Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0824/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
Sumário:I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (artº. 11º, nºs. 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de atos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no artº. 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.
VII – Quem adquire as frações não se torna um cofinanciador do empreendimento, com a responsabilidade da respetiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as frações podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.
X – “Os benefícios fiscais são medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.
Nº Convencional:JSTA000P16672
Nº do Documento:SA2201312040824
Data de Entrada:05/09/2013
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………………., G…………………., C……………….. e D……………………. com os demais sinais dos autos, vêm recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial, por eles deduzida contra as liquidações de imposto de selo referente à aquisição da fração autónoma, designada pelas letras “EH” integrada no prédio urbano denominado E………………. ou F……………… sito na freguesia de ………….., concelho de Loulé, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem:

Iª) A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, concluindo, por adesão aos fundamentos constantes do Acórdão 3/2013 do STA, que para efeitos do beneficio fiscal previsto no nº 1 do artigo 20° do Decreto-lei nº 423/83 de 5 de dezembro, a primeira aquisição de fração destinada à exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento.

IIª) Segundo o douto Acórdão 3/2013, proferido pelo STA, a decisão da questão de mérito passa pela determinação do sentido e alcance do disposto no nº 1 do artigo 20° do Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de dezembro.

IIIª) O Tribunal recorrido, por adesão aos fundamentos do Acórdão 3/2013 do STA conclui que:
- A isenção é objetiva
- O conceito de instalação compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias a construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística
- e pretende-se beneficiar o investimento turístico em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística.

IVª) Apesar destas conclusões, o Acórdão 3/2013 do STA adota a seguinte interpretação normativa do preceito (que é adotada pelo tribunal recorrido):

“como a aquisição de prédios (ou de fações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.” (fls.28 do Acórdão 3/2013 do STA)

Vª) E toma a seguinte decisão (fls. 116 do Acórdão recorrido):
«Assim por adesão aos fundamentos constantes do Acórdão citado, concluímos que para efeitos do beneficio fiscal previsto no nº 1 do artigo 20º do Decreto-lei nº 423/83, de 5 de dezembro, a primeira aquisição de fração destinada a exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento, pelo que as aquisições efetuadas pelos impugnantes não podem beneficiar da redução do imposto de selo prevista na norma refenda e, nesta medida, as liquidações impugnadas não padecem de vicio de violação da lei»

VIª) Esta conclusão que plasma o sentido da decisão é contrária ao sentido técnico jurídico de “instalação” considerado pelo Acórdão 3/2013 do STA, aqui adotada.

VIIª) O conceito técnico jurídico de instalação a que o Tribunal que proferiu o Acórdão chegou abrange a obtenção de títulos que o tornem “apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”

VIIIª) Nos termos do artigo 2°, n.º 1 do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março, se a edificação não puder prestar serviços de alojamento não se pode falar de um empreendimentos turístico.

IXª) Ao contrário do que se diz no Acórdão 3/2013 do STA o empreendimento não entra em funcionamento com a comunicação de abertura mas apenas fica autorizado a funcionar se puder. No regime da propriedade plural antes da alienação das frações não pode o empreendimento prestar serviços de alojamento turístico, logo não estaríamos a falar de um empreendimento turístico instalado.

Xª) Porque lhe falta a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado, tal como na definição de “Instalação” dada pelo Acórdão recorrido

XIª) O que habilita a funcionar um empreendimento em propriedade plural e o Titulo Constitutivo (artigo 54° Decreto lei 39/2008) aprovado pelo Turismo de Portugal e, como consta dos autos, o Título Constitutivo deste empreendimento só e aprovado pelo Turismo de Portugal em março de 2009, pelo que não se pode considerar como faz o Acórdão recorrido que o empreendimento estava em funcionamento em setembro de 2008 pois nessa data o prédio nem estava registado na Conservatória do Registo Comercial como empreendimento turístico.

XIIª) Ora, nos empreendimentos turísticos em propriedade plural só na posse do Titulo Constitutivo aprovado pelo Turismo de Portugal o prédio pode ser inscrito como empreendimento turístico na Conservatória do Registo Predial, o que ocorreu com apresentação 5212 de 16 de março de 2009 tal como consta nos autos.

XIIIª) Ainda assim, para que se tome apto “a ser explorado para finalidade turística” como refere o douto acórdão, tem de poder prestar os serviços de alojamento que são a sua finalidade o que só é possível quando tiver o titulo que habilite as unidades de alojamento a serem exploradas nos termos do disposto no artigo 45º, nº 3 do mesmo diploma e este título só existe a partir da compra da fração.

XIVª) Donde, face à definição técnico jurídica de instalação plasmada no Acórdão proferido nos autos a aquisição em causa nos autos tem de se encontrar abrangida no conceito de instalação.

XVª) Os documentos constantes dos autos eram idóneos a permitir ao Tribunal chegar a esta conclusão, nomeadamente constando em tais documentos a data de obtenção do título constitutivo e a data de inscrição no registo predial como empreendimento turístico condição sine qua non de funcionamento e a data do contrato para prestar serviços de alojamento que constitui a finalidade do empreendimento e sem os quais este não existe.

XVIª) A propósito da razão de ser e finalidades das isenções o Acórdão 3/2013 do STA, conclui que o Decreto-Lei 423/83 “pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística...” (fls. 30) o que impunha também diferente decisão.

XVIIª) Investimento imobiliário será construir imóveis para venda, enquanto investimento em empreendimentos turísticos constitui investimento no setor do turismo nomeadamente em oferta turística de qualidade que constitui o “interesse publico extrafiscal relevante” que justifica a isenção.

XVIIIª) Ora, este esforço é sempre obrigatoriamente do proprietário pois a classificação do empreendimento é revista de 4 em 4 anos nos termos da lei e como tal a grande diferença introduzida pelo regime da propriedade plural é a de que quem compra uma fração e também dono e contitular do empreendimento e tem de dispender este esforço financeiro de financiar o funcionamento do empreendimento tal como consta no artigo 8° do titulo Constitutivo.

XIXª) Dai que a isenção, seja objetiva. O legislador não sabe se é o promotor ou os proprietários ou a entidade exploradora a dispender esse esforço na medida em que o promotor pode ficar com o empreendimento e vender apenas unidades aí integradas, pode vender a exploração a entidade exploradora ou pode vender todo o empreendimento como nos presentes autos.

XXª) Se no regime de propriedade plural o promotor “pretende desde logo, alienar ou vir a alienar as frações autónomas ou lotes destinadas a unidades de alojamento” (fls. 27 Acórdão 3/2013 do STA). O investimento dele é apenas imobiliário como no caso dos autos.

