Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0528/08
Data do Acordão:03/18/2010
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:DEMOLIÇÃO
LICENCIAMENTO
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
PRESIDENTE DA CÂMARA
COMPETÊNCIA
DELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário:I - A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando não conhecer de questão que deva decidir e não já quando deixe de apreciar algum dos argumentos ou raciocínios expostos na defesa das teses em confronto.
II - Não incorre em vício de incompetência o acto administrativo praticado ao abrigo de delegação de competência válido e eficaz.
III - A competência do presidente da câmara para a fiscalização administrativa de operações urbanísticas, prevista na Secção V do DL 555/99, de 16 de Dezembro, abrange as medidas de tutela da legalidade urbanística, especificadas na Secção III daquela mesma Secção V.
IV - A competência referida em 3. é passível de delegação em qualquer dos vereadores, nos termos do artigo 69, número 2 da Lei das Autarquias Locais e 94, número 2, do RJUE.
Nº Convencional:JSTA00066354
Nº do Documento:SA1201003180528
Data de Entrada:06/16/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:VEREADOR DA CM DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:LAL99 NA REDACÇÃO DA L 5-A/2002 DE 2002/01/11 ART62 N2 M ART69 N9.
DL 555/99 DE 1999/12/16 NA REDACÇÃO DO DL 177/2001 DE 2001/06/04 ART93 ART94 ART102 ART106.
Jurisprudência Nacional:AC STJ DE 2007/02/25 IN BMJ N464 PAG464.; AC STJ DE 1999/02/24 IN BMJ N484 PAG371.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG298.
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG143.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os sinais dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) recurso contencioso de anulação do despacho, de 4.4.03, do Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, B…, que ordenou a demolição de um armazém, ilegalmente construído em terreno situado no lugar de … da Marinha, bem como a remoção de todos os materiais inertes depositados, sem autorização administrativa, nesse terreno, no prazo de vinte dias, sob pena de, não sendo cumprida essa ordem em vinte dias, a própria Câmara proceder a tais demolição e remoção a expensas daquele recorrente.
A fundamentar esse recurso contencioso, o recorrente invocou a existência de vícios de incompetência, erro nos pressupostos de facto e de direito e de desvio de poder.
Por sentença de 18.1.08, proferida a fls. 71, ss., dos autos, o TAFP julgou «inverificados os vícios imputados ao acto recorrido» e, por consequência, negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformado com tal decisão, dela veio o recorrente interpor recurso, tendo apresentado alegação, com as seguintes conclusões:
1. O recorrente imputou ao despacho recorrido o vício da FALTA DE COMPETÊNCIA PARA PRÁTICA DO ACTO RECORRIDO por falta absoluta de competência do recorrido à data do início do procedimento, durante a sua instrução, e ainda para formulação do projecto de decisão, bem como da intenção de proferir a mesma a final.
2. Imputou também tal vício ao acto em apreço por falta de competência do recorrido, mesmo após a atribuição da delegação de competências pelo Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia, em 25-03-2003, pois ao mesmo apenas foi cometida a competência para fiscalização administrativa, destinada a assegurar a conformidade das operações com as disposições legais e regulamentares, mas tal não incluir as medidas de tutela da legalidade urbanística.
3. Imputou ainda o vício da incompetência ao despacho impugnado por inexistir habilitação legal que permitisse ao Presidente da Câmara delegar em Vereador a competência para emitir as ordens de embargo, bem como de demolição de obra e reposição do terreno, e de cessação de utilização de prédio ou terreno, previstas nos artºs. 102°, 106° e 109° do D.L. 555/99, da competência exclusiva do Presidente da Câmara, não havendo previsão legal para tal delegação de competências.
4. A sentença recorrida não apreciou o vício descrito tendo em conta todas as invocadas modalidades de incompetência, não apreciando a invocada falta de competência para o acto, por parte do recorrido, mesmo após a atribuição da delegação de competências indicada de 25-03-2003.
5. Esta falta de competência era uma questão concreta que a sentença tinha de apreciar e sobre a qual não se pronunciou, pelo que incorreu na causa de nulidade prevista pelo artº 668°, n° 1, al. d) do Código de Processo Civil.
6. Deverá, assim, ser decretada a nulidade da sentença proferida, sendo o processo remetido à primeira instância para apreciação do vício invocado, com a latitude e de acordo com os fundamentos invocados pelo recorrente onde se inclui a alegada falta de competência do recorrido também por esta se não considerar incluída no despacho de delegação de competências de 25-03-2003, e assim se conhecendo da nulidade da sentença nos termos do artº 110°, alínea a) da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho, aplicável à presente causa.
7. Sem prejuízo, e por mera cautela, sempre deverá considerar-se que a alegação da falta de competência do recorrido esteve sempre, e está patente, na alegação apresentada na petição inicial e complementada nas alegações.
