Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:023/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ORDEM DE CONHECIMENTO
VÍCIOS
ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
II - Por força do disposto no nº 2 do art. 124º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto, nomeadamente no caso de falta de fundamentação), assim se assegurando uma tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.
Nº Convencional:JSTA000P13182
Nº do Documento:SA220110907023
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A… contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1996.
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I – O Ministério Público recorre da aliás douta sentença proferida na data de 28.09.2010, de fls. 127 a 137 dos autos, e mediante a qual a Mma. Juiz a quo julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por A… relativamente ao acto de indeferimento de reclamação graciosa que antes o mesmo apresentara da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1996, e da liquidação de juros compensatórios.
II – Na sentença foi julgado procedente o vício de falta de fundamentação, que fora invocado pelo Impugnante, e no segmento da mesma relativo à apreciação do pedido de pagamento, ao Impugnante, de juros indemnizatórios foi o mesmo julgado improcedente, por se ter entendido que os mesmos não são devidos quando a anulação das liquidações se funda em vício de falta de fundamentação, como era o caso.
III – Porém, a sentença é nula na parte em que omitiu a devida pronúncia sobre uma outra das questões invocadas na petição da acção, pelo Impugnante, o vício de violação de lei, um dos fundamentos da impugnação judicial, de acordo com o disposto no artigo 99°, alínea a), do CPPT, que o mesmo igualmente imputava ao acto tributário de liquidação do imposto e dos juros compensatórios.
IV – Com efeito, a Mma. Juiz a quo estava obrigada a pronunciar-se sobre tal questão, para mais tratando-se de um vício de fundo, o que significa que até se lhe impunha o seu conhecimento prioritário face ao disposto no artigo 124°, nº 1 e 2, alínea a), do CPPT, por ser ele que, a verificar-se, determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do Impugnante.
V – E tal apreciação não é despicienda na medida em que a verificar-se tal vício, sempre será diferente a decisão a tomar quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, que fora formulado pelo Impugnante, e que foi justamente julgado improcedente por se ter entendido não serem eles devidos quando a anulação da liquidação se funda em mero vício de falta de fundamentação.
VI – A decisão recorrida infringiu pois as disposições dos artigos 124°, nº 1 e 2, alínea a), e 125°, ambos do CPPT, e ainda as normas dos artigos 660°, nº 2, e 668°, nº 1, alínea d), ambos do CPC, traduzindo nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.
VII – Assim sendo, deve ser julgado procedente o presente recurso, por se verificar a invocada nulidade da sentença, e, em consequência, determinado que os autos voltem à primeira instância para reforma da mesma na parte referida, de acordo com o disposto no artigo 731°, nº 2, do CPC.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. A Mma. Juíza do Tribunal “a quo” proferiu despacho (fls. 159 e 160) sustentando que inexiste a invocada nulidade da sentença.
1.5. Sendo recorrente, o MP não emitiu Parecer.
1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) O Impugnante é trabalhador da empresa B…, Lda., desde 01/07/1991, exercendo no ano de 1996, as funções de Técnico de Gestão Administrativa – cfr. artigo 1º da petição inicial, a fls. 2;
B) Na sequência de acção de inspecção efectuada à B…, Lda., os Serviços de Inspecção Tributária da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa alteraram a declaração anual de IRS, do Impugnante, referente ao exercício de 1996, do montante declarado de 4.004.021$00 para o montante corrigido de 6.158.911$00 porque: “…verificou-se que a B… procedia ao pagamento a diversos trabalhadores de determinadas importâncias a título de «Ajudas de Custo» e «Subsídios de Alimentação».
Contudo, apurou-se que tais valores eram na realidade complementos de vencimento enquadráveis na categoria A, nos termos do nº 2 do art. 2° do CIRS, porque em todos os locais foram criados refeitórios, dormitórios e pagos os custos para a manutenção dos mesmos (compra de comida, bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza), como também o aluguer de apartamentos, sua manutenção e pagamento de refeições a pessoal mais especializado.
