Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/18.0BCLSB
Data do Acordão:02/14/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÓRDÃO
NULIDADE
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24228
Nº do Documento:SA12019021408/18
Data de Entrada:10/02/2018
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A................... - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A Recorrida A…………….. - SAD, notificada do acórdão proferido nos autos em 20.12.2018, veio nos termos do art. 615º do CPC arguir Nulidades e requerer a sua Reforma quanto a custas, nos termos do art. 616º, nº 1 do CPC.

A) Nulidades do acórdão
1- Nulidade da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC
Quanto às nulidades alega a Recorrida que o acórdão reclamado não se debruçou sobre aquilo que no caso está verdadeiramente em causa: a possibilidade de dar como provado, segundo um critério de primeira aparência, factos não descritos nos relatórios dos delegados, como os que respeitam à violação dos deveres de prevenção dos comportamentos incorrectos – procedimento adoptado pelo acórdão do TAD de 18.12.2017, que atendeu a relatórios do jogo que nenhuma menção factual detinham com relevo para o pressuposto da violação dos deveres de prevenção.
Assim, a remissão deste acórdão ora reclamado para o acórdão de 18.10.2018 não seria idónea a fundamentar a decisão tomada, nomeadamente a de “julgar procedente o recurso quanto à questão de fundo a que respeitam as conclusões 23 a 63” [do recurso de revista interposto pela FPF].
Teria, como tal, o acórdão reclamado, “um total vazio de fundamentação quanto à bondade, pela qual a recorrente FPF pugnou, de serem dados como provados factos não descritos nos relatórios do jogo, mas inferidos a partir da factualidade levada a esses relatórios, por apelo a um critério de primeira aparência que caberá ao arguido em processo disciplinar, infirmar com prova, sob pena de serem dados como provados”. Falta de fundamentação que determina a nulidade do acórdão reclamado, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.

A nulidade de decisão – neste caso o acórdão de 20.12.18 -, prevista no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, verifica-se quando a mesma “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
É jurisprudência uniforme que esta nulidade da decisão apenas ocorre quando existe uma falta total de fundamentação de facto e/ou de direito.
Embora não seja clara a alegação que a Recorrida faz quanto a esta nulidade, parece-nos que estará a invocar a falta de fundamentação de facto por parte do acórdão reclamado.
O que desde logo exclui a remissão para o acórdão deste STA de 18.10.18, já que o acórdão reclamado apenas efectuou tal remissão na parte de direito aplicável, sendo distinta a matéria de facto num caso e noutro.
Feita esta ressalva, face ao alegado nesta sede, haverá que dizer que o acórdão reclamado contém fundamentação de facto, correspondente, como não podia deixar de ser, à fixada nas instâncias (nº 4 do art. 150º do CPTA).
Com efeito, o TAD deu como provados determinados factos (cfr. fls. 10 e 11 desse acórdão). E, fundou a sua convicção nos termos constantes do ponto “VIII. Fundamentação de facto” (cfr. fls. 11 e 12 do acórdão, que aqui se dão por reproduzidos).
Tal matéria de facto parece ser questionada nas conclusões XI e XIII (fls. 101) do recurso interposto pela aqui Recorrida, então recorrente, para o TCAS, mas este Tribunal não determinou qualquer alteração dos factos provados, mantendo-os inalterados.
Ora, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico adequado, nos termos do nº 3 do art. 150º do CPTA. Sendo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais em causa não pode ser objecto de revista, nos termos do disposto no nº 4 do art. 150º do CPTA, salvo as excepções nele previstas e que aqui não estão em causa.
Assim, o acórdão reclamado contendo os factos provados fixados pelo tribunal recorrido não incorreu em falta de fundamentação de facto.
Mas, igualmente, não incorreu em falta de fundamentação de direito pois é manifesto que contém motivação de direito, quer seguindo o decidido no acórdão deste STA de 18.10.18, quer por remissão para o acórdão do TAD de 18.12.17 que transcreveu nas partes relevantes e manteve.
E mesmo que essa fundamentação ou motivação fosse deficiente, errada ou incompleta tal não determina a nulidade invocada, a qual, consequentemente, improcede.

2 – Nulidade por omissão de pronúncia
Alega a Recorrida que o acórdão reclamado deixou de pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade por si invocada na conclusão XXXV das suas contra-alegações, o que determinaria a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – art. 615º, nº 1, a. d) do CPC (por lapso a reclamante refere a alínea c) do preceito em causa.
Isto porque, segundo alega, apenas poderia considerar-se que a questão da inconstitucionalidade por si suscitada, só teria sido tratada no acórdão reclamado se o acórdão de 18.10.18 fosse para aí transponível, e não é.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, para além da questão da inconstitucionalidade tal como foi abordada no acórdão deste STA de 18.10.18, o acórdão reclamado aderiu à fundamentação do acórdão do TAD sobre esta inconstitucionalidade, no sentido da sua não verificação, transcrevendo a respectiva motivação a ela atinente, de acordo com a transcrição que efectuou a fls. 13 a 16, tendo decidido manter esse acórdão (e julgar procedentes as conclusões do recurso 33 a 58 que se lhe referem igualmente).
Termos em que improcede a omissão de pronúncia invocada.