XXIª) O empreendimento é declarado de utilidade turística devido aos seus elevados padrões de qualidade. São os proprietários do aldeamento que têm de fazer o investimento na atividade para manter a utilidade turística pois esta foi conferida sob condição de justificarem com a realização de auditorias a manutenção da qualidade.

XXIIª) Assim, a interpretação a que o tribunal recorrido tem do disposto no art. 20º, do Decreto-lei nº 423/83, de 5 de dezembro, é ilegal porquanto violadora da racio da lei e do próprio conceito de instalação acolhido bem como contrária aos documentos constantes dos autos.

XXIII- Por outro lado, O entendimento acolhido as fls. 114 da sentença recorrida:
“III- Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de frações autónomas com destino a «instalação», para efeitos do beneficio a que se reporta o nº1 do artº. 20º; do Decreto-lei nº 423/83, de 5 de dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos»
é inconstitucional por violação do disposto no artigo 2°, 20º, nº 4, 81°, al. b). 103º, nº 2, 165°, nº 1, al. i), 104°, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa, este último conjugado com o artigo 13° também da Lei Fundamental, enquanto Principio Geral de Igualdade, inconstitucionalidade que ora se argui para todos os efeitos legais.

XXIVª) Tal interpretação viola, por isso, o artigo 2° da Lei Fundamental, porque abala a certeza e a confiança dos cidadão na Lei e no Estado de Direito, confiança essa que decorre da existência de uma lei que não distingue não diz expressamente, nem pretende, atenta a ratio da sua criação, que a isenção só se destine a aquisições para construção, quando o próprio acórdão recorrido concebe a noção de instalação compreendendo “a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”.

XXVª) A interpretação normativa acolhida viola o princípio da igualdade vertido enquanto princípio fundamental no artigo 13° da CRP e, em particular, da igualdade relativa à tributação do património, ínsita no artigo 104°/2 da CRP, no sentido de discriminação positiva que a norma de isenção fiscal interpretada concede e que, por via da interpretação adotada, acaba por ser negada, colocando os potenciais beneficiários em situação de desigualdade em relação a outros adquirentes de imóveis. A interpretação adotada elimina, assim, o efeito de discriminação positiva associada a concessão do benefício fiscal.

XXVIª) Acresce que a interpretação em causa viola também o disposto no artigo 81°, al. b) da CRP, pois compete ao Estado-legislador, através da política fiscal, assegurar a justiça social, a igualdade de oportunidade e operar as necessárias correções de desigualdades na distribuição da riqueza (Artº 81º b) da CRP). No caso através do Instituto da utilidade turística o Estado pretendeu beneficiar quem faz investimento turístico numa oferta turística de qualidade uma vez que o turismo tem vindo a ser considerada como setor de intervenção prioritária face aos benefícios económico que produz e num caso como o vertente em que o construtor do empreendimento aliena todas as frações, e logo o seu investimento e apenas imobiliário, é este que beneficia da isenção, ao invés do adquirente da Fração que será o proprietário do empreendimento qualificado e responsável pelos seus custos, fazendo investimento turístico. Esta interpretação beneficiaria o investimento imobiliário e deixaria de fora âmbito da isenção o investimento turístico.

XVIIª) Conexa com a questão anterior, verifica-se que o entendimento da norma ínsita no artigo 20° perfilhado pelo Tribunal a quo viola também o princípio da legalidade, ínsito no artigo 103°, n.º 2 da CRP, o qual dispõe que “os impostos são criados por ler, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias aos contribuintes». Ao adotar a interpretação supra mencionada, a qual restringe o âmbito de aplicação do benefício fiscal em causa, extravasando o que diz a letra da lei.

TERMOS EM QUE VENERANDOS JUIZES CONSELHEIROS

Deverá ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida.

2. Não foram apresentadas contra alegações.

3. O MP emitiu parecer de fls. 167/170, no sentido de que deveria ser negado provimento ao recurso, tendo em conta que as aquisições das frações do empreendimento turístico em causa correram “… em data posterior a 05.03.09….” pelo que os ora recorrentes, não beneficiam da pretendida redução de imposto de selo.

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

5. Com interesse para a decisão, foram dados como provados na decisão recorrida os seguintes factos:

a) Por escritura pública lavrada no dia 10/07/2009, O impugnante A………………... adquiriu, pelo preço de € 1.597.240.08, a fração autónoma designada pela letra “EH”, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado E…………………… ou F…………………., sito em ……….., freguesia de …………, concelho de Loulé, inscrito provisoriamente na matriz predial sob o artigo 12988 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.° 10282/20080409 [documento de fls. 14 a 21 do processo de reclamação graciosa].

b) Na mesma data, o impugnante A……………….. procedeu ao pagamento do imposto de selo, através do DUC n° 163.409.000.807.270, no valor de €12.777.92 [documento de fls. 44 dos autos].

c) Por escritura pública lavrada no dia 24/07/2009, o impugnante G………………… adquiriu, pelo preço de €790.000.00, a fração autónoma designada pelas letras “DM”, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado E…………………. ou F……………….., sito em ………., freguesia de …………., concelho de Loulé, inscrito provisoriamente na matriz predial sob o artigo 12988 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 10282/20080409 [documento de fls. 16 a 21 do processo de reclamação graciosa].

d) Previamente à outorga da escritura referida em c), em 23/07/2009, foi liquidado imposto de selo, através do DUC n.° 163.209.000.817.126, no valor de €6.320.00 [documento de fls. 45 dos autos].

e) Por escritura pública lavrada no dia 18/03/2010, o impugnante C………………. adquiriu, pelo preço de €600.000.00, a fração autónoma designada pelas letras “DS”, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado E……………….. ou F…………………, sito em ……….., freguesia de …………., concelho de Loulé, inscrito provisoriamente na matriz predial sob o artigo 12988 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.° 10282/20080409 [documento de fls. 27 a 36 do processo de reclamação graciosa].

f) Previamente à outorga da escritura referida em e), em 11/03/2010, foi liquidado imposto de selo, através do DUC n.º 163.910.000.130.783, no valor de € 4.800.00 [documento de fls. 46 dos autos].

g) Por documento particular autenticado lavrado no dia 31/08/2009, o impugnante D……………… adquiriu, pelo preço de € 560.000.00, a fração autónoma designada pelas letras “AB”, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado E………………… ou F………………., sito em ………….., freguesia de ……………, concelho de Loulé, inscrito provisoriamente na matriz predial sob o artigo 12988 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 10282/20080409 [documento de fls. 15 a 23 do processo de reclamação graciosa].

h) Na mesma data, foi liquidado o imposto de selo, através do DUC n.º163.909.00l.612.235, no valor de €4.480.00 [documento de fls. 47 dos autos].

