Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01077/14.7BEPRT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I - Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P27217
Nº do Documento:SA22021021701077/14
Data de Entrada:05/22/2019
Recorrente:BANCO ............., SA ..............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Banco A…………, S.A., devidamente identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional no TCA Norte, visando a revogação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26-07-2018, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzido, tendo por objecto o acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentara da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao ano de 2011.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente Banco A……….., S.A. as seguintes conclusões:

A. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou improcedente a presente impugnação deduzida contra a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativa ao período de imposto de Dezembro de 2011 (12/11), com as consequências aí sufragadas.
B. O Tribunal a quo, fixando como questões a decidir a (i) saber se o ato impugnado padece de vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 23°, n° 1, alínea b) e n° 4 do CIVA e dos artigos 173° a 175° Diretiva IVA, ao excluir do cálculo para apuramento da percentagem de IVA a deduzir a componente de amortização do capital nas rendas de locação financeira; (ii) saber se o ato impugnado está inquinado de vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 23°, n° 2 e 3 do CIVA, ao impor à impugnante o método da afetação real no apuramento do IVA através de instruções veiculadas em ofício-circulado; (iii) saber se o ato administrativo consubstanciado no ofício-circulado n° 30.108, de 30/01/2009, enferma de vício de forma por falta de notificação e falta de fundamentação; decidiu pela improcedência da impugnação, mantendo a autoliquidação de IVA impugnada.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento sobre a matéria de direito, pelas razões que passa a expender.
D. Com efeito, a questão que opõe a Impugnante à Fazenda Pública prende-se com a inclusão, ou não, no numerador e no denominador, no cálculo do prorata de dedução, da componente respeitante à amortização de capital incluída nas rendas de locação financeira (Leasing e ALD).
E. O Tribunal a quo estribou a sua fundamentação no erróneo pressuposto de que a contabilização do valor total das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira, que visam o financiamento da aquisição dos veículos, cria uma distorção na tributação inaceitável face à intenção legislativa subjacente à fórmula prevista no artigo 23.°, n.° 4 do CIVA, bem como face aos princípios gerais do IVA, com principal destaque para o princípio da neutralidade.
F. Estribou ainda a sua fundamentação no igualmente errado pressuposto de que os n.°s 2 e 3 do artigo 23.° do Código do IVA procedem à transposição do disposto no artigo 173.°, n.° 2 al. e) da Diretiva IVA, (correspondente ao artigo 17.°, n.° 5 da Sexta Diretiva), no sentido de que a existência de uma fórmula pré-determinada para alcançar o prorata de dedução não impede que o Estado membro, entre outros, autorize ou obrigue o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e serviços, concluindo que aqueles artigos atribuem à AT "um poder genérico de impor determinados métodos de cálculo, mais ou menos próximos do método da afetação real ou da fórmula de determinação prorata, desde que o método de cálculo traduza uma mais precisa determinação da percentagem a deduzir face à realidade económica do sujeito passivo."
G. Neste âmbito o thema decidendum assenta em saber, por um lado, se exclusão, do cálculo do prorata, da componente de amortização do capital nas rendas de locação financeira tem cabimento no n.° 4 do artigo 23.° do Código do IVA, tendo em conta a fórmula prevista pelo legislador comunitário e nacional e os princípios gerais do IVA, com principal destaque para o princípio da neutralidade.
H. E por outro, se a AT podia impor a referida exclusão ao abrigo do disposto no artigo 23°, nº 2 e 3 do CIVA.
I. Ora, no entendimento do ora Recorrente, o n.° 4 do artigo 23 do Código do IVA não pode ser interpretado no sentido de estabelecer restrições ao critério do prorata.
J. Com efeito, sendo o sistema do IVA um sistema harmonizado a nível comunitário, as regras de dedução deverão obedecer, precisamente, às regras e princípios comunitários.
K. Nestes termos, a Diretiva IVA estabelece, por um lado, o método do prorata geral de dedução como princípio geral de dedução do IVA suportado em inputs utilizados de forma indistinta em operações tributadas e isentas, e por outro, estabelece de modo imperativo, a fórmula de cálculo para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível.
