Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01313/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22866
Nº do Documento:SA22018013101313
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 29/06/2017, que julgou procedente a oposição a execução fiscal deduzida pela sociedade executada A………………, S.A., face à julgada prescrição da dívida em cobrança nessa execução e que emerge de liquidação oficiosa de Imposto de Sisa efectuada na sequência de verificação de condição resolutiva da isenção de que beneficiara no momento da aquisição de imóvel.

1.1. Aduziu alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

I. A oponente, citada para pagamento de sisa relativa a aquisição de imóvel adquirido por operação de revenda, veio alegar a prescrição da dívida.

II. Por sentença proferida pelo tribunal ad quo, entendeu-se que se entre o facto tributário ocorrido a 22 de Março de 2001 e a citação da Opoente, verificada a 2 de Setembro de 2011, sendo este o primeiro facto ocorrido com a virtualidade de interromper o curso da prescrição da dívida exequenda — art.º 49º nº 1 da Lei Geral Tributária — sem que outros anteriores se observassem, interruptivos ou suspensivos do curso do prazo de prescrição da dívida, mediaram mais de oito anos; e, como tal, a citação teve lugar quando a dívida era já prescrita em relação à Opoente — desde 22 de Março de 2009.

III. Ora, os presentes autos correm por dívida de sisa, imposto municipal que nos termos do art.º 2º do CIMSISD incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade de bens imóveis e, que quanto à sua incidência num sentido restrito, impõe que o imposto de sisa seja devido por aqueles para quem se transmitem os bens — art.º 7º do CIMSISD.

IV. Estão isentas de acordo com o art.º 11º do CIMSISD, as aquisições de prédios para revenda previstas nos termos do art.º 13º-A do mesmo código, situação que corresponde ao caso dos autos.

V. A isenção de sisa de que goza a aquisição de prédios para revenda, está sujeita a condição resolutiva, caducando se os mesmos prédios não forem vendidos no prazo de 3 anos (arts. 11º nº 3 e 16º nº 1 CIMSISD).

VI. A questão fundamental consiste pois em determinar qual é o termo inicial de contagem do prazo de prescrição.

VII. “Ficou consignado no Acórdão de 8/6/2011, proc. nº 0174/11, que “Enquanto não for possível à AT liquidar o tributo, não poderá ter início o prazo de prescrição, pois este só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306º do CC” (Cfr. Jurisprudência reiterada, entre outros, nos Acórdãos, de 26/5/2010, recurso nº 211/10 e de 22/9/2010, recurso nº 383/10).” — vide alegações.

VIII. De acordo com a “doutrina expressa no Acórdão de 8/6/2011, por se entender que fundando-se a prescrição na inércia do titular do direito, ela deve, logicamente, só começar a correr no momento em que o direito pode ser exercido (Cfr. VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 1961, p 190.). Trata-se, assim, de um princípio geral inerente à própria teleologia intrínseca da prescrição e, por isso, de aplicação geral, independentemente da sua expressa consagração nas leis gerais tributárias”.

IX. “Por outro lado, a acolher-se a tese contrária, significa que passado o prazo da prescrição estava aberto o caminho para se alterar o destino dos imóveis, pondo em causa as razões de interesse público que presidiram à atribuição da isenção (...)”. Assim, aplicando a jurisprudência mencionada ao caso em apreço, o prazo de prescrição da divida exequenda apenas se inicia com a verificação da condição resolutiva de não verificação dos pressupostos que determinaram a atribuição da isenção,...” – in acórdão STA nº 0865/12.

X. Contrariamente à sentença decidenda o que verdadeiramente está em causa não será propriamente a ocorrência do facto tributário mas antes uma limitação ou impossibilidade de reacção perante a prescrição que não se funda na não inércia do titular do direito, mas numa impossibilidade do exercício desse direito pelo seu titular ser efectivado face à ulterioridade do momento em que o direito pode ser exercido; concretizando, apenas a partir do momento em que fizeram três anos contados da aquisição do prédio que não foi revendido nesse prazo, pode ser exigido o imposto.

