Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0865/08
Data do Acordão:03/05/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:ASSEMBLEIA DE FREGUESIA
JUNTA DE FREGUESIA
VOGAL
SUSPENSÃO DO MANDATO
RENÚNCIA AO MANDATO
SUBSTITUIÇÃO
DIREITO FUNDAMENTAL
NULIDADE
NÚCLEO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL
Sumário:I - O legislador da Lei 169/99, de 18/09 (na redacção que foi dada pela Lei 5-A/2002, de 11/01) distinguiu a suspensão do mandato da renúncia ao mandato, sendo que essa distinção se faz em função da substância desses institutos e das consequências que daí decorrem; se o afastamento do mandato para que se foi eleito for temporário e, portanto, supuser o regresso do eleito às suas funções estaremos em presença de uma suspensão; se for definitivo ocorre a renúncia ao mandato.
II - Verificando-se a renúncia de um vogal da Junta e, portanto, havendo a certeza de que o renunciante se afasta definitiva e irreversivelmente das suas funções importa proceder a uma recomposição da Junta, o que passa pela realização de uma nova eleição nos termos do art.º 29.º da citada Lei.
III - Nos casos de mera suspensão do mandato, em que está em causa uma ausência temporária do seu exercício, rege o art.º 77.º/6 da citada Lei que prescreve que “enquanto durar a suspensão, os membros dos órgãos autárquicos são substituídos nos termos do art. 79°.” O que quer dizer que, a suspensão de mandato não desencadeia o regime previsto no citado art.º 29.º.
IV - Nos termos do art.º 48.º/1 da CRP “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos” direito que, por constituir um dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados e por ser integrador do Estado de Direito fundado na soberania popular e no sufrágio universal, directo e secreto, deve ser considerado um direito fundamental.
V - O acto administrativo violador de um tal direito só é nulo se essa violação ofender seu conteúdo essencial (art. 133.º/2/d) do CPA).
VI - Atinge o núcleo essencial do direito fundamental de participação na vida política a deliberação da Assembleia de Freguesia que, perante um pedido de suspensão por 90 dias do cargo de vogal da respectiva Junta, procede a novas eleições para esse cargo e, desse modo, afasta definitivamente o requerente do exercício desse cargo.
Nº Convencional:JSTA00065589
Nº do Documento:SA1200903050865
Data de Entrada:11/14/2008
Recorrente:ASSEMBLEIA DE JF - JF DE ... E OUTROS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC EXCEP REVISTA.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - ADM PUBL / LOCAL.
Legislação Nacional:LAL99 NA REDACÇÃO DA L 5-A/2002 DE 2002/01/11 ART9 N1 ART24 ART29 ART77 N6 ART79.
CPA91 ART133 N1 D.
CONST97 ART2 ART3 N1 ART10 N1 ART18 N2.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED PAG678.
GOMES CANOTILHO DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 7ED PAG248 PAG249 PAG290 PAG291.
JORGE MIRANDA MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL VIV PAG309.
Aditamento:
Texto Integral: A..., com fundamento em vício de violação de lei, intentou no TAF de Braga, acção administrativa especial contra a Assembleia de Freguesia e a Junta de Freguesia de ... pedindo a declaração de nulidade ou – se assim se não entendesse - a anulação da deliberação daquela Assembleia, de 12/05/2005, que aceitou o pedido de suspensão do seu mandato e procedeu à eleição de dois novos vogais para a referida Junta.
Por saneador-sentença de 15/06/2007 as demandadas foram absolvidas da instância por ter sido entendido que a acção tinha sido proposta depois de haver caducado o direito de impugnação.
O Autor agravou para o TCAN e este, concedendo provimento ao recurso, julgou não verificada a mencionada caducidade e ordenou que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância para que prosseguissem os seus termos.
A Assembleia de Freguesia, a Junta de Freguesia de ... e os contra interessados interpuseram o presente recurso de revista onde formularam as seguintes conclusões:
1. Por deliberação da Assembleia de Freguesia, em 12/12/2005, foi o Recorrido substituído do cargo de vogal da Junta de Freguesia de ...