L. Efetivamente, nos termos do n.° 1 do artigo 174.° da Diretiva IVA, a fórmula de cálculo do IVA dedutível resulta de uma fração cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa),
M. por sua vez, nos termos do n.° 2 do mesmo artigo são enumerados taxativamente os montantes que não são tomados em consideração no cálculo da percentagem de dedução: transmissões de bens de investimento, por um lado, e operações imobiliárias e financeiras, quando sejam acessórias, por outro lado. Nada mais, à luz da Diretiva IVA, deve ser excluído do cálculo do prorata.
N. Entendeu, pois, o legislador comunitário (e também o nacional como se verá de seguida) que, em geral, o volume de negócios (a contraprestação das operações de transmissão de bens e de prestação de serviços) de cada tipologia de operações (as que conferem e as que não conferem o direito a dedução) constitui um bom critério para o cálculo do IVA a deduzir, considerando-o o regime-regra supletivo e matéria de dedução no âmbito de "custos comuns" ou residuais.
O. Ora, nos termos do artigo 73.° da Diretiva IVA, e da alínea h) do n.° 2 do artigo 16.° do Código do IVA a "renda recebida ou a receber do locatário" constitui o valor tributável sobre que há-de incidir o IVA.
P. Resulta, assim, inequívoco que são integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias, e mesmo neste caso, renunciável), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos).
Q. Ora, método do prorata, imposto pelo legislador comunitário, prevê a inclusão no denominador do montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA relativo às operações que confiram direito à dedução e as que não confiram direito à dedução.
R. E o volume de negócios corresponde precisamente, ao valor da contraprestação, que, no caso da locação financeira, e a renda.
S. No entanto, nos termos do artigo 173.°, n.° 2, da Diretiva IVA, admite-se a possibilidade de os Estados-Membros tomarem determinadas opções no âmbito do cálculo do prorata de dedução, nomeadamente, conforme previsto na al. c), "autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e serviços." (sublinhado nosso).
T. Possibilidade essa que o legislador nacional não acautelou, donde resta senão concluir que na perspetiva do legislador nacional a aplicação do método prorata previsto no n.° 4 do artigo 23.º é adequada para assegurar o direito à dedução, não encerrando quaisquer distorções na tributação.
U. Cf. Sancionado no Acórdão do CAAD de 20-11-2017, proferido no processo n.° 309/2017-T, presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, "(...) não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.° 4 do artigo 23.° do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira".
V. Acresce, além, do mais, que a existência ou não de uma distorção na tributação apenas legitima a AT a impor ao sujeito passivo i) a adoção método da afetação real, ii) a cessação da aplicação desse método ou iii) a adoção de condições especiais no âmbito do referido método da afetação real, nos termos dos n.°s 2 e 3 do artigo 23; pelo que nunca relevaria no âmbito do disposto no n.° 1 e 4 do referido artigo, e designadamente, para efeitos dá conformação do método de determinação da percentagem de dedução.
W. E ainda que se admitisse que as disposições dos n.°s 2 e 3 do artigo 23° do Código do IVA legitimavam a AT a impor a adoção de uma fórmula de cálculo da percentagem de dedução específica (ie, com exclusão da componente de amortização de capital) não se encontra devidamente fundamentada ou demonstrada pela Recorrida a existência uma distorção na tributação, pressuposto daquela imposição, pelo e não se compreende como pôde o Tribunal a quo dar como assente a sua existência?!
X. De facto, não basta a mera alegação que o aumento da percentagem de dedução verificado é injustificado e significativo, sem demonstrar, concretizar ou fundamentar que tal diferença é suficientemente relevante e intolerável à luz do sistema do IVA, conduzindo por esse feito a distorções significativas na tributação.
Y. Pelo contrário, trata-se de uma decorrência natural da aplicação do método supletivo de dedução parcial, não merecendo qualquer crítica, é sendo aceite pela generalidade das jurisdições europeias (pois não excluem a componente de capital do calculo da percentagem de dedução).
Z. Acresce que, conforme supra nos pronunciamos, a Diretiva IVA, no n.° 2 do artigo 173.°, consagra a possibilidade de os Estados membros tomarem determinadas opções no âmbito do cálculo do prorata de dedução, opção que o legislador nacional não tomou!
AA. Pelo que na perspetiva do legislador nacional a aplicação do método prorata previsto no n.° 4 do artigo 23.° é adequada para assegurar o direito a dedução, não encerrando quaisquer distorções na tributação.
