Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01330/13
Data do Acordão:10/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:JUROS DE MORA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Tendo o contribuinte (executado) apresentado à AT uma tabela de cálculo dos juros de mora do seu plano de pagamento em prestações, e pretendendo que a elaborada pela AT se encontrava errada e pedindo fundamentação, com elaboração de cálculos precisos sobre o montante dos juros, para o caso de a sua não ser aceite, não pode considerar-se fundamentada a resposta da AT que manteve a tabela já comunicada ao recorrente dizendo apenas que a mesma estava de acordo com a lei e tendo indicado as normas aplicáveis ao caso, nomeadamente em matéria de taxas.
II - Deduzida reclamação contra esta decisão e tendo o juiz decidido que a tabela elaborada pela AT se encontrava fundamentada e obedecia às normas aplicáveis ao caso, impõe-se a revogação de tal decisão e a procedência da reclamação.
Nº Convencional:JSTA00068416
Nº do Documento:SA22013101601330
Data de Entrada:07/30/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF CASTELO BRANCO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPT ART196 N7
L 64-B/2011 DE 30/12 ART151 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A…………, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Castelo Branco que julgou totalmente improcedente a reclamação por si deduzida contra decisão do órgão da execução fiscal, proferida no Processo de Execução Fiscal nº 1279200201003542, que indeferiu um pedido de recálculo de juros de mora da dívida que se encontrava a pagar no âmbito de plano de pagamento em prestações, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) Comete nulidade de sentença o tribunal que, admitindo no dispositivo daquela o que o reclamante pede - em termos de, em concreto, é obrigar o Fisco a justificar os cálculos que faz de plano prestacional que mudou a partir da 22ª prestação - deixa de o obrigar nesse sentido e fundamenta a conduta da AT legalmente.

2ª) A obrigação deduz-se pelo pedido da reclamação e esta sustenta-se em obrigar a AT a fazer os cálculos e a fundamentar esses e verificar que é como o reclamante sustenta: o Fisco duplicou a taxa de juro mas mudou a metodologia - fazendo incidir a taxa de juros de 14,014% sobre o valor da garantia inicial, quando até à 21ª prestação o mesmo Fisco vinha fazendo incidir a taxa de juro em vigor à data sobre o valor de garantia deduzido das amortizações até então ocorridas.

3ª) A substituição invocada no pedido “de se for caso disso, alterar o mesmo, devendo esclarecer em juízo como procede para calcular as prestações”, não se reconduz a ser o tribunal a fundamentar, usando a lei.

4ª) Ou indefere ou ordena que o Fisco o faça, não tendo cabimento alegar-se que um plano prestacional não inclui amortizações.

5ª) Comete assim nulidade do artº 668º, nº 1 do CPC, por falta de pronúncia, pelo juiz, de questões que devesse apreciou de questões de que podia tomar conhecimento - 668º, nº 1 do CPC.

6ª) Ocorre inconstitucionalidade material dos artºs 43º, nº 5, e 44º, nºs 2 e 3 da LGT e do artº 151º, nºs 2, 3 e 4 da LOE 2012, por violação dos princípios constitucionais: do estado de direito democrático (artº 2º da CRP); da proteção da confiança e da boa fé (artºs 18º, nº 2 e 266º, nºs 1 e 2 da CRP); da proporcionalidade (artº 18º, nº 2 da CRP); da igualdade (artº 13º da CRP); da não retroatividade (artº 18º, nº 3 da CRP); e do acesso ao direito e aos tribunais (artº 20º, nº 2 da CRP).

Termos em que deve alterar-se a decisão recorrida por outra que supra as invocadas nulidades, obrigando o Fisco como foi pedido, conhecendo-se ainda das invocadas inconstitucionalidades materiais.

