Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01009/19.6BEPRT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:Para que se pondere a admissibilidade do recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT, impõe-se que o recorrente identifique com clareza a questão sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie e que aduza alegação em ordem à verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso, tal como os enuncia o n.º 1 daquele artigo.
Nº Convencional:JSTA000P26313
Nº do Documento:SA22020091601009/19
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:A.................., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1009/19.6BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 5 de Março de 2020 – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, anulou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e determinou que os autos regressassem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí ser apreciada e decidida a reclamação deduzida pelo ora Recorrente, ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho que a removeu do cargo de fiel depositário –, interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 285.º do (CPPT), apresentando alegações que culminam com as seguintes conclusões:

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) Está em causa um acto comissivo, mais concretamente um despacho datado de 23 de Março de 2019, proferido no âmbito do processo supra referenciado, pelo Sr. Director de Finanças do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim.

B) Segundo o qual, a ora Recorrente, violou um dos deveres que lhe incumbem, enquanto fiel depositário de um bem, designadamente o dever de apresentar o bem quando lhe foi ordenado.

C) Por tal motivo e por não [se] ter pronunciado no prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito, o Sr. Director de Finanças ordenou a sua remoção do cargo de fiel depositário.

D) Sucede, porém, que tal não corresponde à verdade.

E) Com efeito, contrariamente ao que se refere no despacho do Sr. Director do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, a Recorrente, pronunciou-se, no prazo atribuído para o efeito, em 12 de Março de 2019, acerca da intenção deste órgão de execução fiscal removê-lo do cargo de fiel depositário.

F) Informando, entre o mais, que intentou processo especial para acordo de pagamento, nos termos do artigo 17.º-A do CIRE e que, por via disso, o processo executivo deveria ser suspenso.

G) Não obstante, o órgão de execução fiscal proferiu o despacho comissivo em crise.

H) Deste modo, nos termos do artigo 771.º, n.º 2 do CPC, a reclamante justificou a sua falta, pelo que não existe fundamento legal para a remoção ordenada pelo órgão de execução fiscal.

I) Decorre do artigo 276.º do CPPT, que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.

J) O que se pugna, pela presente via.

K) Dado que, na óptica da Recorrida, o acto comissivo, praticado pela entidade reclamada, consubstancia um acto que é lesivo dos direitos da reclamante – artigo 103.º, n.º 2 da CRP e artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, e 103.º, n.º 2, al. j) da LGT.

L) Veio o Tribunal a que se recorre proferir acórdão no sentido de que consideraria a sentença do tribunal a quo nula por excesso de pronúncia.

M) Pronunciou-se no sentido de que o Tribunal a quo não tinha legitimidade para se pronunciar sobre aquilo que não constava no pedido.

N) O que se discorda na totalidade.

O) Não se concebendo pela remoção de fiel depositário, bem como da violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

P) Mais se invoca o artigo 121.º, n.º 1 do CPPT que concede legitimidade para que em fase de alegações pronuncie-se expressamente sobre questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo.

Termos em que deverá proferir-se douto Acórdão que julgue procedente a reclamação e, nessa consonância, seja anulado o despacho reclamado e seja declarado o Recorrente como fiel depositário, com as legais consequências, só assim se fazendo integral, habitual e esperada JUSTIÇA!».

1.2 O recurso de revista foi admitido por despacho do Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte.

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após enunciar e discorrer sobre os requisitos da admissibilidade do recurso de revista e referir jurisprudência pertinente, com a seguinte fundamentação: «[…]

Nas alegações de recurso a Recorrente não identifica qualquer questão jurídica relativamente à qual a solução perfilhada pelo TCA Norte demande a intervenção do STA como órgão de cúpula, seja em razão da sua importância jurídico-social, ou em razão da melhoria na aplicação do direito. Com efeito a Recorrente limita-se, de forma vaga, a enunciar que a solução perfilhada pelo TCA Norte no que respeita à questão do excesso de pronúncia por parte do tribunal de 1.ª instância suscita dúvidas e é contrariada pela maioria da jurisprudência, sem contudo especificar essas dúvidas ou identificar essa alegada jurisprudência.
Por outro lado a Recorrente concentra-se na análise da invocada ilegalidade da decisão de remoção das funções de fiel depositária da viatura penhorada, questão esta que nem sequer foi apreciada no acórdão recorrido, alheando-se completamente da referida questão do “excesso de pronúncia”.
Assim sendo, afigura-se-nos que é manifesta a falta de requisitos de admissão do recurso de revista, à luz do disposto no artigo 150.º do CPTA e do actual artigo 285.º do CPPT (revelando mesmo um mau uso dos meios processuais com fins dilatórios).
Entendemos, assim, que o recurso não deve ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso de revista.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para o julgamento da matéria de facto constante do acórdão recorrido.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 A ora Recorrente deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto reclamação judicial ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT contra a decisão por que o órgão da execução fiscal ordenou a sua remoção do cargo de fiel depositário.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e anulou a decisão reclamada.
A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, que decidiu no sentido da anulação da sentença recorrida por excesso de pronúncia. Em síntese, considerou o Tribunal Central Administrativo Norte;
1) que, apesar das diligências que nesse sentido foram efectuadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, dos autos não conta o despacho que terá ordenado a remoção do depositário (sendo até duvidosa a existência do mesmo), o que, por si só, constitui fundamento de anulação da sentença e sua devolução àquele tribunal, para que a irregularidade seja suprida e, depois, seja proferida nova sentença; sem prejuízo,
2) que, sendo certo que o juiz do tribunal tributário pode conhecer das nulidades do processo de execução fiscal que, apesar de não terem sido invocadas, sejam do conhecimento oficioso, não pode conhecer oficiosamente, como conheceu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, do vício decorrente da falta de audiência prévia à decisão de remoção do depositário, o que determina também a anulação da sentença por ter incorrido em excesso de pronúncia.
Inconformada com essa decisão, vem agora a Recorrente recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT.
Nas alegações de recurso, com as conclusões que deixámos transcritas em 1.1, a Recorrente, começa por exprimir a sua discordância com a decisão por que foi removida do cargo de fiel depositária e, depois, critica o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte por ter decidido pela verificação da nulidade da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

2.2.1.2 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cfr. art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável).

2.2.1.3 Tendo presente a alegação da Recorrente e o âmbito do recurso de revista, é manifesto que não estão verificados os pressupostos da admissibilidade do recurso: a Recorrente não identifica de modo algum a questão jurídica que pretende ver apreciada por este Supremo Tribunal em sede de revista, bem como não aduz alegação alguma no sentido de demonstrar que a admissão do recurso se revelaria necessária à melhor aplicação do direito. Salvo o devido respeito, a Recorrente dá mostras de não ter compreendido o âmbito e os requisitos do recurso de revista.

2.2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Para que se pondere a admissibilidade do recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT, impõe-se que o recorrente identifique com clareza a questão sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie e que aduza alegação em ordem à verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso, tal como os enuncia o n.º 1 daquele artigo.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 16 de Setembro de 2020 – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.