Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0830/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA
REGISTO SIMPLES
Sumário:I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
II - A presunção de notificação prevista no nº 1 do art. 39º do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38º, nº 3, preceito que se refere à notificação por carta registada, a qual coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através de recibo assinado pelo próprio ou por outrem por ele mandatado para o efeito, nos termos do estatuído no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio.
III - O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o acto de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no nº 1 do art. 39º do CPPT.
IV - Se a recorrente não alega que a notificação não chegou à sua esfera de cognoscibilidade, mas tão só que não chegou pela forma legalmente exigida, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas desgraduam-se em não essenciais se, apesar delas, foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
Nº Convencional:JSTA000P23361
Nº do Documento:SA2201805300830
Data de Entrada:07/06/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………., LDA, deduziu Oposição ao processo de execução fiscal nº 1430201101006827 e apensos que contra si havia sido instaurado no Serviço de finanças de Peniche por dívida de IRS e juros compensatórios do ano de 2009 e IRC relativo aos exercícios de 2007 e 2009, na quantia de € 78.427,64, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 31 de Janeiro de 2017, que julgou procedente a oposição quanto à liquidação de juros relativa ao IRC do exercício de 2009 e improcedente quanto às restantes liquidações.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) — Da matéria de facto provada consta que as liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 2007 e 2009, foram efetuadas na sequência de procedimento inspetivo.
B) — O artigo 38° n.° 3 do CPPT, prevê que nestas situações as liquidações sejam notificadas através de carta registada.
C) — Por sua vez o artigo 39°, n.° 1 do CPPT, dispõe que as notificações efetuadas nos termos no n.°3 do artigo 38° do CPPT presumem-se feitas no 3° dia posterior ao do registo ou no 1° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
D) — Porém, as liquidações em causa foram notificadas à recorrente através de carta registada simples, daí que os “prints” informáticos da Autoridade Tributária conjugados com a informação dos CTT não permitem que opere a presunção da notificação prevista no n° 1 do artigo 39° do CPPT.
E) — Daí não se poderem ter como válidas as notificações efetuadas, incorrendo, assim, a douta sentença em erro de julgamento.
F) — Tanto mais que os atos e procedimentos apenas são válidos e eficazes desde que a forma pela qual é efetuada a respetiva notificação permita concluir, sem margem para dúvidas, que a referida notificação chegou à esfera da cognoscibilidade do seu destinatário.
G) — Não pode a Autoridade Tributária beneficiar da presunção da notificação prevista no artigo 39° n.° 1, do CPPT, por falta de cumprimento do procedimento previsto na Portaria 953/2010.
H) — A douta sentença recorrida incorreu em errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente do n° 1 do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n° 3 do artigo 38° do CPPT e do n° 1 do artigo 342° do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, ordenando-se o arquivamento da execução, fazendo-se assim, a COSTUMADA JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, entendendo que a Administração Tributária relativamente às notificações em causa, não estava vinculada a uma actuação diversa da que teve no caso em apreço, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A)Em 13-01-2011 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria concluíram procedimento de inspeção à ora Oponente aos exercícios de 2007 a 2009.
B)Com data de 09-02-2011, a Direção de Finanças de Leiria remeteu à Oponente o ofício n.º 1076 de notificação do resultado da ação inspetiva referida na alínea antecedente, recebido em 10-02-2011.
C)Em 16-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 20118310001294, relativa ao exercício de 2007, montante de € 12.674,22, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.º RY520703506PT, em 22-02-2011, para o respetivo domicilio fiscal.
D)O registo identificado na alínea anterior consta nos Serviços Postais como “Entrega Conseguida”, em 23-03-2011, pelas 10.40 horas.
E)Em 18-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de acerto de contas relativa ao IRC do exercício de 2007, no valor de € 12.674,22, com data limite de pagamento de 30-03-2011, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.º RY520656647PT, em 23-02-2011, para o respetivo domicilio fiscal.
F)O registo identificado na alínea anterior consta nos Serviços Postais como “Entrega Conseguida”, em 24-02-2011, pelas 9,25 horas.
G)Em 18-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de liquidação de juros relativa ao IRC do exercício de 2007, no valor de € 1.202,05, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.º RY520704183PT, em 22-02-2011, para o respetivo domicilio fiscal.
H)O registo identificado na alínea anterior consta nos Serviços Postais como “Entrega Conseguida”, em 23-03-2011, pelas 10.39 horas.
