Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01098/16.5BELRS
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
CULPA DO SERVIÇO
Sumário:I - O direito aos juros indemnizatórios, desde que verificados os respectivos pressupostos, deve ser reconhecido pela AT ao sujeito passivo, independentemente do pedido por ele formulado nesse sentido (cfr. art. 100.º da LGT e art. 61.º, n.º 2, do CPPT).
II - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P28678
Nº do Documento:SA22021120901098/16
Data de Entrada:09/06/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A............ (PORTUGAL), S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública visando a revogação da sentença de 03-04-2021, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico deduzido por Banco A………… (Portugal), S. A., com os demais sinais nos autos, anulando-a na parte em que denegou que fossem devidos juros indemnizatórios à então Impugnante, desde o termo do prazo de decisão da reclamação graciosa, sobre as quantias a restituir e até que o fossem, correspondentes à parte em que simultaneamente anulou a autoliquidação desta, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do seu exercício de 2010.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pelo aqui Recorrido, com vista à anulação da decisão de indeferimento parcial proferida no recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa sobre a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2011 2510273297, relativa ao exercício de 2010.
B) Atenta a matéria de facto dada como provada e a motivação de direito invocada na douta sentença, não pode a Fazenda Pública deixar de manifestar clara discordância com o decidido, por discordar da aplicação do direito vertida na sentença.
C) A Recorrente não discorda da matéria de facto dada como provada, mas sim da interpretação que na mesma foi feita do direito aplicável.
D) Como bem ressalta dos autos, existiu na presente relação material controvertida um erro sobre os pressupostos de direito.
E) Todavia, sempre terá de se apurar se tal erro sobre os pressupostos de direito, ou se a errada consideração no apuramento do imposto a pagar pode ou não ser imputável aos serviços da Recorrente.
F) Ora, na verdade, a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído o imposto pago em excesso, por se ter entendido que a aplicação retroativa do disposto no art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, violava o disposto no art. 103.º, n.º 3 da CRP – princípio da proibição da retroatividade fiscal.
G) Contudo, o pagamento da dívida tributária feito em montante superior ao legalmente devido estribou-se na liquidação efetuada pelo próprio sujeito passivo, à luz da alínea a) do art.º 89.º do CIRC, e não em liquidação efetuada pelos serviços – alínea b) da mesma disposição legal.
H) E, não se observa que o contribuinte tenha preenchido a sua declaração periódica de rendimentos (modelo 22) segundo orientações genéricas da Administração Fiscal, devidamente publicadas, que o levassem a aplicar a taxa agravada a todos os gastos e encargos com as remunerações variáveis.
I) Não resulta da matéria de facto dada como provada que a autoliquidação sindicada tenha resultado do facto de o Recorrido ter seguido quaisquer orientações genéricas da AT, devidamente publicadas, nos termos do disposto naquele art. 43.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
J) Temos, assim, de concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao Requerido, não pode ser assacado à Administração fiscal qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
K) Não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido ao Recorrido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.º, da LGT.
L) Por todo o exposto, entendemos que a Administração Tributária fez uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo a decisão sub judice de qualquer ilegalidade, devendo, em consequência, considerar-se, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu anular a decisão de recurso hierárquico na parte em que denegou fossem devidos juros indemnizatórios à Impugnante desde o termo do prazo de decisão da reclamação graciosa, sobre as quantias a restituir e até que o fossem, correspondentes à parte em que simultaneamente anulou a autoliquidação desta, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do seu exercício de 2010.
M) E, conforme é mencionado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.º 06235/12, de 15 de Janeiro de 2013, «O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer erro ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida».
N) Assim, a sentença recorrida, ao decidir conforme decidiu, padece de erro de julgamento, violando o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, razão pela qual deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não condene a AT no pagamento dos referidos juros indemnizatórios.
III. Pedido: Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que não condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no seguinte parecer:

I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou parcialmente procedente a ação e condenou a Fazenda Pública em juros indemnizatórios.
Invoca a Recorrente que a sentença recorrida fez uma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis, com a consequente violação do disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT.
Para o efeito alega que «…a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído o imposto pago em excesso, por se ter considerado que a aplicação retroativa do disposto no art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, violava o disposto no art. 103.º, n.º 3 da CRP – princípio da proibição da retroatividade fiscal. Contudo, o pagamento da dívida tributária feito em montante superior ao legalmente devido estribou-se na liquidação efetuada pelo próprio sujeito passivo, à luz da alínea a) do art.º 89.º do CIRC, e não em liquidação efetuada pelos serviços – alínea b) da mesma disposição legal. Temos, assim, de concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao Requerido, não pode ser assacado à Administração fiscal qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
E termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue a ação improcedente nesta parte.
2. Na sentença recorrida o tribunal “a quo” fundamentou a fixação de juros indemnizatórios nos seguintes termos:
«Mas, inversamente, ocorre a partir do momento em que, reunindo a Administração Tributária todos os elementos necessários que lhe permitiam ver e descrever o erro da Impugnante e decidir em conformidade, ou seja, desde que esteve na posse desses elementos e em condições de decidir pela anulação da tributação autónoma – como depois efetivamente fez –, mas que todavia manteve ao indeferir a reclamação graciosa. Aqui, inversamente, dizíamos, a solução é a oposta. Com efeito, a partir de então a manutenção do erro na autoliquidação torna-o imputável à Administração Tributária que o manteve, justamente porque apesar de ter acedido ao conhecimento do erro se permitiu decidir não o reparar, cfr. neste sentido Ac. TCAS de 16I2014, tirado no processo nº 05306/12, in www.dgsi.pt».
Mais se conclui: «É assim, nestes termos que cabe à Impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias entregues a título das tributações autónomas anuladas administrativamente, desde o termo do prazo de decisão da reclamação graciosa, ou seja, desde 30 de setembro de 2013, nos termos do art.57º nº 1 da Lei Geral Tributária na redação coeva, visto o prazo de 4 meses aí assinalado àquele procedimento e até que lhe haja sido emitida a nota de restituição de tal montante».
II. QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO.
A Recorrente insurge-se contra a condenação da AT em juros indemnizatórios, por no seu entendimento ter sido o contribuinte que deu causa à liquidação, por «o pagamento da dívida tributária feito em montante superior ao legalmente devido estribou-se na liquidação efetuada pelo próprio sujeito passivo, à luz da alínea a) do art.º 89.º do CIRC, e não em liquidação efetuada pelos serviços – alínea b) da mesma disposição legal».
Decorre da sentença recorrida que o tribunal “a quo” assentou a sua decisão no facto de o contribuinte ter apresentado reclamação graciosa e esta ter sido indeferida pela Administração Tributária (indeferimento que depois foi corrigido em sede de recurso hierárquico, com o deferimento parcial do pedido).
A questão que se coloca consiste em saber se reconhecendo em sede de procedimento de recurso hierárquico a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação, a Administração Tributária é responsável pelo não reconhecimento dessa ilegalidade em sede de reclamação graciosa, de modo a originar a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte desde o termo do prazo da decisão nesse procedimento gracioso.
Ora, afigura-se-nos que a sentença recorrida não merece censura, uma vez que, conforme tem sido entendimento sufragado na jurisprudência deste tribunal, pese embora o erro da autoliquidação seja imputável ao contribuinte, esse erro passa a ser imputável à Administração Tributária a partir do momento em que, tendo na sua posse os elementos necessários, deveria ter proferido decisão a corrigir o erro e mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto (Neste sentido o acórdão do STA de 28/10/2009, proc. 0601/09, e, mais recentemente, o acórdão do STA de 03/05/2018, proc. 0250/17; Neste sentido igualmente Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, vol I, pág. 537).
No caso concreto dos autos a Administração Tributária não reconheceu em sede de reclamação graciosa a ilegalidade da aplicação retroativa do disposto no art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, situação que só veio a reconhecer em sede de recurso hierárquico, pelo que a manutenção desse erro é-lhe imputável a partir daquele momento, o que constitui fundamento bastante para a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Impugnante, Banco A………… (Portugal), S. A., sujeita ao regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, nomeadamente no ano de 2010, apresentou à Administração Tributária declaração de rendimentos para efeitos de tributação em sede daquele tributo e exercício, sob o oficial modelo 22, a 30 de maio de 2011, que substituiria por outra naquele mesmo modelo, a 30 de maio de 2012, onde além do mais autoliquidou, a título de tributações autónomas, a quantia de €716.198,25, integrando-se aqui a tributação autónoma excecional, para o sector financeiro em que se integra, de prémios ou remunerações variáveis pagas a administradores, no montante de €574.492,35 – tributação autónoma esta introduzida pelo art.90º da Lei 3-B/2010 de 28 de abril, vertida no art.88º nº 13 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – em razão dos montantes postos à disposição de quatro administradores seus, no montante global de €1.148.984,70 [tributação à taxa de 50%, conforme aquela norma].
2. Posteriormente, tendo-se dado conta de que parte daqueles prémios/remunerações variáveis haviam sido apurados e pagos ainda antes da entrada em vigor daquela Lei, concluiu que a sua autoliquidação e consequente tributação, àquele título, padecia de um erro, na medida de €291.001,54, por não ser então ainda devida aquela tributação, em parte.
3. Assim, a Impugnante reclamou graciosamente da sua autoliquidação, nessa parte, em 30 de maio de 2013 [RG nº3247201304004868].
4. Para tanto e em suma apelou para o facto de as remunerações variáveis/prémios em causa tanto haverem sido apurados como pagos antes da entrada em vigor daquela Lei 3-B/2010 de 28 de abril, não podendo por isso ser objeto de tal norma superveniente aos factos, porque embora integrados no cômputo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas respeitavam a factos destacáveis no seu significado e consequência justributária, por isso objeto de tributação autonomizada, invocando diversa jurisprudência do Tribunal Constitucional nesse sentido.
5. Pedia assim a anulação dessa parte da tributação e, com a restituição da correspondente quantia oportunamente paga em sua observância, os correspondentes juros indemnizatórios sobre ela.
6. Tal procedimento viria a ter no seu termo decisão de indeferimento, de 11 de outubro de 2013, com fundamento em que se se encontra vedado à Administração formular juízos de constitucionalidade das normas que se acha vinculada a observar e fazer cumprir, era igualmente improcedente a arguida retroatividade da norma de tributação (apesar de simultaneamente se considerar ser autónomo o facto gerador da tributação em causa).
7. Notificada a 7 de outubro de 2013 de tal decisão, no dia 14 de novembro seguinte recorreu a Impugnante dela hierarquicamente [RH nº3247201310001111], pondo de novo o tónus na inconstitucionalidade, reiterando a sua pretensão e aditando-lhe, para revogação da decisão da reclamação graciosa, motivos a esta atinentes, imputando-lhe falta de fundamentação – para além de invocar decisão administrativa inversa, em caso semelhante.
8. No termo deste novo procedimento viria a ser proferida decisão, a 26 de outubro de 2015, que deferiu a pretendida anulação da tributação autónoma em xeque, com consequente restituição do imposto correspondentemente pago, com fundamento em que se à Administração não cabia aferir da constitucionalidade da norma, todavia do mesmo passo considerava que relativamente àquelas quantias apuradas e pagas antes da entrada em vigor da norma de tributação (constando contabilizadas no exercício de 2009), pagas antes de 29 de abril de 2010 (data da entrada em vigor da norma de tributação), a sua tributação com base em norma superveniente constituía autêntica operatividade retroativa da lei, dado que o facto objeto de tributação fora instantâneo e anterior, capaz apenas de gerar obrigação única, portanto anterior àquela Lei – contrariamente às demais quantias análogas, pagas já em 2011 com génese ainda no decurso de 2010.
9. Já quanto aos juros indemnizatórios sobre a importância a restituir, que fora paga a título daquela tributação autónoma, a mesma decisão não os reconheceu como devidos, porquanto o erro havido não podia ser assacado à Administração Tributária – autoliquidação sem intervenção sua –, provindo antes de atuação da própria Impugnante, sem que atuasse subordinada a alguma orientação genérica sua.
10. De tanto notificada a 19 de novembro de 2015, no dia 18 de fevereiro de 2016 apresentou a Impugnante a petição na origem dos presentes autos.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico e condenou a Fazenda Pública em juros indemnizatórios, padece de erro de julgamento, por não se verificar, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não devendo, como tal, ser reconhecido ao Recorrido o direito a juros indemnizatórios desde o termo do prazo da decisão da reclamação graciosa.
Vejamos.
Como brota cristalino da leitura da sentença, o julgador ancorou-se no facto de o contribuinte ter apresentado reclamação graciosa e esta ter sido indeferida pela Administração Tributária (indeferimento que depois foi corrigido em sede de recurso hierárquico, com o deferimento parcial do pedido).
Para tanto, adoptou o seguinte discurso fundamentador para justificar a fixação de juros indemnizatórios:
«Mas, inversamente, ocorre a partir do momento em que, reunindo a Administração Tributária todos os elementos necessários que lhe permitiam ver e descrever o erro da Impugnante e decidir em conformidade, ou seja, desde que esteve na posse desses elementos e em condições de decidir pela anulação da tributação autónoma – como depois efetivamente fez –, mas que todavia manteve ao indeferir a reclamação graciosa. Aqui, inversamente, dizíamos, a solução é a oposta. Com efeito, a partir de então a manutenção do erro na autoliquidação torna-o imputável à Administração Tributária que o manteve, justamente porque apesar de ter acedido ao conhecimento do erro se permitiu decidir não o reparar, cfr. neste sentido Ac. TCAS de 16I2014, tirado no processo nº 05306/12, in www.dgsi.pt».
E ainda aditou que: «É assim, nestes termos que cabe à Impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias entregues a título das tributações autónomas anuladas administrativamente, desde o termo do prazo de decisão da reclamação graciosa, ou seja, desde 30 de setembro de 2013, nos termos do art.57º nº 1 da Lei Geral Tributária na redação coeva, visto o prazo de 4 meses aí assinalado àquele procedimento e até que lhe haja sido emitida a nota de restituição de tal montante».
Flui do quadro conclusivo que a Recorrente se rebela contra a condenação da AT em juros indemnizatórios por a sentença recorrida ter feito uma desacertada interpretação dos preceitos legais aplicáveis, com a deducional violação do disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT, na consideração de que, em substância, ter sido o contribuinte que motivou a liquidação, em virtude de «o pagamento da dívida tributária feito em montante superior ao legalmente devido estribou-se na liquidação efetuada pelo próprio sujeito passivo, à luz da alínea a) do art.º 89.º do CIRC, e não em liquidação efetuada pelos serviços – alínea b) da mesma disposição legal».
É que, sustenta ainda, «…a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído o imposto pago em excesso, por se ter considerado que a aplicação retroativa do disposto no art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, violava o disposto no art. 103.º, n.º 3 da CRP – princípio da proibição da retroatividade fiscal. Contudo, o pagamento da dívida tributária feito em montante superior ao legalmente devido estribou-se na liquidação efetuada pelo próprio sujeito passivo, à luz da alínea a) do art.º 89.º do CIRC, e não em liquidação efetuada pelos serviços – alínea b) da mesma disposição legal. Temos, assim, de concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao Requerido, não pode ser assacado à Administração fiscal qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Daí que culmine formulando o pedido de revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue a ação improcedente nesta parte.
O Magistrado do Ministério Público no seu douto Parecer supra transcrito sustenta que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso, por razões que plenamente se acolhem.
Quid juris?
A questão decidenda é, notoriamente, a de determinar se, tendo a AT reconhecido, em sede de procedimento de recurso hierárquico, a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação, a mesma é responsável pelo não reconhecimento dessa ilegalidade em sede de reclamação graciosa, em termos de originar a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte desde o termo do prazo da decisão nesse procedimento gracioso.
Sobre esta problemática, está pacificado na jurisprudência deste STA, plasmada, e por todos entre muitos, nos acórdãos de 28/10/2009, proc. 0601/09 e 03/05/2018, proc. 0250/17, ambos publicados na base www.dgsi.pt, o entendimento de que, não obstante o erro da autoliquidação seja imputável ao contribuinte, esse erro passa a ser imputável à Administração Tributária a partir do momento em que, tendo na sua posse os elementos necessários, deveria ter proferido decisão a corrigir o erro e mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto.
Daí que por razões de simplicidade, economia e uniformidade (cfr. artº 8º, nº 3 do CC), com a devida vénia, remetamos, de modo adaptativo, para a fundamentação do último dos citados arestos:
Na verdade, enquanto nos processos administrativo e civil, o autor não verá o seu direito a juros reconhecido a menos que os tenha pedido, no processo tributário, sendo julgado procedente o pedido de anulação da liquidação com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da AT, caso tenha havido pagamento do tributo, o direito a juros indemnizatórios, previsto no art. 43.º do LGT, não fica dependente de pedido formulado na impugnação judicial, devendo ser reconhecido oficiosamente pela AT, como resulta inequivocamente do disposto no art. 100.º da LGT, que dispõe: «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei» (sublinhado nosso).
Ou seja, em caso de procedência da impugnação judicial, a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso. A anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, obrigando a AT, não só à restituição do montante pago, como ao pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido (cfr., para além do já ditado art. 100.º da LGT, o art. 61.º, n.º 2, do CPPT, disposição legal que dispões: «Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar»).
(…)
Cumpre agora apreciar o segundo segmento do recurso, ou seja, se, como sustenta a Recorrente, não é devido o pagamento de juros indemnizatórios e que a sentença fez errado julgamento quando condenou a AT ao pagamento desses juros ao Impugnante.
Alega a Recorrente que não houve erro algum imputável aos serviços que possa justificar a condenação ao abrigo do art. 43.º da LGT, uma vez que foi o Contribuinte que, por desconhecimento que o próprio admitiu, não declarou os factos dos quais decorria que beneficiava de isenção da sisa, motivo por que a AT não podia ter agido de outro modo, sendo que a «a liquidação de Sisa não consubstancia um erro imputável os serviços, não enfermando em si mesma de qualquer erro ou ilegalidade face às normas fiscais substantivas vigentes e subjacentes ao acto de liquidação». Por isso, sustenta que a sentença deve «ser revogada e substituída por outra que não condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios».
Subsidiariamente, quanto ao prazo de contagem dos juros, a Recorrente alega que houve erro de julgamento, uma vez que a sentença os considerou «devidos desde a data em que a Impugnada teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção supra referida (18.07.2000)», quando os mesmos «são contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito», nos termos do n.º 5 do art. 61.º do CPPT.
O Recorrido sustenta que deve manter-se a condenação em juros indemnizatórios nos termos em que foi proferida, que são devidos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT; subsidiariamente, alega que deve manter-se essa condenação, sendo o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios a data em que decorreu um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa; ainda subsidiariamente, entende que, se não forem devidos juros indemnizatórios, a quantia paga deve ser devolvida devidamente actualizada, de acordo com os índices de actualização da moeda.