II. A Fazenda Pública veio apresentar contra-alegações nas quais conclui:

a) Com as alterações da LOE 2012 os juros de mora são devidos até à data do pagamento da dívida - sem qualquer limite temporal aplicando-se, por força do artigo 151º, n° 2 da Lei n° 64-B/2011, de 30.12, a todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da presente lei.

b) A taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, exceto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela.

c) Dispõe o art° 196°, n° 7 do CPPT que a importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação.

d) O regime legal que prevê o pagamento das dívidas tributárias não estipula nenhum regime de amortização. Conforme se depreende do texto legal e já citado, a quantia exequenda é dividida no número de prestações autorizado, compreendendo-se em cada uma delas o valor dos juros e, após o pagamento final, a dívida extingue-se.

e) As legítimas expectativas do contribuinte foram asseguradas, uma vez que o plano prestacional existe, exclusivamente, por impulso processual do executado, que assim, beneficia de um regime mais favorável das dívidas tributárias;

f) O plano de prestações é do conhecimento do contribuinte, bem como o número de prestações acordadas (que aliás, são por si requeridas);

g) Pelo que os juros de mora não se vencem eternamente: vencem-se até à última prestação.

h) A Administração pautou a sua atuação pelos mais basilares princípios da legalidade, atuando sempre de harmonia com o regime legal previsto, mercê das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado de 2012, refazendo o cálculo dos juros de acordo com o aí previsto.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, não deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida, com as legais consequências, só se assim se fazendo JUSTIÇA!

III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 405/406, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

IV. Cumpre decidir.

V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º) Corre termos no Serviço de Finanças de Seia o processo de execução fiscal n.° 1279200201003542, instaurado em 13/06/2002 por dívida de IRS/1999, cujo pagamento voluntário terminou em 01/4/2002 - cfr. doc. 1 e 2 dos presentes autos;

2º). Em 28/06/2002, o executado apresentou impugnação judicial da liquidação de IRS/1999, tendo a mesma sido julgada improcedente por este TAF de Castelo Branco de 15/12/2009 - cfr. fls. 12 e fls. 36 a 43 do SITAF;

3º). Por despacho de 7/04/2010, o Chefe do Serviço de Finanças, promoveu a notificação do executado para requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento da dívida em execução fiscal - cfr. docs. 3 e 4 dos presentes autos;

4º). Em 14/04/2010, o executado veio solicitar o pagamento em prestações referente à divida de IRS/1999 no valor total de € 42.011,43 - cfr. doc. 5 dos presentes autos e fls. 51 do SITAF;

5º). Em 15/04/2010, o pedido do executado de pagamento em prestações mereceu informação favorável (cfr. fls. 52 SITAF);

6º). Em 04/05/2010 o pedido referido no ponto 5 e 6, foi deferido - cfr. doc. 6 dos presentes autos;

7º). O executado, ora reclamante, foi notificado das condições do plano prestacional (v. fls. 305);

8º). Em 30/07/2012, face ao recálculo dos juros de mora realizado pela AF veio o NEP - Núcleo de Processos Executivos - informar o Serviço de Finanças, através de mensagem de correio eletrónico, que a partir de 01/01/12 foi aplicada taxa agravada (cfr. doc. 9 junto aos presentes autos):

9º). Em 13/08/2012 o impugnante solicita junto do Diretor de Finanças de Seia informação sobre o recálculo dos juros de mora;

10º). Em 25/09/12, o ora reclamante é notificado da decisão que confirma o recálculo dos juros de mora efetuado pelos serviços;

11º). Em 04/10/12, o reclamante entrega petição inicial que dá origem à reclamação n° 1279201220000014 e que foi enviada a este TAF de Castelo Branco em 12/10/12 que foi objeto de indeferimento liminar por falta de apresentação de conclusões - fls. 15 do SITAF;

12º). Em 18/01/13, o reclamante apresenta, nova petição inicial (reformulada) junto do serviço de Finanças de Seia, a qual dá origem aos presentes autos de reclamação - cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos.

VI. O recorrente imputa à decisão recorrida o vício de omissão de pronúncia, previsto no artº 688º, nº 1 do CPC, uma vez que, tendo pedido ao Fisco que justificasse o recálculo dos juros de mora do seu plano prestacional de pagamento da dívida exequenda, a Mmª Juíza limitou-se a fundamentar a conduta da AT legalmente.
Ora, no entender do recorrente, tendo pedido à AT para justificar os referidos cálculos, ao juiz cabia apenas indeferir a reclamação ou ordenar que o Fisco procedesse à justificação daqueles.

Vejamos então se esta argumentação procede, fazendo um breve resumo da matéria de facto dada como provada.

VI.1. Contra o recorrente foi instaurado processo de execução fiscal para pagamento coercivo de dívida de IRS do ano de 1999, cujo prazo de pagamento voluntário havia terminado em 01.04.2002 (v. facto 1º do probatório).