i) Em simultâneo com a escritura pública de compra e venda das frações, foi outorgado contrato de exploração turística entre cada um dos impugnantes, na qualidade de adquirentes das unidades de alojamento, e a Sociedade F……………….., Aldeamento Turístico, S.A., entidade exploradora do aldeamento [documentos de fls. 22 a 29 do processo administrativo].

j) Nos termos do contrato referido em j), os impugnantes obrigaram-se a entregar à entidade exploradora do empreendimento a fração adquirida a fim de ser disponibilizada pelo aldeamento turístico [documento de fls. 22 a 29 do processo administrativo].

k) Na sequência de pedido formulado em 16/12/2008, por despacho do Secretário de Estado do Turismo n.º 3716/2011, de 4 de fevereiro, publicado no Diário da República, n.º 40, 2ª Série, foi atribuída, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 2 e 7.º, n.º do Decreto-lei n.° 423/83, de 5 de dezembro, utilidade turística a título definitivo ao Aldeamento Turístico F……………….. [despacho disponível em www.dre.pt].

l) O despacho referido em l) tem o seguinte teor:



m) Em 11/05/2011, foi liquidado IMT referente à fração BE integrada no aldeamento turístico F…………………, através do DUC n.° 160.611.013.885.003, apresentando a liquidação um valor nulo [documento de fls. 32 e 33 do processo administrativo].

n) Na mesma data, foi liquidado imposto de selo relativo à mesma fração, através do DUC n.° 163.811.000.243.048, no valor correspondente a 1/5 do que seria devido, em virtude do beneficio fiscal decorrente do artigo 20.º do Decreto-lei n° 423/83, de 5 de dezembro [documento de fls. 34 do processo administrativo].

o) Por despacho de 15/09/2012, do Diretor de Finanças de Faro, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo impugnante A……………… contra a liquidação de imposto de selo [documento de fls. 81 a 84 do processo administrativo].
p) Por despacho de 12/09/2011, da Chefe do Serviço de Finanças de Loulé, a reclamação graciosa apresentada pelo impugnante G………………… contra a liquidação de imposto de selo foi indeferida [documento de fls. 32 a 34 dos autos].

q) Por despacho de 12/09/2011, da Chefe do Serviço de Finanças de Loulé, a reclamação graciosa apresentada pelo impugnante C……………….. contra a liquidação de imposto de selo foi indeferida [documento de fls. 36 a 38 dos autos].

r) Por despacho de 12/09/2011, da Chefe do Serviço de Finanças de Loulé, a reclamação graciosa apresentada pelo impugnante D………………. contra a liquidação de imposto de selo foi indeferida [documento de fls. 40 a 42 dos autos].

5. A questão a conhecer no presente recurso consiste em saber se as frações adquiridas pelos recorrentes beneficiam da redução de imposto de selo nos termos do nº 1 do artº 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, tendo em conta que as mesmas estão integradas num empreendimento de utilidade turística.

A decisão recorrida entendeu negativamente, louvando-se no acórdão no acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013 de 23/01/2013, publicado na 1ª série do DR, de 04/03/2013.

Os recorrentes, por sua vez, entendem que a decisão recorrida, baseada no citado acórdão, não faz a melhor interpretação da lei fazendo apelo à propriedade plural e ao fato de a compra das frações corresponder a investimento turístico, finalidade para a qual a lei foi criada.

Invocam depois que a interpretação dada pelo tribunal ao citado artº 20º é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 2°, 20º, nº 4, 81°, al. b). 103º, nº 2, 165°, nº 1, al. i), 104°, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa.

Quanto ao artigo 2° da Lei Fundamental, porque abala a certeza e a confiança dos cidadão na Lei e no Estado de Direito, confiança essa que decorre da existência de uma lei que não distingue não diz expressamente, nem pretende, atenta a ratio da sua criação, que a isenção só se destine a aquisições para construção, quando o próprio acórdão recorrido concebe a noção de instalação compreendendo “a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”.

A mesma interpretação normativa viola o princípio da igualdade vertido enquanto princípio fundamental no artigo 13° da CRP e, em particular, da igualdade relativa à tributação do património, ínsita no artigo 104°/2 da CRP, no sentido de discriminação positiva que a norma de isenção fiscal interpretada concede e que, por via da interpretação adotada, acaba por ser negada, colocando os potenciais beneficiários em situação de desigualdade em relação a outros adquirentes de imóveis. A interpretação adotada elimina, assim, o efeito de discriminação positiva associada a concessão do benefício fiscal.

Acresce que a interpretação em causa viola também o disposto no artigo 81°, al. b) da CRP, pois compete ao Estado-legislador, através da política fiscal, assegurar a justiça social, a igualdade de oportunidade e operar as necessárias correções de desigualdades na distribuição da riqueza (artº 81º b) da CRP). No caso através do Instituto da utilidade turística o Estado pretendeu beneficiar quem faz investimento turístico numa oferta turística de qualidade uma vez que o turismo tem vindo a ser considerada como setor de intervenção prioritária face aos benefícios económico que produz e num caso como o vertente em que o construtor do empreendimento aliena todas as frações, e logo o seu investimento e apenas imobiliário, é este que beneficia da isenção, ao invés do adquirente da fração que será o proprietário do empreendimento qualificado e responsável pelos seus custos, fazendo investimento turístico. Esta interpretação beneficiaria o investimento imobiliário e deixaria de fora âmbito da isenção o investimento turístico.

Finalmente o entendimento da norma ínsita no artigo 20° perfilhado pelo Tribunal a quo viola também o princípio da legalidade, ínsito no artigo 103°, n.º 2 da CRP, o qual dispõe que “os impostos são criados por ler, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias aos contribuintes». Ao adotar a interpretação supra mencionada, a qual restringe o âmbito de aplicação do benefício fiscal em causa, extravasando o que diz a letra da lei.

Vejamos então.

5.1. No acórdão deste STA que inspirou a decisão recorrida, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:
“4. Determinação do sentido e alcance do artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro.

A resposta à questão de mérito suscitada no presente recurso impõe que se comece por determinar o sentido e o alcance do mencionado preceito, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.


Vejamos.

1. O artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, dispõe:
“1- São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.


2- A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.”


O preceito consagra, desta forma, isenção de sisa e do imposto de selo (reduzido a um quinto), nas aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à «instalação» de empreendimentos qualificados de utilidade turística.


Assim sendo, a questão que se coloca traduz-se em saber que aquisições devem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo ali consagradas: as aquisições de prédios ou de frações autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de frações autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração?


A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.