BB. Face ao exposto, a aplicação do método supletivo de prorata no âmbito das atividades de locação financeira encontra-se perfeitamente em sintonia com o princípio da neutralidade e com o regime de deduções instituído pela Diretiva IVA, o qual admite a existência de situações de correspondência imperfeita entre o IVA suportado nos inputs e o IVA suportado nos outputs, sem que tal conduza a distorções que mereçam a imposição de um método de dedução específico, pelo que tal imposição se revela ilegal
CC. Muito recentemente o TJUE, em Acórdão de 18 de outubro de 2018, proferido no processo n° C- 153/17 - "Volkswagen Financial Services", manifestou-se no sentido de que os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios
DD. Aliás, é a interpretação veiculada pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, e acolhida na douta decisão recorrida que fere a neutralidade ínsita no sistema do IVA e conduz a distorções na tributação, porquanto sujeita a totalidade da renda a IVA e não permite a dedução da parcela relativa a amortização de capital e, por outro lado, porque perante um sujeito passivo que apenas desenvolve atividades de locação financeira não subsistirão dúvidas de que a totalidade do IVA suportado com as rendas será dedutível.
EE. Além do mais, a douta decisão ora recorrida, incorre no mesmo erro de interpretação a que alguma jurisprudência aderiu, qual seja, o do alcance de efeitos da interpretação do TJUE formulada no Acórdão do TJUE proferido no caso Banco Mais, no qual se sanciona que «O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva (…) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um Banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»" (sublinhado nosso).
FF. Porém, tal não significa que no âmbito da aplicação do prorata de dedução, nos termos do n.° 1 e do n.° 4 do Código do IVA, e dos equivalentes comunitárias, tais artigos devam ser interpretados no sentido de ser sempre de desconsiderar a componente de capital, como aliás tem vindo a ser sancionado pela mais recente jurisprudência nacional de que são exemplo os Acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.°s 309/2017-T, 311-2017-T e 312/2017-T.
GG. Conforme esclareceu o TJUE no já acima citado Acórdão de 18 de outubro de 2018, proferido no processo n.° C-153/17 - "Volkswagen Financial Services":
"56 Todavia, não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183113, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.
57 Em particular, atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, recordada no n.° 39 do presente acórdão, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
58 Assim, no caso vertente, no que respeita ao método de cálculo do pro rata de dedução do IVA aplicado pela Administração Fiscal cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se este método tem em conta a afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito a dedução.
59 Atendendo a todas estas considerações, há que responder às questões submetidas que os artigos 168.º e 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos as operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja na parte isenta da operação, esses custos gerais e - vem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios." (sublinhado nosso)
HH. Acresce que o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais, citado no Acórdão fundamento da decisão ora recorrida, dá por assente, erradamente, que o legislador nacional transpôs para o seu ordenamento jurídico rigorosamente o que se encontrava previsto na Diretiva, inclusivamente, a possibilidade de os Estados membros mitigarem o prorata, obrigando o contribuinte a incluir ou excluir do seu cálculo determinadas componentes.
II. Porém, as disposições nacionais que procederam à transposição da Diretiva de IVA, não conferem à AT qualquer prerrogativa destinada à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, pois o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e denominador da fração e os n.° 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA apenas habilitam a AT a impor condições especiais no âmbito da dedução segundo a afetação real;
JJ. De facto, uma leitura atenta dos preceitos nacionais comunitários em crise (artigos 23.°, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA e [atual] artigo 173.°, n.° 2, al. c) da Diretiva IVA) evidencia que normas nacionais não reproduzem a derrogação operada pela alínea c) da referida norma comunitária.
KK. Tal significa que a possibilidade conferida aos legisladores nacionais para autorizarem ou imporem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços não foi adotada pelo legislador nacional!
LL. E ainda que a AT se encontrasse legitimada a impor a utilização do método da afetação real, no que não se concede porquanto inexiste qualquer distorção na inclusão da componente de amortização de capital no cálculo do prorata no âmbito das atividades de locação financeira, tal consistiria na imposição ao sujeito passivo da adoção de "critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito", e não na utilização de formas de cálculo da percentagem de dedução "à medida" da AT.
MM. Conforme sancionado no já citado Acórdão do CAAD de 20-11-2017, proferido no Processo n.° 309/2017-T, no qual presidiu o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, "manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira."
NN. No caso em apreço, o que a AT preconiza, e a douta sentença recorrida erradamente sanciona, e uma "reinterpretação" do critério do prorata previsto no n.° 4 do artigo 23.° do Código do IVA.