8. E sendo a competência para fiscalização administrativa apenas destinada a assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares, a mesma não inclui as medidas de tutela da legalidade urbanística.
9. De facto a lei consagrou expressamente de forma autónoma e separada de qualquer competência de "Fiscalização" a intervenção do Presidente da Câmara na aplicação das medidas de tutela da legalidade urbanística, como resulta expresso no teor dos artigos 102° 105° e 106° do RJUE, aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI.
10. Mesmo que se admitisse a hipótese de ser delegada em Vereador a competência do Presidente da Câmara no âmbito da tutela da legalidade urbanística, esta não foi em definitivo delegada no recorrido, pelo que se verificou a alegada incompetência.
11. A sentença recorrida também decidiu mal a invocada questão da falta absoluta de competência do recorrido à data do início do procedimento, durante a sua instrução, e ainda para formulação do projecto de decisão, bem como da intenção de proferir a mesma a final, não sendo aceitável a tese de que apenas seria necessário ter competência para "ordenar a demolição" e não para o procedimento que antecedeu o despacho recorrido.
12. Está-se perante um decurso procedimental que a lei determinou (artºs 100° a 105 do C.P.A.) e que, em resumo, consagrou a obrigatoriedade de uma prévia instrução, de formulação de um projecto de deliberação e na audiência dos interessados sobre os mesmos, que integra a decisão de aprovação prévia de uma proposta de decisão, por quem tem competência para a decisão final (artº 105° do C.P.A.).
13. A decisão final mais não é que o culminar do procedimento e a confirmação (por regra) da decisão projectada, que dependem necessariamente, em todo o procedimento, da entidade competente para a decisão final.
14. O referido procedimento prévio constitui uma formalidade essencial do acto que depende de quem tem competência para a decisão final e a falta de competência para a formulação do projecto de decisão não pode, assim, deixar de ter a mesma sanção que a falta de competência para a emissão da decisão final.
15. Ao entender que a exigência da competência para o despacho recorrido apenas abrangia a competência para ordenar a demolição, e não exigia ao autor competência para todas as fases do procedimento que levava a tal decisão, a sentença violou o disposto nas indicadas normas dos artºs 100° a 105° do C.P.A. e artºs 106° e 107° do RJUE (D.L. 555/99).
16. De facto, estando provado que o recorrido não tinha competência para determinar a instrução do processo, para formulação do projecto de decisão, e para decidir da intenção de proferir a mesma a final, provado está que o recorrido não tinha competência para todo o procedimento, que está desde início inquinado, e tal falta de competência inquina também a decisão final.
17. Por outro lado a sentença recorrida decidiu mal a invocada questão da falta de habilitação legal para o Presidente da Câmara delegar em Vereador a competência para emitir as ordens de embargo, bem como de demolição de obra e reposição do terreno, e de cessação de utilização de prédio ou terreno, previstas nos artºs. 102°, 106° e 109° do D.L. 555/99.
18. De facto, tais ordens só podem ser emitidas pelo Presidente da Câmara e a delegação de competências não está prevista na lei aplicável, o RJUE (aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI).
19. À data da prolação do acto recorrido as normas do RJUE revogavam tacitamente à normas que sobre tal matéria resultava da Lei das Autarquias Locais (Lei n° 169/99), sendo o RJUE um diploma específico, constituindo lei especial, que veio regulamentar em matéria de licenciamento (ou autorização) de obras de edificação ou demolição, sendo prevalecentes as suas regras em termos de atribuição de competência dos órgãos autárquicos envolvidos.
20. O RJUE (aprovado pelos Decretos-Lei n° 555/99, de 16-XII, e 177/2001, de 14-VI) estipulava expressamente no artº 102, relativo ao embargo, a competência do Presidente da Câmara, tal como no artº 105° relativo aos trabalhos de correcção ou alteração, e no artº 106°, referente à determinação da demolição e reposição do terreno, e no artº 109°, quanto à ordem de cessação de utilização, mas em nenhuma dessas regras estava prevista a delegação de competências como, por exemplo, no artº 5°, nos nºs 1, 2 e 3, do mesmo diploma.
21. A falta de habilitação legal para a delegação de competência na matéria do despacho recorrido e em apreço no recurso contencioso que a sentença sub judice decidiu, isto é a ordem de demolição do armazém, de remoção dos inertes depositados, e de imposição coerciva das mesmas, nos termos do artº 106° do RJUE, torna inválida e inexistente tal delegação, invalidade que inquina irremediavelmente o acto proferido, aliás como a sentença recorrida também constatou, mas com conclusão diversa.
22. Também neste particular a sentença recorrida violou o disposto nos artºs 106° e 107° do RJUE e no artº 35°, n° 1 do C.P.A.
23. Deverá, assim, ser anulada a sentença em apreço, por omissão de pronúncia sobre questão essencial que devia ter conhecido, e ter incorrido na causa de nulidade prevista pelo artº 668°, n° 1, al. d) do Código de Processo Civil.