2. Deliberação judicialmente impugnada, cuja petição inicial deu entrada, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a 10 de Agosto de 2006.
3. Foi julgada procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção - artigo 58.°, n.º 2, alínea b), absolvendo-se os ora Recorrentes da instância.
4. A existência de vícios imputáveis à referida deliberação, o que só por mera hipótese se admitiria, seriam geradores de mera anulabilidade, a cujo conhecimento obsta a excepção de caducidade julgada procedente.
5. Na verdade, ninguém violou poderes e ou direitos fundamentais.
6. Sendo certo que faz parte das atribuições da Assembleia de Freguesia eleger e substituir os membros da respectiva Junta.
7. O direito de acesso a cargos públicos existe, é um facto!
8. Consubstancia, no seu conteúdo essencial, uma dimensão a priori, ou seja, de acesso em condições de igualdade e liberdade.
9. Apenas a ofensa a este direito de acesso, ou direito de se candidatar, é passível de gerar nulidade, o que não se verifica no presente caso.
10. Diferente é o exercício do cargo - dimensão a posteriori, que o Recorrido pretende incondicionado e ilimitado, impondo-se à própria vontade do órgão autárquico, maxime, ao próprio povo e à vontade daqueles que o representam democraticamente - Assembleia e Junta de Freguesia.
11. Ora, integrou o Recorrido, nas pretéritas eleições, em condições de plena igualdade a lista do P.S.D.
12. Tomou posse como membro da Assembleia de Freguesia de ....
13. Foi eleito vogal da respectiva Junta.
14. Mas, perante uma situação de impossibilidade de exercer o cargo, o mesmo foi substituído, pelo órgão legítimo e com competência para o efeito.
15. Pelo que, nunca, por qualquer forma, foi o Direito fundamental, do Recorrido, de acesso a cargos públicos ofendido, antes se tratou de um acto que procedeu à sua substituição.
16. Mais se refira que, recordando, Vieira de Andrade, "[...] não deve alargar-se a ideia de uma presunção a favor da dimensão subjectiva - que deve valer apenas na medida em que represente o predomínio natural do direito subjectivo na matéria dos Direitos Fundamentais - ao ponto de pretender subordinar à lógica dos Direitos Fundamentais toda a actividade pública" - Os Direitos Fundamentais, no século XX, em www.us.es/cidc/ponencias/fundamentales.
17. Inexiste qualquer ofensa a qualquer Direito Fundamental.
18. Por razões de certeza e de segurança jurídica, impõe-se tal entendimento.
19. Com efeito, nunca se poderia admitir que toda e qualquer deliberação dos órgãos de uma Junta de Freguesia fosse, a todo o tempo passível de ser declarada inválida, por nula.
20. Note-se que, estamos perante um órgão colegial e no âmbito do seu poder discricionário, exercido por voto secreto, de escolher quem considera competente.
21. Pensar o contrário será sempre postergar, maxime, o próprio princípio do Estado de Direito Democrático e a separação de poderes, necessária ao seu bom funcionamento.
22. Note-se que, repita-se, estamos a falar de um órgão e de um acto cuja legitimidade é a vontade do povo.
23. Por outro lado, a simples existência de vícios de forma, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, terá sempre que ser sanável pelo decurso do tempo, in casu 3 meses.
24. Ora, é essencial que decorrido prazo, razoavelmente curto, a actuação da Administração Local se consolide, se torne estável. Na medida em que,
25. Se trata de um órgão democraticamente eleito.
26. Sendo que, ao deliberar em sentido diferente, violou o Tribunal Central o previsto na Lei 169/99 de 18/09, alterada pela Lei 5-A/2002, de 11/01, os artigos 133.°, 135.° e 136.° do CPA, assim como os artigos referentes aos Princípios Administrativos gerais, previstos no capítulo II, da Parte I do mencionado diploma.
27. Por um determinado período de tempo.
28. Com autonomia deliberatória e com normas jurídicas especialmente aplicadas.
29. Excepcionalmente os actos inválidos são nulos.
30. O que, salvo douta opinião contrária, não se verifica na questão em análise.
31. Na verdade, inexiste qualquer violação do direito fundamental de acesso a cargos públicos, muito menos do seu conteúdo essencial.
