesmo que se entendesse que para a formação do deferimento tácito só se poderia contar o período de tempo decorrido após a submissão pela Recorrente da sua proposta de medidas a adoptar como medidas de minimização, apresentada em Abril de 2018, a verdade é que teriam sempre decorrido mais de 15 dias desde essa data, que embora não fixada em concreto na factualidade assente, sempre será anterior a 06.04.2018, que é a data indicada no facto assente 19, como aquela em que a CCDRA remeteu a dita proposta ao ICNF para instrução da decisão, a qual só foi notificada à Recorrente em 13.07.2018, ou seja, ultrapassado o prazo de 50 dias previsto no n.º 7 do artigo 21.º do RJAIA.

Questão diferente, é a de saber se, como alega a Recorrida, os efeitos decorrentes do deferimento tácito têm de ser afastados por se tratar de um efeito jurídico que viola o disposto no direito europeu.

[…]».

2.4. Neste ponto, tínhamos optado por suspender a decisão e questionar o TJUE a respeito da conformidade jurídica do artigo 21.º, n.º 7 do RJAIA, que prevê a formação do deferimento tácito da DECAPE em caso de não emissão de pronúncia expressa pela autoridade competente no prazo de 50 dias (úteis) desde a submissão do RECAPE, com as normas do direito europeu do ambiente, incluindo a de saber se se poderia dizer que a solução vertida no direito nacional – assente em actos de deferimento tácito era apta, à luz dos princípios que regem o direito europeu do ambiente (maxime, o princípio da prevenção e o princípio do nível mais elevado de protecção – artigo 191.º do TFUE) a permitir a formação de expectativas legítimas segundo o princípio da protecção da confiança legítima.

Por Despacho de 27 de Junho de 2023 antes mencionado, o TJUE considerou o pedido de decisão prejudicial manifestamente inadmissível, por entender que não cabe no âmbito deste expediente processual a verificação da correcta transposição das Directivas para o direito nacional, tendo circunscrito a questão que havia sido formulada a esta, ou seja, infere-se daquele despacho que o TJUE também não considerou que pudesse estar aqui em causa a violação de direito europeu primário, maxime de um princípio jurídico dos Tratados relativo à protecção ambiental e ecológica. Mais acrescentou o TJUE que na decisão a proferir a respeito do caso concreto, o Tribunal deveria ter em consideração dois pressupostos: i) que a obrigação de interpretação do direito nacional em conformidade com o direito europeu (artigo 288.º do TFUE) está sujeita a limites, entre os quais se inclui a proibição de uma interpretação contra legem do direito nacional; ii) que o Tribunal não pode convocar uma norma da Directiva para fundamentar uma solução que crie obrigações para um particular.

Nesta conformidade, transpondo aquelas indicações para o caso e circunscrevendo a sua decisão às regras de direito administrativo nacional, cabe concluir que se produziu, no caso, o efeito constitutivo do deferimento tácito do conteúdo do RECAPE e que a A... passou a ser titular de uma DECAPE favorável, pelo que o acto praticado pelo Senhor Vice-Presidente da CCDRA em 13.07.2018 consubstancia um acto com efeito revogatório ou anulatório.

2.5. Assim, tem razão a A. quando imputa um erro de julgamento à sentença recorrida. Com efeito, na sentença concluiu-se que o “deferimento tácito foi objecto de revogação anulatória (cfr. art. 165.º/2/CPA), válida por tempestiva e fundamentada face ao conteúdo do parecer do ICNF que permite concluir a situação de facto da A. como ilegal, por desconforme às regras legais aplicáveis, in casu por as medidas propostas pela A. não assegurarem a minimização e/ou compensação adequada da destruição do núcleo Linaria algarviana” e que “A revogação anulatória tem lugar, ainda que reportada a actos constitutivos, se o acto em causa não pudesse ser praticado! e tal é o caso vertente, porque face ao teor do parecer técnico do ICNF resulta claro da alteração das circunstâncias de facto, contrárias às sustentadas e preconizadas pela A., e permite apurar que ainda que admitido o “deferimento tácito” o mesmo era passível de revogação anulatória atento o supra referido e o disposto no artº.165º/2/c)/CPA, não procedendo a mera alegação da A. de que os actos constitutivos são insusceptíveis de revogação, já que o CPA estabelece excepções àquela regra, e por isso, improcede a arguida prática de acto ilegal por ferir acto constitutivo de direitos”. Verifica-se, pois, que a decisão recorrida subsume o acto impugnado a um caso de anulação administrativa – invocando o n.º 2 do artigo 165.º do CPA – no contexto do exercício de um poder de controlo administrativo da legalidade do acto de deferimento tácito, mas depois analisa a sua conformidade jurídica à luz dos condicionalismos aplicáveis à revogação, ou seja, ao exercício de uma actividade administrativa de “(re)ponderação” da conveniência do acto à luz das circunstâncias vigentes – sustentado a sua legalidade no artigo 167.º, n.º 2, al. c) do CPA – e, por isso, não se pode manter.