Sobre a interpretação das leis fiscais rege a LGT que, no art. 11º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece que
“Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº1). Logo a seguir, no seu nº 2 determina-se que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”. Finalmente, no nº 3 dispõe-se que “Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”

Assim sendo, também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no artº. 9º do Código Civil (Assim, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados no direito civil. Neste sentido, ver J.L.SALDANHA SANCHES,
Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 147.) que prescreve, sobre interpretação da lei:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Como ficou dito, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 5 de setembro de 2012, proc. nº 314/12, “Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1965, Vol. I., p. 145.).

PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Cfr.
Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp.58/59.) referem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 ss.).

Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Cfr.
O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.

É também comummente aceite que para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios:


“Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da atividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à
mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”
Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica”.


2. Começando pelo teor literal do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, importa realçar que o legislador refere claramente que apenas se encontram isentas de sisa e de imposto de selo “as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.

O que quer dizer que não se trata de uma isenção subjetiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objetiva, uma vez que visa beneficiar a atividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar-se à atividade de exploração dos mesmos.
Na verdade, o legislador é muito claro quando pretende beneficiar as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos. É o que acontece quando no art. 16º do mesmo diploma refere que as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos gozarão relativamente à propriedade e exploração dos benefícios indicados nas alíneas a) a c) do nº 1 do preceito. Ou quando no nº 2 do artº. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 alarga a isenção estabelecida no nº 1 do preceito na “transmissão a favor da empresa exploradora, no caso da proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação”.
O acabado de expor serve para demonstrar que não oferece dúvida que, ao contrário do exposto, no caso da isenção do nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, o legislador quis abranger apenas as aquisições destinadas à «
instalação» de empreendimentos. Como o Decreto-Lei nº 423/83 não contém uma definição para o conceito de «instalação», manda o art. 11º, nº 2, da LGT, que nos socorramos do significado técnico jurídico que nos é dado pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.

Análise atenta da referida legislação mostra-nos que só os Decretos-Lei nºs 167/97, de 4 de julho, e 55/2002, de 11 de março, nos dão uma noção para o conceito de «instalação». Assim, no art. 9º do Decreto-Lei nº 167/97, sob a epígrafe “
Instalação”, pode ler-se que “Para efeitos do presente diploma, considera-se instalação de empreendimentos turísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos.”

As regras respeitantes à exploração e funcionamento dos empreendimentos já instalados constam do capítulo IV.


Por sua vez, o artº. 9º do Decreto-Lei nº 55/2002 define instalação da seguinte forma:
“(…) Considera-se instalação de empreendimentos turísticos o processo de licenciamento, ou de autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção de edifícios ou suas frações destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos”.
E embora os diplomas anteriores sejam omissos quanto à inserção de uma norma com uma noção sobre o conceito de instalação, a verdade é que a mesma coincide com a que decorre da leitura do regime neles consagrado.

Outro dado que importa realçar e que se extrai dos mencionados diplomas é que as operações que fazem parte do conceito de «
instalação» não se confundem com as que correspondem ao conceito de «funcionamento» e «exploração».

Começando com a análise dos diplomas que regularam anteriormente a matéria, temos o Decreto-Lei nº 49399, de 24 de novembro de 1969, que, no seu capítulo IV, sobre a epígrafe “
Da instalação dos estabelecimentos de interesse para o turismo”, dispõe o artº. 21º que “Para poder instalar-se qualquer estabelecimento hoteleiro ou similar deverá, em primeiro lugar, ser requerido à Direção-Geral do Turismo que o empreendimento seja declarado de interesse para o turismo ou sem interesse para o turismo, no prazo e sob a cominação que forem fixados em regulamento”.

E no artº. 22º diz-se que
“Serão organizados pela Direção-Geral do Turismo os processos respeitantes à aprovação da localização e à aprovação do anteprojeto e projeto dos estabelecimentos hoteleiros e similares de interesse para o turismo, ainda que haja lugar à intervenção de outras entidades ou serviços”.

Por sua vez, no Capítulo V, sob a epígrafe,
“Das vistorias e da inspeção dos estabelecimentos de interesse para o turismo”, dispõe o artº. 39º que “nenhum estabelecimento hoteleiro ou similar de interesse para o turismo poderá iniciar a sua exploração sem prévia autorização da Direção-Geral do Turismo ou das delegações da Secretaria de Estado, precedida de vistoria.”

Do preceito decorre que, no âmbito do regime consagrado no referido diploma, uma vez construído/instalado o empreendimento turístico ele só podia começar a funcionar e a ser explorado depois de devidamente autorizado pela Direção-Geral do Turismo.

De seguida, o Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de setembro, que veio proceder à revisão do Decreto-Lei nº 49399, de 24 de novembro, continua a distinguir entre atos e procedimentos tendentes à construção e instalação dos empreendimentos (Capítulo III), e funcionamento e exploração (Capítulo IV).

Por fim, o diploma mais recente, o Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de março, que veio consagrar o novo regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos,
“procedendo à revogação dos diversos diplomas que atualmente regulam esta matéria e reunindo num único decreto-lei as disposições comuns a todos os empreendimentos”, também não contém uma noção de «instalação», mas distingue claramente entre o procedimento respeitante à instalação dos empreendimentos turísticos (arts. 5º e 6º e o Capítulo IV) e o funcionamento e a exploração dos mesmos (Capítulo VII).

Em especial, o artº. 5º, sob a epígrafe
“Requisitos gerais de instalação” (O procedimento de instalação dos empreendimentos turísticos encontra-se sujeito a um regime comum, ou seja, a um conjunto de requisitos comuns, tal como resulta deste artº. 5º, nº 1, e artº. 23º do Decreto-Lei nº 39/2008, por conseguinte, na instalação dos empreendimentos turísticos destaca-se um regime procedimental comum que é o definido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as particularidades ou especificidades que resultem do Decreto-Lei nº 39/2008. Para análise desenvolvida dos requisitos gerais da instrução dos pedidos informação prévia, de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia e dos requisitos específicos da instalação de empreendimentos turísticos, cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, “O procedimento de instalação de empreendimentos turísticos”, Empreendimentos Turísticos, CEDOUA/FDUC, Almedina, 2010, pp. 121 ss.), estabelece:
“1- A instalação de empreendimentos turísticos que envolvam a realização de operações urbanísticas conforme definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação devem cumprir as normas constantes daquele regime, bem como as normas técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, designadamente em matéria de segurança contra incêndio, saúde, higiene, ruído e eficiência energética, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.
2- O local escolhido para a instalação de empreendimentos turísticos deve obrigatoriamente ter em conta as restrições de localização legalmente definidas, com vista a acautelar a segurança de pessoas e bens face a possíveis riscos naturais e tecnológicos”.
(…)”.
O significado técnico jurídico que se extrai da legislação é que o conceito de instalação compreende todas as operações e procedimentos que vão desde o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia de operações urbanísticas, passando pelos pareceres e aprovações das várias entidades oficiais competentes, pedido de autorização ou comunicação de utilização para fins turísticos, e obtenção do respetivo alvará (artº. 30º) ou título de abertura ao público (artº. 32º). Nesta sequência, refere o nº 2 do artº. 12º do Decreto-Lei nº 423/83 que “a data de abertura ou reabertura ao público é aquela em que o empreendimento foi autorizado a funcionar pela autoridade competente”. Sendo que a data de comunicação do título de abertura e funcionamento é a relevante para marcar o início do prazo de validade do estatuto de utilidade turística do empreendimento turístico em causa, tal como resulta no caso em apreço (cfr. o despacho nº 3716/2011).

