Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0484/09.1BECBR |
Data do Acordão: | 10/06/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | IVA ANULAÇÃO PARCIAL |
Sumário: | I - O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. |
Nº Convencional: | JSTA000P28218 |
Nº do Documento: | SA2202110060484/09 |
Data de Entrada: | 06/09/2021 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............ E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A………… e B…………, ambos com os sinais dos autos, impugnaram no TAF de Coimbra as liquidações adicionais de IVA respeitantes aos anos de 2005 e 2006, alegando que o direito à dedução, que havia sido considerado ilegal por injustificado no âmbito do procedimento de inspecção tributária por falta de apresentação dos respectivos documentos, se teria de considerar justificado na parte dos documentos que juntou ao processo, e que, o imposto deveria, neste caso, ter sido “apurado por métodos indirectos”. Por sentença de 29 de Janeiro de 2021, o TAF de Coimbra julgou a impugnação totalmente procedente, por considerar que os Impugnantes tinham apresentado alguns documentos que permitiam parcialmente fundamentar o direito à dedução do IVA naqueles exercícios, o que determinaria a ilegalidade dos respectivos actos de liquidação adicional. 2- O Representante da Fazenda Pública, inconformado com sentença do TAF de Coimbra, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações, que conclui da seguinte forma: «[…] 1. A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2005, no valor de € 20.948,40 e do ano de 2006 no valor de €36.707,66, no valor total de € 57.656,06 (cinquenta e sete mil seiscentos e cinquenta e seis euros e seis cêntimos), por ter entendido existirem documentos de suporte de IVA dedutível, a considerar a favor do sujeito passivo, apresentados já em sede da impugnação judicial, anulando na totalidade as liquidações impugnadas. 2. Quanto ao segmento da decisão que aceita os documentos de suporte do IVA dedutível apresentados, esta Representação da Fazenda Pública conforma-se com o mesmo. 3. No entanto e com todo o respeito pela douta decisão a quo, entende esta Representação da Fazenda existir erro na aplicação do direito, ao decidir-se na mesma pela anulação total das liquidações impugnadas, não admitindo a divisibilidade do acto tributário de liquidação em causa, decorrente do disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária e a consequente anulação parcial do mesmo, conforme a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é corolário o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido em 30/01/2019, no processo n.º 0436/18.9BALSB. 4. Discorda, respeitosamente, esta Representação da Fazenda Pública da anulação total das liquidações levada a cabo, tanto mais que a própria sentença refere expressamente, que a pretensão dos Impugnantes, é no sentido de o teor dos documentos dever ser considerado para efeitos do cálculo da matéria colectável. 5. Ora, os montantes de IVA suportados por esses documentos, são inferiores aos que foram desconsiderados pela Inspecção Tributária, somando apenas € 1.856,23 em 2005 e € 6.332,80 em 2006, sendo que o montante remanescente de IVA dedutível declarado, continua a não ter documento de suporte, que permita a sua dedução a favor do sujeito passivo, pelo que, deveria ter sido decidida, não a anulação total das liquidações impugnadas, mas a anulação parcial das mesmas, pois em parte não existe qualquer vício que as inquine. 6. Pelo que, face à divisibilidade do acto tributário, tanto por natureza como por definição legal, deve ocorrer tal anulação parcial, pois a ilegalidade não afecta o acto no seu todo, mas apenas parcialmente, implicando apenas uma operação aritmética de subtracção dos montantes com suporte documental, ao valor das liquidações de IVA apuradas para os períodos trimestrais de 2005 e 2006. Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela anulação parcial das liquidações impugnadas, face ao supra exposto, assim se fazendo
II – Fundamentação
Com efeito, as liquidações adicionais de IVA aqui em apreço ascendiam a €20.948,40 em relação ao exercício de 2005 e a €57.656,06 em relação ao exercício de 2006. Estas liquidações foram emitidas na sequência de um procedimento de inspecção tributária, no qual se concluiu que o sujeito passivo tinha deduzido imposto que não estava devidamente justificado por facturas que permitissem “justificar” o imposto suportado com aquisições de bens e serviços. E que, instado a apresentar esses documentos no âmbito do procedimento de inspecção tributária, o sujeito passivo não os apresentou. No julgamento em primeira instância, o TAF de Coimbra deu como provado que o sujeito passivo tinha, entretanto, reunido cópias de documentos/facturas em falta e que estes documentos cumpriam as exigências legais à luz do direito europeu e da jurisprudência firmada pelo TJUE para que se pudesse admitir o direito à dedução do imposto (dedução do IVA) com base nos mesmos. Mas embora não se tenha apurado na decisão judicial – como se impunha – o valor das deduções que assim haveria que contabilizar para efeitos de liquidação do IVA em cada um daqueles exercícios e os montantes deduzidos que continuavam a não ter fundamento legal, por continuarem a não dispor de suporte documental, a verdade é que não existem dúvidas de que a documentação apresentada apenas permitia justificar em parte o direito à dedução e não a totalidade das deduções efectuadas. Atente-se nesta passagem da decisão recorrida: «[…] Mais sustentam ter-lhes sido possível reunir parte da aludida documentação, mediante contacto com alguns fornecedores, peticionando, a final, que o teor da mesma seja considerado para efeitos de apuramento da matéria coletável […]» (sublinhado nosso). E atente-se, também, na informação que consta do ponto O da base probatória, do qual resulta que os documentos apresentados apenas permitem “justificar” o direito à dedução de uma parte dos valores. Portanto, tem razão o Representante da Fazenda Pública quando alega que a decisão do Tribunal a quo erra ao anular os actos de liquidação em questão, com este fundamento, uma vez que a ilegalidade que lhes assaca apenas permitiria concluir pela respectiva anulação parcial. Este Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado reiteradamente que “[…] o acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação […]» e que «[…] o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial […]» - v. acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Fevereiro de 2018 (proc. 012/15) e de 28 de Outubro de 2020 (proc. 01251/06.0BEBRG). Assim, resulta da decisão recorrida que os montantes de IVA suportados pelos documentos entretanto apresentados são inferiores aos que foram desconsiderados pela Inspecção Tributária, continuando o montante remanescente de IVA dedutível declarado a não ter suporte documental que permita a sua dedução a favor do sujeito passivo, pelo que, nessa parte, o acto de liquidação adicional não enferma de ilegalidade com este fundamento. Isto é suficiente para se considerar verificado o erro de julgamento que vem alegado pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença recorrida.
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos para que seja reformulada a decisão conforme o decidido (anulação parcial dos actos de liquidação adicional, a quantificar pelo Tribunal a quo, em função dos montantes de IVA que se consideram justificados pelos documentos entretanto apresentados) e conhecidos, na parte em que se mantêm os actos de liquidação, os demais fundamentos de ilegalidade que o Tribunal a quo considerou prejudicados. * Custas pelos Recorridos, sem taxa de justiça por não terem contra-alegado. * Lisboa, 6 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia. |