32. Com a devida vénia pelo douto acórdão recorrido, este padece, daquilo que se pode designar como «o fascínio dos Direitos Fundamentais».
33. E que transporta por vezes alguma doutrina e também alguma jurisprudência para um «jusfundamentalismo», em que as preocupações de equilíbrio próprias de uma abordagem científico-prática cedem a uma «emocionalidade jurídica», parafraseando Vieira de Andrade.
34. Pelo que, ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a entidade demandada da instância, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 89.°, nº 1 alínea h) do CPTA e n.º 2 do artigo 493.° do CPC, ex vi, artigo 1.° do CPTA., fez, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, boa aplicação do Direito.
O Autor contra alegou concluindo do seguinte modo:
1. O recorrido foi eleito democraticamente para desempenhar as funções de 2° vogal da Junta de Freguesia de ... em 29 de Outubro de 2005, depois de tomar posse como membro da respectiva Assembleia de Freguesia.
2. O recorrido integrou a lista mais votada nas eleições para o referido órgão autárquico, realizadas em 9 de Outubro de 2005.
3. Em 12 de Dezembro de 2005 realizou-se uma Assembleia de Freguesia extraordinária, em que o pedido de suspensão do mandato solicitado pelo requerido foi aceite pela respectiva Presidente.
4. Nessa mesma Assembleia, procedeu-se à eleição de novos vogais para a Junta de Freguesia, tendo sido eleito para o cargo de 1° vogal, B... e para o de 2° vogal, C...
5. Como se vê, ao contrário do vertido pelos recorrentes nas suas doutas alegações, não estamos in casu perante uma situação de impossibilidade de o vogal da Junta exercer o cargo e de o mesmo ter sido substituído pelo órgão legítimo e com competência para o efeito.
6. Com efeito, essa substituição está prevista no artigo 29.° do DL n.º 169/99, de 18/09, doravante designada por LAL.
7. Na verdade, o aqui Recorrido ao abrigo do disposto no artigo 77.° da LAL, solicitou a suspensão do mandato por 90 dias.
8. Ora, de acordo com o preceituado no n.º 6 do mesmo artigo, enquanto durar a suspensão, os membros dos órgãos autárquicos são substituídos nos termos do artigo 79.º da LAL.
9. Assim, na suspensão do mandato, o afastamento do cargo é requerido pelo próprio, é temporário e pressupõe o regresso do eleito às suas funções. Todavia,
10. O que aqui se verificou é que a Assembleia de Freguesia, com tal deliberação, exonerou e impediu em definitivo o recorrido do exercício do mandato para o qual foi democraticamente eleito. Ora,
11. Os titulares dos órgãos autárquicos locais servem por um período de um mandato e mantêm-se em funções até serem substituídos. Sendo que,
12. Num Estado de direito democrático, baseado na soberania popular todos têm o direito a tomar parte na vida política quando eleitos por sufrágio universal, cfr. art.º 2° da C.R.P.
13. Por outro lado todos têm acesso a cargos públicos, cfr. art.ºs 48°, 49° e 50° da C.R.P.
14. Estes direitos, expressamente consagrados na Lei Fundamental vinculam as entidades públicas e privadas e só podem ser restringidos nos casos previstos na Constituição e apenas o necessário para salvar outros direitos ou interesse constitucionalmente protegidos, cfr. art.º 18° da CRP.
15. Os eleitos por sufrágio universal directo, cujos resultados são publicados no Jornal Oficial, Diário da República, têm o direito de participar e ser informados dos principais assuntos de interesse públicos, cfr. art.ºs 114° e 119°.
16. Estes direitos, de participação na vida política, ser eleito e exercer o cargo pelo qual foi eleito democraticamente pelo povo são direitos fundamentais. Ora,
17. O recorrente foi eleito por sufrágio universal directo e secreto, de harmonia com o disposto no Decreto-Lei n.° 169/99, de 18/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 5-A/2002, de 11/01, para a assembleia de freguesia. Depois,
18. Por escrutínio secreto dos membros da assembleia de freguesia foi eleito, nos termos do art. 9° do mesmo diploma legal, para desempenhar as funções de 2° vogal, secretário.
