Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:090/19.2BECBR
Data do Acordão:07/13/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO
APLICAÇÃO ANALÓGICA
Sumário:Não tem fundamento legal o pagamento de um suplemento remuneratório que já não se encontra previsto na lei à data em que um funcionário inicia funções alegadamente equivalentes àquelas que anteriormente davam direito à percepção do mesmo, ainda que alguns funcionários com maior antiguidade tenham o direito a esta prestação por força de uma norma legal de salvaguarda de direitos
Nº Convencional:JSTA00071754
Nº do Documento:SA120230713090/19
Data de Entrada:06/01/2023
Recorrente:SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, STAL
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:Recurso de revista
Objecto:Acórdão do TCA Norte de 27 de Janeiro de 2023
Decisão:Negar provimento ao recurso
Área Temática 1:acção administrativa; reconhecimento de direitos
Área Temática 2:suplemento remuneratório
Legislação Nacional:Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, artigo 58.º
Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, artigo 7.º, n.ºs 1 e 2
Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, artigo 112,º, n.º 2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, STAL, com os sinais dos autos, propôs, em representação dos seus associados, AA, BB, CC e DD, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra), acção administrativa, contra o Município de Coimbra, igualmente com os sinais dos autos, tendo formulado o seguinte pedido:
«[…] Deverá o Réu, por intercessão dos seus órgãos e entidades competentes, prolatar acto administrativo com os seguintes segmentos básicos:
I – Que reconheça o direito dos sócios do Autor à percepção de custas fiscais, até ao limite de 30% do montante anual da remuneração base, pelo exercício das funções de escrivães nos processos de execução fiscal que correram e correm termos no Gabinete de Contra-Ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Coimbra;
II – Que, reconhecendo o direito ao suplemento descrito, determine o respectivo pagamento em 12 mensalidades, desde que os sócios do Autor prestam funções de escrivães nos processos de execução fiscal, que correm termos no Gabinete de Contra-Ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Coimbra, ou durante o período em que executaram estas funções, no dito Gabinete, em montantes que em Novembro de 2018 já atingiam as seguintes quantias:

a) AA
2013: Setembro 329,04€; Outubro 332,00€; Novembro 296,74€; Dezembro 152,70€; total 1.110,68€;
2014: Janeiro 247,31€; Fevereiro 618,51€; Março 256,25€; Abril 525,94€; Maio 787,49€; Junho 1.326,19€; Julho 1.047,90€; Agosto 625,67€; Setembro 830,66€; Outubro 670,80€; Novembro 889,21€; Dezembro 575,24€; total 8.428,17€;
2015: Janeiro 727,91€; Fevereiro 403,06€; Março 428,41€; Abril 679,21€; Maio 856,78€; Junho 469,31€; Julho 445,98€; Agosto 178,81€; Setembro; 288,38€; Outubro 482,33€; Novembro 460,55€; Dezembro 294,91€; total 5.715,55€;
2016: Janeiro 263,68€; Fevereiro 272,87€; Março 355,75€; Abril 246,10€; Maio 339,11€; Junho 455,14€; Julho 521,17€; Agosto 445,63€; Setembro 425,79€; Outubro 518,65€; Novembro 746, 27€; Dezembro 539,35€; Total 5.129,51€;
2017: Janeiro 835,55€; Fevereiro, 608,51€; Março 840,64€; Abril 571,85€; Maio 462,43€; Junho 450,19€; Julho 353,56€; Agosto 932,91€; Setembro 1.155,35€; Outubro 1.144,08€; Novembro 864,54€; Dezembro, 462,34€; total, 8.681,95€;
2018: Janeiro 1.319,17€; Fevereiro 1.054,94€; Março 1.175,85€; Abril 847,68€; Maio 877,04€; Junho 1.041,14€; Julho 767,68€; Agosto 676,59€; Setembro 648,45€; Outubro 739,54€; Novembro 972,22€; total 10.120,30€.