Nestes termos, em face dos dados disponíveis neste serviço, constatou-se que o sujeito passivo A.., NIF …, omitiu aos rendimentos declarados dos anos de 1996..., os valores de 2.154.890$00…” – cfr. relatório de fls. 34 a 37, especialmente informação de fls. 36;
C) Em 31/07/2001, o Chefe de Divisão, por Delegação do Director de Finanças emitiu despacho de alteração dos valores declarados pelo Impugnante, em sede de IRS, referente ao ano de 1996, no montante de 4.004.021$00 para 6.158.911$00 – cfr. fls. 33 a 37;
D) Em resultado da correcção, referida em B e C, foi efectuada a liquidação adicional de IRS nº 5323802819, de 08/11/2001, relativa ao ano de 1996, em nome do Impugnante, no valor a pagar de 910.141$00 (€ 4.539,76), com data limite de pagamento: 26/12/2001 – cfr. fls. 47;
E) Em 07/01/2002, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional referida em D – cfr. carimbo, a fls. 2 e fls. 2 a 45 do processo administrativo tributário apenso;
F) Em 05/02/2002, o Impugnante foi notificado por carta registada com aviso de recepção do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, referida em E – cfr. fls. 61 e 62 do processo administrativo tributário apenso;
G) Em 19/02/2002, foram apresentados os presentes autos de impugnação – cfr. carimbo, a fls. 2;
H) O Impugnante juntou aos autos boletins de itinerários relativos aos meses de Janeiro a Dezembro de 1996, emitidos pela B…, em nome do Impugnante, com indicação dos dias, local de deslocação: Madeira, Costa do Estoril; natureza do serviço: serviços administrativos; montante de ajuda custo/dia e horas partida e chegada cujo teor integral dou aqui por reproduzido – cfr. fls. 48 a 71;
I) O Impugnante efectuou o pagamento da liquidação referida em D – cfr. fls. 102.
3.1. Considerando que está em causa uma liquidação adicional de IRS (relativa a rendimentos de 1996) a que a AT procedeu por ter considerado como rendimentos tributáveis quantias pagas a título de ajudas de custo, e enunciando como questões a decidir as que se prendem com a legalidade dessa liquidação adicional, com a legalidade da liquidação de juros compensatórios e com a legalidade do pedido de juros indemnizatórios pretendidos pelo impugnante, a sentença recorrida:
- julgou procedente a impugnação, anulando a liquidação adicional do imposto, bem como a liquidação dos juros compensatórios com ela liquidados (nº 8 do art. 35º da LGT), dado que a AT, titular do ónus da prova, não alegou factos concretos susceptíveis de demonstrar que as importâncias recebidas pelo impugnante constituem remuneração do trabalho e que integram os rendimentos do trabalho dependente, tributáveis na Categoria A, nos termos do art. 2° do CIRS.
- julgou-a improcedente na parte respeitante ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por adesão à jurisprudência do STA no sentido de não serem devidos juros indemnizatórios quando as liquidações são anuladas por vício de falta de fundamentação, como no caso presente sucede.
3.2. Discordando do assim decidido, o MP recorre, alegando que a sentença é nula por ter omitido pronúncia sobre uma outra das questões invocadas pelo impugnante (o também alegado vício de violação de lei imputado à liquidação), sendo que o Tribunal a quo estava obrigada a pronunciar-se sobre tal questão, para mais tratando-se de um vício de fundo, o que significa que até se lhe impunha o seu conhecimento prioritário face ao disposto no art. 124°, nºs. 1 e 2, al. a), do CPPT, por ser ele que, a verificar-se, determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do Impugnante e sendo que tal apreciação não é despicienda na medida em que a verificar-se tal vício, sempre será diferente a decisão a tomar quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, também formulado pelo impugnante e que foi julgado improcedente por se ter entendido não serem eles devidos quando a anulação da liquidação se funda em mero vício de falta de fundamentação.
A questão a apreciar no presente recurso é, assim, a de saber se a sentença enferma da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Vejamos.
4.1. Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 660º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sendo que o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito.» cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º). Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 660° do CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado (cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670).
No caso, o impugnante alegara na petição inicial, quer a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a imposto, quer a falta de fundamentação, quer, ainda, a violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé, do inquisitório e da participação.
E posteriormente (requerimento de fls. 97 e sgts.) ampliou o pedido formulando, ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 61º do CPPT, pedido de juros indemnizatórios.
O impugnante fez, pois, assentar o pedido de anulação da liquidação de IRS (e dos respectivos juros compensatórios) em várias causas de pedir que erigiu como fundamentos da impugnação, nomeadamente, vício de violação de lei (por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a tal imposto) para além do vício de falta de fundamentação do acto.
Por sua vez, a sentença,
- julgou procedente a impugnação (anulou a liquidação - de IRS e dos respectivos juros compensatórios - aqui em causa) por considerar que o acto tributário enferma de vício de forma (falta de fundamentação) uma vez que a AT, titular do ónus da prova, não alegou factos concretos susceptíveis de demonstrar que as importâncias recebidas pelo impugnante constituem remuneração do trabalho e que integram os rendimentos do trabalho dependente, tributáveis na Categoria A, nos termos do art. 2° do CIRS;
- julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios, por considerar que não são devidos juros indemnizatórios quando as liquidações são anuladas por vício de falta de fundamentação, como é o caso.
A sentença não se pronunciou, portanto, quanto à ilegalidade (resultante do alegado vício de violação de lei, por não sujeição a IRS dos rendimentos em causa) também imputada à liquidação pelo impugnante.
4.2. É certo que, como se referiu, não há omissão de pronúncia quando a sentença não se pronuncia sobre questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (nº 2 do art. 660º do CPC): se o tribunal entender que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
No caso, não explicitando a sentença o eventual juízo de prejudicialidade da questão decidida (atinente ao invocado vício de forma) em relação às demais questões (nomeadamente à questão que se reporta ao assinalado vício de violação de lei - por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos - que o recorrente igualmente imputa à liquidação), então só implicitamente se poderia inferir tal prejudicialidade.
Porém, como salienta o Cons. Jorge de Sousa, a omissão de pronúncia verifica-se «nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.» E «mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.» (cfr. ob. cit. p. 912, bem como a numerosa jurisprudência do STA, ali referenciada).
Acresce que, como alega o recorrente, a sentença estava obrigada, nos termos do art. 124º do CPPT, a pronunciar-se expressa e prioritariamente sobre o invocado vício de violação de lei, pronúncia essa que nem sequer é despicienda na medida em que, a verificar-se tal vício, pode ser diferente a decisão quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios (também formulado pelo impugnante e que foi julgado improcedente por se ter entendido não serem eles devidos quando a anulação da liquidação se funda em mero vício de falta de fundamentação).
Com efeito, este art. 124º do CPPT determina o seguinte:
«1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2. Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.»
Ora, como se viu, embora o impugnante tenha alegado na petição inicial da impugnação, vícios de violação de lei - erro quanto aos pressupostos de facto e de direito da tributação - e de forma – falta de fundamentação, a sentença conheceu apenas deste último vício, sem justificar a ordem e a razão de tal conhecimento e apesar de a eventual procedência do vício de violação de lei propiciar ao interessado tutela mais estável e eficaz, uma vez que, em geral, impede a renovação do acto. Sendo que, como também se referiu, tal apreciação não é despicienda na medida em que, a verificar-se aquela ilegalidade, poderá ser diferente a decisão quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, julgado improcedente por a sentença ter entendido que os mesmos não são devidos quando a anulação da liquidação se funda em mero vício de falta de fundamentação [neste sentido, a jurisprudência desta Secção do STA tem acentuado que deve conhecer-se em primeiro lugar dos vícios de violação de lei (stricto sensu), salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto, nomeadamente no caso de falta de fundamentação - cfr., entre outros, os acs. desta Secção do STA, de 22/9/1994, proc. nº 32.702; de 7/2/1996, proc. nº 15.887; de 23/4/1997, proc. nº 35.367; de 22/3/2006, proc. nº 0916/04; de 24/1/2007, proc. nº 0939/06; de 18/9/2008, proc. nº 0437/2008; de 7/12/2010, proc. nº 0569/10; e de 6/7/2011, proc. nº 355/2011.]