Deduzida impugnação judicial contra a liquidação daquele imposto, esta veio a ser julgada improcedente em 15.12.2009. O recorrente requereu o pagamento da dívida em prestações, tendo-lhe sido comunicado o plano de pagamento respetivo (factos 2º a 7º do probatório).

Em 30.07.2012 foi efetuado o recálculo dos juros de mora do referido plano prestacional (facto 8º do probatório).

O recorrente solicitou ao Diretor de Finanças de Seia informação sobre o recálculo de juros e apresentou uma tabela por si elaborada, pretendendo serem os montantes indicados nesta os legalmente corretos, tendo em atenção a amortização parcial da dívida (v. facto 9º do probatório).

Em resposta a este pedido foi produzida a informação que consta do documento nº 9 referido no nº 8º do probatório, cujo teor se dá por reproduzido. Nessa informação se dizia que os cálculos estavam corretos, indicavam-se as taxas relativas a vários períodos de vigência do plano prestacional e esclarecia-se ainda que as alterações das taxas resultavam das alterações legislativas resultantes dos OE para 2011 e 2012.

Esta informação foi notificada ao recorrente (facto 10º do probatório).

Aqui chegados cabe perguntar se a AT cumpriu ou não o seu dever de resposta (fundamentação) relativamente ao requerimento do recorrente.

VI.2. Desde já diremos que a decisão recorrida não pode manter-se.

Vejamos porquê.

No seu requerimento de fls. 8/11, dirigido à Direção de Finanças de Santarém, o recorrente invocou a sua incompreensão quanto ao cálculo dos juros de mora do seu plano de pagamento da dívida exequenda em prestações, tendo apresentando uma tabela de cálculo na qual procura demonstrar o excesso de juros liquidados.

E pediu o recorrente que fosse corrigido esse cálculo, levando-se em conta os juros já pagos em excesso.

E mais pediu ainda que lhe fosse facultado o detalhe dos cálculos dos valores dos juros, se fosse considerado que o seu não se encontrava correto.

Em resposta a este requerimento, a AT limitou-se a dar a resposta que consta de fls. 26/27, reafirmando apenas que o cálculo estava correto e que as taxas de juro aplicadas tinham o seu fundamento nas alterações introduzidas pelos OE de 2011 e 2012.

Ora, sendo certo que o método de cálculo apresentado pelo recorrente e o elaborado pela AT são divergentes, a verdade é que aplicando as mesmas taxas de juro e os mesmos prazos, os resultados deveriam ser idênticos.

Deste modo, impunha-se que a AT explicitasse melhor o modo como efectuou o seu cálculo de modo a poder convencer o recorrente da legalidade do mesmo e que o cálculo por este apresentado não cumpria os critérios legais.

Como é sabido, a fundamentação destina-se a permitir ao interessado compreender o modo como se chegou a determinada decisão, a fim de este com ela poder conformar-se ou reagir pela via administrativa ou contenciosa.

No caso concreto dos autos, a resposta (fundamentação) dada pela AT não é suficiente, pois que não explica como é que a tabela apresentada pelo recorrente e considerando os mesmos prazos e taxas de juros, chega a resultados diferentes. Provavelmente, a AT até poderá ter razão, mas, para tanto, terá de dar a conhecer em pormenor o modo como efectuou os cálculos e justificar onde é que a tabela do recorrente erra em face da lei.

Aliás, tal fundamentação torna-se ainda mais necessária na medida em que na nova tabela remetida ao recorrente (v. ponto 7 do probatório) depois de os juros quase triplicarem da 22ª à 25ª prestações, baixam drasticamente após a 26ª, passando a aproximar-se dos da tabela apresentada por aquele, apesar de as taxas de juro continuarem as mesmas.

Em face do que ficou dito, a reclamação do recorrente procede, pelo que fica prejudicado o conhecimento da violação dos princípios constitucionais do estado de direito democrático (artº 2º da CRP), da proporcionalidade (artº 18º, nº 2 da CRP); da igualdade (artº 13º da CRP), da não retroatividade (artº 18º, nº 3 da CRP) e do acesso ao direito e aos tribunais (artº 20º, nº 2 da CRP), invocados pelo recorrente.

VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se procedente a reclamação.

Sem custas, dado que a execução é anterior a 2004, altura em que a FP estava isenta de custas.

Lisboa, 16 de outubro de 2013. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.