XI. Assim, sendo e sendo certo que a ideia de prescrição tem como imanentes os princípios da certeza e segurança jurídica, também a Administração Pública, acometida nas suas funções deve prosseguir os fins que lhe estão constitucionalmente acometidos, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, também subordinados à Constituição, não podendo ser impedida de tal exercício que consagra ainda o respeito pelo princípio da justiça.

XII. Apenas assim podem ser preenchidas as expectativas dos cidadãos no que respeita ao princípio da legalidade, prevalecendo o interesse público sobre o interesse privado.

XIII. Segundo o acima demonstrado e tendo por base o entendimento jurisprudencial anteriormente exposto, a dívida não se encontra prescrita.

XIV. Ou seja: no dia 22 de Março de 2001 (facto dado como provado nos autos), a oponente adquiriu um prédio rústico sito na ………….., freguesia de ………………., concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o nº 18047 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 6, Secção U através de contrato celebrado para tal. No iato temporal de três anos que se seguiu a essa aquisição sob isenção de tributação de Sisa, a oponente não revendeu o referido imóvel. Nesse conspecto e, uma vez que até aí a AT não negligenciou a cobrança da dívida, mas não agiu por impossibilidade de o fazer, não correu o prazo de prescrição.

XV. Ou seja, sendo a negligência o fundamento da prescrição uma vez que o credor estava impossibilitado de cobrar a dívida, a contagem do referido prazo prescricional ter-se-á iniciado apenas após a verificação da condição resolutiva da isenção, em 21 Março de 2004 (ou seja, três anos após a aquisição efectuada em 22 de Março de 2001), de acordo com os arts. 11º nº 3 e 16º nº 1 CIMSISD. Tal, teria como consequência que o prazo de 8 anos apenas se viria a completar em 2012, sem contar ainda com quaisquer condições interruptivas.

XVI. Contudo, como a oponente foi citada em 2 de Setembro de 2011, tal citação teria tido como efeito a interrupção do decurso do prazo de prescrição eliminando todo o prazo decorrido até aí — nº 1 do art.º 49º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho. Como aliás se pode verificar compulsando o PEF, a partir dessa data o processo não esteve parado por mais de um ano, encontrando-se até na fase de suspensão.

XVII. Portanto, a sentença recorrida fez uma errada interpretação da lei quando não atendeu ao facto de que, havendo declaração de revogação de isenção sisa, por o mesmo imóvel não ter sido revendido no prazo de três anos, o prazo de prescrição deve contar-se a partir da referida declaração de revogação do tributo — condição essa resolutiva. A decisão em crise violou o art.º 306º do Código Civil aplicável às relações jurídico-tributárias por via do artigo 2º da LGT.

XVIII. Tal interpretação vai além do mais contra os fins da tributação, tal como consta do artigo 5º da mesma lei, por não respeitar os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material porque, tal como é referido no já amplamente citado acórdão do STA nº 0865/12, vingando tal interpretação idêntica à da sentença recorrida, “significa que ultrapassado o prazo da prescrição estava aberto o caminho para se alterar o destino dado aos imóveis, pondo em causa as razões do interesse público que presidiram à atribuição da isenção”.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, por não verificação da prescrição, com as devidas consequências legais.



1.2. Não foram produzidas contra-alegações.



1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, porquanto, na sua óptica, se deve considerar, como se considerou na sentença recorrida, que o prazo de prescrição se iniciou na data da aquisição dos imóveis (22 de Março de 2001) «e uma vez que, entretanto, não ocorreu qualquer facto interruptivo nos 8 anos seguintes a essa data, quando ocorre a citação da recorrida, em 02 de Maio de 2011, já a prescrição se havia consumado em 22 de Março de 2009».



1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 22.03.2001, a ora Oponente celebrou com B………………., o denominado contrato de “COMPRA E VENDA”, no qual esta declarou vender à Oponente, pelo preço de Esc. 650.000.000$00 (3.242.186,33 EUR), o prédio rústico sito na ……………, freguesia de ……………., concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Segunda Conservatória de Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº 18047, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 6, Secção U, e a Oponente declarou aceitar esta venda (cfr. documento de fls. 62 a 67 dos autos);

B. No contrato mencionado em A) a Oponente declarou que o imóvel adquirido por tal contrato destinava-se a revenda (cfr. documento de fls. 62 a 67 dos autos);

C. A aquisição de imóvel efectuada pelo contrato mencionado em A) supra beneficiou da isenção do imposto municipal de sisa prevista no nº 3 do artigo 11º do Código do Imposto Municipal de Sisa e dos Impostos sobre as Sucessões e Doações (acordo - facto reconhecido no artigo 9º da petição inicial e no artigo 3º da informação de fls. 13-14 dos autos, para a qual a Fazenda Pública remete na sua contestação);

D. Em cumprimento da ordem de serviço nº OI201009068, foi efectuada uma acção de inspecção à ora Oponente, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo em vista verificar qual o destino dado ao imóvel identificado em A) supra (cfr. documento de fls. 24 a 35 dos autos);

E. Da acção de inspecção referida na alínea D) resultou um relatório de inspecção, datado de 19.10.2010, no qual foi elaborada proposta de liquidação de sisa devida pela aquisição de imóvel mencionada em A) supra, por considerar que a referida aquisição deixou de beneficiar da isenção mencionada em C), nos termos do artigo 16º, nº 1, do Código do Imposto Municipal de Sisa e dos Impostos sobre as Sucessões e Doações, por a Oponente não ter procedido à revenda do referido imóvel no prazo de três anos (cfr. documento de fls. 24 a 35 dos autos);

F. No seguimento da remessa do relatório de inspecção ao Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2, este serviço de finanças procedeu à liquidação de sisa devida pela aquisição mencionada em A) supra, no valor de 259.374,90 EUR, bem como dos correspondentes juros compensatórios, no valor de 67.906,48 EUR (cfr. documento de fls. 21 e 22 dos autos);

G. A liquidação mencionada na alínea anterior foi remetida à Oponente pelo ofício nº 13923, de 15.12.2010, recepcionado pela Oponente em 27.12.2010 (cfr. documentos de fls. 21 a 23 dos autos);

H. Não tendo a Oponente procedido ao pagamento do imposto liquidado, o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 instaurou contra a mesma, em 29.07.2011, 0 processo de execução fiscal nº 3573201101094688, para cobrança do referido imposto (cfr. capa do processo e certidão de dívida, a fls. 1 e 4 da certidão do processo de execução);

I. Por carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado, no campo reservado ao destinatário, em 02.09.2011, foi a ora Oponente citada para a execução mencionada na alínea anterior (cfr. documentos de fls. 19 e 20 dos autos);

J. Em 03.10.2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 a presente oposição (cfr. “comprovativo de entrega de documento” a fls. 4 dos autos).

3. A questão colocada neste recurso consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que se encontrava extinta, por prescrição, a obrigação tributária que constitui a dívida exequenda, mais precisamente, se nela se incorreu em erro na determinação do termo inicial de contagem do prazo de prescrição de oito anos a que se encontra sujeita essa obrigação.

Segundo a posição acolhida na sentença, o termo inicial da contagem desse prazo de prescrição, em caso de verificação da condição resolutiva de isenção de que beneficiara no momento da aquisição de imóvel (por não ter procedido à sua revenda no prazo de 3 anos), reporta-se à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção, atento o disposto no art.º 48º da LGT.