OO. Impor a cisão da contraprestação unitária das operações de locação financeira em duas componentes, uma de amortização financeira ou capital e outra de juros e remuneração de outros encargos, excluindo a primeira do cálculo do prorata de dedução, mais não é do que criar ex novo um método de dedução inovador, desprovido de qualquer base legal, nacional ou comunitária: um prorata alternativo, assente numa fórmula de cálculo divergente da prevista no n.° 4 do artigo 23.º do Código do IVA.
PP. Com efeito, os dois únicos métodos de dedução previstos para bens de utilização mista afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica previstos no artigo 23.° do Código do IVA são o método de dedução por afetação real, previsto no artigo 23.°, n.°s 2 e 3, do Código do IVA e o método de dedução por prorata, previsto no artigo 23.°, n.°s 1, e 4, do Código do IVA.
QQ. Cumpre, pois, concluir que tal "reinterpretação", qual seja, a imposição de um método de percentagem de dedução no âmbito das atividades de Leasing e ALD no qual seja desconsiderado a componente de amortização de capital, não tem qualquer suporte nem na letra e nem no espírito do mecanismo de dedução previsto na Diretiva do IVA, nem, por conseguinte, no artigo 23.° do Código do IVA na redação vigente à data, conforme supra sobejamente demonstramos.
RR. Aderindo à mais recente jurisprudência do TJUE, Acórdão de 18 de outubro de 2018, proferido no processo C-153/2017 - "Volkswagen Financial Services", "Os artigos 168.° e 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios."
SS. Pelo exposto se demonstra que o douto Tribunal a quo, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito, em clara e manifesta violação e interpretação das normas nacionais e comunitárias e princípios de direito vindos a referir.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente curso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que julgue procedente a presente impugnação judicial, com as legais consequências.

A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

Por Acórdão do TCA Norte, de 29/03/2019, foi decidido declarar o Tribunal Central Administrativo Norte incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento deste recurso jurisdicional dado a mesma caber ao Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no seguinte parecer:


“1 – BANCO A…., S.A. …………. vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, a fls. 132 a 147, que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida pela agora recorrente contra a o acto de reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativo ao ano de 2011 e por com isso se não conformar.
Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls. 167 a 171 vº, e, em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento quanto à aplicação do direito em clara e manifesta violação e interpretação das normas nacionais e comunitárias, bem como dos princípios que lhe estão subjacentes.
Pede, a final, a revogação da decisão com as consequências daí decorrentes de procedência da impugnação.
2 – A recorrida A.T. não contra-alegou.
3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder “in totum”.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta, face ao conteúdo do probatório fixado, não posto em causa. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em pertinente jurisprudência nacional e comunitária que a propósito cita não sendo passível de quaisquer censuras.
“Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v. g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”- AC. deste STA, de 29.10.2014, in proc. nº 01075/13, da 2ª sec.
E, ainda, no mesmo sentido, Acs. de 17.06.2015, in proc. nº 01874/13 e de 27.01.2016, in proc. nº 0331/14, ambos da 2ª sec. deste STA.
4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.”