19. Cargo que foi investido e tomou posse, para exercer durante o período do mandato. Deste modo,
20. A Assembleia de Freguesia ao deliberar substituir definitivamente o recorrido do cargo para que foi eleito democraticamente - em 12/12/2005 -, ofende o conteúdo essencial do direito fundamental de exercer cargo público por via eleitoral durante o período em que foi eleito. Na verdade,
21. A deliberação impugnada, que impediu a titulo definitivo e privou o recorrido do exercício do seu mandato, de 2° vogal da Junta de Freguesia de ..., ofende um direito fundamental que integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias previstas no Titulo 11, capitulo 11 da C.R.P., o que acarreta a nulidade da deliberação - art. 133°, n.º 2, 01. b) do C.P.A. Ora,
22. Sendo a nulidade invocável a todo o tempo, não ocorre manifestamente in casu caducidade de direito de acção, cfr. art.º 58, nº 1 do CPTA e 134, n.º 2 do C.P.A.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) O requerente integrou, nas pretéritas eleições autárquicas, a lista do P.S.D. candidata à Assembleia de Freguesia de ... - cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo apenso aos presentes autos.
B) A lista referida em B) foi a lista mais votada nas eleições para o referido órgão autárquico, realizadas em 9 de Outubro de 2005.
C) O requerente, depois de tomar posse como membro da Assembleia de Freguesia de ..., foi eleito, em 29 de Outubro de 2005, vogal da respectiva Junta de Freguesia. - cfr. doc. 2 junto com o referido requerimento inicial.
D) O requerente, através de requerimento datado de 22/11/2005, dirigido ao Presidente de Junta e à Presidente da Assembleia de Freguesia, pediu a suspensão do seu mandato, por um período de 90 dias, com início em 30/11/2005. - cfr docs. 3 e 4 juntos com o requerimento inicial.
E) Através de oficio datado de 24 de Novembro de 2005, o Presidente da Junta de Freguesia de ... solicitou à Presidente da Assembleia da referida Freguesia que fosse "...revogada a deliberação da Assembleia de Freguesia pela qual foram eleitos os vogais da Junta e seja convocada uma Assembleia Extraordinária para eleição de novos vogais, de acordo com o previsto no artigo 24° n.° 2 da Lei 169/99, de 18 de Setembro com as alterações introduzidas pela Lei n.° 5-A/2001, de 11 de Janeiro" - cfr doc. 5 junto com o referido requerimento inicial.
F) A Presidente de Junta de Freguesia de ... em 2/12/2005, convocou os respectivos membros para uma Assembleia Extraordinária, a realizar no dia 12 de Dezembro seguinte, com a seguinte ordem de trabalhos: "1.° Análise do pedido de suspensão apresentado pelo vogal A...; 2° Eleição de novos vogais para a Junta de Freguesia por proposta do Sr. Presidente da Autarquia" - cfr. doc. 6 junto com o referido requerimento inicial.
G) No dia 12 de Dezembro realizou-se a Assembleia Extraordinária referida em F), tendo o pedido de suspensão do requerente sido aceite pela Presidente da Assembleia de Freguesia, tendo, quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos, sido eleitos, com seis votos a favor e três votos brancos, para o cargo de vogal, sob proposta do Presidente da Junta de Freguesia os Srs. B... e C... - cfr doc. 2 - fls. 4 e 5 - junto aos autos com o referido requerimento inicial.
H) A mulher do Autor esteve presente na supra aludida Assembleia Extraordinária.
I) No dia 27/02/2006, o requerente comunicou, por escrito, ao Presidente da Junta de Freguesia de ..., a intenção de se apresentar, na data, referida, na sede da Junta de Freguesia para "... reassumir as funções de tesoureiro..." - doc. 7 junto com o referido requerimento inicial.