b) BB
2015: 390,64€; Setembro 630,02€; Outubro 1.053,74€; Outubro 1.006,16€; Dezembro 644,28€; total 3.724,84€;
2016: Janeiro 576,00€; Fevereiro 596,13€; Março 777,21€; Abril 537,65; Maio 740,86€; Junho 994,34€; Julho 1.138,60€; Agosto 973,56€; Setembro 930,23€; Outubro 1.133,10€; Novembro 1.630,37€; Dezembro 1.178,30€; total 11.206,41€;
2017: Janeiro 1.825,43€; Fevereiro 1.329,41€; Março 1.836,56€; Abril 1.249,32€; Maio 1.010,27€; Junho 983,52€; Julho 772,42€; Agosto 2.038,11€; Setembro 2.524,08€; Outubro 2.499,47€; Novembro 1.888,76€; Dezembro 1.010,06€; total 18.967,39€;
2018: Janeiro 2.812,30€; Fevereiro 2.249,01€; Março 2.506,76€; Abril 1.807,15€; Maio 1.869,74€; Junho 2.219,59€; Julho 1.636,60€; Agosto 1.442,41€; Setembro 1.349,79€; Outubro 1.539,40€; Novembro 2.023,72€; total 21.456,47€.

c) CC
2013: Maio 273,51€; Junho 580,03€; Julho 703,11€; Agosto 384,57€; Setembro 329,04€; Outubro 332,00€; Novembro 296,74€; Dezembro 152,70€; Total 3.051,90€;
2014: Janeiro 247,31€; Fevereiro 618,51€; Março 256,25€; Abril 525,94€; Maio 787,49€; Junho 1.326,19€; Julho 1.047,90€; Agosto 625,67€; Setembro 830,66€; Outubro 670,80€; Novembro 889,21€; Dezembro 575,24€; total 8.428,17€;
2015: Janeiro 727,91€; Fevereiro 403,06€; Março 428,41€; Abril 679,21€; Maio 856,78€; Junho 469,31€; Julho 445,98€; Agosto 178,81€; Setembro; 288,38€; Outubro 482,33€; Novembro 460,55€; Dezembro 294,91€; total 5.715,55€;
2016: Janeiro 263,68€; Fevereiro 272,87€; Março 355,75€; Abril 246,10€; Maio 339,11€; Junho 455,14€; Julho 521,17€; Agosto 445,63€; Setembro 425,79€; Outubro 518,65€; Novembro 746, 27€; Dezembro 539,35€; Total 5.129,51€;

2017: Janeiro 835,55€; total 835,55€.

d) DD
2014: Novembro 889,21€; Dezembro 575,24€; total 1.464,45€;

2015: Janeiro 727,91€; Fevereiro 403,06€; Março 428,41€; Abril 679,21€; Maio 856,78€; Junho 469,31€; Julho 445,98€; Agosto 178,81€; Setembro; 288,38€; Outubro 482,33€; Novembro 460,55€; Dezembro 294,91€; total 5.715,55€;
2016: Janeiro 263,68€; Fevereiro 272,87€; Março 355,75€; Abril 246,10€; Maio 339,11€; Junho 455,14€; Julho 521,17€; Agosto 445,63€; Setembro 425,79€; Outubro 518,65€; Novembro 746, 27€; Dezembro 539,35€; Total 5.129,51€;
2017: Janeiro 835,55€; Fevereiro, 608,51€; Março 840,64€; Abril 571,85€; Maio 462,43€; Junho 450,19€; Julho 353,56€; Agosto 932,91€; Setembro 1.155,35€; Outubro 1.144,08€; Novembro 864,54€; Dezembro, 462,34€; total, 8.681,95€;
2018: Janeiro 1.319,17€; Fevereiro 1.054,94€; Março 1.175,85€; Abril 847,68€; Maio 877,04€; Junho 1.041,14€; Julho 767,68€; Agosto 676,59€; Setembro 648,45€; Outubro 739,54€; total9.148,08€.

III – Determine o pagamento de juros de mora à taxa legal segundo a fórmula: (número de meses decorridos desde aquele em que se venceu o suplemento x suplemento x 0,004): 12 =

Termos em que deverá a presente acção ser julgada procedente porquanto provada, declarando-se inválido porque anulável o acto sob impugnação e condenando-se o Réu no pedido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se
JUSTIÇA
[…]».