24. Pelo que deverá o processo remetido à primeira instância para apreciação do vício invocado, nos termos do artº 110°, alínea a) da L.P.T.A. (DL n° 267/85, de 16-VI).
25. Sem prescindir, sempre deverá ser considerado que a sentença recorrida errou por não considerar, como devia, estar o acto recorrido inquinado por falta de competência do recorrido, dado não ter tal competência pelo menos à data do início do procedimento, durante a sua instrução, e ainda para formulação do projecto de decisão, bem como da intenção de proferir a mesma a final, dado que a delegação de competências de que foi destinatário por parte do Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia, em 25-03-2003, apenas lhe atribuir competência para fiscalização administrativa aí se não incluindo as medidas de tutela da legalidade urbanística, e face à falta de habilitação legal para o Presidente da Câmara delegar em Vereador a competência para emitir as ordens de embargo, bem como de demolição de obra e reposição do terreno, e de cessação de utilização de prédio ou terreno, previstas nos artºs. 102°, 106° e 109° do D.L. 555/99.
26. Nestes termos, e nos de melhores de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, sempre a final deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e decretando-se a anulação do despacho recorrido, por violador da lei.
O recorrido Vereador apresentou contra-alegação, com as seguintes conclusões:
1º - O despacho recorrido não enferma do vício de incompetência que se lhe pretende atribuir;
2º - A sentença recorrida ora em análise, também não enferma de qualquer vício que imponha a sua revogação ou anulação;
3º - Não houve por parte desta qualquer violação de normas substantivas ou processuais que obrigam à sua revogação ou anulação ou que a tornem nula.
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:
O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão do TAF que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A… contra o despacho proferido pelo vereador da Câmara Municipal da Vila Nova de Gaia, que no exercício de competências delegadas pelo Presidente da Câmara, por despacho datado de 4 de Abril, 2003 proferiu ordem de demolição de um armazém, com o fundamento de que não tinha licenciamento municipal e ainda ordem de remoção de todos ao materiais inertes ali depositados.
O recorrente nas suas alegações de recurso para este Tribunal, limitou-se à análise do vício da incompetência, como consta dos nºs 1, e 3 do ponto III a fls. 139 a 140, concluindo que a sentença é nula, por omissão de pronúncia nos termos do art. 668° n° 1 - alínea d) do C.P.C.
Ora, nos recursos jurisdicionais as conclusões da alegação delimitam o âmbito do recurso.
*
Como decorre da matéria de facto provada o Sr. Presidente da Câmara por despacho de 24/03, de 25/03/03 delegou competências no Sr. Vereador.
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O recorrente alega que a sentença não apreciou todas as modalidades de incompetência que invocou, sendo certo que o juiz deve conhecer na sentença todas as questões que forem suscitadas.
Porém, afigura-se-nos, que a sentença não é omissa nessa matéria, designadamente quando refere a propósito da alegada falta de competência para o procedimento que antecede o acto recorrido, como passamos a citar:
"Aliás, o próprio recorrente não assaca falta de competência para a prática do acto recorrido, mas sim para o procedimento que o antecede, por o despacho de delegação de competências ser posterior ao início do procedimento em causa e que culminou com o acto recorrido, ora é a própria lei que refere que a competência é para ordenar a demolição", sendo que não se faz qualquer referência expressa que a competência delegada tenha que ser aferida ao despoletar do procedimento"
No que respeita ao 2° aspecto referido pelo recorrente entendemos que também nesta parte não se verifica omissão de pronúncia.
Na realidade a sentença entendeu que na delegação de poderes se abarcava não só a competência para a fiscalização administrativa, mas também as medidas de tutela da legalidade urbanística.
Nos termos da Jurisprudência predominante deste Tribunal, entende-se que para efeitos contenciosos os actos praticados por delegação ou subdelegação tem o mesmo carácter impugnável do correspondente ao acto praticado pelo delegante (vide Ac. 910/02, de 21/1/03, Ac. 41913 de 16/12/97 e Ac. 45.589, de 1011 0100.
Deste modo, parece-nos que se o Sr. Presidente da Câmara tinha competência para ordenar a demolição da obra também o Sr. Vereador, no uso de poderes delegados também tinha.
Finalmente, o recorrente refere a incompetência absoluta que deriva da inexistência da lei habilitante uma vez que entendeu que a Lei 169/99, de 18/9 foi tacitamente revogada pelo R.J.U.E (Regime Jurídico de Urbanização e Edificação) prevista no DL 555/99, de 16/12.
Entendemos, mais uma vez, que não assiste razão ao recorrente, uma vez que a lei das autarquias locais, (Lei 169/99, de 18/9 na redacção da Lei 5-A/02, de 11/1) é uma lei geral que regula a distribuição de competência dos órgãos das autarquias locais prevendo no seu art. 68°, n° 2, alínea m), a possibilidade do Sr. Presidente da Câmara embargar e ordenar a demolição de obras e ainda a possibilidade de delegar esses poderes num dos seus vereadores (art. 69° n° 2).
Ora, sendo a L.A.L uma lei geral que regula o funcionamento das autarquias locais com vista a obter uma a melhor operacionalidade na administração autárquica só poderá ser afastada quando outro diploma preveja uma situação que implique um desvio à regra geral.
Não nos parece que exista esse desvio no regime jurídico do R.J.U.E, tanto mais que a Lei 60/07, de 4/9 que alterou o DL 559/99, de 16/2, manteve a mesma orientação sobre as medidas de tutela da legalidade urbanística.
Por sua vez a Lei das Autarquias Locais na redacção da Lei n° 5-A/02, de 11/1 introduziu a possibilidade do Sr. Presidente da Câmara delegar competências num Vereador para ordenar embargos e demolições (vide art. 69°, n° 2 e 68°, n° 2 alínea m) da Lei 5-A/02.
*
Pelo exposto, sou do parecer que o acto impugnado não sofre do vício de incompetência, devendo manter-se a decisão recorrida e em consequência negar-se provimento ao recurso.
A fls. 158, dos autos, a Mª Juiz recorrida proferiu despacho, sustentando que a sentença não incorreu na alegada violação do art. 668 CPCivil.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte matéria de facto:
1. Em 28 de Agosto de 1999 o recorrente A… promoveu e apresentou na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia um processo com vista à legalização e licenciamento do armazém então em construção, processo esse a que coube a designação de POP 2234/99 (cf. fls. 17 do Processo Administrativo Pasta 1);
2. No âmbito daquele processo por ofício datado de 18.11.1999 foi o requerente aqui recorrente informado do seguinte "Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, informo V. Ex.ª de que, nesta data, foi solicitado um parecer ao Instituto de Estradas de Portugal - Porto. Assim, a partir desta data, o presente processo aguarda a emissão do referido parecer, para o qual decorreu um prazo de 23 dias";
3. Conforme aviso de recepção constante da Pasta 1 - processo Administrativo, o recorrente no âmbito do Proc. n.º OP 2243/99 de que "relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, informo V. Exa. que pretensão não está em condições de poder ser aprovada, porquanto:
Em termos de Plano Director Municipal, nas áreas não urbanas de transformação condicionada não estão previstos licenciamentos de construções para armazém, pelo que contraria o artigo 37° do regulamento do Plano Director Municipal.
O edifício possui uma altura de meação com o terreno posterior de 5,1 metros, contrariando a alínea d) do n.º 2 do artigo 14 ° conjugado com o artigo 12° do referido regulamento: - A construção deveria ter afastado um mínimo de 6,0 metros ao limite posterior do lote.
Nesta conformidade, o processo encaminha-se para o seu INDEFERIMENTO, devendo V. Exa. pronunciar-se por escrito, no prazo de 10 dias, dizendo o que tiver por conveniente.”
4. Conforme aviso de recepção datado e assinado de 21.12.2000 foi o recorrente notificado no Âmbito do - Proc. n.º OP 2243/99 - pedido de Aprovação de projecto de arquitectura, que:
"Comunico que, por despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara de 22 de Novembro de 2000, proferido ao abrigo da delegação de competências conferida pela reunião extraordinária da Câmara de 19 de Outubro de 1999, foi indeferido o pedido de aprovação de projecto de arquitectura, apresentado através do requerimento indicado em epígrafe, por se encontrar em desconformidade com o art. 37° do Regulamento do PDM. Informo ainda que, o artigo 38° que fazia parte integrante da proposta do regulamento do Plano Director Municipal não foi ratificado em Conselho de Ministros e, como tal, não pode ser aplicado.”
5. O Proc. n.º OP 2243/99 foi arquivado uma vez que o pedido havia sido indeferido, notificado o arquivamento ao recorrente e enviado o processo à fiscalização;
6. Em 29.07.1999, foi proferido despacho a ordenar o embargo da obra;
7. Em 16 de Setembro de 1999 foi o recorrente, no âmbito do Proc. n.º 151/99 da Divisão de Fiscalização, notificado de que:
"Para os devidos e legais efeitos, e no cumprimento do n° 2 do art. 57° do Decreto-Lei 445/91, de 2/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 250/94, notifica-se V.Ex.ª que por despacho de 29/07/99, foi ordenado o embargo da obra acima mencionada, devendo esta manter-se para até à sua legalização.
Nos termos do art. 59° do decreto-lei acima referido, o não acatamento do referido embargo, constitui crime de desobediência, prevista no art. 348° do Código penal. Mais se notifica V. Ex.ª para, no prazo de 30 dias contados da data da recepção do presente ofício, apresentar projecto de legalização dos referidos trabalhos ou em alternativa proceder voluntariamente à sua demolição, podendo esta Câmara executá-la coercivamente, caso não cumpra." (cf. fls. 6, 7 e 8 do processo Administrativo pasta 2);
8. Conforme consta de fls. 57, 58 e 58 v.º foi o recorrente notificado por via de mandado emitido pelo Vereador do pelouro B… por delegação de competências, nos seguintes termos que se transcrevem: "… que é intenção desta Câmara Municipal ordenar a demolição de um armazém com a área aproximada de 300 m2, construído no lugar do …, em …, sem que para o efeito possuísse o necessário licenciamento municipal, violando o disposto na alínea a) do n. ° 1 do art. 1 ° do Decreto Lei n° 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto Lei n° 250/94, de 15 de Outubro, sendo que, o respectivo processo de licenciamento (POP-2243/99) foi indeferido por despacho de 22/11/2000, assim como, é intenção desta Câmara Municipal ordenar a remoção de todos os materiais inertes depositados no restante terreno, sem autorização administrativa em violação do disposto na alínea g) do n ° 3 do art. 4 ° do Decreto Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto Lei n° 177/01, de 04 de Junho, concedendo-se para o efeito o prazo de 20 dias, sob pena de, em caso de incumprimento ser ordenada a demolição coerciva do armazém e remoção coerciva do depósito de materiais inertes, a expensas do Sr. A…, nos termos do n ° 4 do art. 106° conjugado com o art. 107° do Decreto Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n ° 177/01, de 04 de Junho.
Deste modo, ao abrigo do disposto no n ° 3 do art. 106°, dispõe o Sr. A… … de 15 dias, …, para se pronunciar por escrito sobre as intenções da Câmara Municipal. "
9. O recorrente apresentou a sua resposta nos termos de fls. 60 a 62 do processo Administrativo pasta 2 em 13 de Março de 2003, solicitando a revogação do mandado de demolição ou suspensão até total esclarecimento;
10. Nos termos da informação n.º 130/J/DMF/03 de fls. 63 a 65 do processo Administrativo pasta 2, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual para além do mais se refere:
"…consta do POP 2243/99 que o requerido foi notificado do indeferimento e arquivamento do identificado processo através do Of. N.º 2002/49093, de 06/08/2002.
… Ainda assim, relativamente ao alegado deferimento tácito, sempre diremos que, o mesmo não se verifica automaticamente por força da lei «ope legis», sendo sempre necessário o recurso a um meio processual adequado à produção daquele efeito, isto é, a Intimação Judicial para um Comportamento, aliás conforme dispõe o art. 62° do DL 445/91, de 20/11, com a redacção dada pelo DL 250/94, de 15/10. Além disso, era condição do conhecimento do pedido de intimação judicial para produção de acto administrativo de deferimento tácito o pagamento ou o depósito das taxas devidas (cfr. n.º 2 do art. 62°), o que in casu o requerido não logrou demonstrar. Todavia, no caso concreto, jamais, se poderá falar em deferimento tácito, por um lado, porque a pretensão viola desde logo, o art. 37° do Regulamento do PDM e, por outro lado, porque há um acto expresso de indeferimento da pretensão constante do processo de licenciamento 2243/99.
(...) Quanto à alegada aplicação do disposto no n.º 2 do art. 106° do DL 555/99, de 16-12, com a redacção dada pelo DL 171/01, de, 04-06, cabe-nos dizer que a construção em crise não é susceptível de ser licenciada, mesmo com a realização de trabalhos de correcção, pois, ainda assim o dito armazém não cumprirá a legislação urbanística vigente e aplicável ao caso concreto.
Relativamente aos inertes, o requerido, limitou-se a invocar, mas não provou que apresentou em 22 de Junho de 1998 um pedido para a colocação de um contentor e para a utilização do terreno para depósito de inertes, o qual ainda não obteve qualquer resposta, considerando ainda que também nesta circunstância existe um deferimento tácito. (…)
Ora, mesmo que o requerido venha a depositar naquele local os inertes desde o ano de 1998, o certo é que tal depósito estava, tal como está, sempre sujeito a licenciamento municipal, nos termos do art. 139°/89, de 28 de Abril, aliás conforme o próprio requerido reconhece e assume ao alegar que apresentou nesta Câmara Municipal pedido para tal finalidade. Contudo, o requerido não demonstrou e existência desse licenciamento.
Uma vez que, o depósito de inertes não se encontra licenciado, foi iniciado procedimento tendente à remoção dos mesmos inertes, sendo que tal procedimento não está ferido de qualquer vício ou nulidade. Quanto aos problemas laborais provocados pela ordem de demolição do armazém e pela ordem de remoção dos inertes são matérias do foro estritamente privado.
Perante o exposto, não se considera existir matéria susceptível de colocar em causa o projecto de decisão notificado ao requerido, pelo que, não se justifica qualquer revogação ou alteração do mesmo. Termos em que se propõe:
1. Notificar quer o mandatário do requerido, quer o requerido que o alegado na fase processual correspondente à audiência de interessados não justifica qualquer alteração ou revogação do projecto de decisão notificado.
2. Deverá ainda, ao abrigo do n.° 1 do art. 106° do Decreto-Lei n. ° 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto Lei n.º 177/01, de 4 de Junho, ser proferida ordem de demolição de um armazém com a área aproximada de 300 m2. construído no lugar do juncal, em S. Félix da Marinha, sem que para o efeito possuísse o necessário licenciamento municipal, violando o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 1° do DL 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo DL 250/94, de 15 de Outubro, sendo que, o respectivo processo de licenciamento (POP 2243/99) foi indeferido por despacho de 22/11/2000, assim como, deverá ser ordenada a remoção de todos os materiais inertes depositados no restante terreno, sem autorização administrativa em violação do disposto na al. g) do n.º 3 do art. 4° do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho, concedendo-se para o efeito o prazo de 20 dias sob pena de, em caso de incumprimento ser ordenada a demolição coerciva do armazém e remoção coerciva do depósito de materiais inertes, a suas expensas, nos termos do n.° 4 do art. 106° conjugado com o art. 107° do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL 177/01, de 4 de Junho.
3. Deverá ser notificado quer o requerido, quer o seu mandatário do despacho que merecer a presente informação.”
11. Após pareceres de concordância com o teor da referida informação sobre a mesma recaiu despacho em 04.04.2003 do Vereador do pelouro da Fiscalização (com competência delegada do Presidente da Câmara Municipal pelo Despacho n.º 24/03, de 25.03), com o seguinte teor “Concordo” - ACTO RECORRIDO - cf. fls. 63 do processo Administrativo, pasta 2;
12. Foi o recorrente notificado por via de mandado de notificação pessoal do teor do despacho datado de 04.04.2003 e respectiva fundamentação em 1 de Julho de 2003 (cf. fls. 79 e 79 v.º do processo Administrativo, pasta 2);
13. Dá-se aqui por reproduzido o teor da certidão constante dos autos a fls. 44 a 46 do Despacho n.º 24/03 de 25 de Março de 2003 do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia - despacho de delegação e subdelegação de competências, nomeadamente no que concerne ao autor do acto recorrido;
14. O presente recurso contencioso deu entrada neste tribunal em 28.08.2003.
3. O âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684/3 CPCivil), abrange, apenas, a parte da sentença em que aprecia da existência de vício de incompetência, imputado ao acto contenciosamente impugnado, concluindo, como sucedeu com os restantes, que tal vício não ocorreu.
Para assim decidir, considerou a sentença:
Do vício de incompetência para a prática do acto
O vício de incompetência «consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da Administração.» Cf. Prof. Freitas do Amaral, D. Administrativo, III, 1989, p. 298 e segs.
A competência é «o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas», entendendo-se por atribuições, «… os fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas colectivas públicas de prosseguir».
Em regra, as atribuições referem-se à pessoa colectiva em si mesma, enquanto a competência se reporta aos órgãos.
Assim, quer as "atribuições", quer a "competência" das pessoas colectivas públicas são sempre definidas na lei (artº 29°, n.º 1 do CPA) e limitam-se reciprocamente umas às outras: «nenhum órgão administrativo pode prosseguir atribuições de pessoa colectiva a que pertence por meio de competências que não sejam as suas, nem tão pouco pode exercer a sua competência fora das atribuições da pessoa colectiva em que se integra».
Isto é particularmente nítido na administração local autárquica e, em especial, no Município. Aqui, os órgãos têm competências diferentes mas prosseguem todas as mesmas atribuições, as atribuições do Município.
Portanto, relativamente aos órgãos autárquicos, não se colocam, em regra, questões de incompetência por falta de atribuições, caso em que o acto seria nulo, mas sim, questões de incompetência, por o acto ter sido praticado dentro da competência de outro órgão autárquico, caso em que a sanção é a anulabilidade.
Compete ao presidente da Câmara Municipal entre outras competências, «Embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções e edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, das áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes», nos termos do art. 68°, n° 2, alínea m) da Lei 166/99 de 18-09 (sendo que a redacção se manteve com as alterações introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002 de 11-01) em vigor à data do despacho administrativo recorrido e respectivo procedimento.
Ora, o acto de demolição de armazém e remoção de inertes imposto ao recorrente, objecto do presente recurso contencioso, foi praticado pelo Vereador da fiscalização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia – B…, em 04-04-2003, com invocação de delegação de competências.
Logo, não foi praticado pelo órgão municipal originariamente competente, que é, como vimos, o presidente da Câmara Municipal.
Resta saber se terá sido praticado ao abrigo de uma delegação de poderes, como dele consta.
É verdade que a lei permite, em regra, que a competência atribuída a certo órgão possa ser, em parte, delegada noutro órgão.
Nos termos do n° 1 do art. 35° do CPA, "órgãos os administrativos competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que o outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria".
Como a competência não se presume, é necessário que uma lei preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro (lei de habilitação).
Isso mesmo é imposto pela nossa Lei Fundamental, ao dispor que «nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou do poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição». (artº 114°, nº 2 da CR).
Além da lei de habilitação, são, obviamente, ainda requisitos da delegação de poderes a existência de um delegante e de um delegado e de um acto de delegação.
Passando agora à situação dos autos, refira-se que a LAL, em vigor à data dos actos administrativos recorridos, permitia que o Presidente da Câmara Municipal delegasse ou subdelegasse o exercício da sua competência própria ou delegada num dos Vereadores, à sua escolha, nomeadamente (cf. art. 69°, n° 2 da Lei n.º 5-A/2002).
Ora, sob pena de invalidade, os actos praticados pelo delegado ou pelo subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação, devem obediência estrita aos requisitos de validade fixados na lei, dependendo ainda a sua validade da existência, validade e eficácia do acto de (sub) delegação, ficando irremediavelmente inquinados pelo vício de incompetência se a (sub) delegação ao abrigo da qual forem praticados for inexistente, inválida ou ineficaz.
Para que o acto de delegação seja válido e eficaz, deve o órgão delegante especificar os poderes que são delegados, quais os actos que o delegado pode praticar e deve tal acto ser publicado no Diário da República ou, tratando-se da administração local, no boletim da autarquia e afixado nos lugares de estilo quando tal boletim não exista (artº 37°, nº l e 2 do CPA).
De todo o exposto resulta carecer de razão o recorrente pois conforme resulta da certidão do Despacho n.º 24/03 de 25 de Março de 2003 do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia despacho de delegação e subdelegação de competências, junta aos autos e respectiva certificação da sua afixação por meio de editais no átrio dos paços do Concelho, ou seja, aquando da prática do acto recorrido o seu autor tinha competência para a prática do mesmo aferida pelo referido despacho de delegação de competência.
Aliás, o próprio recorrente não assaca falta de competência para a prática do acto recorrido, mas sim para o procedimento que o antecede, por o despacho de delegação de competências ser posterior ao início do procedimento em causa e que culminou com o acto recorrido, ora é a própria lei que refere que a competência é para "ordenar a demolição", sendo que não se faz qualquer referência expressa que a competência delegada tenha que ser aferida ao despoletar do procedimento.
Improcede pois o invocado vício de incompetência suscitado pelo recorrente, reconduzido à sua vertente (conforme por si alegado) de inexistência de competência delegada no vereador durante o procedimento.
Alega o recorrente que tal apreciação não foi feita «com a latitude e de acordo com os fundamentos», que invocou, na petição e na alegação do recurso contencioso. Pelo que – segundo o mesmo recorrente – a sentença teria incorrido em omissão de pronúncia, nos termos do art. 668, nº 1, al. d), do CPCivil. E, para o caso de assim se não entender, alega também que a mesma sentença julgou erradamente, ao decidir pela inexistência daquele mesmo vício de incompetência.
Começaremos por conhecer desta alegada nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, pois que a eventual procedência de tal arguição prejudicará o conhecimento da restante matéria da alegação.
A sentença deve identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre apreciar (art. 659, nº 1 CPC), devendo o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 660, nº 2 CPC).
E o já referido art. 668, nº 1 do mesmo CPCivil, onde estão taxativamente indicadas as causas de nulidade da sentença, prescreve que esta é nula «d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …».
Esta causa de nulidade da sentença constitui, pois, cominação pelo desrespeito do comando contido naquele nº 2 do art. 660 e só ocorre – como tem afirmado, reiteradamente, a jurisprudência Vd., p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.2.07 (BMJ, 464, 464) e de 24.2.99 (BMJ, 484, 371)., em conformidade, aliás, com a doutrina Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. 5, Coimbra Ed. 1984, 143. – quando a sentença deixe de conhecer de questão que deva decidir e não já quando deixe de apreciar algum dos argumentos ou raciocínios expostos na defesa das teses em confronto.
No caso sujeito, como se viu, a sentença apreciou a questão ora em causa, suscitada pelo recorrente, da alegada falta de competência do recorrido Vereador para a prática do acto contenciosamente impugnado, tendo-se pronunciado no sentido de que existia tal competência, por virtude da prática, por banda da entidade originariamente competente – o Presidente da Câmara Municipal –, de acto, válido e eficaz, de delegação dessa mesma competência naquele Vereador, nos termos do art. 69 Artigo 69º (Distribuição de funções):
1 - O presidente da câmara é coadjuvado pelos vereadores no exercício da sua competência e no da própria câmara, podendo incumbi-los de tarefas específicas.