2.6. Ora, como resulta do teor expresso do acto aqui impugnado, que, ao decidir pela não conformidade do projecto de execução e RECAPE com a DIA, emitindo uma DECAPE desfavorável, acaba por, consequente ou tacitamente, “revogar o deferimento tácito” que se formara ex vi do disposto no n.º 5 do artigo 20.º do RJAIA (na redacção original, n.º 7 após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 152-B/2017), a respeito da conformidade do RECAPE, por terem, entretanto, decorrido mais de 50 dias úteis sobre a recepção pela CCDRA da documentação apresentada pela A. antes de 06.04.2018 (ponto 18 da matéria de facto assente).

Lembre-se que a sequência do procedimento em que se insere o acto aqui em apreço é a seguinte:

i. Em Fevereiro de 2013, a A. submeteu à CCDR-A o Projecto de AIA em fase de estudo prévio

ii. A CCDR-A emitiu uma DIA favorável em Outubro de 2013

iii. Na sequência de uma comunicação da SPEA ao Secretário de Estado do Ambiente, do memorando elaborado pelo ICNF a esse respeito, e após audiência previa da A., a CCDR-A, com fundamento no artigo 25.º do RJAIA, aprovou uma alteração à DIA (ponto 15-A), aditando uma medida de minimização do impacto do Projecto;

iv. Após as prospecções efectuadas pela A. (em 2015, 2016 e 2017) e pelo ICNF (em 2016 e 2017), a A. submeteu, em 16.10.2017, o RECAPE, com os relatórios das prospecções efectuadas;

v. O ICNF emitiu parecer desfavorável e a CCDRA notificou a A. de uma proposta de DECAPE desfavorável em 18.12.2017;

vi. A A. fez novas prospecções em março e abril de 2018 e apresentou a proposta de medidas a adoptar;

vii. Em 20.06.2018, a A. solicitou à CCDRA a emissão expressa de uma DECAPE favorável

viii. A CCDRA, remetendo para o parecer do ICNF de 09.07.2018, emitiu, em 13.07.2018 uma DECAPE desfavorável

Dúvidas não restam de que a decisão administrativa ora impugnada apenas pode produzir efeitos revogatórios ou anulatórios.

Com efeito, é de excluir que se possa tratar, validamente, de uma decisão de “alteração à DECAPE” nos termos do artigo 25.º do RJAIA, uma vez que o acto é emanado sem prévia audiência da A.

Cumpre, pois, verificar se estão, in casu, preenchidos os pressupostos legais de validade do acto de revogação ou de anulação de um acto constitutivo de direitos, regime jurídico que se tem de atender aplicável ao deferimento tácito que previamente se formara a respeito da proposta de RECAPE e medidas compensatórias apresentadas pela A. em Abril de 2018.

2.6.1. A sentença recorrida entendia que estava verificado o pressuposto normativo do artigo 167.º, n.º 2, al. c) do CPA e que estávamos perante uma revogação com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objectiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderia ter sido emitida uma DECAPE favorável.