*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) A impugnante é uma sociedade anónima, com sede em território nacional, que exerce, a título principal, atividade no âmbito de "outra intermediação monetária" (CAE 64190) - cfr, informação de fls. 22 a 36 do processo administrativo de impugnação apenso (PA);
2) Em sede de IVA, a impugnante está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal - cfr. informação de fls. 22 a 36 do PA;
3) No exercício de 2011, a impugnante é considerada um sujeito passivo misto, uma vez que exerce atividades sujeitas a IVA – operações isentas que conferem direito à dedução, e também operações isentas sem direito à dedução do imposto - cfr. informação de fls. 65 a 88 e seguintes do processo administrativo de reclamação graciosa (PARG);
4) No âmbito da sua atividade, a impugnante celebra contratos de locação financeira, nos quais figura, como locadora, adquirindo os bens, acrescidos de IVA, a terceiros fornecedores, e entregando-os de imediato para uso e fruição dos locatários, que pagam rendas como contrapartida, em geral acrescidas de IVA, as quais contêm uma parcela de amortização de capital e outra de juros e encargos e nos termos dos quais é concedida ao locatário a possibilidade de, mediante o pagamento de um valor residual, adquirir o bem - facto não controvertido;
5) Em 09/02/2012, a impugnante apresentou a declaração periódica de IVA n° 102019204736, relativa ao período de Dezembro de 2014 - cfr. comprovativo de entrega da declaração a fls. 25 dos autos;
6) Na declaração referida no ponto antecedente, foi considerado um valor relativo a aquisição de bens e serviços de utilização mista no valor de € 6.715.014,50 de que resultou uma dedução de IVA equivalente a 6% daquele valor, no montante de € 402.900,97- cfr. informação a fls. 68 do PARG;
7) Em 30-12-2013 a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA referida no ponto 5), na qual peticionou a anulação parcial da mesma, a restituição do IVA pago em excesso no montante de € 738.631,59 correspondente aos seguintes resultados: € 1.141.552,46- € 402.900,97 e o pagamento de juros indemnizatórios - cfr. petição inicial de reclamação graciosa e envelope a fls. I e seguintes e informação de fls 37 do PARG;
8) Em 27-03-2014 foi exarado projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida em 7), com base nos fundamentos da informação n° 64-ADP/2014 - cfr. despacho de fls. 36 e seguintes do PARG;
9) Em 28-03-2014, por ofício n° 1159, a impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia - cfr. ofício e comprovativo de registo a fls. 62 e 63 do PARG;
10) Em 24-04-2014 foi exarado despacho definitivo de indeferimento da reclamação graciosa referida em 7), o qual foi notificado à impugnante através do ofício n° 1488, de 24-04-2014 - cfr. despacho de indeferimento a fls. 64, e ofício e comprovativo de registo a fls. 90 e 91, todas do PARG;
11) Em 12-05-2014 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a petição inicial da presente impugnação - cfr. comprovativo da entrega a fls. 1 dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal fundou-se no posicionamento das partes, assumido nos respetivos articulados e, na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntos aos autos não impugnados, bem como nos processos administrativos em apenso, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório."
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, uma vez que “a imposição de um método de percentagem de dedução no âmbito das atividades de Leasing e ALD, no qual seja desconsiderado a componente de amortização de capital, não tem qualquer suporte nem na letra e nem no espírito do mecanismo de dedução previsto na Diretiva do IVA, nem, por conseguinte, no artigo 23.° do Código do IVA, na redacção vigente à data”, incorrendo em violação e interpretação das normas nacionais e comunitárias, bem como dos princípios que lhe estão subjacentes.
Na verdade, tomando em linha de conta as conclusões recursórias, a controvérsia suscitada nos autos prende-se com a inclusão, ou não, no numerador e no denominador, no cálculo do prorata de dedução, da componente respeitante à amortização de capital incluída nas rendas de locação financeira (Leasing e ALD).
Segundo o recorrente, o Tribunal a quo baseou a sua fundamentação no erróneo pressuposto de que a contabilização do valor total das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira, que visam o financiamento da aquisição dos veículos, cria uma distorção na tributação inaceitável face à intenção legislativa subjacente à fórmula prevista no artigo 23.°, n.°4 do CIVA, bem como face aos princípios gerais do IVA, com principal destaque para o princípio da neutralidade. Acrescendo que a sentença também considerou que os n.°s 2 e 3 do artigo 23.° do Código do IVA procedem à transposição do disposto no artigo 173.°, n.° 2 al. e) da Diretiva IVA, (correspondente ao artigo 17.°, n.° 5 da Sexta Diretiva), no sentido de que a existência de uma fórmula pré-determinada para alcançar o prorata de dedução não impede que o Estado membro, entre outros, autorize ou obrigue o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e serviços, concluindo que aqueles artigos atribuem à AT "um poder genérico de impor determinados métodos de cálculo, mais ou menos próximos do método da afetação real ou da fórmula de determinação prorata, desde que o método de cálculo traduza uma mais precisa determinação da percentagem a deduzir face à realidade económica do sujeito passivo."
Em suma: o pomo da discórdia radica no discernimento sobre se a exclusão, do cálculo do prorata, da componente de amortização do capital nas rendas de locação financeira tem cabimento no n.° 4 do artigo 23.° do Código do IVA, tendo em conta a fórmula prevista pelo legislador comunitário e nacional e os princípios gerais do IVA, com principal destaque para o princípio da neutralidade e se, é lícito à AT impor a aludida exclusão sob a guarida do disposto no artigo 23°, nº 2 e 3 do CIVA.
Como decorre do antedito, para o recorrente o n.° 4 do artigo 23.º do Código do IVA não pode ser interpretado no sentido de estabelecer restrições ao critério do prorata, desde logo porque no sistema do IVA, estando harmonizado a nível comunitário, as regras de dedução deverão obedecer às regras e princípios comunitários e à Directiva IVA que determina não apenas que o método do prorata geral de dedução como princípio geral de dedução do IVA suportado em inputs utilizados de forma indistinta em operações tributadas e isentas, como também que a fórmula de cálculo para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível.
Mais concretamente, ainda segundo o recorrente, o n.°1 do artigo 174.° da Directiva IVA, estabelece que a fórmula de cálculo do IVA dedutível resulta de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa), sendo que, o n.° 2 daquele normativo são enumerados taxativamente os montantes que não são tomados em consideração no cálculo da percentagem de dedução: transmissões de bens de investimento, por um lado, e operações imobiliárias e financeiras, quando sejam acessórias, por outro lado. Nada mais, à luz da Directiva IVA, deve ser excluído do cálculo do prorata.
Por assim ser, aduz também o recorrente, quer o legislador comunitário, quer o nacional, adoptaram o entendimento de que, em geral, o volume de negócios (a contraprestação das operações de transmissão de bens e de prestação de serviços) de cada tipologia de operações (as que conferem e as que não conferem o direito a dedução) constitui um bom critério para o cálculo do IVA a deduzir, considerando-o o regime-regra supletivo e matéria de dedução no âmbito de "custos comuns" ou residuais. E resulta do artigo 73.° da Diretiva IVA, e da alínea h) do n.° 2 do artigo 16.° do Código do IVA a "renda recebida ou a receber do locatário" constitui o valor tributável sobre que há-de incidir o IVA. Por isso que sejam integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias, e mesmo neste caso, renunciável), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos).
Na óptica do recorrente, o método do prorata, imposto pelo legislador comunitário, prevê a inclusão no denominador do montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA relativo às operações que confiram direito à dedução e as que não confiram direito à dedução, sendo que o volume de negócios corresponde precisamente, ao valor da contraprestação, que, no caso da locação financeira, e a renda.
Porém, o recorrente ressalva que nos termos do artigo 173.°, n.°2, da Directiva IVA, reconhece-se a possibilidade de os Estados-Membros tomarem determinadas opções no âmbito do cálculo do prorata de dedução, nomeadamente, conforme previsto na al. c), "autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e serviços", possibilidade essa que o legislador nacional não acautelou, o que força a conclusão de que na perspectiva do legislador nacional a aplicação do método prorata previsto no n.° 4 do artigo 23.º é adequada para assegurar o direito à dedução, não encerrando quaisquer distorções na tributação.
Está, pois, em causa a questão do método de percentagem de dedução no âmbito das actividades de Leasing e ALD e no qual não foi considerada a componente de amortização de capital - inclusão, ou não, no numerador e no denominador, no cálculo do prorata de dedução.
Sobre esta matéria já existe abundante jurisprudência, nomeadamente a consagrada nos Acórdãos de 29/10/2014, Processo nº. 1075/13, de 17/06/2015, Processo nº01874/13, de 27/01/2016, Processo nº 0331/14 e do Pleno de 04/03/2020, nos Processos nºs 052/19.0BALSB e 07/19.4BALSB e de 30/09/2020, Processo nº095/19.3BALSB (Pleno).
Por assim ser, aderimos em absoluto à jurisprudência estabilizada deste STA adoptando a solução que foi ditada no aresto proferido no Processo Processos nº052/19.0BALSB (Pleno) referido condensada no respectivo bloco fundamentador que passa a transcrever-se de modo adaptativo:
“ (…)
A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).
Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.
Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.
A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.
E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.
E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.
Sucede que a Recorrida põe em causa a aplicabilidade desta jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, arguindo que o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”.
Mas sem razão que lhe assista.
Vejamos as disposições legais em causa:
O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (nosso sublinhado).
E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:
(…)
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.
Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão) ”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - Parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços» ”.
E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).
Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.
Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.
Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.”
Seguindo, pois, essa jurisprudência consolidada no Pleno do STA, cumpre definir idêntico desfecho para o presente recurso.

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3. Decisão

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.
Sem custas.

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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021 - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.