Dito por outras palavras, a «
instalação» emerge como um procedimento que compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.
Depois de construído e obtidas pelos promotores do investimento as licenças necessárias a tornarem o empreendimento apto ao exercício da atividade turística, cada empreendimento turístico “deve ser explorado por uma única entidade, responsável pelo seu integral funcionamento e nível de serviço e pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis” (nº 1 do artº. 44º do Decreto-Lei nº 39/2008), sendo tal entidade designada pelo titular do respetivo alvará de autorização de utilização para fins turísticos (nº 2 do artº. 44º), ou seja, pelo promotor (cfr. o Capítulo VII e arts. 41º e ss. do Decreto-Lei nº 39/2008, que estabelece as regras relativas à exploração e funcionamento).
E ainda que as unidades de alojamento estejam ocupadas pelos respetivos proprietários, cabe à entidade exploradora assumir a exploração continuada das mesmas, devendo mantê-las permanentemente em regime de exploração turística (artº. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008).
Esta distinção entre os conceitos de «instalação», por um lado, e de «funcionamento» e «exploração», por outro, está bem patente no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, onde se podem ler, em primeiro lugar, as preocupações e inovações quanto aos aspetos relacionados com o licenciamento dos empreendimentos, no sentido da sua simplificação. No mesmo sentido, DULCE LOPES (Cfr. “Aspetos jurídicos da instalação de empreendimentos turísticos”, I Jornadas Luso – Espanholas de Urbanismo, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 225 e ss., em especial, p. 227.), ao caracterizar o procedimento de instalação de empreendimentos turísticos, ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008 e legislação complementar, diz expressamente que com o mencionado diploma se pretendeu “(…) um ajustamento do procedimento de instalação de empreendimentos turísticos às exigências de simplificação e desburocratização procedimental que anima o pacote legislativo do Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa (SIMPLEX)”. E a referida Autora continua dizendo que “Nestes moldes, compete ao município licenciar ou admitir as comunicações prévias das operações necessárias para a instalação de estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e conjuntos turísticos, devendo, para o efeito, solicitar parecer do turismo de Portugal I.P. sobre a arquitetura e a localização de empreendimentos turísticos não precedidos de plano de pormenor”. Regressando à análise do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, verifica-se que de seguida são realçadas as inovações no que se refere à exploração e funcionamento, podendo ler-se, a este propósito, a dado passo, que “No capítulo das exploração e funcionamento, consagra-se um novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos, assente na unidade de exploração e continuidade da exploração por parte da entidade exploradora e na permanente afetação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem o empreendimento, independentemente do regime de propriedade em que assenta e da possibilidade de utilização das mesmas pelos respetivos proprietários”.
Como assinala CRISTINA SIZA VIEIRA (Cfr. Propriedade Plural e Gestão de Empreendimentos Turísticos”, Empreendimentos Turísticos, CEDOUA-FDUC, Almedina, Coimbra, pp. 180 ss.), a verdadeira alteração de fundo introduzida pelo diploma em causa respeita à exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, com consagração expressa no artº. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008.

Já em diplomas anteriores, tal como o Decreto-Lei nº 167/97, se admitia a aquisição de frações autónomas, o que implicava que tais unidades de alojamento fossem retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos, estando fixada a percentagem máxima de unidades de alojamento que poderiam ser desafetadas da exploração.


O que muda com o Decreto-Lei nº 39/2008 é o facto de as unidades de alojamento se considerarem sempre em exploração turística, aplicando-se a regra do artº. 45º a todos os empreendimentos, incluindo os constituídos em propriedade plural, ou seja, em que as unidades de alojamento se possam constituir como frações autónomas, uma vez que a exploração turística ocorre ainda que tais frações estejam ocupadas e ainda que tal ocupação seja permanente. Segundo a mencionada Autora, são duas as principais novidades em relação ao regime anterior: cai por terra
“a percentagem e o limite temporal de uso pelos proprietários das unidades de alojamento que estivessem afetas à exploração turística” (Cfr. ob. cit., p. 184.).

Do exposto resulta claro que as alterações relevantes introduzidas pelo diploma em causa prendem-se sobretudo com um novo conceito de
«exploração», em nada se alterando quanto ao conceito de «instalação». Em relação a este conceito, como vimos, o legislador limitou-se a simplificar o seu procedimento.

Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «
instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os atos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

3. O conceito de instalação a que se chegou é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural.

Com efeito, consideram-se empreendimentos turísticos em propriedade plural, nos termos do art. 52º do Decreto-Lei nº 39/2008, aqueles que “compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios”.

Ao explicar o que está em causa quando falamos de empreendimentos turísticos em propriedade plural, CRISTINA SIZA VIEIRA (Cfr.,
ob. cit., pp. 188 ss.) mostra-nos que a propriedade plural já tem a ver com a exploração e não com a instalação dos empreendimentos.
Assim, para aquela Autora, empreendimentos turísticos em propriedade plural “são empreendimentos turísticos a constituir ou a instalar sob forma fracionada e onde se pretende, desde logo, alienar ou vir a alienar as frações autónomas ou lotes destinados a unidades de alojamento”, apontando como uma das importantes consequências da instalação de um empreendimento em propriedade plural, a consagração de um conjunto de deveres a que quer o promotor quer a entidade administradora ficam vinculados. Nas palavras da Autora, “O promotor é a entidade que promove a “instalação” (conceito usado pela lei) do empreendimento, e por conta de quem o mesmo é licenciado e construído; é ele também que coloca no mercado as frações autónomas ou lotes para a venda. O promotor pode vir a manter-se ligado ao empreendimento, quer enquanto proprietário de algumas frações, quer, no caso de alienação total, enquanto responsável pela sua exploração; mas também pode ceder a sua exploração (e portanto a sua administração) a outrem”.

E a Autora passa a enumerar as várias obrigações do promotor, que têm de ser cumpridas mesmo antes de serem colocadas no mercado as unidades de alojamento ou lotes, isto é, antes de serem celebrados contratos, ainda que meras promessas de compra e venda, destacando-se: a elaboração do título constitutivo previsto nos arts. 54º e 55º do Decreto-Lei nº 39/2008 e o contrato de exploração turística”, que deve regular os termos da exploração da unidade de alojamento, a participação do proprietário nos resultados e os termos e condições em que pode usar a referida unidade (nº 4 do artº. 44º).