2.6.1.1. Primeiro, parece-nos ser de afastar este enquadramento jurídico da decisão impugnada, porquanto inexiste superveniência, seja do conhecimento científico, seja dos pressupostos de facto, o que está em causa é apenas um acto que, por ter sentido contrário ao conteúdo de um deferimento tácito prévio, se apresenta como um acto de efeito pretensamente revogatório daquele deferimento tácito que era constitutivo de direito, mas que, precisamente por não se enquadrar em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 167.º do CPA se tem de qualificar como ilegal. A superveniência das questões de facto enunciadas no artigo 167.º, n.º 2, alínea c) do CPA pressupunha que se tivesse dado como provada uma alteração das condições do terreno quanto à presença da referida espécie florestal desde a emissão da DIA, o que não é referido no parecer que serve de fundamento ao acto aqui em apreço. A motivação do acto circunscreve-se à avaliação que a entidade pública faz da relevância daquela espécie para o equilíbrio do ecossistema, o que, juridicamente, se reconduz a uma decisão administrativa sobre a factualidade existente no terreno.

2.6.1.2. Segundo, ainda que se considerasse admissível a subsunção ao disposto no artigo 167.º, n.º 2, al. c), sustentado essa decisão no facto de o parecer do ICNF ter sido emitido após a formação do deferimento tácito, ainda assim teríamos de verificar os restantes requisitos de validade dessa decisão.

É que segundo o n.º 5 do mesmo artigo 167.º do CPA, havendo uma revogação com fundamento em alteração superveniente dos factos ou do conhecimento técnico e científico, a validade do acto revogatório depende ainda do cumprimento da condicionante de indemnização (pelo sacrifício) dos beneficiários de boa fé, pelo que a legalidade do acto pressupõe que na sua motivação se aluda à ponderação dos interesses previamente constituídos e à necessidade e proporcionalidade do seu sacrifício, o que consubstancia ainda um juízo de natureza administrativa, sobre a validade do acto e que, neste caso, não existe. Um juízo que é essencial atenta a formação do direito a uma indemnização para aqueles beneficiários de boa fé que se vêm privados para o futuro dos efeitos do acto revogado. Ou, pelo menos, de fundamentar a inexistência daquele tipo de beneficiários em face das circunstâncias do caso.

E este elemento –a fundamentação da inexistência de beneficiários de boa fé ou, quando estes existem, das razões de interesse público que estão subjacentes ao seu sacrifício– é um elemento que tem de integrar o acto revogatório para que o mesmo se deva considerar legítimo. Afigura-se-nos juridicamente insustentável considerar válido um acto que priva os titulares dos direitos económicos que previamente foram constituídos na sua esfera jurídica (por efeito do acto de deferimento tácito) sem que este fundamente as razões pelas quais inexiste um tal direito por falta de boa fé dos respectivos titulares ou as razões pelas quais há-de prevalecer o interesse público revogatório no contexto do circunstancialismo concreto. O acto revogatório de um acto constitutivo de direitos tem de indicar expressamente as razões que sustentam a preponderância do interesse público e a destruição do direito económico que se havia constituído na esfera dos respectivos titulares. E no caso dos autos estamos perante uma decisão que, por não estar estruturada desta forma – ou seja, por não ter qualquer fundamentação que sustente a sua validade enquanto acto administrativo secundário que pretende destruir e os efeitos económicos de um direito previamente constituído –, tem de qualificar-se como ilegal, desde logo por não preencher os pressupostos do artigo 167.º do CPTA.

Assim, a considerar-se o acto impugnado como um acto revogatório, sempre haveria que concluir pela sua invalidade.

2.6.2. Vejamos então, se podemos estar, como defende a Entidade Recorrida (v. conclusões W e X das contra-alegações), perante um acto de anulação administrativa.

O artigo 168.º do CPA admite que os actos constitutivos de direitos possam ser administrativamente anulados, no prazo de um ano após a sua emissão (ou formação), e nos seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade do mesmo. Para tanto, é necessário que se comece por apurar, face ao teor do acto e respectiva fundamentação, se o mesmo pode ser subsumido à categoria de acto anulatório.

É que os condicionalismos legais aplicáveis aos actos anulatórios de acto constitutivos de direitos são “menos intensos” no plano da protecção dos respectivos titulares, precisamente porque se entende que o “interesse legitimador” é mais forte, na medida em que se trata, não de dar execução a um interesse público actualizado, mas sim de repor a legalidade, o que explica que a tutela conferida se circunscreva aos que desconheciam sem culpa a existência da ilegalidade e tivessem obtido desse acto (ilegal) uma vantagem do tipo que permita caracterizar o efeito anulatório como um “dano anormal” (artigo 168.º, n.º 6 do CPA).