J) Através de ofício datado de 8/03/2006, a Junta de Freguesia de ... endereça resposta ao requerente com o seguinte teor:
"Em resposta à sua carta, datada de 27 de Fevereiro do corrente ano, somos a informar aquilo que já lhe foi comunicado verbalmente pelo Sr. Presidente da Junta em 24/02, também do corrente ano. Sobre o seu pedido de suspensão de mandato, apresentado na Secretaria desta Junta em 22/11/2005, o Sr. Presidente da Junta contactou a Sr.ª Presidente da Assembleia de Freguesia em 24/11/2005, para no mais curto espaço de tempo, convocasse uma Assembleia de Freguesia Extraordinária, com a finalidade de ser revogada a deliberação da Assembleia de Freguesia realizada em 29/10/2005, pela qual foram eleitos os vogais da Junta e fossem eleitos novos vogais, de acordo com o previsto no art. 24° n.° 2 da Lei 169/99 de 18/09, com as alterações da Lei n.° 5-A/2002, de 11/01.
Das deliberações ali tomadas e na parte que diz respeito a V/Ex.cia, resultou a eleição de novos vogais da Junta, aos quais, posteriormente, o Sr. Presidente da Junta distribuiu as funções correspondentes" - cfr. doc. 8 junto com o referido requerimento inicial.
K) A petição inicial relativa à presente acção administrativa especial deu entrada em Tribunal no dia 10 de Agosto de 2006.
L) O Recorrente apresentou no TAF de Braga uma providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação de 12.12.2005, através da qual foram eleitos os vogais da Junta de Freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, a qual foi autuada em 17.04.2006.
M) Por sentença de 24.07.2006, transitada em julgado, a referida providência foi deferida, por se verificarem os pressupostos da al.ª a) do n.º 1 do art. 120° do CPTA, por tal deliberação violar o disposto no n.º 1 do art.º 79° da Lei n.º 69/99, de 18.09, com a alteração introduzida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
I. O DIREITO.
A... intentou, no TAF de Braga, acção administrativa especial contra a Assembleia de Freguesia e a Junta de Freguesia de ... pedindo a declaração de nulidade ou – se assim se não entendesse - a anulação da deliberação daquela Assembleia, de 12/05/2005, que elegeu dois novos vogais para a referida Junta, sendo que um deles era para substituir o Autor. Alegou que a ilegalidade daquela deliberação resultava (1) do irregular funcionamento da Assembleia onde a mesma foi aprovada, visto ter sido convocada pelo Presidente da Junta e não, como era obrigatório, pela própria Junta e, além disso, de ter decorrido sem a sua presença e (2) da Assembleia ter eleito a título definitivo um novo vogal para o substituir sem que estivessem reunidos os indispensáveis requisitos para o efeito.
Por saneador-sentença de 15/06/2007 as demandadas foram absolvidas da instância por ter sido entendido que os vícios imputados àquela deliberação determinavam a sua anulabilidade e que, sendo assim, esta acção tinha de ser proposta nos três meses imediatos à notificação do Autor (art.º 58.º/2/b) do CPTA), o que não tendo acontecido significava que a sua apresentação ocorrera já depois de caducado o respectivo prazo de impugnação.
O Autor agravou para o TCAN e este, concedendo provimento ao recurso, revogou aquela decisão.
Para decidir desse modo começou por considerar que a irregular convocação e funcionamento da Assembleia de Freguesia geravam apenas a anulabilidade do acto impugnado e não a sua nulidade, pelo que “se outros vícios não fossem imputados à deliberação recorrida ter-se-ia verificado a caducidade do direito de accionar do Recorrente.” Acontecia, porém, que o Autor fora democraticamente eleito para vogal da Junta de Freguesia e, porque se limitara a requerer a suspensão do seu mandato pelo período de 90 dias, não havia razão para se proceder a eleição de um novo vogal em sua substituição. Com efeito, “diferentemente da renúncia ou perda de mandato em que o vogal se afasta irremediavelmente das suas funções e, por isso, é necessário proceder à recomposição da Junta, com carácter definitivo, os vogais terão de ser substituídos nos termos do art .29.° (por realização de nova eleição), nos casos de suspensão do mandato não desencadeia a nova eleição nos termos do referido art.º 29.°, que pressupõe a vacatura definitiva de um cargo da Junta de Freguesia, mas a substituição do vogal nos termos do transcrito art.º 79°.” E, porque assim, a deliberação impugnada violava não só o disposto no citado art.º 79.º do DL 169/99 como também o direito fundamental de participação na vida política do Autor – “de ser eleito e exercer o cargo para que foi eleito democraticamente pelo povo” – já que o impedia, a título definitivo, de exercer o cargo vogal da Junta, para que foi eleito e de que tomou posse, o que acarretava a sua nulidade (art.133.°, n.º 2, al.ª d) do CPA).
