Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0624/17.7BEBRG
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:Não se justifica admitir revista para apreciar a questão da prescrição e da contagem do respectivo prazo, bem como das circunstâncias da sua interrupção, se esta parece ter sido correctamente abordada pelo acórdão recorrido, confirmando a decisão de 1ª instância, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não se vendo que a revista seja necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo certo que tal questão não assume uma particular relevância jurídica ou social ou complexidade jurídica superior ao normal para este género de problemática.
Nº Convencional:JSTA000P32020
Nº do Documento:SA1202403140624/17
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE FAFE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA e BB, Autores nos autos, interpõem revista do acórdão do TCA Norte, de 03.11.2023, que negou provimento ao recurso que haviam interposto do saneador/sentença do TAF de Braga, de 04.10.2021, proferida na acção administrativa, de responsabilidade civil extracontratual, por aqueles intentada contra o Município de Fafe para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu, peticionando a respectiva condenação a pagar-lhes uma indemnização no montante de €4.963.215,00 com vista a ressarci-los dos danos que sofreram em consequência do embargo determinado pelo Presidente da Câmara Municipal de Fafe, das obras que estavam a realizar no prédio rústico denominado Tapada das Partilhas, que reputam de ilegal.
Fundamentam a admissibilidade da revista na relevância jurídica e social da questão em causa – a da prescrição.

Em contra-alegações o Município de Fafe defende a inadmissibilidade da revista.

Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

2. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

No presente recurso os Recorrentes questionam o início da contagem do prazo de prescrição do alegado direito de indemnização relativo a danos que sofreram com a conduta ilícita que imputam ao Réu, defendendo que tal início corresponde ao facto dado como provado em G ocorrido em 12.02.2015, ou seja, quando aquele reconheceu que o processo respeitante a construção devia ser arquivado e não tinha legitimidade para exigir qualquer licenciamento em relação ao imóvel dos Autores por este pertencer ao concelho de Felgueiras, estando registado na respectiva Conservatória, invocando ainda que o prazo de prescrição se teria interrompido em 2008.

O TAF de Braga considerando o disposto no art. 5º da Lei nº 67/2007, de 31/12, quanto à “prescrição”, nos arts. 498º, nº 1 do Código Civil (CC) e 323º, nº 1 do referido diploma, entendeu que, “No caso dos autos, como decorre factualidade provada, e conforme o próprio Autor alega, e resulta também da sentença proferida no processo n.º 1266/08.3BEBRG, «O Autor foi notificado em 22 de Fevereiro de 2008, do embargo da obra que estava a levar a cabo e bem assim, para proceder à regularização do terreno, tendo apresentado em 3 de Abril de 2008, requerimento junto do Presidente da Câmara Municipal de Fafe, o qual foi apreciado e proposto o seu indeferimento, do que foram, o Autor e os seus mandatários, notificados por ofício datado de 5 de Maio de 2008.».
Para além disso, e uma vez que o Autor detinha pleno conhecimento do direito que lhe competia, também intentara o processo n.º 17/08.7TBFLG.G1, pedindo que os particulares que apresentaram as queixas, que o próprio Autor alega terem dado origem à actuação do Réu, fossem condenados no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no âmbito do qual foram condenados definitivamente após a prolação do acórdão de 18.12.2012, apenas no pagamento de danos morais.
Por último, provou-se que o autor ainda lançara mão em 18.07.2011 do processo n.º 1241/11.9BEBRG, tendo por objecto dois despachos do Réu, de 04.04.2011, e de 11.04.2011, que exigiriam o licenciamento dos trabalhos, e por isso mesmo o Autor peticionava que o Réu fosse condenado a emitir despacho favorável, de deferimento do pedido de arquivamento do Proc. n.º 556/PC/2006 por os trabalhos realizados e que se pretendessem realizar não se encontrarem sujeitos a licenciamento perante a Recorrida e já terem sido licenciados perante as entidades competentes e de levantamento do embargo efectuado.
Ou seja, desde o momento em que o Réu praticara os actos de embargo dos trabalhos, que aplicara a sanção contra-ordenacional, e até desde que praticara os actos de 04.04.2011, que o Autor refuta a actuação do Réu, e tem exigido, por diversas vezes e formas, a sindicância judicial de tal actuação; competindo-lhe por isso ter peticionado no prazo de 3 anos, desde a prática dos supra aludidos actos, a indemnização que pretende obter com a presente acção, mesmo que, naquela data, não pudesse quantificar na totalidade a extensão dos danos.
Como tal, quando o réu foi citado, em 31.03.2017, e não se tendo interrompido o prazo de prescrição por qualquer das formas previstas no artigo 323.º do Código Civil, já o invocado direito à indemnização se encontrava há muito prescrito, mesmo que, porventura, se considerasse a data em que foi requerida a concessão de apoio judiciário, isto é, a data de 21.07.2016.”.
Termos em que, julgando procedente a excepção peremptória de prescrição, absolveu o Réu do Pedido (art. 576º, nº 3 do CPC).