2 – Por sentença de 26.10.2020 foi a acção julgada improcedente e o R absolvido dos pedidos.

3 – Inconformado, o A. recorreu para o TCA Norte, que, por acórdão de 27.01.2023, negou provimento ao recurso.

4 – Desta última decisão, o A. interpôs o presente recurso de revista, o qual foi admitido por acórdão do STA de 11.05.2023.

5 – O Recorrente formulou alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]

a) Subjaz a estes autos uma questão que, não se confinando ao âmbito das relações jurídicas de emprego público entre os associados do Recorrente e o Município Recorrido, é transversal à universalidade de municípios e seus trabalhadores afectos ao serviço de cobrança coerciva de taxas, dívidas e outras figuras semelhantes, excluindo os impostos locais;

b) Concretamente, no âmbito do serviço de cobrança coerciva de taxas, dívidas e outras figuras semelhantes, efectuada pelas câmaras municipais, a atribuição aos trabalhadores por estes órgãos executivos designados para executarem tal cobrança coerciva, do abono de suplemento remuneratório;

c) Questão que já mobilizou um parecer do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, o qual foi junto ao recurso para o TCAN (cfr. fls. 231 e seguintes do processo); o que ilustra a universalidade, transversalidade, em suma, relevância jurídica da questão; o que também motiva que, outros municípios, estejam a seguir a respectiva doutrina jurídica, como se pode retirar do documento n.º ... junto, e a abonar o suplemento em causa, ao contrário do aqui Recorrido;

d) O que resulta na perturbação ou instabilidade, pelas dúvidas, perplexidades e desassossego que causa a trabalhadores, adstritos ao mesmo serviço, de diferentes municípios aperceberem-se de que, pelas mesmas funções, são retribuídos de forma diferente, mas que também cria dúvidas e perplexidades aos próprios órgãos executivos;

e) Questão que, por ser dotada desta transversalidade, melindre e perturbação, está necessariamente imbuída de relevância jurídica convocando, concomitantemente, uma melhor aplicação do direito;

f) A evidência da integral revogação do DL n.º 247/87, de 17/6 e, portanto, das normas do artigo 58.º deste diploma, as quais estabeleciam que as funções de juiz auxiliar nos processos de execução fiscal, podiam ser cometidas a titulares de cargos de direcção ou chefia de serviços de apoio instrumental dando azo à percepção de participação em custas fiscais dos titulares destes cargos e dos funcionários participantes; não foi legalmente impeditiva de que continuassem a ser prestadas pelos serviços autárquicos, as funções de cobrança coerciva de impostos locais, inicialmente, e taxas locais, dívidas, nomeadamente por preço de serviços e tributos análogos, através da prestação de trabalhadores para o efeito designados pelos presidentes de câmara;

g) Na medida em que a mesma função e competência para a designação desses funcionários assentou noutros diplomas que continuaram então em vigor, conforme o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, que aprovara o CPPT e do n.º 3 da Lei n.º 2/2007 anterior Lei das Finanças Locais;

h) Com a entrada em vigor da nova Lei das Finanças Locais, em 2013, Lei n.º 73/2013, a cobrança coerciva de impostos locais deixou de poder ser exercida pelos municípios, enquanto não for publicado diploma próprio que regule o exercício de tal função sendo exercida, até que tal publicação aconteça, pela Autoridade Tributária, como decorre do disposto nos artigos 15.º, alínea c), da Lei n.º 73/2013 e 149.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT;

i) Só que, no tocante a dívidas à autarquia, dívidas pelo não pagamento de taxas e outros tributos análogos, a mesma lei continuou a admitir a sua cobrança coerciva pelos municípios, assegurada por funcionários municipais mediante deliberação camarária (cfr. artigo 14.º da Lei das Finanças Locais);

j) Neste contexto, até à entrada em vigor da nova Lei das Finanças Locais, manteve-se a competência dos presidentes de Câmara para nomearem funcionários para, com a respectiva prestação laboral, corporizarem a execução coerciva de impostos locais, podendo ser sustentado que o direito dos referidos funcionários camarários à participação nas custas de processos de execução fiscal, processou-se nos termos do Decreto-Lei n.º 335/97, de 2/1, por analogia com os funcionários da Administração Central, designadamente da DGCI;