E, nesse pressuposto, julgou-se que ocorrera a extinção da obrigação tributária, por prescrição, tendo em conta que «o facto tributário que deu origem ao tributo impugnado ocorreu em 22.03.2001 (data da escritura de aquisição do imóvel), e seguindo o entendimento adoptado, o termo inicial do prazo de prescrição iniciou-se nesta data (artigo 48º, nº 1, do CPT). // Logo, considerando que, entretanto, não ocorreu nenhuma causa de suspensão ou de interrupção (previstas no artigo 49º da LGT) do prazo de prescrição — pois que a primeira causa de interrupção ocorreu com a citação, em 02.09.2011, para a execução fiscal instaurada para cobrança do tributo impugnado nos autos [cfr. 1) do probatório] — a obrigação tributária prescreveu em 22.03.2009.».

Discorda a Fazenda Pública do assim decidido, porquanto, na sua óptica, se fez uma errada interpretação da lei ao não se atender ao facto de que, havendo revogação de isenção de sisa em virtude de o imóvel não ter sido revendido no prazo de três anos, o prazo de prescrição se deve contar a partir dessa revogação, atento o disposto no art.º 306º do C.Civil, aplicável às relações jurídico-tributárias por via do art.º 2º da LGT. Em abono da sua tese, invoca os acórdãos proferidos por esta Secção nos processos nºs 0174/11 e 0865/12, de 08/06/2011 e de 28/11/2012, respectivamente.

Todavia, não podemos acolher esta posição face à jurisprudência que, como muito bem sabe a Recorrente, há muito se consolidou nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo e que, aliás, é citada na sentença recorrida.

Como nesta se deixou profusamente explicitado, a questão foi, durante anos, discutida nos tribunais e vinha obtendo respostas díspares. Existia uma corrente jurisprudencial que considerava que, nestas situações, o prazo de prescrição só podia começar a contar-se a partir da constatação do não cumprimento das condições a que ficara subordinada a concessão da isenção (ou seja, o incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos) – neste sentido os acórdãos citados pela Recorrente.

Posição contrária foi, todavia, adoptada noutros arestos desta Secção, como se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 26/10/2011 e de 06/02/2013, nos processos nºs 0354/11 e 0728/12, respectivamente. Neles se acolheu o entendimento de que, por força de norma expressa contida no art.º 48º, nº 1 da LGT, nos impostos de obrigação única o prazo de prescrição se conta, salvo o disposto em lei especial, a partir da data em que o facto tributário ocorreu; e que, perante a falta dessa lei especial em contrário, quando suceda a condição resolutiva da isenção de imposto de sisa o termo inicial da contagem do prazo de prescrição deve reportar-se à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.

Perante tal oposição de acórdãos, foi a questão submetida à apreciação do Pleno da Secção, onde, através de acórdão proferido em 10/04/2013, no processo nº 01135/12, se uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos, vertida no respectivo sumário: «O prazo de prescrição conta-se, salvo o disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do art.º 48º da LGT). O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. nºs 11º nº 3, 16º nº 1 CIMSISD e 48º nº 1 da LGT), reporta-se à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.».

Posto isto, e tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar, e que encontra consagração no art.º 8º nº 3 do Código Civil, cumpre-nos aderir a esta posição jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba, até porque a Recorrente não avança com argumentos novos susceptíveis de a abalar.

Jurisprudência que, aliás, foi entretanto seguida, de forma reiterada e pacífica, nesta Secção do Contencioso Tributário, como se pode constatar pela leitura dos acórdãos prolatados em 29.04.2015, de 08.07.2015, de 06.04.2016 e de 27/01/2016, nos processos nºs 01421/14, 0543/15, 01410/15 e 0287/15, respectivamente.

Nenhuma censura merece, por isso, a sentença recorrida ao julgar que, no caso, o termo inicial da contagem do prazo de prescrição se reporta à data do facto tributário, ocorrido em 22.03.2001 (data da escritura de aquisição do imóvel).

E sendo incontestado e incontroverso que esse prazo de prescrição é o de oito anos previsto no art.º 48º da LGT e que não ocorreu nenhuma causa de suspensão ou de interrupção até à data da citação para a execução fiscal (em 02.09.2011), torna-se irrefutável que a obrigação tributária prescreveu em 22.03.2009, como muito bem se decidiu na sentença.



4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo – António Pimpão.