E com este fundamento revogou a sentença recorrida e ordenou a baixa dos autos ao TAF para que estes prosseguissem os seus termos.
É contra este julgamento que se dirige a presente revista a qual foi admitida por ter sido entendido que o funcionamento “da Junta e da Assembleia de Freguesia que deliberam, durante a suspensão de mandato de um vogal, anular a deliberação em que aquele tomou posse e eleger novos membros para constituir aquele órgão (a Junta) deverá entender-se como revestindo importância fundamental na vertente social”, sendo certo, por outro lado, que “as questões jurídicas em discussão nos autos, quer a que consiste em saber se foi legal a substituição definitiva do titular do lugar de Vogal da Junta de Freguesia, quer a que se reporta a determinar se toda a ilegalidade que afecte um acto deste tipo deve ser fulminada com a nulidade por através dele ser afectado o exercício de um direito fundamental, são questões de importância geral”. Impunha-se, assim, que este Supremo se pronunciasse sobre essas questões e estabelecesse jurisprudência capaz de “orientar futuras actuações em casos idênticos e de uniformizar formas de apreciação e controlo jurisdicional.”
Vejamos, pois, começando-se, para uma melhor compreensão do problema, pela análise dos preceitos em causa.
1. Inserido na secção III, sob a epígrafe “Da Junta de Freguesia”, o art. 24° da Lei n.º 169/99, de 18/09 - na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/01 - dispõe:
“1. – Nas freguesias com mais de 150 eleitores, o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada para a assembleia de freguesia e, nas restantes, é o cidadão eleito pelo plenário de cidadãos eleitores recenseados na freguesia.
2- Os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia Sublinhados nossos. ou pelo plenário de cidadãos eleitores, de entre os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do art. 9° (….) " A al.ª a) do n.º 1 do seu art.º 17.º estabelece que “compete à Assembleia de Freguesia eleger, por voto secreto, os vogais da Junta de Freguesia.”
E, no que se refere ao regime de substituições, o art.º 29.º preceitua:
"1. - As vagas ocorridas na junta de freguesia são preenchidas Idem.:
a) A de presidente nos termos do art. 79.º
b) A de vogal, através de nova eleição pela assembleia de freguesia.
2. - …….
3. - …….”
Por seu turno o art. 77° da mesma Lei dispõe:
"1 - Os membros dos órgãos das autarquias locais podem solicitar a suspensão do respectivo mandato.
2. - …………….
3. - …………….
4. – A suspensão que, por uma só vez ou cumulativamente, ultrapasse 365 dias no decurso do mandato, constitui, de pleno direito, renúncia ao mandato, salvo se ….
5. - ……………
6 - Enquanto durar a suspensão, os membros dos órgãos autárquicos são substituídos nos termos do art. 79° Idem..
E, por sua vez, este art. 79° preceitua:
"1- As vagas ocorridas nos órgãos autárquicos são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou; tratando-se de coligação; pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membros que deu origem à vaga.
2- Quando, por aplicação da regra contida na parte final do número anterior, se torne impossível o preenchimento da vaga por cidadão proposto pelo mesmo partido, o mandato é conferido ao cidadão imediatamente a seguir na ordem de precedência da lista apresentada pela coligação."
Os transcritos normativos evidenciam que o legislador distinguiu claramente a suspensão do mandato da renúncia ao mandato, sendo que essa distinção se faz em função do conteúdo de cada um desses institutos o qual se projecta nas consequências da decisão de afastamento; se o afastamento do eleito for temporário e, portanto, supuser o seu regresso ao exercício das funções estaremos em presença de uma suspensão do mandato; se for definitivo, e será definitivo se essa for a vontade expressa do eleito ou se a suspensão ultrapassar 365 dias, ocorre a renúncia ao mandato. – vd. art.º 76.º e o n.º 4 do transcrito art.º 77.º
Distinção cujos efeitos têm particular relevância no modo como se fará a substituição dos eleitos que suspendem o seu mandato e dos eleitos que a ele renunciam já que essa substituição não é feita da mesma forma.