Resulta, desta forma, patente que eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.

Embora se reconheça que há no caso dos empreendimentos turísticos em propriedade plural uma evidente compressão do conteúdo do direito de propriedade (uma vez que ainda que a habitem a título permanente a unidade de alojamento não se destina a habitação), a verdade é que tais restrições são estabelecidas em função da forma de exploração e funcionamento do empreendimento e não em virtude da sua instalação.

O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no nº 1 do artº. 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à
«instalação» (Quer sejam novos, quer existentes, mas que sejam objeto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (artº. 5º do Decreto-Lei nº 423/83), este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos (A lei abrange também, como ficou dito, a aquisição de meras frações autónomas com vista à remodelação/instalação de empreendimentos turísticos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respetivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.

4. Esta conclusão é, aliás, confirmada, pela evolução histórica das isenções consagradas no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 e a razão de ser das mesmas.

1. Começando pela evolução histórica, a Lei nº 2073, de 23 de dezembro de 1954, dispunha no artigo 12° o seguinte:

“As empresas proprietárias e as que venham a explorar os estabelecimentos hoteleiros ou similares classificados de utilidade turística são isentas, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, de contribuição predial e de contribuição industrial, e bem assim de quaisquer impostos e taxas para os corpos administrativos, durante o prazo de 10 anos, contado a partir do primeiro ano de exploração dos estabelecimentos; e beneficiarão, nos quinze anos seguintes, de uma redução de 50 por cento nas mesmas contribuições, impostos e taxas.

E o artigo 13° do mesmo diploma concedia ainda outros benefícios fiscais, nos seguintes termos:
São isentas de sisa e de imposto de sucessões e doações, ficando sujeitas apenas a um quinto do imposto do selo devido, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares previamente declarados de utilidade turística, cujas empresas beneficiarão também das isenções estabelecidas no corpo do artigo anterior, desde a aquisição dos prédios até à abertura dos estabelecimentos à exploração, se for observado para esta o prazo fixado pelo Presidente do Conselho.” Resulta dos normativos mencionados que também aqui apenas estavam isentas de sisa (atual IMT) as aquisições, por parte das empresas, de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros.

Por sua vez, a Lei nº 2081, de 04 de junho de 1956, veio inserir disposições de interpretação e aplicação da Lei nº 2073, tendo o artº. 12º vindo estipular que
“Poderão ser restituídas as importâncias correspondentes à sisa e ao imposto sobre as sucessões e doações e aos quatro quintos do imposto do selo pagos pela aquisição de prédios com destino à construção de estabelecimentos hoteleiros e similares, feita posteriormente à entrada em vigor da Lei n° 2073, desde que esses estabelecimentos venham a ser declarados de utilidade turística e sejam abertos à exploração no prazo fixado para o efeito pelo Presidente do Conselho.”

Decorre também daqui com toda a clareza que a restituição da sisa poderia ser feita à empresa que adquiriu um prédio para nele construir e instalar um estabelecimento hoteleiro.

A seguir, o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), através da publicação do Decreto-Lei nº 41969, de 24 de novembro de 1958, veio dispor, no seu artigo 13°, nº 8, que ficavam isentos da sisa, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares, previamente declarados de utilidade turística, nos termos do artigo 13° da Lei nº 2073, de 23 de dezembro de 1964.

Também esta isenção abrangia apenas as aquisições de prédios com o fim de neles construir e instalar estabelecimentos hoteleiros, considerados de utilidade turística, deixando de fora a aquisição de frações que integravam os estabelecimentos hoteleiros.


2. A apontada evolução histórica do conceito de «instalação» é também a que corresponde e se adequa à razão de ser e finalidade das isenções consagradas no artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.

Na verdade, conforme se salienta no Preâmbulo do citado Decreto-Lei
“O instituto de utilidade pública tem-se revelado sem dúvida, um dos instrumentos mais eficazes para o desenvolvimento do setor, em particular no que respeita a equipamento hoteleiro e similar, a que foi inicialmente dirigido”.

E, mais adiante, pode ainda ler-se que
“De igual modo, é agora a ocasião oportuna de fazer estender os benefícios a investimentos no campo da remodelação, beneficiação, reequipamento, e ampliação, iniciativas muitas vezes mais úteis e merecedoras de estímulo que as dirigidas a empreendimentos novos”.

Ora, resulta do diploma que o que se pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística, quer estes sejam novos (a criar), quer existentes, mas que sejam objeto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (artº 5º).
Esta mesma conclusão é a que resulta da leitura do consignado pelo Grupo de Trabalho criado para reavaliar os benefícios fiscais que, a propósito dos benefícios fiscais à utilidade turística em sede de IMT, Imposto do Selo e IMI, recomendam a sua supressão, porquanto, entre o mais, “os promotores de investimentos no setor do turismo mantêm, para além dos apoios financeiros enquadrados nas políticas económicas do Estado Português e da União Europeia, o acesso aos incentivos gerais ao investimento e aos benefícios à interioridade. Por outro lado, minimizando o impacto da medida em sede de IRC, diretamente ou através do aumento das reintegrações e amortizações, os custos decorrentes do IMT e IMI sobre os investimentos que ficam sujeitos a estes tributos” (Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, p. 294).

Resulta patente das considerações do Grupo de Trabalho que o legislador pretendeu impulsionar a atividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (Muitos promotores antes de adquirirem os prédios onde futuramente será instalado o empreendimento turístico, elaboram o projeto e candidatam-se à atribuição da utilidade turística a título prévio (artº. 7º do Decreto-Lei nº 423/83), que lhes permitirá beneficiar da isenção do IMT e redução do imposto do Selo relativamente à aquisição do imóvel. Por outro lado, os promotores que paguem imposto pela aquisição dos imóveis destinados à instalação de estabelecimentos turísticos podem, posteriormente, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística) (ou readaptar e remodelar frações existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de frações (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento (Como vimos, na verdade, nada impede que o promotor do investimento comece por vender as futuras frações ou unidades antes mesmo da construção do empreendimento e da sua instalação.).
Alega a recorrida, nas suas Contra-Alegações, que “(…) na realidade, quem realiza o investimento logo na fase de licenciamento e construção do empreendimento (dita de “instalação” pela recorrente) são os adquirentes das frações, através do pagamento do sinal e dos reforços de sinal por força dos contratos promessa”(art. 23º das Contra-Alegações).
Ora, salvo o devido respeito, tal argumento não tem qualquer fundamento.
Em primeiro lugar, quando o legislador estabelece a isenção no nº 1 do artº. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 abstrai, como não pode deixar de ser, das modalidades de financiamento adotadas pelos promotores, já que para a construção dos empreendimentos eles tanto podem utilizar apenas capitais próprios ou socorrer-se do produto da venda das futuras frações, através da celebração de contratos promessa de compra e venda (No entanto, como salienta CRISTINA SIZA VIEIRA, a possibilidade de alienar a propriedade do ativo imobiliário permite ao promotor aliviar o investimento realizado à cabeça, diminuindo a imobilização do capital e os encargos financeiros a este associados (cfr.
ob. cit., p. 172).).

Em segundo lugar, afigura-se evidente que o adquirente das frações (No caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural (cfr. artº. 52º ss. do Decreto-Lei nº 39/2008.) não se torna, por tal facto, um cofinanciador do empreendimento, com a responsabilidade da instalação, uma vez que está a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial (Sobre a noção, cfr. CRISTINA SIZA VIEIRA,
ob. cit., pp. 173 e 178.), como qualquer consumidor final, quer a aquisição seja concretizada em planta quer depois de instalado/construído o empreendimento. Na verdade, quando os particulares adquirem as frações fazem-no, como se afigura óbvio, como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração, pois, como vimos, a celebração dos contratos promessa de compra e venda é acompanhada da celebração do contrato de exploração. O objetivo que move os particulares é a realização do seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. o nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as frações ficam afetas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respetivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, quando refere expressamente “(…) devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das “(…)” unidades de alojamento “(…) ainda que ocupadas pelos respetivos proprietários”, e no nº 4 do mesmo preceito, quando se refere às condições de utilização das unidades de alojamento pelos respetivos proprietários. Nas palavras de DULCE LOPES (Cfr. “A Concretização de Empreendimentos”…cit., p. 170.), o diploma parece, assim, “acolher o conceito do turismo residencial, já que expressamente admite que os proprietários das unidades de alojamento possam ocupar as mesmas ou celebrar contratos sobre elas, desde que não comprometam o seu uso turístico, usufruam dos serviços obrigatórios do empreendimento e paguem a prestação periódica a que estão vinculados.

Em suma, os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração.

Afigura-se, desta forma, que a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das frações ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito.

O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.

Não podemos, desta forma, deixar de concluir que assiste razão à recorrente quando defende que “(…) Pretendeu o legislador impulsionar este setor de atividade, prevendo isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, mediante determinadas condições, a quem vai criar estabelecimentos turísticos, e não a quem se limita a adquirir frações pertencentes a empreendimentos já instalados”, e que este entendimento ou interpretação é o que decorre “do elemento histórico, racional/teleológico, mas também literal das normas jurídicas em apreço”.

5. Aplicação do exposto ao caso em apreço.

No caso em apreço, como vimos, a Sociedade Comercial “B……., Ldª.”, na qualidade de proprietária/promotora do empreendimento turístico “B’………”, vendeu à recorrida a fração autónoma designadas pelas letras “DD”, destinadas a habitação no âmbito dos serviços de exploração turística (cfr. escritura de compra e venda – fls. 40 a 43 dos autos). Para além de ser a responsável pela construção/criação do empreendimento em causa, pode ler-se a dado passo na sentença recorrida que “(…) a “LICENÇA DE UTILIZAÇÃO TURISTICA Nº 43/09”, foi emitida pela Câmara Municipal de Loulé, em 05/03/2009”, igualmente a favor da referida sociedade.


Na sentença recorrida, como vimos, conclui-se que a aquisição da fração em causa, sendo destinada à exploração turística, cabe na isenção prevista no artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.

Para tanto, ponderou-se na referida sentença que “(…) O empreendimento estará definitivamente instalado quando todas as unidades de alojamento iniciarem o funcionamento.
E permitindo-se a instalação dos empreendimentos por fases, só à medida que cada uma das fases inicie o funcionamento é que se considera que essa fase se considera instalada.
(…)
A venda das frações foi concretizada em diferentes datas.

Assim, a primeira aquisição de cada fração está integrada no processo de instalação do empreendimento”, pelo que tendo a ora recorrida adquirido a fração em 3 de agosto de 2009, à vendedora B…….., LDA, e tendo as mesmas sido destinadas à exploração turística, tais aquisições configuram uma “aquisição inicial e não subsequente, isto é, constituem a primeira venda de cada fração, efetuada pela proprietária do empreendimento, estando assim integradas no âmbito do processo de instalação da totalidade do conjunto turístico, processo que é complexo e prolongado no tempo”. “(…) no caso dos autos a impugnante realizou a primeira aquisição da fração, beneficiando assim do disposto no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, por se tratar de aquisição com destino à instalação turística do empreendimento”.

Atendendo ao exposto, se bem se compreende a sentença recorrida, partindo-se do entendimento de que o empreendimento se considera instalado quando todas as unidades de alojamento iniciarem o funcionamento e que a primeira aquisição de cada fração está ainda integrada naquele processo, as isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83 beneficiam apenas as aquisições iniciais, isto é, as que constituam a primeira venda efetuada pela proprietária do empreendimento, desde que destinada à exploração turística.
Em primeiro lugar, a interpretação a que se chegou na sentença recorrida não tem o mínimo apoio nem na letra nem na razão de ser do referido preceito, como ficou demonstrado.
Com efeito, em lado nenhum o legislador refere que pretende aplicar as isenções referidas naquele preceito à venda das frações pelos promotores do empreendimento e ainda que destinadas à exploração turística.

Recorde-se que o nº 2 do art. 20º nos dá um argumento decisivo nesse sentido, ao alargar a isenção prevista no nº 1 na transmissão a favor da empresa exploradora, mas apenas no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira.
Como ficou demonstrado, no conceito de instalação não pode estar incluída a aquisição de unidades de alojamento que fazem parte do empreendimento, porque essa aquisição é feita tendo em vista a sua exploração a qual só pode ocorrer após o ato final do procedimento de instalação, que coincide normalmente, como vimos, com a abertura ao público. Ora, no caso em apreço, resulta do probatório que o empreendimento iniciou o funcionamento em 4 de setembro de 2008 e a venda da fração em causa apenas ocorreu em 3 de agosto de 2009, ou seja, quando o empreendimento já se encontrava sem qualquer dúvida em funcionamento e exploração.

De qualquer modo, não tem qualquer apoio legal a afirmação segundo a qual “o estabelecimento vai-se progressivamente instalando à medida que as unidades de alojamento vão sendo vendidas”.

É verdade que pode ser autorizada a instalação dos empreendimentos turístico por fases à semelhança do que pode suceder com outras operações urbanísticas (art. 30º, nº 8, do Decreto-Lei nº 39/2008), mas “A delimitação do termo cada fase da obra” deve fazer-se corresponder a uma parte da obra com capacidade para funcionar autonomamente”, nos termos do regime jurídico da Urbanização e da Edificação (Cfr. LICÍNIO LOPES, ob. cit., p. 137/8)

Ficou claramente demonstrado que a venda das unidades de alojamento ainda que adquiridas durante a construção/instalação consubstanciam já o interesse da exploração do empreendimento turístico.

Para uma compreensão cabal dos momentos significativos e principais temáticas que antecedem e seguem a instalação dos empreendimentos turísticos, DULCE LOPES (Cfr. “Concretização de Empreendimentos Turísticos Legislação e Aplicação”, Empreendimentos Turísticos, cit., pp. 152 a 154.) autonomiza os seguintes momentos: “A montante da instalação”, onde destaca problemáticas ligadas, por exemplo, ao planeamento e a definição de opções estratégicas; “instalação” (onde destaca a existência de um especial procedimento para o licenciamento); e a “jusante da instalação”, onde realça as questões relativas à “propriedade”, “administração” e “exploração”.

Acresce que muito menos resulta do mencionado preceito que tal isenção se aplique à primeira transmissão. Se bem se percebe a sentença recorrida, o critério de beneficiar a primeira transmissão derivaria do facto de só a primeira aquisição de cada fração estar integrada no processo de instalação.

Para além de a sentença recorrida partir de um conceito de instalação que não tem correspondência com o regime legal, esta interpretação deixaria de fora precisamente as aquisições visadas pelo legislador, a saber, as efetivadas pelos promotores e destinadas à construção/criação/remodelação de empreendimentos turísticos.

Por outro lado, se o preceito visasse, como pretende a sentença recorrida, beneficiar a aquisição das frações para exploração turística, não fazia sentido estar a discriminar entre as primeiras aquisições e as subsequentes, tanto mais que quem adquire uma unidade de alojamento num empreendimento turístico, constituído ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008, não pode dar-lhe, como vimos, outro destino senão a exploração para fins turísticos. Daí que, no caso em apreço, a fração tenha sido adquirida para habitação mas no âmbito da celebração de um Contrato de Exploração Turística, através do qual foi habilitada a entidade exploradora a realizar a exploração do mesmo, nos termos do disposto o art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008.

Finalmente, realce-se que se o legislador quisesse beneficiar pura e simplesmente o «investimento» em empreendimentos turísticos, através da sua afetação à exploração, então justificar-se-ia que a isenção fosse reconhecida indefinidamente e não apenas ao primeiro adquirente de cada fração. A proceder a interpretação sufragada na sentença recorrida, pode suscitar-se a questão da eventual violação do princípio da igualdade por não se compreender a razão para discriminar os investidores consoantes fossem os primeiros ou segundos adquirentes.


Acresce que se fica sem se perceber o que acontece às aquisições efetivadas em planta que venham a ser objeto de transmissão em momento posterior, mas ainda antes de terminada a instalação no sentido adotado pela sentença recorrida.

Como bem pondera o Ministério Público, no seu douto Parecer, “Os benefícios fiscais são medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora não sejam suscetíveis de integração analógica admitem interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF).

A verdade é que, como se conclui naquele Parecer “
não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil)”, como é patente no caso em apreço no que se refere à interpretação seguida na sentença recorrida, sobre o conceito de «instalação» consignado no nº 1 do artº. 20º do Decreto-Lei nº 423/83.
Finalmente, cumpre realçar que os benefícios fiscais “são medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (artº. 2º do EBF).

E porque representam uma “derrogação da regra de igualdade” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p 311.) e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante. Neste sentido, concluiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 188/2003, de 8/4/2003, “que as isenções tributárias, traduzindo uma exceção à regra da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhe dar fundamento” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 311, nota (499)).
Ora, a entender-se como o faz a sentença recorrida, que o objetivo das isenções consagradas no nº 1 do artº. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 visam premiar o investimento em empreendimentos turísticos, beneficiando os adquirentes de frações ou unidades em empreendimentos já construídos/instalados, não vemos que interesses extrafiscais relevantes ou superiores poderiam justificar a opção do legislador, quando, como acontece no caso em apreço, a fração foi adquirida para uso exclusivo da recorrida, sem qualquer limite temporal.

Por outro lado, considerando que os benefícios fiscais se apresentam, como ficou dito, como uma “exceção à regra da igualdade” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ibidem.) e da capacidade contributiva, não vemos motivo relevante para se discriminar quem compra prédios em empreendimentos turísticos relativamente aos demais consumidores. Em suma, não estando em causa a aquisição de prédios ou de frações autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afetas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no artº. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83. Em face do exposto, assiste razão à recorrente pelo que a sentença recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada.

Deve, desta forma, ser dado provimento ao recurso, com a consequente improcedência da impugnação judicial em causa e manutenção da liquidação de Imposto de Selo”.

Não tendo havido alteração na legislação em que se fundou o transcrito acórdão, não há também agora motivo para se adotar entendimento jurídico diferente.

5.2. Os recorrentes invocam, todavia, que o entendimento - interpretação do artº 20º, nº 1 do DL nº 423/83, de 5 de dezembro - expresso no transcrito acórdão viola os seguintes preceitos constitucionais:
- artigos 2º, 20º, nº 4, 81º, alínea b), 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i) e 104º, nº 2 da CRP;

Em resumo, aquelas inconstitucionalidades resultam da violação da certeza e da confiança dos cidadãos na lei, da violação da igualdade relativa à tributação do património, violação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades e ainda do princípio da legalidade ínsito no artº 103º citado.

Ora, com o devido respeito, estamos perante interpretação da lei feita por um Supremo Tribunal.
Tal interpretação em nada interfere com os princípios afirmadamente violados.
Assim, não sai violado o princípio da igualdade, já que só pode beneficiar da isenção quem preencher os respetivos requisitos. Não sendo os mesmos preenchidos a isenção tem de ser afastada, como foi.
O mesmo se dirá quanto à proteção da certeza e confiança. Só haveria violação se, por hipótese, tivessem sido criadas expectativas posteriormente retiradas, o que também não é o caso. A interpretação deste STA é no sentido claro de que só nos casos referidos existe isenção, pelo que, situações alheias não cabem na mesma isenção.
Também não se compreende muito bem a invocação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades, nem o da violação do princípio da legalidade, os quais se podem aceitar no âmbito das leis e menos no da sua interpretação.
Na verdade, o fato de uma interpretação poder estar errada não acarreta necessariamente a sua inconstitucionalidade.

Por tudo o que ficou dito, o recurso improcede.

6. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida e as liquidações impugnadas.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4 de dezembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.