A nosso ver, andou bem a sentença recorrida ao julgar serem devidos os peticionados juros indemnizatórios. Vejamos:
No caso são se questiona a anulação da liquidação com fundamento numa ilegalidade substantiva inerente à relação jurídica tributária, mas apenas a exigência dos juros indemnizatórios.
Podemos dar como assente que à data em que foi efectuada a liquidação a AT não podia saber que o Contribuinte reunia as condições para beneficiar da isenção prevista no Decreto-Lei n.º 540/76, uma vez que aquele não lhe tinha dado a conhecer a factualidade pertinente para o efeito, designadamente que era emigrante, que era titular de uma conta poupança-emigrante e que mobilizara fundos dessa conta para a aquisição do imóvel em causa. Da factualidade dada como assente na sentença recorrida resulta também assente que, em 18 de Julho de 2000 – 5 dias após o pagamento da sisa liquidada –, o Contribuinte fez dar entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 1 uma exposição em que, dando conta da factualidade pertinente e dela apresentado prova, solicitou a restituição da quantia paga a título de sisa. Essa exposição foi autuada como reclamação graciosa e a respectiva decisão, de indeferimento, apenas foi notificada ao Contribuinte em 5 de Janeiro de 2005.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por sua vez, nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
No caso, se é certo que a liquidação foi anulada judicialmente por erro quanto aos pressupostos de facto, não pode falar-se em erro imputável aos serviços aquando da prática daquele acto. Na verdade, o erro é imputável ao Contribuinte, que na declaração não deu conhecimento da sua situação de emigrante e de que iria mobilizar na aquisição do imóvel fundos de uma conta poupança-emigrante.
No entanto, se a condenação em juros indemnizatórios não pode encontrar apoio no n.º 1 do art. 43.º, já o encontra no n.º 3, alínea c), da LGT. Aliás, a sentença fundamentou a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos n.ºs 1 e 3 do referido art. 43.º da LGT.
Na verdade, a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cfr. art. 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
No caso, a ilicitude que determina o dever de indemnizar não reside no erro dos serviços aquando da liquidação, mas na demora na decisão da reclamação graciosa. Vejamos:
O art. 43.º, n.º 3, alínea c), do CPPT consagra a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT. Esse regime, como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «embora previsto especificamente para a revisão do acto tributário, deve aplicar-se também aos casos em que há erro imputável ao contribuinte e foi apresentada reclamação graciosa» (JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág. 65.).
Ora, como também diz JORGE LOPES DE SOUSA, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». À prática de acto expresso, continua o mesmo autor, «deverá ser equiparado para esse efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art. 57., n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido» (Ob. cit., pág. 52.
Vide também o mesmo Autor, no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 6 a2) ao art. 61.º, pág. 537.).
Ou seja, o indeferimento tácito da reclamação graciosa do acto de liquidação (a reclamação graciosa deveria ter sido decidida em seis meses, como prescrevia o n.º 1 do art. 57.º da LGT, na redacção em vigor à data e, não o tendo sido dentro desse prazo, presume-se o seu indeferimento, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo) determinou a alteração da imputabilidade do erro, não relevando, assim, a argumentação da recorrente no sentido da não aplicação do disposto no art. 43.º da LGT. Os juros seriam devidos desde essa data.
Não há dúvida, pois, de que são devidos juros indemnizatórios.”
Assim também no caso em apreço em que a AT não reconheceu em sede de reclamação graciosa a ilegalidade da aplicação retroactiva do disposto no art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3- B/2010, de 28 de Abril, situação que só veio a reconhecer em sede de recurso hierárquico, pelo que a manutenção desse erro é-lhe imputável a partir daquele momento, o que constitui fundamento bastante para a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios.
Destarte e em consonância com a sentença que é igualmente sufragada pelo Ministério Público, também apreendemos que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, devendo por isso ser confirmada com o inerente improvimento do recurso.
3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. – José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.