Com efeito, e muito embora a composição inicial da Junta seja feita através da eleição dos seus vogais pela Assembleia de Freguesia (art. 29.º/1/b) da citada Lei), certo é que nem sempre a sua recomposição passa por uma nova eleição. Desde logo, essa recomposição não se fará através de uma nova eleição quando ocorre a suspensão de um mandato visto o n.º 6 do citado art.º 77.º estatuir que, enquanto durar essa suspensão, os membros dos órgãos autárquicos são substituídos nos termos do art. 79.º e este prescrever que a vaga daí resultante, por via de regra, será “preenchida pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga” (vd. seu n.º 1). O que bem se compreende já que a suspensão do mandato pressupõe o regresso do vogal e não ser razoável iniciar um processo eleitoral para escolher um substituto temporário tanto mais quanto é certo que, se a suspensão for de curta duração, poderá não haver tempo para que se cumpram os prazos necessários a uma nova eleição.
Diferente é a situação quando ocorre a renúncia do mandato, pois que neste caso sabe-se que o afastamento é definitivo e irreversível e, nestas circunstâncias, justifica-se proceder a uma recomposição da Junta e que ela passe pela realização de uma nova eleição pois que só assim se garante a total legitimidade do novo eleito.
Em suma: a eleição para vogal da Junta de Freguesia só pode ocorrer em duas especificas situações: (1) após a instalação da Assembleia de Freguesia e (2) após a renúncia ou perda de mandato de um dos membros eleitos pela Assembleia (art.ºs 9.º/1 e 29.º da citada Lei 169/99).
Nesta conformidade, e não tendo o Autor renunciado ao cargo para que foi eleito, mas apenas requerido a sua suspensão por 90 dias, não havia que proceder a uma nova eleição nos termos do citado art.º 29.º.
Ao não proceder do modo descrito e ao promover a eleição de um novo membro da Junta em substituição do Autor a Assembleia de Freguesia incorreu em ilegalidade. E daí que, nesta matéria, o Acórdão recorrido nenhuma censura mereça.
Está, pois, resolvida a primeira das questões assinaladas pelo Acórdão que admitiu a revista restando, assim, abordar a outra questão qual seja a de saber as consequências decorrentes da apontada ilegalidade.
Será que - como se decidiu no Acórdão recorrido – a violação das referidas normas determina a nulidade da deliberação impugnada por esta configurar uma ofensa a um direito fundamental? Ou será que – como entendeu o TAF de Braga – esse incumprimento importa apenas a sua anulabilidade?
2. É sabido que os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental são nulos (art.133.°/2/d) do CPA) e que, sendo assim, a deliberação impugnada será nula se for de concluir que a ilegalidade de que está inquinada atingiu o núcleo essencial de algum direito fundamental do Autor.
O Acórdão recorrido considerou que essa violação ocorreu identificando o direito fundamental violado como sendo o direito de “participação na vida política, ser eleito e exercer o cargo para que foi eleito democraticamente pelo povo”, o qual só podia ser restringido “nos casos previstos na Constituição e apenas o necessário para salvar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º da CRP)”.
E daí que, tendo considerado inexistir razão para essa restrição, tivesse concluído que a deliberação impugnada era nula e, por isso, sindicável a todo o tempo.
Vejamos se ao assim decidir ajuizou correctamente.
2.1. O que se deva entender por direito fundamental tem sido objecto de inconclusivo debate doutrinal, visto ainda não se ter assentado sobre o exacto sentido que deve ser atribuído a tal conceito nem sobre a identificação exaustiva dos direitos que devem ser considerados como tal.