k) Com a entrada em vigor da Lei n.º 75/2013, nova Lei das Finanças Locais, na falta de legislação própria a regular a cobrança coerciva de impostos locais pelos trabalhadores autárquicos, passou esta função a ser desempenhada pela Autoridade Tributária, não podendo consequentemente estes trabalhadores ser abonados de suplementos advenientes de custas em processos de execução deste âmbito;

l) Todavia no que respeita à cobrança coerciva de taxas não pagas, dívidas ou outras figuras análogas, a mesma actividade e competência de designar trabalhadores para a efectivar, manteve-se na esfera das atribuições das câmaras municipais.

m) Neste contexto, na medida em que os trabalhadores tenham participado nas receitas de cobrança de taxas por aplicação analógica do disposto no Decreto-Lei n.º 335/97, não se vislumbra obstáculo a que esse pagamento continue a ser efectuado;

n) Os trabalhadores dos órgãos executivos municipais, designados para o serviço da cobrança coerciva de taxas, dívidas e outras figuras semelhantes, excluindo impostos locais, fazem uso das normas dos mesmos códigos com que lidam os trabalhadores da Autoridade Tributária, nomeadamente: a Lei Geral Tributária; o Código do Procedimento e Processo Tributário; e o Código de Insolvências e Recuperação de Empresas; tramitando todo o processo executivo, desde a instauração, citação até à penhora, incluindo a reclamação de créditos nos processos de execução dos executados declarados insolventes;

o) Não se podendo afirmar, com segurança, que inexiste lei habilitante relativamente à competência dos serviços camarários, mediante a prestação dos seus trabalhadores, que para o efeito designem, procederem à cobrança coerciva de dívidas aos municípios, dívidas por taxas e outros tributos análogos, excepto no referente a impostos locais;

p) A questão está na atribuição de um suplemento, atribuído ao abrigo de lei que habilitava ao respectivo abono e que se mantém em vigor, de outra maneira não podiam as autarquias cobrar coercivamente dívidas de que sejam credoras, dívidas decorrentes do não pagamento de taxas e pelo não pagamento de outros tributos análogos como têm feito e continuarão a fazer;

q) Havendo identidade de funções entre os trabalhadores das autarquias locais afectos a este serviço e os da Direcção Geral das Contribuições e Impostos; e se era em função dessa identidade que os trabalhadores dos órgãos executivos municipais eram abonados com o suplemento em apreço; não se divisa de que forma mantendo- se o serviço precisamente em moldes idênticos (excluindo apenas os impostos locais, por enquanto) não se possa manter os suplemento que era praticado, relativamente aos trabalhadores que vieram ocupar os postos de trabalho caracterizados, precisamente, pelas mesmas funções,

r) De onde, a questão não é tanto da interpretação e aplicação das normas do n.º 2 do artigo 112.º da LVCR mas, sim, do artigo 73.º, da LVCR, bem como dos artigos 146.º e 159.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada apela Lei nº 35/2014, de 20/6 na medida em que os trabalhadores designados para desenvolverem a competência de cobrança coerciva de dívidas aos municípios, dívidas por taxas e outros tributos análogos, exercem funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados pelas funções de idênticas categorias;

s) Por fim, com todo o respeito deveria o douto Acórdão, tal como ao aresto da primeira instância ter feito a mesma salvaguarda em matéria de custas, designadamente quanto às isenções subjectivas dos associados do Recorrente agora representados nesta revista e que mantêm os requisitos dessa isenção;

t) Pelo que o aresto recorrido faz errada interpretação das normas dos artigos do n.º 2 do artigo 112.º da LVCR 73.º, da LVCR, 146.º e 159.º, da LTFP conjugadas com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º do DL nº 433/99, que aprovou o CPPT e do n.º 3 da Lei nº 2/2007 anterior Lei das Finanças Locais e artigos 14.º e 15.º da Lei das Finanças Locais vigente e por fim do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do RCP

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se

JUSTIÇA

[…]».


