Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:069/14
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
III- Sendo admissível que a oposição possa cair na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, não deve ser rejeitada liminarmente a petição de oposição quando foi alegada a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
Nº Convencional:JSTA00068715
Nº do Documento:SA220140521069
Data de Entrada:01/23/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART45.
CPPTRIB99 ART36 N1 ART204 N1 E ART209 N1 B C.
CPC96 ART3 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0545/09 DE 2010/07/07.; AC STAPLENO PROC0832/08 DE 2010/01/20.; AC STAPLENO PROC0578/13 DE 2013/09/18.; AC STA PROC0766/10 DE 2011/01/12.; AC STA PROC0803/10 DE 2011/02/02.; AC STA PROC0765/10 DE 2011/02/24.; AC STA PROC0473/11 DE 2011/09/28.; AC STA PROC0212/12 DE 2012/05/16.; AC STA PROC0378/12 DE 2012/06/20.; AC STA PROC0251/12 DE 2012/09/26.; AC STA PROC0377/12 DE 2012/09/26.; AC STA PROC0509/13 DE 2014/03/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…….., melhor identificado nos autos, veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (fls. 23 e segs.) que rejeitou liminarmente a oposição ao processo de execução fiscal nº 1139201301015460 instaurado para cobrança coerciva de IVA de 2008, 2009 e 2010, no valor de €45.584,27 acrescido de juros compensatórios.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
I- A meritíssima juiz “ A quo” não fez justiça e errou não aplicando o direito adequado quando rejeitou liminarmente a oposição sem que tenha emitido pronuncia sobre todos os fundamentos da oposição e rejeitou liminarmente a oposição entendendo ter havido erro na forma de processo em errada interpretação do disposto no artigo do artigo 199º do CPC que violou.
II- O Tribunal errou entendendo que o oponente fez errado uso da oposição e defendeu a ilegalidade da liquidação por falta de fundamentação da mesma, e para tanto esta haveria de o ser na forma processual adequada como fosse impugnação judicial nos termos do artigo 99º do CPPT.
III- O oponente baseou a sua oposição na invocação do dispositivo legal do artigo 204º n.º 1 al. e) do CPPT alegando factos determinantes da “ falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade designadamente nos factos alegados em 13, 20 e de 23 a 30, terminando com o pedido exclusivo da procedência da oposição pela verificação da falta de notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade.
IV- A meritíssima juiz “ a quo” ignorou os factos alegados supra referidos que consubstanciam a nulidade cometida pela AT na notificação das liquidações dos tributos para além do prazo de caducidade , e socorrendo-se dos alegados factos conclusivos da oposição e dos que não serviram para determinar o pedido nos autos (aliás poucos), determinou em violação do supra dispositivo artigo 204º n.º 1 al.. e) do CPPT e em errada aplicação do artigo 209º n.º1 al. b) do CPPT a rejeição liminar da oposição.
V- A rejeição liminar da PI violou o artigo 234º A n.º 1 do CPC que nos precisos termos daquele dispositivo condiciona o instituto do indeferimento liminar do pedido quando este seja manifestamente improcedente.
VI- A decisão de rejeitar liminarmente a oposição é um clamoroso erro judicial inadmissível uma vez que os fundamentos que lhe dão suporte ignoram como já se disse a factualidade alegada que deu suporte ao pedido , e este é claro e preciso e legal, sendo fundamento legal de oposição expresso na Lei (artigo 204º n.º 1 al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário e por isso, devendo ser aceite a oposição, não podendo ser rejeitada por não ser manifestamente improcedente.
VII- Para o oponente não está somente em causa a ilegalidade cometida com a notificação das liquidações fora do prazo legal de caducidade, como de outras ilegalidades cometidas pela AT estejam, aliás, como ele próprio disse, impugnadas judicialmente. Está em causa isso sim, que a AT utiliza todos os meios de “ ataque” sobre o SP para que o entende serem os seus créditos e defendê-los como decorre da instauração da execução mesmo sabendo que as liquidações e as suas notificações foram judicialmente impugnadas, não sendo portanto inadequado e estando para o oponente em causa o uso da Lei na defesa dos seus direitos pelo recurso à oposição, uma vez que a Lei, repete-se, o permite, nos termos do artigo 204º n.º 1 al. e) do CPPT.
VIII- O Tribunal não apreciou os fundamentos da oposição nem submeteu adequadamente o pedido e processo ao devido saneamento no caso em que a matéria em causa já se encontre pendente noutro processo e seja motivo para determinar a suspensão da instância por existência de causa prejudicial nos termos do artigo 279º n.º 1 do CPC, que o douto despacho/sentença em recurso não aplicou.
IX- A decisão/sentença proferida violou a Lei e ainda em vertente acrescida de dupla penalização material/financeira do oponente com os custos do processo e do presente recurso, sem que a tal tivesse dado causa.
Termos em que com o douto suprimento de Vexa se requer a revogação da sentença com a subsequente aplicação do direito e da Lei devendo ser aceite a oposição.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Ministério Público emitiu o parecer de fls. 60/61, no sentido do provimento do recurso, argumentando, em síntese, que não oferece dúvidas que na petição da oposição o Recorrente invoca como fundamento a falta de notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade”, ao abrigo do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT. Sublinha ainda que, se é certo que o Recorrente invoca igualmente a nulidade das liquidações, por falta de fundamentação, tal facto não é, todavia, impeditivo de que sejam apreciados os fundamentos próprios da oposição, tal como ocorre com a falta de notificação no prazo legal de caducidade.
Conclui que não há fundamento legal bastante para o indeferimento liminar.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte relevante para a decisão do presente recurso:

«O Oponente, não obstante invocar a al. e) do art. 204º do CPPT e a violação do art. 36º nº 1 do CPPT apresenta como causa de pedir não a falta, ou irregularidade dos requisitos da notificação, afectando a sua validade, e em consequência, a ineficácia do acto tributário, mas sim, a falta de fundamentação da própria liquidação que, como se referiu, já inclusive se encontra impugnada nos autos supra referidos.
Na verdade, fundamentação da liquidação e notificação da mesma, durante ou após o prazo de caducidade, são situações distintas, uma vez que a primeira tem diz respeito à própria validade da liquidação e a segunda, apenas a eficácia da liquidação junto do contribuinte. O acto de notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário e os vícios que afectem a notificação podem determinar a ineficácia do acto notificado, mas são insusceptíveis de produzir invalidade no acto notificando, uma vez que não têm a ver que o próprio acto nem com os seus pressupostos (vide Acórdão do STA de 03/05/2000. proc. nº 22608).
Por isso, o meio próprio para atacar a liquidação com fundamento na falta de fundamentação é a impugnação judicial e não a oposição - art. 204º nº 1 al. ii) e 99º do CPPT.
Assim sendo, há que verificar se no caso sub judice estamos ou não perante uma situação de erro sobre a forma do processo e em caso afirmativo, se é possível a sua convolação. (…….)
Verifica-se pela leitura da petição inicial de Oposição que o Oponente apresenta como pedido «procedência da oposição pela verificação da falta de notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade, com as consequências legais» não obstante, a causa de pedir apresentada pelo mesmo é de que as liquidações não se encontram fundamentadas, logo, “não foram validamente notificadas, o que importa a nulidade das liquidações”.
Ora, o Oponente não pode fazer uso da Oposição para defender a ilegalidade da liquidação por falta de fundamentação da mesma, pois, como se referiu supra, não é este o meio próprio para o fazer.»

6. Do mérito do recurso:
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a oposição por entender não se verificar o fundamento de oposição invocado – artº 204º, nº 1, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

A decisão recorrida (fls. 23/25) rejeitou liminarmente a oposição, por ter entendido que, não obstante o oponente tenha invocado a al. e) do art. 204º do CPPT e a violação do art. 36º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, apresentou como causa de pedir não a falta, ou irregularidade dos requisitos da notificação, afectando a sua validade, e em consequência, a ineficácia do acto tributário, mas sim, a falta de fundamentação da própria liquidação
É contra o assim decidido que se insurge o recorrente argumentando que de forma alguma poderá considerar-se ser manifesta a improcedência da petição pois que baseou a sua oposição na invocação do dispositivo legal do artigo 204º n.º 1 al. e) do CPPT alegando factos determinantes da falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade designadamente nos factos alegados em 13, 20 e de 23 a 30, terminando com o pedido exclusivo da procedência da oposição pela verificação da falta de notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade.

Vejamos, pois, se se verifica fundamento para o despacho de indeferimento liminar.
Dispõe o artº 209º, nº 1, als. b) e c) do Código de Procedimento e Processo Tributário (rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC (Redacção então em vigor.)) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - é este o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
Por outro lado, é hoje reiterado e uniforme o entendimento da jurisprudência desta secção, que também sufragamos, no sentido de que a ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal - cf. os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 2/02/2011, no processo nº 0803/10, de 28/09/2011, no processo nº 0473/11, de 20/06/2012, no processo nº 0378/12, de 26/09/2012, no processo nº 0251/12, e do Pleno da Secção de 7/07/2010, no processo nº 0545/09, de 20/01/2010, no processo nº 0832/08 e de 18.09.2013, recurso 578/13, todos in www.dgsi.pt.

No caso apreço entendemos que a improcedência da pretensão do oponente não é tão clara e, razoavelmente indiscutível, que justifique um despacho de indeferimento liminar.

Da análise global daquela petição inicial é indubitável que o recorrente invoca, para além do mais, como fundamento da sua pretensão a falta da notificação da liquidação do tributo (IVA relativo ao exercício de 2008) no prazo de caducidade, alegando que tais liquidações foram efectuadas já depois de “haver passado o prazo legal de caducidade da liquidação daqueles tributos” (arts. 20 a 24º da petição inicial) e que, admitindo, por hipótese, que tais notificações sejam válidas, na data em que foram efectuadas (24 de Janeiro de 2013) “já há muito tempo que havia ocorrido o prazo de caducidade da liquidação nos termos do artº 45º, nº 2 e 4 primeira parte da LGT. (cf. - arts. 25º a 27º da petição inicial).
É certo que o recorrente invoca também a falta de fundamentação das liquidações e que o meio próprio para atacar a liquidação com fundamento em tal vício é a impugnação judicial e não a oposição à execução fiscal.
Porém, como vimos, foram invocados também fundamentos próprios da oposição, que integram a previsão do artº 204º, nº 1, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário e que devem ser apreciados.
Por outro lado, não obstante o facto da pretensão do recorrente ter sido deduzida de forma imperfeita e com alguma confusão quanto aos vícios que constituem causa de pedir, nomeadamente a caducidade do direito de liquidação, que contende com a legalidade da liquidação, e a falta de notificação no prazo de caducidade, que constitui fundamento próprio da oposição, é pertinente observar-se, como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, que estes vícios estão interligados, e que ao invocar-se que o acto de liquidação, seguido de notificação, foi praticado para além do prazo de caducidade, obviamente resulta que o acto de notificação, como acto consequente daquele, foi igualmente praticado para além do prazo de caducidade.
Em face do exposto haveremos de concluir que, pese embora a oposição possa, eventualmente, vir a merecer a improcedência, a mesma não é manifesta de molde a ser liminarmente indeferida, nos termos do disposto no artigo 209.º, nº 1, al. c) do CPPT.
A decisão recorrida que assim não entendeu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que procede o recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da oposição deduzida, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 21 de Maio de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.