Aliás, como igualmente refere o Cons. Jorge de Sousa (ob. cit., anotações 17 a 19 ao artigo 124º, pp. 892 a 894) o entendimento de que o reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicado o conhecimento dos restantes «só se pode justificar quando o reconhecimento da existência de um vício impeça definitivamente a renovação do acto, pois, se esta for possível em face do vício reconhecido, será necessário apreciar os restantes, uma vez que o conhecimento destes poderá levar à anulação com base num vício que impeça tal renovação.» Por isso e com o «objectivo de assegurar a melhor protecção para o impugnante, se estabelece que, em cada um dos grupos de vícios referidos (inexistência e nulidade, por um lado, e anulabilidade, por outro) o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (…)
No que concerne aos vícios que constituam anulabilidade, estabelece-se o mesmo critério, excepcionando apenas os casos em que o impugnante tenha estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao acto (como é permitido pelo art. 101° deste Código), em que é dada primazia à sua vontade, se for ele o único impugnante ou, sendo mais que um, todos tenham estabelecido a mesma relação de subsidiariedade.
Esta solução é adequada, neste último caso de ser um único impugnante a arguir vícios do acto numa relação de subsidiariedade, pois, trata-se de situações de anulabilidade, em que o interesse público de assegurar a legalidade da actuação da administração tributária se subordina ao interesse dos particulares em manter a estabilidade do acto.
Porém, o que não parece justificar-se em todos os casos é que se dê prioridade aos vícios geradores de inexistência e nulidade com simultâneo não conhecimento dos restantes vícios geradores de mera anulabilidade, no caso de procedência dos primeiros.
Com efeito, pode acontecer que, embora os vícios geradores de mera anulabilidade sejam de menor gravidade, seja a anulação com base nestes que fornece mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Será o caso, por exemplo, de um vício de coacção, que gera nulidade [art. 133°, nº 2, alínea e), do CPA] e de um vício de violação de lei por violação de uma norma de incidência tributária, gerador de mera anulabilidade. A declaração de nulidade com base na existência do vício de coacção, não impede a renovação do acto que, praticado sem tal vício, até pode ser idêntico ou mais lesivo para o particular que o acto declarado nulo. Por seu turno, a anulação do acto por violação de uma norma de incidência, implicará a impossibilidade de renovação do acto anulado.
Assim, se é certo que se justifica que não se deixe de conhecer dos casos de inexistência ou nulidade, atento o interesse público em fazê-los desaparecer da ordem jurídica que subjaz à possibilidade de serem conhecidos oficiosamente, também parece certo que o respeito pela regra de assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, que inspira o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, impõe que, nos casos em que a declaração de inexistência ou nulidade não impedir a renovação do acto, não se deixe de conhecer de pelo menos um vício susceptível de constituir anulabilidade que a impeça.»
Conclui-se, assim, que ocorre a alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, na medida em que, em violação do disposto no nº 2 do art. 124º do CPPT, conheceu apenas do vício de forma sem qualquer justificação e sem que, por não ocorrer prejudicialidade, pudesse validamente invocar-se o disposto no nº 2 do art. 660º do CPC para desconsiderar a apreciação e decisão judicial relativamente à questão do vício de violação de lei também invocado (o qual, a proceder, tutela os interesses em litígio de forma mais eficaz, na economia da impugnação e decisão judiciais).
E tanto basta para se decretar a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo à 1ª instância a fim de julgar novamente a causa (fazer a reforma da decisão anulada), nos termos do nº 2 do art. 731º do CPC, sendo que não pode este Tribunal julgá-la, em substituição, uma vez que o processo não contém os elementos factuais necessários para tanto.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, decretar a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo à 1ª instância para apreciação dos restantes vícios imputados ao acto impugnado, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - António Calhau - Isabel Marques da Silva.