3 – Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão
Alega a Recorrida que tendo o acórdão reclamado considerado violado o disposto no art. 13º, al. f) do RD, revogou o acórdão do TCAS, sem que, todavia, tenha ordenado a baixa dos autos a este Tribunal para a revisão da norma que considerou aplicável, tendo o acórdão reclamado repristinado o acórdão do TAD.
No entanto, este último acórdão não mobilizou o art. 13º, al. f) do RD para afirmar a violação por parte da Recorrida dos deveres de cuidado que sobre si impendiam de modo a estabelecer a sua responsabilidade pelo comportamento dos adeptos.
Existiria, assim, uma insanável contradição entre a fundamentação e a decisão de manter o acórdão do TAD, o que determinaria a nulidade do acórdão prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC (por lapso refere-se a al. d) do preceito referente à omissão ou excesso de pronúncia).
De acordo com o art. 615, nº 1, al. c) do CPC é nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (no que agora interessa).
É jurisprudência uniforme que esta nulidade da sentença ou acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida no acórdão apontar num determinado sentido e, apesar disso, a decisão ser em sentido contrário ou oposto. Contradição lógica, esta, que não se confunde com erro de julgamento, isto é, a errada interpretação ou aplicação do direito.
Ora, não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão de manter o acórdão do TAD.
Efectivamente, no acórdão deste STA de 18.10.18, cuja jurisprudência se seguiu, na parte aplicável, considerou-se que no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundamentadamente posto em causa” [art. 13º, al. f) do RD].
Mas, nesse caso, o TAD e o TCAS tinham desconsiderado essa presunção de veracidade legalmente estabelecida para os mencionados relatórios (o que determinou a baixa desses autos ao TCAS para se apurar da veracidade dos factos nele constantes).
Já no caso dos autos, partindo dos factos inscritos no Relatório dos Delegados, considerou-se ter de existir uma ponderação da prova relativa aos mesmos, “concretamente, de que os mesmos resultaram de actos que o agente praticou, ou omitiu, para se concluir que existiu incumprimento ou o cumprimento imperfeito de deveres por parte do agente, e daí que se tenha aplicado sanção disciplinar” (cfr. pág. 13 do acórdão do TAD). E, concluiu-se, pelos fundamentos ali explanados ter havido infracção disciplinar por violação ou inobservância dos arts. 127º e 187º do RD-LPFP. O que o acórdão reclamado transcreveu e manteve.
Assim, não há qualquer contradição entre os fundamentos do acórdão e a decisão, não se justificando, neste caso concreto, a baixa dos autos ao TCAS, por os factos constitutivos da infracção disciplinar desportiva já estarem fixados.

B) Reforma quanto a custas
A Recorrida pretende que o acórdão reclamado seja reformado quanto a custas. Nos termos do art. 616º, nº 1 do CPC.
Alega que o acórdão “de certo modo repristinou o decidido pelo TAD em sede de custas”.
Não tem razão, já que o acórdão ao condenar em custas a Recorrida o fez por aplicação estrita do art. 527º, nº 2 do CPC, e visto que a Recorrida ficou vencida nas instâncias e neste STA. E foi apenas isto que se decidiu quanto a custas, nada mais.
Questão diferente, e que é a que a Recorrida pretende ver discutida, é a do valor da causa que o TAD fixou em € 30.000,01.
Mas esta questão nada tem a ver com a condenação em custas e não era susceptível de ser conhecida no recurso de revista, face à posição assumida pela Recorrida (de inércia quanto à mesma), nem o pode ser agora.
Com efeito, no ponto VII das suas conclusões no recurso que interpôs para o TCAS, a Recorrida, então recorrente, suscitou esta questão.
No entanto, a mesma não foi conhecida no acórdão recorrido e objecto da presente revista.
Cabia, pois, à Recorrida ou interpor recurso subordinado (art. 633º do CPC) ou pedir a ampliação do objecto do recurso nessa parte, mesmo a título subsidiário e prevenindo a necessidade da sua apreciação, ou arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre essa questão (cfr. art. 636º, nºs 1 e 2 do CPC).
Não o tendo feito, não sendo sequer essa questão aflorada nas conclusões das suas contra-alegações, o valor da causa, tal como foi fixado, tem que manter-se por ter transitado em julgado a decisão que o fixou (art. 628º do CPC), não sendo de conhecer do requerimento quanto a tal questão (arts. 44º a 82º do presente requerimento).
Assim, nada há a reformar quanto à condenação em custas, nos termos do nº 1 do art. 616º do CPC, mantendo-se a condenação em custas nos seus precisos termos.

Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação sobre a arguição de nulidades do acórdão e a reforma quanto a custas.
Custas do incidente pela Requerida, com o mínimo de taxa de justiça.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.