Ora, o fundamento que podemos retirar do acto impugnado para conduzir à “destruição dos efeitos decorrentes do deferimento tácito” não é apto a ser caracterizado como uma reposição de legalidade. Vejamos.

O fundamento da decisão impugnada para não emitir a DECAPE favorável em relação ao RECAPE apresentado pela A. e as medidas de compensação por esta propostas para assegurar o cumprimento do ponto 15-A da DIA é o seguinte (transcrito, via remissiva, para o parecer do ICNF): “(…) estas (as medidas propostas) não evidenciam poder assegurar a minimização e/ou compensação adequados da destruição do núcleo da Linaria Algarviana e do seu habitat no território do PP da Praia Grande, decorrente do projecto, nem dão enquadramento ao cumprimento das condições de licenciamento excecional previsto no artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, em derrogação do artigo 12.º do mesmo diploma”.

Daqui não se consegue retirar uma intencionalidade anulatória de um acto prévio constitutivo de direitos, uma vez que o fundamento da “discordância” com as medidas apresentadas pelo A. e que se devem considerar “conformes” com a DIA por efeito do deferimento tácito não é o de elas violarem regras legais consagradoras de parâmetros normativos de protecção da espécie em causa, ou princípios jurídicos perscrutáveis pelo fiscalizador ou julgador da conformidade jurídica do acto cuja anulação se pretende e em que a respectiva violação seja patente. Pelo contrário, o que resulta da decisão ora impugnada é que ela consubstancia um juízo de ponderação (juízo administrativo) inerente à função administrativa sobre a adequação das medidas diferente daquele que esteve subjacente ao que subjaz às medidas fixadas por via de deferimento tácito. Assim, estamos perante diferentes ponderações sobre meios de prossecução de uma finalidade normativa e não perante ponderações de hermenêutica jurídica sobre exigências normativas, o que revela que a ponderação subjacente ao acto impugnado é de natureza administrativa e subsumível ao regime da revogação.

De resto, a circunstância de o artigo 25.º do RJAIA permitir a alteração da decisão da DECAPE evidencia que a determinação ou definição das medidas de minimização e compensação ambiental é uma actividade que se inscreve no domínio do mérito e da oportunidade administrativa e não da legalidade, ou seja, evidencia que estamos perante um juízo de ponderação próprio da actividade administrativa e não perante um acto hermenêutico.

Assim, não pode proceder o argumento da Entidade Demandada a respeito da natureza anulatória implícita do acto impugnado.

2.7. Concluindo-se pela ilegalidade do acto impugnado pelas razões antes aduzidas, que leva à sua anulação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de invalidade suscitados no recurso.

2.8. Resulta também da fundamentação precedente que o STA reconhece, em face da factualidade assente, a formação de um acto tácito de conformidade da DECAPE com a DIA, por efeito do disposto no artigo 21.º, n.º 5 (hoje 21.º, n.º 7) do RJAIA, que é constitutivo de direitos na esfera jurídica do A, mas tem de improceder o pedido de reconhecimento de que foi dado cumprimento do ponto 15-A da DIA, uma vez que – repetimos – está subjacente a tal decisão um juízo de natureza administrativa (de avaliação da adequação das medidas às finalidades de protecção da espécie Linaria Algarviana), o qual está funcionalmente vedado ao Tribunal.

2.9. Quanto aos pedidos condenatórios da CCDRA à não revogação ou anulação administrativa da DECAPE tácita favorável ou, subsidiariamente, a condenação da CCDRA à não revogação ou anulação administrativa da DECAPE tácita favorável os mesmo são manifestamente improcedentes, desde logo porque o A. não alega nem demonstra o preenchimento dos requisitos impostos pelo n.º 2 do artigo 39.º do CPTA, a saber: i) a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido; ii) a imprescindibilidade do meio (da tutela antecipatória).

III – Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência em revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a acção, anulando o acto impugnado e julgando improcedentes os pedidos condenatórios.

Custas a repartir entre as partes na medida do decaimento que se fixam ao 50%.

Lisboa, 7 de Setembro de 2023. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – José Augusto Araújo Veloso.