É, todavia, inegável que, integrado no Capítulo II («Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política») da Parte I («Direitos e Deveres Fundamentais») da CRP, se encontra prescrito que “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos” (art.º 48.º/1) e que esse direito por constituir um dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados e por ser integrador do Estado de Direito fundado na soberania popular (art.ºs 2.º e 3.º/1) e no sufrágio universal, directo e secreto (art.º 10.º/1) deve ser considerado um direito fundamental Vd. G. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., pg.s 290/201 e pg.s 248/249.. Daí que o mesmo só possa sofrer restrições nos casos expressamente previstos na Constituição ou na lei (cfr. art.º 18.º/2) as quais, tratando-se de cargos públicos providos por via eleitoral, consistem em incapacidades eleitorais e em inelegibilidades. E “o que vale para as restrições ao acesso aos cargos electivos deve valer, mutatis mutandis, para o seu exercício, não podendo nenhum titular de cargo electivo ser individualmente privado ou suspenso do seu mandato, salvo nos casos previstos na lei (e que a lei deve prever) em caso de inelegibilidade superveniente, de incompatibilidade ou por razões penais (condenação penal, prisão preventiva).” – G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 4.ª ed., pg. 678.
Assente que o direito de participação na vida política – quer na vertente de se poder ser eleito quer na vertente de se ser eleitor - constitui um direito fundamental importa precisar que o acto administrativo violador de um tal direito só é nulo se essa violação ofender seu o conteúdo essencial (art. 133.º/2/d) do CPA).
Daí que só se possa afirmar que um determinado acto é nulo por ofender um direito fundamental se essa ofensa atingir o seu núcleo essencial, isto é, se puser em causa o valor que justificou a criação do direito ou, dito de outro modo, se a prática de tal acto tiver por consequência desprover o cidadão do conteúdo essencial da protecção que esse direito lhe dá. E, por ser assim, é que “o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito”. Prof. J. Miranda Manual de Direito Constitucional, IV, pg. 309.
Nesta conformidade, a Administração não pode praticar actos que possam pôr em causa ou impedir o exercício de um tal direito nem tão pouco lhe pode colocar restrições ou condicionamentos que não sejam os legalmente admissíveis pois que, ao fazê-lo, está a violar o direito fundamental do interessado.
Todavia, e diferentemente do que se sustenta nesta revista (vd. conclusões 5.ª a 10.ª), esses ilegais condicionamentos e restrições não têm de ser, necessariamente, gerais e abstractos – impedir que um cidadão possa, em geral, ser eleito ou possa ser eleitor – já que o conteúdo essencial do direito pode também ser violado quando a restrição é concreta e pontual. E isto porque, a não ser assim, estar-se-á a possibilitar que o valor essencial que determinou a criação desse direito - a livre participação na vida política – possa ser atingido e o cidadão interessado possa ser impedido de exercer o cargo para que foi eleito. Com efeito, como afirmam G. Canotilho e V. Moreira na citada Obra, as ilegais restrições ao exercício concreto do direito de participação na vida política também configuram, ou também podem configurar, um ataque ilegal ao seu conteúdo essencial e, nessa medida, também constituem ilegalidade determinante da sua nulidade.
3. No caso dos autos, está em causa a deliberação da Assembleia de Freguesia de ... que, desrespeitando a vontade expressamente manifestada pelo Autor - vogal eleito para o cargo de Tesoureiro da respectiva Junta, que tinha requerido tão só a suspensão por 90 dias - o afastou definitiva e irreversivelmente do exercício desse cargo e, em sua substituição, elegeu outro autarca.
O que significa que aquela deliberação impediu o Autor de exercer um cargo para que foi democraticamente eleito a qual, pelas razões assinaladas antecedentemente, é ilegal e ofende o conteúdo essencial do seu direito de participação na vida política.
Trata-se, assim, de uma ilegalidade que determina a nulidade dessa deliberação.
A qual, por força do disposto no n.º 1 do art.º 58.º do CPTA), é impugnável a todo o tempo.
O Acórdão recorrido também assim considerou pelo que é forçoso concluir que o mesmo não merece a censura que lhe é feita nesta revista.
Termos em que acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso confirmando-se, assim, o Acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 5 de Março de 2009. - Costa Reis (relator) - Madeira dos Santos - Pais Borges.