Os Autores apelaram para o TCA Norte que pelo acórdão recorrido negou provimento ao recurso e confirmou a decisão de 1ª instância.
O acórdão recorrido, face à alegação perfilhada pelos Recorrentes de que a contagem do prazo prescricional deve iniciar-se em 12.02.2015 [data em que ocorrera o facto constante em G do probatório] ou que devia ter-se por interrompido o prazo da prescrição em 2008 , entendeu não ser assim, indicando abundante jurisprudência deste STA no sentido de que a contagem do prazo de prescrição que inicia a partir do momento em que o lesado teve “conhecimento do direito que lhe compete”, conhecimento este que não significa obrigatoriamente conhecer na perfeição e/ou na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar.
Concluiu que, “Isto posto e regressando ao caso dos autos, resulta absolutamente cristalino não assistir razão aos recorrentes quando pretendem que não ocorreu a prescrição do seu direito em virtude de o respectivo prazo se ter interrompido em 2008. É que, ainda que tal tivesse sucedido, isto é, ainda que os actos por eles identificados fossem aptos a interromper o prazo prescricional, sempre o prazo de prescrição há muito havia decorrido aquando da instauração da presente acção. Isto porque, o novo prazo prescricional começaria a correr ainda no ano de 2008 (pois que é nele que os recorrentes situam a prática do acto interruptivo e a presente acção foi instaurada em 24/03/2017 e o réu citado em 31/03/2017, ou seja, 9 anos depois.
Mas a verdade é que, nem a defesa apresentada no âmbito do processo contra-ordenacional, nem a pronúncia apresentada no âmbito do embargo são actos com eficácia interruptiva da prescrição: em nenhum deles é deduzido qualquer pedido indemnizatório, ou manifestada intenção de o fazer.

Na sua revista os Recorrentes questionam o decidido pelo acórdão recorrido quanto à prescrição, reafirmando o anteriormente alegado de que o termo inicial desta se deveria contar desde 12.02.2015, ou que o prazo de prescrição se interrompera em 2008, alegando que o acórdão violou o disposto nos artigos 323, 342º, 498º e 503, todos do CC; 576, nº 3 e 608º, nº 2, ambos do CPC e 5º da Lei nº 67/2007, de 31/12, sendo contraditório com o decidido no Ac. do STJ de 15.11.2001.
No entanto, a sua argumentação não é convincente.
Como se vê as instâncias decidiram a questão da prescrição de forma semelhante.
Tal questão da contagem do prazo de prescrição tal como decidida pelo acórdão recorrido (em consonância com a decisão de 1ª instância), afigura-se tê-lo sido de forma correcta e bem fundamentada, sem que se vislumbre qualquer erro ostensivo na aplicação da lei, estando de acordo com a jurisprudência deste STA, bem como com a doutrina mais avalizada e que indica. E, a tal não obsta o decidido no Ac. do STJ de 15.11.2001 (cujo sumário os Recorrentes transcrevem) já que não é certo que a doutrina dele dimanada esteja em contradição com o expendido no acórdão recorrido por as circunstâncias de factos poderem não ser semelhantes. Ao que acresce que uma eventual contradição entre essas decisões não assume relevância para efeitos de admissão da revista.
Alegam ainda os Recorrentes que o acórdão recorrido estaria ferido de nulidade por «aplicar e interpretar incorretamente a lei sobre as questões arguidas, devendo ser revogado».
No entanto, tal alegação não é consubstanciadora de nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1 do CPC (em qualquer das suas alíneas), nem os Recorrentes alegam qual a nulidade de que o acórdão padece, sendo que ao alegado corresponderia erro de julgamento e não nulidade do acórdão.
Assim, porque a questão da prescrição e da contagem do respectivo prazo, bem como das circunstâncias da sua interrupção, parece ter sido correctamente abordada pelo acórdão recorrido (como anteriormente pela decisão de 1ª instância), tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não se vê que a revista seja necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo certo que tal questão não assume uma particular relevância jurídica ou social ou complexidade jurídica superior ao normal para este género de problemática, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

3. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – Maria do Céu Neves – Fonseca da Paz.