6 – O R. e aqui Recorrido contra-alegou, rematando da seguinte forma:
«[…]

I. Após a entrada em vigor da LVCR e da revisão dos suplementos por esta operada, deixou de ter habilitação legal, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 112.º daquele diploma legal, o pagamento do suplemento remuneratório que vem peticionado pelo Recorrente;

II. É manifesto que os associados do Recorrente, não estando na situação a que alude o referido n.º 2 do artigo 112.º, não têm direito ao pagamento em questão, pelo que se entende não estamos, aqui, perante situação que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

III. De todo o modo, independentemente de as autarquias locais manterem, actualmente, capacidade coerciva em matéria de execuções fiscais quanto aos tributos por elas criados e/ou administrados, o certo é que a aplicação analógica do Decreto-Lei n.º 335/97, de 02.12, que vem defendida pelo Recorrente não se mostra viável na exacta medida em que os suplementos ali previstos para os trabalhadores da Autoridade Tributária assumem uma natureza excepcional face aos demais suplementos que foram revistos no sentido da sua extinção ou incorporação na remuneração base;

IV. Justamente mercê desse regime excepcional, as normas que estabelecem esses suplementos não são susceptíveis de aplicação analógica;

V. O Recorrente limita-se a reproduzir os argumentos que já havia esgrimido aquando do recurso da decisão de 1.ª instância, não tendo sequer pôr em causa, seja por que perspectiva for, o fundamento do acórdão recorrido, ou seja, a sobredita impossibilidade de aplicação analógica do Decreto-Lei n.º 335/97.

VI. O presente recurso não reúne, face ao disposto no artigo 150.º do CPTA, condições para ser admitido e, mesmo que o seja, deve negar-se-lhe provimento, confirmando-se, in totum, o acórdão recorrido.

Termos em que,

Não admitindo ou considerando totalmente improcedente o recurso interposto e confirmando o acórdão Recorrido, farão V. Exas.

Justiça!

[…]».


7 – O Representante do MP neste STA, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.



Cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

«[…]
1) Os sócios do A. estão vinculados ao R. por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ocupando postos de trabalho das categorias de assistente técnico (AA, CC e DD) e de coordenador técnico (BB) do mapa de pessoal do R. (acordo e cfr. informação de 15/04/2019 constante do processo administrativo).

2) Os sócios do A. transitaram para as referidas categorias de assistente técnico e de coordenador técnico em 01/01/2008, por força do disposto nos art.ºs 88.°, n.° 4, 96.° e 97.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27/02 (acordo e cfr. informação de 15/04/2019 constante do processo administrativo).

3) Os sócios do A. desempenharam, e desempenham, funções no Gabinete de Contra-ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Coimbra, durante os seguintes períodos:

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4) As funções que os sócios do A. desempenharam, e desempenham, durante os períodos acima referidos, consistiram, e consistem, no desenvolvimento de todos os procedimentos necessários à cobrança coerciva de dívidas ao Município de Coimbra, decorrentes do não pagamento de taxas e outros tributos à autarquia local, tramitados na Secção de Execuções Fiscais e, posteriormente, na Divisão de Contencioso, na Divisão de Contra-ordenações e Execuções Fiscais e na Divisão de Apoio Jurídico/Gabinete de Contra-ordenações e Execuções Fiscais (acordo e cfr. informação de 02/05/2019 constante do processo administrativo).

5) Através de requerimentos apresentados em 06/06/2017 e 14/06/2017, os sócios do A. solicitaram, junto do R., o pagamento dos suplementos remuneratórios referentes a processos de execução fiscal, que correram e correm termos no Gabinete de Contra-ordenações e Execuções Fiscais (acordo e cfr. docs. de fls. 104, 105, 112, 113, 126, 127, 133 e 134 do processo administrativo).

6) Em 25/10/2018 a Vereadora com competências delegadas, Dr.a EE, proferiu decisão final de indeferimento dos requerimentos apresentados pelos sócios do A., com fundamento em que não existe “norma habilitante que suporte o pagamento das custas dos processos de execução fiscal a trabalhadores nomeados após 01/01/2009, entendimento que tem sido seguido pela IGF em auditorias realizadas a outros Municípios” (cfr. doc. de fls. 1 do processo administrativo).

