Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:035/18.7BEBJA
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23966
Nº do Documento:SA120181218035/18
Data de Entrada:01/22/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE ÉVORA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

A…………, L.dª intentou, no TAF de Beja, contra o Município de Évora, intimação para que lhe fosse emitida certidão de destaque da parcela do prédio urbano, sito na ………, Évora.

O TAF indeferiu essa pretensão.

O Requerente recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso.
Inconformado, o Município de Évora interpôs esta revista.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Requerente solicitou à CM de Évora, em 06/11/2017, a emissão de certidão do destaque que pretendia fazer de uma parcela de terreno, com a área de 550 m2, do prédio sito na ………, daquela cidade, referindo que a parcela destacada se inseria no perímetro urbano daquela cidade e que ambas as parcelas ficariam a confrontar com arruamentos públicos pavimentados, com rede de abastecimento de água e drenagem de esgotos. Referiu, ainda, que na parcela a destacar se encontrava edificada uma habitação multifamiliar, construída em 20.06.1931.
Perante tal requerimento, os serviços da Câmara notificaram a Requerente, por ofício de 21/11/2017, solicitando que ela complementasse, em 15 dias, o mencionado pedido com plantas da situação existente e da operação de destaque que se propunha fazer, solicitação que aquela satisfez, em 11/12/2017, juntando cópias da planta da operação de destaque, cópias da planta da situação existente e comprovativo da transferência bancária de 27,87€ destinada ao pagamento da taxa devida.
A Requerente renovou o seu pedido, em 27/12/2017, e, perante o reiterado silêncio da Câmara, intentou, em 22/01/2018, a presente intimação.

O TAF indeferiu essa pretensão com uma fundamentação de que se extrai:
“ … a concretização de uma situação de destaque não se encontra dispensada do cumprimento de exigências procedimentais, as quais apontam para a necessidade de emissão de um acto de cariz certificativo por parte da câmara municipal (cfr. n.º 9 do artigo 6.º do RJUE), em que esta avalia se os pressupostos legais dispostos no artigo 6.º em apreço se encontram (ou não) verificados ….
…..
Atenta a factualidade dada como provada, temos que (i) por um lado, assiste razão à Requerente no que concerne à ultrapassagem … do prazo administrativo de decisão. Na verdade, o prazo para a emissão da certidão constitutiva sub judice é de dez dias úteis … . Prazo que, encontrando a correr os seus termos desde 11.12.2017 ….. foi já largamente ultrapassado à data da interposição da presente Intimação.
Deste modo, uma vez que o desrespeito do dever de decidir por parte da edilidade ocorreu quanto a pedido de emissão de certidão de destaque … a inércia inerente à registada omissão dá lugar, nos termos jus-urbanísticos aplicáveis, a deferimento tácito (legal ou ilegal) pretensão da interessada, conforme decorre da alínea c) do artigo 111.º do RJUE ….. .
Todavia, (ii) por outro lado e conforme visto, para ser atendido (administrativa e jurisdicionalmente), o pedido de emissão da certidão em causa deve radicar em causa de pedir que se subsuma positivamente no supra transcrito artigo 6.º do RJUE, sendo que o ónus de tal prova cabe à Requerente, nos termos gerais de direito (cfr. artigo 342.º do Código Civil).
….
Aqui chegados, constatamos contudo que, não vem provado … que a parcela a destacar …. tenha sido “legalmente erigida” na terceira década do século XX, como tal, encontrando-se a salvo das exigências legais, inovatoriamente, consagradas pelo RGEU. O que se revela, desde logo, essencial … para que a certidão pretendida pudesse ser - validamente - emitida, à luz do entendimento subscrito pelo ora signatário.
….
Trata-se de um ponto - o de aferir se a parcela a destacar foi “legalmente erigida” ou não, maxime por se revelar edificada em 1931 - que tem forçosamente de ser aferido pelo Município.
Assim sendo, importa concluir que o efectivo deferimento tácito do pedido de emissão da “certidão de destaque” da parcela “A” não se encontra, todavia, conceptualmente fundado, desde logo, por referência à ratio legis do n.º 4 do artigo 6.º RJUE. Por isso, não podendo “o tribunal dar por respeitados os [referidos] requisitos exigidos no artigo 6º (…) do RJUE sem factos (…) provados [por provar] por quem deles tira proveito” ….
Pelo exposto, à luz dos fundamentos expostos, há julgar a presente intimação integralmente improcedente, conforme infra se determinará.“

Decisão que o TCA revogou pela seguinte ordem de razões:
“…
3.14 A questão está em que na situação dos autos o órgão administrativo competente não proferiu decisão expressa sobre o pedido de emissão de certidão de destaque.
E foi fundando-se no silêncio gerado pela administração que a requerente invocou ter-se formado ato tácito de deferimento, ao abrigo do artigo 111º alínea c) do RJUE, pedindo ao Tribunal a intimação do Município a emitir a certidão de destaque.
3.14 Perante o pedido assim formulado o que incumbia ao Tribunal a quo era averiguar se se tinha ou não formado ato tácito de deferimento. Para o que a primeira tarefa consistia em aferir se já se encontrava, ou não, esgotado o respetivo prazo de decisão.
Quanto a essa parte a resposta do Tribunal a quo foi positiva. Pelo que a segunda tarefa a desenvolver era a de aferir se a ausência de decisão administrativa expressa no respetivo prazo de decisão era operativa, em termos de dever ser reconhecida a existência de um deferimento tácito (cfr. artigo 111º al.ª c) do RJUE), com a consequente intimação da entidade requerida a emitir a certidão de destaque tacitamente deferida, ou se, pelo contrário, assim não sucedia, por algum motivo justificativo.
….
3.16 Tudo isto foi levado ao relatório da sentença recorrida, mas, paradoxalmente, não foi tido em consideração em sede de apreciação do mérito da intimação. Já que o M.mo Juiz do Tribunal a quo deu como não provado …. que na parcela “A” a destacar «…se encontra edificado um edifício de habitação multifamiliar, concretamente, construído em 20.06.1931», e, em consequência, recusou a procedência à intimação entendendo …. que a requerente não havia demonstrado, como lhe incumbia …. que a parcela a destacar tenha sido legalmente erigida antes de a 7 de agosto de 1951, encontrando-se a salvo das exigências legais consagradas pelo RGEU e que, assim sendo, a certidão de destaque pretendida não podia ser validamente emitida, por não resultar que a parcela tivesse capacidade edificativa.
3.17 Ora, é notório que o assim decidido não pode ser mantido.
Seja porque aquele juízo de «não provado» não foi antecedido de qualquer período de instrução, já que após os articulados o Mmº Juiz do Tribunal a quo considerou que o processo estava em condições de ser proferida decisão …. .
Seja porque a factualidade provada em A) … induz em sentido contrário, na medida em que a parcela de terreno se encontra descrita como prédio urbano desde 05/12/1928.
Seja porque da posição assumida pela entidade requerida na sua contestação não resulta a contradição de que a parcela a destacar tenha sido legalmente erigida antes de a 7 de agosto de 1951, encontrando-se a salvo das exigências legais consagradas pelo RGEU, antes decorrendo aceitá-lo …. ..
Seja porque a aptidão edificativa subjacente à operação de destaque em área urbana, nos termos do artigo 6º nº 4 do RJUE, não depende necessariamente da pré-existência de uma edificação legalmente erigida na parcela a destacar ….
Seja ainda porque formado um ato tácito de deferimento de pedido de emissão de certidão de destaque …. e na falta de revogação anulatória …. daquele ato com fundamento na sua ilegalidade (anulabilidade), ao Tribunal, quando chamado a intimar a entidade administrativa a emitir a certidão com base no ato tácito de deferimento não cumpre, nem pode este aferir da eventual ilegalidade (anulabilidade) desse ato tácito, apenas devendo recusar a intimação se for de concluir pela sua nulidade, já que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (cfr. artigo 162º nº 1 do CPA). ….

3.19 Com efeito, e como bem foi sustentado pela requerente, a operação de destaque para a qual foi solicitada a emissão da respetiva certidão, não tem como subjacente um pedido de licenciamento de obras de edificação ou de alteração da construção já existente. Nem implica, de modo automático ou sequer implícito, qualquer legalização do edificado.
O que o destaque consubstancia é o fracionamento da propriedade fundiária para fins edificativos, e o que a certidão de destaque atesta é a edificabilidade (a aptidão edificativa) do prédio a destacar.
3.20 Ora, não só a aptidão edificativa subjacente à operação de destaque em área urbana, nos termos do artigo 6º nº 4 do RJUE, não depende necessariamente da pré-existência de uma edificação legalmente erigida na parcela a destacar, como é possível emitir a certidão de destaque relativamente a parcelas nas quais se encontrem erigidas construções desprovidas do ato autorizativo de que necessitariam nos termos legais.
3.21 E nesta medida a plena averiguação de que o atualmente edificado na parcela a destacar foi erigido antes de 7 de agosto de 1951, por conseguinte antes da entrada em vigor do RGEU sempre seria inócua, já que dela não depende o juízo a formular quanto à concreta causa de nulidade do ato de deferimento tácito (que se formou sobre o pedido de emissão da certidão de destaque) concretamente invocada pela entidade requerida, isto é, a violação do artigo 46º do PUE.
3.22 Simultaneamente, também não se pode considerar que o ato tácito de deferimento do pedido de emissão da certidão de destaque seja nulo por violação do artigo 46.º do PUE, … porque, como bem sustentou a requerente, a operação de destaque o que exige é que as parcelas a destacar possuam aptidão edificativa (à luz das regras urbanísticas aplicáveis). Significando, assim, que o que a certidão de destaque atesta é isso mesmo, a admissibilidade da autonomização das parcelas por terem aptidão construtiva.
A norma do artigo 46º do PUE, cuja alegada violação é invocada pela entidade requerida, não é impeditiva da aptidão edificativa da parcela a destacar, pelo contrário a admite. O que condiciona é a finalidade que haverá de ser dada às edificações e erigir. Mas essa é uma questão distinta, que não bule com o destaque. Sendo certo que a edificação existente é de habitação familiar, realidade que assim já se verifica atualmente, com ou sem destaque.
3.23 Aqui chegados, há que concluir assistir razão à recorrente, não podendo ser mantida a decisão recorrida, que deve ser revogada pelos fundamentos supra.
E encontrando-se verificados no caso os requisitos para o deferimento tácito do pedido de emissão da certidão de destaque, sem que simultaneamente se constate a existência de causas de nulidade que o impeçam (cfr. artigo 162º nº 1 do CPA), designadamente a invocada pelo requerido Município, há que julgar procedente o formulado pedido de intimação.
O que se decide.“

3. Como resulta do antecedente relato a questão que se coloca nesta revista é a de saber se o TCA ajuizou bem quando entendeu que, tendo ocorrido deferimento tácito da solicitação da Requerente, a Câmara estava obrigada a emitir a certidão de destaque visto aquele deferimento não estar ferido de nulidade.
A Requerida sustenta que na parcela a destacar não é possível edificar e, por isso, não fazia sentido estar a emitir a certidão de destaque de uma parcela quando sabia que ela não era possível erigir construção.

As instâncias muito embora tenham concordado que, perante o reiterado silêncio da Câmara, se tinha formado deferimento tácito da pretensão da Requerente discordaram, todavia, sobre as consequências que daí decorreriam.
Com efeito, enquanto o TAF entendeu que, apesar daquele deferimento, o pedido da Requerente não podia ser satisfeito já que se não tinha provado que a edificação existente na parcela a destacar tivesse sido erigida nos anos 30 do século XX e, por isso, estivesse a salvo das exigências, inovatoriamente, consagradas pelo RGEU, o TCA desvalorizou esse argumento e intimou o Recorrente a emitir a requerida certidão por entender que o destaque consubstanciava, apenas, o fraccionamento de uma parcela para fins edificativos e que, sendo assim, aquela certidão não tinha subjacente um pedido de licenciamento de obras de edificação, nem de alteração da construção já existente nem, tão pouco, implicava qualquer legalização do edificado.
Ora, é juridicamente relevante saber se, no caso, se formou deferimento tácito e se, tendo-se formado esse deferimento, a Câmara está obrigada a emitir a requerida certidão se, de antemão e de acordo com os planos urbanísticos, sabe que a construção na parcela destacada está proibida. E isto porque, destinando-se o fraccionamento da propriedade por esta via a possibilitar a construção predial, não parece fazer sentido autorizar o destaque através da emissão pretendida pela Requerente.
Nesta conformidade, importa saber se o Acórdão sob censura ajuizou correctamente quando afirmou que a referida limitação construtiva não desobrigava a Câmara de emitir a certidão de destaque solicitada uma vez que, a seu tempo, a salvaguarda dos referidos planos urbanísticos estava garantida pela possibilidade de ela indeferir o pedido de licenciamento de edificação que lhe fosse apresentado.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.