I)Em 16-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC nº 20118310001331, relativa ao exercício de 2009, montante de € 8.437,46, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.° RY520859976PT, em 25-02-2011, para o respetivo domicílio fiscal.
J)O registo identificado na alínea anterior consta nos Serviços Postais como “Entrega Conseguida”, em 03-03-2011, pelas 10.47 horas.
K)Em 23-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de acerto de contas relativa ao IRC do exercício de 2009, no valor de € 8.457,46, com data limite de pagamento de 04-04-2011, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.° RY520840365PT, em 03-03-2011, para o respetivo domicílio fiscal.
L)O registo identificado na alínea antecedente consta nos Serviços Postais como “Entrega Conseguida”, em 04-03-2011, pelas 10,59 horas.
M)Em 23-02-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de liquidação de juros relativa ao IRC do exercício de 2009, no valor de € 204,80, endereçada à ora oponente sob correio registado com o n.° RY520866005PT, em 25-02-2011, para o respetivo domicílio fiscal.
N)O registo identificado na alínea que antecede consta nos Serviços Postais como entregue em Peniche, nos Serviços da Alfândega, em 28-02-2011.
O)Em 30-04-2011, o Serviço de Finanças de Peniche instaurou contra a ora oponente, o processo de execução fiscal nº 1430201101006827 para cobrança de dívida de IRS do ano de 2009, no montante de € 57.315,96.
P)Na mesma data, o Serviço de Finanças de Peniche instaurou contra a ora oponente, o processo de execução fiscal n.° 1430201101006835 para cobrança de dívida de IRC do ano de 2007 no montante de € 12.674,22.
Q)Na mesma data, o Serviço de Finanças de Peniche instaurou contra a ora Oponente, o processo de execução fiscal n.° 1430201101006851 para cobrança de dívida de IRC do ano de 2009 no montante de € 8.437,46.
R)Com data de 24-01-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou à Oponente carta de citação para o processo de execução fiscal referido na alínea anterior, mediante correio registado sob o n.° RQ223541764PT.
S)O processo de execução fiscal n.° 1430201101006827 para cobrança de dívida de IRS do ano de 2009, no montante de € 57.315,96 foi extinto por anulação da divida, e extinta quanto a esta a presente oposição, por inutilidade superveniente da lide.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Alega a recorrente, no essencial, que a AT não cumpriu os formalismos legalmente previstos para a notificação das liquidações em crise e, por isso, não se podem considerar as mesmas como validamente notificadas.
Da leitura atenta da petição inicial e das alegações de recurso não se detecta, em momento algum, que a recorrente alegue que não ter recebido efectivamente as notificações das liquidações que lhe foram enviadas, alega sim que as mesmas não cumpriam os ritualismos processuais legalmente previstos e que visam assegurar a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário.
Sobre questão idêntica a esta já se pronunciou este Supremo Tribunal no sentido de não assistir razão à recorrente.
Efectivamente decidiu-se no acórdão datado de 29.05.2013, recurso n.º 0472/13 em que, como se verá mais abaixo, a factualidade alegada pela ali recorrida para fundamentar o seu pedido era essencialmente idêntica à alegada nestes autos:
2.1.2. Quanto à distinção entre carta registada e registo simples

O art. 38º do CPPT dispõe no seu art. 1º que as notificações, que tenham como objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências, são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção.
Por sua vez, no nº 3 do mesmo preceito, diz-se que as notificações não abrangidas pelo nº 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.
No nº 4 prevê-se que as notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuadas por simples via postal.
Segundo RUI MORAIS (Cfr. Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 96/97.), a notificação por via postal simples não oferece segurança quanto à efectiva recepção e “só terá aplicação em relação ao IMI (art. 119º): por se tratar de um imposto de grande estabilidade, liquidado anualmente com base em valores patrimoniais pré-estabelecidos por avaliação, a lei entende que os sujeitos passivos sabem, antecipadamente, qual o momento em que serão chamados ao pagamento do imposto, bem como o valor a pagar. Daí que, mais que notificações de liquidações (no essencial, repetidas), estas comunicações são “avisos para pagamento”.
Perante o exposto, ressalta que o legislador elege três formas distintas de notificação: (i) notificação por carta registada, com aviso de recepção (nas situações do nº 1 do art. 38º do CPPT); (ii) notificação por carta registada (nas situações revistas no nº 3 do art. 38º do CPPT); e (iii) notificação por simples via postal (nas situações previstas no nº 4 do art. 38º do CPPT).
O procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.
E, na verdade, assim é, pois como sublinha LOPES FAUSTINO (“Do simples registo ao …«registo simples»”, TOC, Ano XI, Agosto de 2010, p. 23.), tal procedimento reportava-se “a uma carta ou outro objecto cujo envio era antecedido de um registo numérico efectuado nos CTT, e cuja entrega tinha de ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por este mandatado para o efeito. E a carta não recebida nos termos previstos na regulamentação postal era devolvida ao remetente.”
Tendo presente este rigor e formalismo garantístico, dispõe o art. 39º, nº 1, do CPPT, que as notificações efectuadas nos termos do nº 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil a esse, quando esse dia não seja útil.
E, no seu nº 2, estabelece-se que a presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.
Quando a carta seja devolvida não há lugar ao funcionamento de qualquer presunção de notificação.
Já no que se refere à modalidade de registo simples, este consiste no depósito da carta no receptáculo postal do destinatário e assenta num mero recibo de expedição destinado a provar unicamente que a notificação foi enviada para entrega numa determinada data, nada garantindo sobre se a carta é efectivamente entregue no receptáculo postal.
E é em relação a esta modalidade de registo que se põe a questão de saber se a mera prova de que a carta foi expedida para a morada do contribuinte será suficiente para daí se poder extrair, com certeza e segurança, que a notificação chegou ao efectivo conhecimento do mesmo. Dito por outras palavras, impõe-se averiguar se a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT, pode assentar noutra presunção, a do recebimento da notificação, que por sua vez apenas pode ser provada através do registo da expedição, e assim satisfazendo as exigências constitucionais de notificação dos actos administrativos, que afectem os seus direitos e interesses legalmente protegidos e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, cuja concretização prática depende da existência de uma comunicação ao interessado da prática do acto (cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 6/5/2009, proc nº 270/09).
Vejamos.
2.1.3. O denominado registo simples e as garantias de notificação e de defesa dos contribuintes
A notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.
Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14/3/2002, proc nº 607/01.).
Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).
E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”
São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:
(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer.
No caso em apreço, a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.
Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade.
A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio. E constitui dado da experiência comum e alvo de ampla publicitação nos meios de comunicação que são frequentes as situações em que um cidadão recebe no seu receptáculo postal correspondência destinada a outras pessoas. Isto apesar de nos registos informáticos da Administração Tributária e dos correios poder até constar que a notificação foi expedida em determinada data para a morada do interessado.
Por outro lado, a presunção de notificação prevista no nº 1 do art. 39º do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38º, nº 3, do CPPT, que se refere à notificação por carta registada, a qual coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito”.
E, na situação de carta registada, nos termos do disposto no art. 28º, nº 4, do Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, a presunção prevista no nº 1 do art. 39º do CPPT apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida.
Ao contrário, no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo.
Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta.
Ora, em caso de extravio da carta contendo a notificação, se a mesma não for metida no receptáculo do contribuinte, torna-se extremamente difícil senão impossível para o destinatário afastar a presunção de recepção da carta, com vista a demonstrar que esta, sem culpa da sua parte, não foi recebida no seu domicílio fiscal.
A única certeza que existe, repete-se, é que a expedição terá ocorrido em determinada data, mas daqui não se pode extrair que a carta foi efectivamente entregue ou depositada no receptáculo postal do seu destinatário e nem tão pouco em que data tal se verificou. Não sendo o registo acompanhado de quaisquer outras formalidades, como, por exemplo, exigir que o distribuidor postal certifique em declaração escrita por si assinada o dia em que procedeu ao depósito da carta e a morada em que o fez (Segundo o regime aprovado pelas Portarias 1178-A/2000 e 953/2003, da carta registada faz obrigatoriamente parte um impresso preenchido e assinado pelo distribuidor do correio com o qual é feita a prova do depósito na caixa do correio do destinatário, prova esta a ser entregue o remetente da notificação.), não existe certeza nem qualquer garantia de que a carta foi efectivamente entregue no receptáculo postal do destinatário.
No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, embora tirado sobre a conformidade constitucional da via postal simples para efectivar a notificação do cancelamento do apoio judiciário, ponderou-se que “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa (cfr. Acórdão de 26 de Setembro de 2012, proc nº 279/12) (Neste Acórdão o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 70º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente envio de carta, por via postal simples, para notificação de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no disposto no art. 10º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, por violação dos arts. 268º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP.).
Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação.
E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” (Cumpre salientar que as mencionadas portarias regem os novos modelos oficiais de carta para citação e notificação por via postal e que as formalidades aí prescritas não foram sequer cumpridas no caso dos autos.).
Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial.
Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”.
Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento do acto tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.
A prevalecer a tese da interpretação das normas do nº 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que a carta registada pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afectaria a garantia da protecção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP.
2.2. Aplicação do exposto ao caso sub judice
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidações adicionais de IRC apuradas na sequência de inspecção tributária, onde a recorrente exerceu o direito de audição, razão pela qual sendo de aplicar o nº 3 do art. 38º do CPPT, tais notificações hão-de ser efectuadas por carta registada.
E o que resulta do probatório é que “a liquidação foi remetida à oponente para a morada sita na …………, 2495-……… Santa Catarina da Serra, através do registo postal n º RY526580561PT”.
E como se pode ler, a dado passo, na sentença recorrida, “(…) a administração tributária logrou comprovar nos autos “(…) ter remetido para a morada da oponente a demonstração de liquidação de IRC nº 20118310001254, no montante de € 2.038.642,71, cuja entrega foi conseguida no dia 06/06/2011”.
Por conseguinte, a Administração Tributária operou a notificação das liquidações em causa através de entrega por registo simples.
Em face do exposto, podemos extrair, desde já, a conclusão de que a sentença recorrida não obstante começar por admitir que a situação se inscreve no nº 3 do art. 38º do CPPT, incorre em erro ao admitir como legalmente válido o denominado registo simples quando o referido preceito fala em carta registada. Nesta sequência, assiste razão à recorrente quando alega que o registo simples não encontra previsão legal para efectivar as notificações previstas no nº 3 do art. 38º do CPPT, nos termos do art. 28º, nº 4, do Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, e para os efeitos do disposto no art. 39º, nº 1, do CPPT.
Acontece, porém, que o facto de a recorrente alegar e com razão que a Administração Tributária não terá observado todas as formalidades da notificação exigidas por lei, tal não significa por si só que se tenha de concluir pela sua invalidade, se foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação: transmitir à destinatária o teor da liquidação.
Com efeito, análise atenta da argumentação da recorrente verifica-se que em caso algum a mesma alega que a notificação não tenha sido recepcionada no receptáculo do seu domicílio fiscal ou que lhe seja difícil ou impossível fazer prova do não recebimento da mesma.
Logo na petição da oposição o que a recorrente alega é que “não foi notificada validamente para proceder ao pagamento voluntário da liquidação de IRC…” (art. 3º) pois “nem na sede da oponente, nem no domicílio fiscal dos administradores, foi recebida notificação registada com vista ao pagamento voluntário da dívida exequenda” (art.4º), “Dito de outra forma, nem na sede da sociedade, nem no domicílio dos administradores foi assinado o respectivo registo contendo a notificação da liquidação para se ter procedido ao pagamento voluntário” (art. 5º).
E nas alegações de recurso a recorrente reitera o mesmo discurso, concluindo imputando à notificação a não observância das formalidades legais exigidas para a carta registada.
Em suma, em caso algum vem alegado que a notificação não chegou à esfera de cognoscibilidade da recorrente, mas tão só que não chegou pela forma legalmente exigida.
Assim sendo, constituindo jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas desgraduam-se em não essenciais se, apesar delas, foi atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição (Cfr., entre outros, o Acórdão de 8/9/2010, proc nº 437/10. No mesmo sentido, cfr., JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., 2011, Áreas Editora, anotação ao art. 39º do CPPT, p. 384.), não podem deixar de improceder as alegações e respectivas conclusões da recorrente.

Também no nosso caso concreto a recorrente alega que “não foi notificada validamente para proceder ao pagamento voluntário…” (art. 4º) pois “nem na sede, nem na residência do gerente foram recebidas as respectivas notificações registadas com vista ao pagamento voluntário da dívida exequenda” (art.5º), “Dito de outra forma, nem na sede, nem na residência do gerente da oponente foram assinados os respectivos registos contendo as notificações de cada uma das liquidações para se ter procedido ao pagamento voluntário” (art. 6º) e, portanto, não há como impedir que também agora se aplique a mesma doutrina resultante daquele acórdão e, por conseguinte, também agora determinar o não provimento do recurso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.