7) Os sócios do A. foram notificados da decisão que antecede através dos ofícios nºs. ...48, ...62, ...39 e ...26, todos de 02/11/2018 (cfr. docs. de fls. 23, no verso, a 25 do suporte físico do processo).

8) Os sócios do A. auferiram, desde o ano de 2013, as seguintes remunerações base:

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9) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 05/02/2019 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).

10) Os trabalhadores do Município de Coimbra, assistentes técnicos, FF e GG, que anteriormente aos sócios do Autor acima identificados estiveram afetos ao mesmo serviço, desempenhando as mesmas funções, foram abonados até maio de 2011 do suplemento de participação nos montantes cobrados a título de custas e taxa de justiça nos processos de execução fiscal.

11) Por sentença de 11.11.2016, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em autos de ação administrativa especial, Proc. n° 282/13.8BECBR, transitada em julgado, em que foram autores os trabalhadores FF e GG, o Município de Coimbra foi condenado a emitir acto administrativo, com as vertentes essenciais de: reconhecimento do direito destes à perceção do suplemento em causa até ao montante de 30% da remuneração anual de cada um dos autores; pagamento do suplemento com efeitos a de maio de 2011.

12) Na execução deste aresto foi pago o suplemento em causa a estes trabalhadores.

[…]».

2. De Direito

2.1. A única questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso é a de saber se há erro de julgamento do acórdão do TCA Norte, que manteve o decidido pelo TAF de Coimbra e julgou improcedente o pedido do A. de ver reconhecido o direito dos seus associados ao suplemento remuneratório consistente no recebimento de custas fiscais dos processos de execução fiscal, até ao limite de 30% do montante anual da respectiva remuneração base, pelo exercício de funções de escrivães nos processos de execução fiscal que correram e correm termos no Gabinete de Contra-ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Coimbra, desde 2013 até ao presente.

2.2. O A. entende funda o direito dos seus associados em dois argumentos.

O primeiro é a circunstância de aqueles continuarem a exercer funções materialmente idênticas às de “juiz auxiliar”, previstas no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, as quais davam direito a receber um “suplemento remuneratório”. A norma em causa dispunha o seguinte:

Artigo 58.º
Funções notariais e de juiz auxiliar
1 - Após a reorganização dos serviços de harmonia com o disposto no Decreto-Lei 116/84, de 6 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 44/85, de 13 de Setembro, e quando as funções notariais e de juiz auxiliar nos processos de execução fiscal não sejam desempenhadas pelo assessor autárquico, serão as mesmas, por deliberação do órgão executivo, cometidas aos titulares de cargos de direcção ou chefia de serviços de apoio instrumental, sem prejuízo, quanto às funções notariais, do recurso aos notários públicos.

2 - O limite máximo de percepção de emolumentos notariais e de custas fiscais a auferir pelos titulares dos cargos referidos no número anterior não poderá, em caso algum, exceder 70% do montante anual do vencimento base da respectiva categoria.

3 - O limite máximo de percepção de custas fiscais em processos de execução fiscal a auferir pelos funcionários que na qualidade de escrivães deles participem é de 30% do montante anual do vencimento base da respectiva categoria.

4 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, entende-se por vencimento base o vencimento mensal legalmente fixado para a respectiva categoria na tabela de vencimentos da função pública.

5 - Será aplicável às remunerações acessórias inseridas nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo o regime que vier a ser definido nos diplomas que estabeleçam a tabela de vencimentos dos funcionários e agentes da Administração Pública”.

No entender da Recorrente o exercício dessas funções manteve-se com a aprovação do CPPT ex vi do disposto no artigo 7.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou aquele Código e no qual se pode ler:

“Artigo 7.º

Tributos administrados por autarquias locais

1 - As competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais ou, no que respeita às competências de execução fiscal, a órgãos periféricos regionais, são exercidas pelas autarquias quanto aos tributos por elas administrados.

2 - As competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei ao dirigente máximo do serviço ou a órgãos executivos da administração tributária serão exercidas, nos termos da lei, pelo presidente da autarquia”.