2 - O presidente da Câmara pode delegar ou subdelegar nos vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada.
3 - …, da Lei das Autárquicas Locais, (Lei 169/99, de 18.9)
Assim, a alegação do recorrente mostra-se de todo infundada, desde logo, na parte que respeita à arguição de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Resta apreciar da consistência dessa alegação, ao pretender que a sentença julgou erradamente, por ter decidido que não ocorreu a invocada falta de competência do referido Vereador.
Neste sentido, o recorrente persiste em defender que a existência de tal vício decorre de (i) a delegação de competência no autor do acto impugnado ter ocorrido depois de iniciado o procedimento administrativo que culminou com a prática desse acto, (ii) respeitar, apenas, a competências de fiscalização administrativa e não já de tutela da legalidade urbanística e por fim, (iii) de o delegante Presidente da Câmara carecer de habilitação legal para delegar em Vereador a respectiva competência para emitir ordens como a contida no despacho impugnado, respeitantes a essa tutela da legalidade urbanística.
Mas, não lhe assiste razão.
O que respeita, de logo, ao âmbito da operada delegação de competências, consta, expressamente, do despacho (nº 24/03) do Presidente da Câmara, de 25.3.03, que este delegou no Vereador recorrido não só competências de «Fiscalização» (nº 1) como também «2.4. A competência para embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas …» – cf. doc. de fls. 44/45, dos autos. Pelo que não restam dúvidas de que a tal delegação abrangia a competência para a prática do acto contenciosamente impugnado.
Contra esta conclusão, o recorrente invoca o regime jurídico da urbanização e da edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16.12 (alterado pelo DL 177/01, de 4.6), para defender, como se referiu, que só seria delegável a competência, legalmente atribuída ao presidente da câmara, de fiscalização de operações urbanísticas (art. 93 e 94), e não já a relativa a medidas de tutela da legalidade urbanística, tais como o «embargo» (art. 102) e a «demolição da obra e reposição do terreno» (art. 106), decididas no despacho impugnado. E acrescenta que, a ser legalmente possível, esta última competência do presidente só poderia ser delegada no existente vereador da gestão urbanística e não no recorrido vereador da fiscalização.
Mas, não colhe essa invocação do RJUE.
A indicada norma da Lei das Autarquias Locais (art. 69/2), que permite ao presidente da Câmara a delegação das respectivas competências em termos amplos e sem as limitações pretendidas pelo recorrente, em nada foi contrariada por qualquer das disposições do invocado RJUE.
De resto, a análise desse diploma legal, designadamente na parte referida pelo recorrente, logo permite verificar que, diversamente do que este defende, as «medidas de tutela da legalidade urbanística», referidas nos arts 102 e seguintes, não respeitam a uma distinta e indelegável competência do presidente da câmara, face à que lhe é cometida, nos arts 93 e 94 daquele mesmo diploma legal, para a fiscalização administrativa de quaisquer operações urbanísticas Na definição do art. 2, do RJUE, são «j) Operações urbanísticas: as operações materiais de urbanização, de edificação ou de utilização do solo e das edificações nele implantadas para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água.»
Com efeito, aquelas medidas vêm especificadas numa das subsecções
(III) da Secção V (Fiscalização), iniciada com «Disposições gerais»
(Subsecção I), que são, desde logo, os invocados arts 93 Artigo 93º (Âmbito)
1 - A realização de quaisquer operações urbanísticas estão sujeita a fiscalização administrativa, independentemente da sua sujeição a prévio licenciamento ou autorização.
2 - A fiscalização administrativa destina-se a assegurar a conformidade daquelas operações com disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas.
e 94 Artigo 94º (Competência):
1 – Sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, a fiscalização prevista no artigo anterior compete ao presidente da câmara municipal, com a faculdade de delegação em qualquer dos vereadores.
2 - …
Pelo que também à luz do RJUE nenhuma razão há para afastar da possibilidade de delegação, prevista neste último preceito (nº 2), a competência do presidente da câmara para aquelas medidas de tutela da legalidade urbanística, que são, afinal, manifestações concretas da «fiscalização administrativa» prevista, em termos gerais, no anterior art. 93 do mesmo RJUE Neste sentido, veja-se Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Liv. Almedina, 2009, 531. .
Por fim, e como também refere a sentença recorrida, a competência do recorrido para a prática do acto impugnado radica no referido despacho (nº 24/03) de delegação de competências, não sendo prejudicada por eventuais ilegalidades do procedimento administrativo, que culminou com aquele acto.
4. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sendo a taxa de justiça e procuradoria, respectivamente, de € 400,00 e € 200,00.
Lisboa, 18 de Março de 2010. - Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Manuel da Silva Santos Botelho.