E A Recorrente entende que aquele direito ao suplemento remuneratório se manteve até à aprovação e entrada em vigor do disposto no artigo 15.º da Lei n.º 73/2013, que cometeu aos serviços da AT a liquidação e cobrança dos impostos municipais até à aprovação de legislação própria e que, por aplicação analogia é também devido no âmbito da cobrança de dívidas por taxas locais e tributos equivalentes.

2.3. Ambas as Instâncias rejeitaram a pretensão da Recorrente.

O TAF de Coimbra fundamentou a sua decisão no facto de o suplemento remuneratório requerido pelo A. a favor dos associados, previsto no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 247/87, ter sido revogado com a revogação daquele diploma pela Lei n.º 12-A/2008 e de a prestação remuneratória em causa não se poder considerar salvaguardada pelo disposto no artigo 112.º, n.º 2 da mencionada Lei n.º 12-A/2008, uma vez que os pretensos titulares da mesma “(…) começaram a exercer as funções que, em abstrato, lhes dariam o direito a auferirem o suplemento remuneratório que se encontrava previsto no art.º 58.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06, a partir do ano de 2013, ou seja, vários anos após a entrada em vigor da LVCR e num momento em que, portanto, o referido Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06, já se encontrava revogado (…)”. Assim, no entender deste Tribunal, a pretensão do A. em favor dos beneficiários era desprovida de fundamento legal, uma vez que, suplemento remuneratório em causa já não estava em vigor à data em que os pretensos titulares do mesmo iniciaram as funções que dariam direito a ele e, por essa razão, também não poderiam beneficiar do regime transitório da Lei n.º 12-A/2008, que permitia “manter” os suplementos que não fossem integrados na remuneração, uma vez que eles não beneficiavam desse suplemento remuneratório à data em que se aprovou o referido regime de salvaguarda dos direitos adquiridos. Ou seja, se eles não dispunham do direito, igualmente não podiam ver salvaguardado um direito de que não eram titulares.

No recurso que interpôs perante o TCA Norte, o A. alegou que a questão fora mal interpretada pelo TAF de Coimbra, pois não era correcto afirmar que os seus associados não tinham direito ao suplemento remuneratório quando (em 2013, 2014 e 2015) iniciaram funções materialmente equivalentes àquelas que legalmente davam direito à percepção do mesmo, uma vez que, segundo as disposições conjugadas da Lei das Finanças Locais e do CPPT, os municípios podem proceder à cobrança coerciva das receitas que criam, designadamente das taxas municipais e, nessa medida, teriam direito àquela prestação remuneratória suplementar a título de aplicação analógica do regime legal que criara e permitira a manutenção do pagamento da dita prestação remuneratória suplementar. O TCA Norte indeferiu a pretensão dos Requerentes, alegando que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, pelo que a pretensão do A. carece de base jurídica.

E têm razão as Instâncias, quando afirmam que a pretensão do A. a favor dos seus associados carece de base legal.

Com efeito, o suplemento remuneratório que vem reclamado consta de um diploma legal que já se encontrava revogado à data em que os referidos associados iniciaram o exercício das funções (cfr. ponto 3 da matéria de facto assente com a data da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008). E não é possível, como pretende o A., alegar que havendo “analogia” com as funções desempenhadas por aqueles que eventualmente tenham ficado a beneficiar desse regime remuneratório suplementar, ao abrigo do disposto no artigo 112.º, n.º 2 da Lei n.º 12-A/2008, a estes trabalhadores também teria de ser paga aquela prestação. É que mesmo que tal se verifique, o fundamento jurídico para o tratamento diferenciado entre os trabalhadores que exercem funções idênticas resulta do princípio da protecção da confiança legítima, que é o que determina a consagração do regime transitório do artigo 112.º, n.º 2 da Lei n.º 12-A/2008, e que, obviamente, não abrange a situação jurídica dos associados do Requerente, que iniciaram aquelas funções após a revogação da norma que previa o pagamento do requerido complemento remuneratório e que, por essa razão, nenhuma expectativa podiam ter a vir a auferir uma tal prestação.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Sem custas nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. h) do RCP.


Lisboa, 13 de Julho de 2023. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro.