Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01050/07.1BECBR
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ÓNUS
IDENTIFICAÇÃO
QUESTÃO
Sumário:I - O recurso por oposição de acórdãos depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: i) que exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento na decisão da mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 284.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).
II - Incumbe ao recorrente a identificação, precisa e bem delimitada, da questão fundamental de direito que considera ter sido decidida em sentido divergente e dos termos dessa divergência (cf. art. 284.º, n.º 2, do CPPT), sob pena de não conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P28176
Nº do Documento:SAP2021092201050/07
Data de Entrada:05/26/2021
Recorrente:A…………..
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso do acórdão proferido nestes autos em 27 de Dezembro de 2020 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (a fls. 186 e segs.), invocando oposição com o acórdão do mesmo Tribunal Central, proferido em 30 de Março de 2017 no processo n.º 1059/07.5BECBR ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/fd2c28bf12d94e9580258137003168db.), transitado em julgado.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«i) Vem o presente recurso apresentado pelo facto do acórdão proferido nos presentes autos estar em contradição com o acórdão do mesmo Venerando Tribunal prolatado nos autos de impugnação n.º 1059/07.5BECBR, transitado em julgado.

ii) Sendo manifestamente clara a existência de identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais […]

iii) Por outro lado, é também manifesta a identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto e a existência, nos dois arestos, de solução oposta.

iv) A Administração Tributária pode proceder à avaliação indirecta, nos termos previstos no art. 87.º da LGT na situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, podendo esta impossibilidade de comprovação e quantificação resultar da existência de uma manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, se essa disparidade inviabilizar o apuramento da matéria tributável por força da alínea d) do art. 88.º do referido diploma legal.

v) Assim, nos termos conjugados do n.º 4 do art. 77.º da LGT do art. 87 e 88.º da LGT, a Administração Tributária quando recorre à tributação por métodos indirectos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, terá de especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.

vi) Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.

vii) Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

viii) A solução do acórdão recorrido é desacertada pois a AT não esclarece as razões pelas quais está inviabilizado o apuramento directo da matéria tributável como lhe impõem os n.º 4 do art. 77.º e n.º 3 do art. 74.º, ambos da LGT, limitando-se a dizer que está “...perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável...... acrescentando mais à frente na mesma linha de raciocínio que: “Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento”. Mas porque é que está inviabilizado o apuramento directo da matéria tributável?

ix) O próprio acórdão recorrido não deixa de referir que: “No caso dos autos, decorre do Relatório de Inspecção, parcialmente transcrito no n.º 4 do probatório fixado, que a Administração fundamentou o recurso a métodos indirectos no disposto na alínea d) do artigo 88.º da LGT – “impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável” –, em razão de factos concretamente identificados através dos quais se encontra patenteada uma capacidade contributiva significativamente superior à declarada e cuja origem se desconhece. Tais factos (valor da aquisição do imóvel face aos rendimentos declarados), terão impossibilitado o controlo directo da matéria tributável e justificaram o recurso a métodos indirectos” (negrito e sublinhado nosso). Terão? Não terão? Afinal fica-se onde??????

x) Como se escreve no acórdão do Pleno de 29-10-97, Recursos n.º 22.267 e 22.458, “o administrado tem o direito de ser esclarecido da todas as concretas razões em que se baseou o autor do acto e este o dever de as expressar em ordem a facultar àquele a sua efectiva tutela jurisdicional, o que de resto é postulado pelo princípio da transparência a que a Administração, no exercício das suas funções, está sujeita. Nesta medida, irrelevam como fundamentação as referências vagas e genéricas ou do tipo conclusivo, por as mesmas não serem susceptíveis de esclarecer «concretamente a motivação do acto».

xi) Se até o Tribunal utiliza uma linguagem hipotética, não se pode dizer, e isto apesar da recorrente ter apresentado a impugnação judicial como expressivamente é referido (como se o exercício do direito tivesse a virtualidade de sanar as deficiências praticadas pela AT), que o acto se encontra expressamente fundamentado, porque só esta acepção colhe assentimento e acolhimento legal e constitucional.

Termos em que e nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser recebido e a final, ser proferido douto acórdão que julgue a impugnação procedente, com as legais consequências».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso. Isto, em síntese da sua autoria e após ter elaborado em torno do recurso de uniformização de jurisprudência, dos termos do recurso, do confronto entre os acórdãos recorrido e do alegadamente em oposição, pelos seguintes motivos: «[…]

15. Em face do exposto, entendemos que o recurso não deve ser admitido, por não conter os requisitos mínimos que demandem a intervenção do STA em ordem à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, uma vez que o Recorrente não identificou devidamente a questão jurídica sobre a qual tenham os acórdãos em confronto divergido na interpretação e aplicação do mesmo quadro jurídico aplicável;
16. Sendo certo que da análise dos dois arestos resulta que, pese embora se esteja perante duas situações de facto similares e subsumíveis ao mesmo quadro jurídico aplicável, em cada um dos arestos foram enunciadas e apreciadas questões distintas, o que só por si justifica que tenham sido perfilhadas soluções igualmente distintas».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

«1. Através de ofício n.º 1582, de 13-02-2007, dos Serviços de Inspecção da DDF de Coimbra, enviado à Impugnante por correio registado, o qual aqui se dá por reproduzido, foi a mesma notificada para, no dia 26-02-2007, comparecer naquela Direcção de Finanças, a fim de prestar esclarecimentos sobre a aquisição, em 08-10-2003, da fracção …. do prédio urbano da freguesia de Santo António dos Olivais inscrito na matriz sob o artigo n.º ……, ali constando que se devia fazer acompanhar “de todos os elementos em seu poder relativos ao prédio, nomeadamente documentos comprovativos dos meios de pagamento utilizados, obras ou melhoramentos que porventura tenham sido efectuados e documentos de natureza fiscal, bem como todos os outros que se refiram ao assunto.”, sendo advertida das cominações legais para o incumprimento da notificação (fls. 1 e 1 v.º do PA em apenso);

2. Através do ofício n.º 2018, de 26-02-2007, dos Serviços de Inspecção da DDF de Coimbra, enviado por correio registado, o qual aqui se dá por reproduzido, foi a ora Impugnante novamente notificada para, no prazo de 15 dias, demonstrar fundadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da fracção … do artigo ……… da freguesia de Santo António dos Olivais, devendo fazer prova dos meios de pagamento utilizados na aquisição da referida fracção bem como a proveniência dos respectivos rendimentos, sendo advertida de que a falta de informação, para além de punível contra-ordenacionalmente, poderia conduzir à tributação dos valores de aquisição em sede de IRS como acréscimos patrimoniais não justificados – d) n.º 1 art. 9.º do CIRS (fls. 2 e 3 do PA em apenso);

3. O ofício a que se refere o ponto supra tem, nomeadamente, o seguinte teor: “É do nosso conhecimento que por escritura pública de 8 dias do mês de Outubro de 2003, V. Exª adquiriu a fracção “…” do art. urbano n.º …………. da freguesia de Santo António dos Olivais pelo valor de € 120.000,00, sem recurso ao crédito. Não obstante de todas as declarações periódicas de rendimentos (IRS) que apresentou, apenas consta o rendimento total de € 12.199,39 conforme segue:
Rendimento
2002
Rend. Ilíquido da categoria B
5.985,45
Abatimentos e Deduções
(1.359,76)
2003
Rend. Ilíquido categoria B
8.429,82
Abatimentos e Deduções
(856,12)
TOTAL DE RENDIMENTOS
12.199,39
Desta forma verifica-se terem sido feitos investimentos de valor muito superior à totalidade dos valores que V. Ex.ª declarou como rendimentos sujeitos a IRS. (…)

4. Em 19-03-2007 foi elaborado pelos Serviços de Inspecção da DDF de Coimbra um projecto de correcções aos rendimentos declarados no ano de 2003, que aqui se dá por reproduzido, enviado à ora Impugnante para efeitos do exercício do direito de audição, por carta registada, devolvida ao remetente com a menção “Não atendeu” e “Avisado na Estação de Correios de S. José”, o qual propunha uma correcção ao rendimento global líquido declarado de € 103.121,61, e que tem, nomeadamente, o seguinte teor: “(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III – I – IRS

Depois de analisado o sistema informático, nomeadamente os anexos J de todos os rendimentos pagos pelas várias entidades e respectivos rendimentos declarados pela sujeito passivo desde o início da sua actividade dependente ou independente, verificamos que a mesma obteve como rendimento os seguintes valores:
Valores em Euros
Rendimento Bruto
1
Abatimentos e Deduções
2
Rendimento líquido
3 = 1 + 2
2001
Rend. Categoria A
4.679,00
0
4.679,00
2002
Rend. Categoria B
5.985,45
1.359,76
4.625,69
2003
Rend. Categoria B
8.429,82
856,12
7.573,70
TOTAL
16.878,39

Contudo foi-nos dado conhecer que em 8/10/2003 adquiriu por escritura pública lavrada no 2.º Cartório Notarial de Coimbra a fracção “…” do art.º urbano n.º ……. da freguesia de Santo António dos Olivais pelo valor de € 120.000,00 sem recurso ao crédito.
No entanto, apesar de notificada através do ofício n.º 2018 de 26/2/2007 para no prazo de 15 (quinze) dias informar/justificar fundamentadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da referida fracção autónoma, decorrido o prazo da notificação a sujeito passivo não apresentou qualquer justificação.
Desta forma verifica-se existirem acréscimos patrimoniais não justificados que dão origem ao recurso dos métodos indirectos para obtenção da matéria tributável sujeita a IRS conforme no item seguinte se desenvolve.

IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

Conforme referido no parágrafo anterior, a sujeito passivo auferiu/declarou rendimentos líquidos sujeitos a IRS desde o início da sua actividade, inferiores ao valor utilizado na aquisição da fracção a que foi feita referência ou seja:

Valores em Euros
VALORES
1 – Total dos rendimentos líquidos auferidos conforme consta do item anterior
16.878,39
2 – Total utilizado na aquisição da fracção “Q” do artº urbano nº 11651 da freguesia de Santo António dos Olivais
120.000,00
3 – VALOR UTILIZADO NA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL SEM JUSTIFICAÇÃO DA SUA ORIGEM
(2-1)
103.121,61
Constatado este facto, indiciador de que o sujeito passivo terá obtido rendimentos sujeitos a tributação superiores aos auferidos/declarados para efeitos de IRS, foi a sujeito passivo notificada conforme fizemos referência no item anterior, para esclarecer fundamentadamente qual a proveniência daqueles rendimentos, no entanto, não apresentou qualquer justificação.
Desta sorte e por falta de justificação fundamentada, consideramos a origem dos rendimentos de € 103.121,61 (valor utilizado na aquisição da fracção (€ 120.000,00) abatido do rendimento líquido auferido (€ 16.878,39)), não justificados.
Desta forma, porque estamos em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e ainda porque existe a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Estão assim reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) e 88º al. d) da Lei Geral Tributária.

V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento.

Para tanto, iremos utilizar como critério para a sua determinação, o valor total utilizado sem recurso ao crédito na aquisição da fracção “…” do artº …….. da freguesia de Santo António dos Olivais abatido do rendimento líquido auferido.
Assim:

V. 1 – IRS

Da respectiva análise apuramos que o valor total utilizado na aquisição da referida fracção foi de valor muito superior ao valor líquido total auferido e conhecido conforme se passa a apurar.

Valores em Euros
VALORES
1 – Total dos rendimentos líquidos auferidos conforme consta do item anterior
16.878,39
2 – Total utilizado na aquisição da fracção “Q” do artº urbano nº 11651 da freguesia de Santo António dos Olivais
120.000,00
3 – VALOR UTILIZADO NA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL SEM JUSTIFICAÇÃO DA SUA ORIGEM
(2-1)
103.121,61

Dessa forma e por desconhecimento da origem da respectiva diferença de € 103.121,61, iremos considerar que a mesma se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados –, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do artº 9º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares. (…)” (fls. 5 a 9 do PA em apenso);

5. Em 19-04-2007 foi elaborado pelos Serviços de Inspecção da DDF de Coimbra o relatório final de inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, enviado à Impugnante por carta registada com AR, assinado em 29-05-2007, de teor idêntico ao projecto a que se refere o ponto anterior, acrescendo, apenas, o item “IX. Direito de Audição”, dando conta de que, até à data, não lhes havia sido dado conhecimento de que o direito de audição tivesse sido exercido (fls. 11 a 15 v.º do PA em apenso);

6. Em 20-06-2007 deu entrada na DDF de Coimbra, remetido por correio registado com data de 19-06-2007, um requerimento da ora Impugnante, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consubstanciando um pedido de revisão ao abrigo do artigo 91.º da LGT, com teor, no essencial, idêntico ao da presente p.i., não juntando qualquer documento, excepto a procuração (fls.16 a 29 do PA em apenso);

7. Em 05-07-2007 reuniram os peritos da AF e da Impugnante, no âmbito do procedimento de revisão a que se refere o art. 91.º da LGT, reunião espelhada na Acta n.º 022/LGT, que aqui se dá por reproduzida, não tendo as partes chegado a acordo, tendo ficado o perito da contribuinte de diligenciar no sentido de obter prova susceptível de comprovar que o valor que serviu de base à compra da fracção “…” do artigo ……. proveio de doação do seu avô, B………….., prova essa que, no entender do perito da AF seria os extractos das contas bancárias e os cheques emitidos pelo avô com cópia frente e verso e os extractos da conta bancária da neta beneficiária onde o dinheiro entrou e onde saiu para o pagamento (fls. 32 e 32 v.º do PA em apenso);

8. Em 16-07-2007, data marcada para a reunião, o perito da Impugnante faltou, tendo sido designada a data de 23-07-2007 para a reunião seguinte, conforme Acta n.º 022-A/LGT, que aqui se dá por reproduzida (fls. 33 do PA em apenso);

9. Em 23-07-2007 reuniram os peritos da AF e da Impugnante, no âmbito do procedimento de revisão a que se refere o art. 91.º da LGT, reunião espelhada na Acta n.º 022-B/LGT, que aqui se dá por reproduzida, não tendo havido acordo, em virtude do perito da Impugnante não ter junto os elementos de prova solicitados, por entender “que tais elementos são absolutamente inócuos porquanto tratando-se, como se tratou, de uma doação, irá apresentar-se voluntariamente, no Serviço de Finanças local, para pagamento do imposto, juros e demais acréscimos legais que se mostrarem devidos por aqueles factos, documentação que irá juntar ao presente procedimento, logo após a efectivação dos mencionados pagamentos” e o perito da AF entender que “dado que não foram exibidos os documentos de prova aludidos na referida acta de 5 do corrente mês (…) os elementos que a parte protesta apresentar, nomeadamente referentes à legalização fiscal duma pertença (sic) doação, em nada alteram os pressupostos da presente tributação (…)” (fls. 35 e 35 v.º do PA em apenso);
10. Em 24-07-2007, ao abrigo do art. 92.º da LGT, foi pelo Director de Finanças de Coimbra proferido o despacho n.º 14/2007, que aqui se dá por reproduzido, o qual manteve os valores inicialmente fixados para efeitos de IRS do ano de 2003, tendo aderido ao critério proposto no relatório de inspecção tributária para determinação da matéria tributável, dando por reproduzidos os cálculos e fundamentos, bem como a posição do perito do contribuinte, não aceitando, porque entendeu não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, considerando verificados os pressupostos da tributação por métodos indirectos em virtude de existirem acréscimos patrimoniais não justificados, de acordo com o art. 9.º n.º 1 d) do CIRS e 87.º b) e 88.º d) da LGT, tendo tal despacho, designadamente, o seguinte teor: “(…) Efectivamente, o ónus da prova recai sobre quem os invoque, e o perito da contribuinte não logrou provar o que invoca. Não provou como foi possível à contribuinte adquirir o mencionado imóvel argumentando que “o montante necessário para a compra do imóvel, dada a inexistência de rendimentos para o efeito, foi proveniente de doação do seu avô”. No entanto o seu perito, no debate contraditório, só acrescenta que “a referida doação não foi titulada formalmente por escritura pública ou por qualquer outro documento”, não nos tendo apresentado quaisquer documentos que confirmassem a participação da doação no serviço de finanças respectivo.
Durante o ano de 2003, ainda se encontrava em vigor o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), o qual estipulava no seu artigo 3º que “O imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários”. A donatária era obrigada a participar a doação (artigo 60.º do CIMSISD) na repartição de finanças do concelho ou bairro do domicílio do titular da liberalidade (artigo 59.º do CIMSISD).
Contactado o Serviço de Finanças de Figueira 1, onde residia o doador, questionámos se teria sido participada alguma doação efectuada pelo Sr. B……………. a A………………, tendo-nos sido comunicado que não existe qualquer participação de doação.
Logo, não foi feita prova da proveniência dos € 120.000,00 para a aquisição da referida fracção, que até à data da escritura se encontrava inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Santo António dos Olivais, em nome de C………………, Ldª, NIPC………….., (empresa onde os filhos do doador – C………. (casado com D……..) e E………….. (casado com F…………..) são administradores).
Que o critério operado na quantificação da matéria tributável se mostra adequado a definir a situação tributária concreta da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
O ónus da prova do excesso na quantificação já não compete à Administração Fiscal mas sim ao sujeito passivo, tal como determina o n.º 3 do art.º 74.º da LGT, coisa que este não logrou fazer. (…)” (fls. 36 a 39 do PA em apenso);

11. O despacho a que se refere o ponto anterior foi enviado ao Mandatário da Impugnante por carta registada com AR, assinado em 02-08-2007 (fls. 40 e 40 v.º do PA em apenso);

12. Em 13-08-2007 foi emitida a liquidação de IRS do ano de 2003, com o n.º 2007 5004362080, cuja nota de cobrança com o n.º 2007 00001179985, tem o valor a pagar de € 40.044,25 e data limite de pagamento de 26-09-2007, dela constando o “Estorno da Liq. de 2003 – Liq. 2004 5002700737” no valor de 218,36, o “Acerto Liq. de 2003 – Liq. 2007 5004362080” no valor de 36.010,68 e “Juros Compensatórios, Liq. 2007 00001840952” no valor de 4.251,93 (fls. 20 a 22 dos autos);

13. A fls. 21 dos autos, junta pela Impugnante com a p.i., consta a “Demonstração da liquidação de juros”, que aqui se dá por reproduzida, a qual contém as seguintes informações: Período de tributação: juros compensatórios de 2003-01-01 a 2003-12-31; Liquidação/Documento Base: 2007 5004362080, IRS; Liquidação Juros: 2007 00001640952; Valor Base: 35.792,32; Período de Cálculo: 2004-05-01 a 2007-04-19; Taxa (%): 4,00; Valor: 4.251,93; Total: 4.251,93;

14. Em 07-08-2007 a ora Impugnante efectuou o pagamento da quantia de € 50,00, a título de coima, pela participação fora do prazo de doação (fls. 23 e 24 dos autos);

15. Em 28-09-2007 foi liquidado à Impugnante o imposto sobre sucessões e doações no valor de € 6.002,83, relativo à doação declarada de € 100.000,00, imposto que foi pago em 12-10-2007, constando da respectiva declaração como doadores F……… e B……….. e data da doação 06-10-2003 (fls. 25 e 26 dos autos).

3.2. Factos não provados

A. O avô da Impugnante doou-lhe a quantia de € 103.121,61, que foi considerado pela AT como acréscimo patrimonial não justificado – categoria G do IRS – no ano de 2003, a que se refere o ponto 4. supra (apesar de invocar que o valor da compra do imóvel lhe havia sido doado pelo seu avô, sem concretizar o montante, a forma e a data, não fez prova documental de tal doação, não tendo junto os meios monetários que serviram de base à aquisição, nem qualquer elemento da sua conta bancária que o demonstrasse, sendo que a participação da doação e pagamento do respectivo imposto já depois do termo do procedimento de revisão, por terem sido feitos extemporaneamente, não têm a susceptibilidade de provar que essa doação existiu – a declaração da Impugnante não se pode presumir verdadeira, já que não foi apresentada nos termos da lei – art. 75.º n.º 1 da LGT. Para além disso, verifica-se que o valor declarado da doação foi de € 100.000,00 – cfr. ponto 15. supra – sendo que o valor que foi considerado injustificado foi de € 103.121,61 por ter sido considerado que o valor dos rendimentos dos anos de 2001 a 2003 teriam sido totalmente aplicados na aquisição do imóvel (como se a Impugnante não tivesse utilizado qualquer valor na sua vida diária durante esses 3 anos), nada sendo dito quanto aos restantes € 3.121,61).

Para além deste, inexistem outros factos não provados com interesse para a questão decidenda».

2.1.2 Por seu turno, o acórdão fundamento considerou como provada a seguinte matéria de facto:

«A – Por determinação dos serviços da Impugnada, foi a Impugnante sujeita a inspecção interna (cf. doc. fls. 5 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B – Por ofício dos serviços da Impugnada, datado de 26.02.2007, foi a Impugnante notificada para “[… ] informar/demonstrar fundamentadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição [… ]” da fracção autónoma designada pela letra «…» do art.º urbano n.º ….. da freguesia de Santo António dos Olivais, adquirida pelo valor de € 125.000,00, sem recurso a crédito (cf. doc . fls. 1 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

C – Em documento intitulado «Projecto de Correcções (Conforme art.s 60º da LGT e 60º do RCPIT», datado de 19.03.2007, extrai-se que:
[… ]

II – 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal

Pelo facto da sujeito passivo ter adquirido uma fracção autónoma para habitação em 23 de Dezembro de 2003 pelo valor de € 125.000,00 ser recurso ao crédito, e, sem que a mesma tenha declarado ter auferido qualquer rendimento para efeitos fiscais, foi a mesma notificada pelo ofício nº 2019 de 26/2/2007 para no prazo de 15 (quinze) dias informar/justificar fundadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da referida fracção autónoma.
Porque decorrido o prazo da notificação sem que fosse apresentada qualquer justificação, foi aberta a ordem de serviço interna OI200700606 para o exercício de 2003 que agora cumpre informar.

II – 3. Outras situações

A sujeito passivo em análise nasceu aos 29/11/1982 e até 2005 não existe qualquer declaração de rendimentos de IRS apresentada nem no nosso sistema informático consta que a mesma tenha exercido qualquer actividade ou obtido qualquer rendimento.
É solteira não fazendo parte do seu agregado familiar qualquer dependente.
[… ]

IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.

[… ]

Desta sorte e por falta de justificação fundamentada, consideramos a origem dos rendimentos de € 125.000,00 (valor utilizado na aquisição da fracção autónoma a que fizemos referência), não justificados.
Assim, estamos em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Desta forma estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária.

V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento.

V.1 – IRS

Para tanto, iremos utilizar como critério para a sua determinação, o valor total utilizado sem recurso ao crédito (€ 125.000,00) na aquisição da fracção “…” do artº 1… da freguesia de Santo António dos Olivais.
Dessa forma e por desconhecimento da origem daquele valor, iremos considerar que o mesmo se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados -, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do artº 9º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
[… ]
(cf. doc. fls. 8 a 13 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D – No documento referido na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte da Sra. Chefe de Divisão dos Serviços de IT (cf. docs. fls. 8 a 13 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E – Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado por ofícios dos serviços da Impugnada, tendo sido aquela notificada para exercer o “direito de audição” (cf. docs. fls. 6 a 7 e 14 a 15 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

F – Em 17.04.2006 foi elaborado pelos serviços da Impugnada o «Relatório/Conclusões (conforme art.º do RCPIT)», do qual se extrai:
[… ]
II – 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Pelo facto da sujeito passivo ter adquirido uma fracção autónoma para habitação em 23 de Dezembro de 2003 pelo valor de € 125.000,00 ser recurso ao crédito, e, sem que a mesma tenha declarado ter auferido qualquer rendimento para efeitos fiscais, foi a mesma notificada pelo ofício nº 2019 de 26/2/2007 para no prazo de 15 (quinze) dias informar/justificar fundadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da referida fracção autónoma.
Porque decorrido o prazo da notificação sem que fosse apresentada qualquer justificação, foi aberta a ordem de serviço interna OI200700606 para o exercício de 2003 que agora cumpre informar.
II – 3. Outras situações
A sujeito passivo em análise nasceu aos 29/11/1982 e até 2005 não existe qualquer declaração de rendimentos de IRS apresentada nem no nosso sistema informático consta que a mesma tenha exercido qualquer actividade ou obtido qualquer rendimento.
É solteira não fazendo parte do seu agregado familiar qualquer dependente.
[… ]
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
[… ]
Desta sorte e por falta de justificação fundamentada, consideramos a origem dos rendimentos de € 125.000,00 (valor utilizado na aquisição da fracção autónoma a que fizemos referência), não justificados.
Assim, estamos em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Desta forma estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária.
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento.
V.1 – IRS
Para tanto, iremos utilizar como critério para a sua determinação, o valor total utilizado sem recurso ao
crédito (€ 125.000,00) na aquisição da fracção “…” do artº 1… da freguesia de Santo António dos Olivais.
Dessa forma e por desconhecimento da origem daquele valor, iremos considerar que o mesmo se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados -, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do artº 9º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
[… ]
(cf. doc. fls. 16 a 21 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G – No relatório referido na alínea anterior foi aposto em 21.09.2006, despacho de concordância por parte do Sr. Director de Finanças Adjunto (cf. doc . fls. 16 a 21 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H – Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado por ofícios da Impugnada (cf. docs. fls. 22 a 24 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

I – Em 29.05.2007 a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Director de Finanças de Coimbra que designou como «Pedido de Revisão» (cf. doc. fls. 27 a 38 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J – Na sequência da exposição escrita referida na alínea anterior foi aberto procedimento de revisão em sede de IRS do ano de 2003 (cf. docs. a fls. 25 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

K – No procedimento referido na alínea anterior foi proferido despacho pelo Sr. Director de Finanças, datado de 23.07.2007, no qual se concluiu que: “[… ] E pelas razões expostas, porque racionalmente fundamentadas, aderimos à aplicação dos critério proposto no relatório de Inspecção Tributária na determinação da matéria tributável – cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos e com os quais concordamos – bem como a posição do perito da administração, o que vale por não aceitarmos, por não provados, o excesso de quantificação da matéria tributável, e logo, a pretensão do contribuinte, confirmando que se encontram reunidas as condições para avaliação indirecta da matéria tributável, dado existirem acréscimos patrimoniais não justificados, aplicando-se os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) da LGT.
Pelo que
Mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S., sendo o rendimento global líquido no total de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) para o ano de 2003 […]” (cf. doc. a fls. 51 a 57 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

L – Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado da Impugnante (cf. docs. a fls. 58 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

M – Foram elaborados pelos serviços da Impugnada os documentos de correcção únicos referentes ao IRS do ano de 2003 da ora Impugnante (cf. docs. a fls. 61 a 75 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

N – Os serviços da Impugnada procederam à liquidação adicional de IRS da Impugnante referente ao ano de 2003 e respectivos juros (cf. docs. a fls. 20 a 21 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

O – Em 10.12.2007, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto sobre sucessões e doações e respectivos juros por doação no montante de € 125.000,00 que recebeu de B……… e F………. ocorrida em 09.12.2003 (cf. doc. a fls. 22 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do art. 284.º do CPPT, justificando-o «pelo facto do acórdão proferido nos presentes autos estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal prolatado nos autos de impugnação n.º 1059/07.5BECBR», mas sem identificar a questão fundamental de direito sobre a qual haverá a contradição susceptível de justificar o recurso.
Na verdade, depois de elencar os factos dados como provados num e noutro acórdão, afirmou que é «manifestamente clara a existência de identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais», bem como que «é também manifesta a identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto e a existência, nos dois arestos, de solução oposta»; de seguida, a Recorrente passou a referir o que decidiram os arestos e com que fundamentos, bem como a enunciar a que considera ser a melhor interpretação das regras – arts. 74.º, n.º 3, e 77.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT) – que impõem à AT, para recurso aos métodos indirectos na tributação, que fundamente os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa da matéria tributável, para, sem mais, a elencar os motivos por que discorda do acórdão recorrido. No entanto, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a Recorrente «não faz qualquer esforço, apesar do extenso arrazoado sobre a fundamentação do acto administrativo, em identificar qualquer questão jurídica sobre a qual os acórdãos em confronto tenham perfilhado solução distinta». Pronunciar-nos-emos adiante sobre as consequências dessa omissão.
Não se suscitando dúvida quanto à verificação dos requisitos processuais da admissibilidade do recurso, importa averiguar da verificação dos respectivos requisitos substanciais. Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 A admissibilidade do recurso para recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 284.º do CPPT, depende i) da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento, já transitado, sobre a mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Começaremos, pois, por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.2.2 Como adiantámos, a Recorrente não identificou a questão fundamental de direito sobre a qual pretende que este Supremo Tribunal uniformize jurisprudência, como lho impõe expressamente o disposto no n.º 2 do art. 284.º do CPPT.
Ora, em ordem a desincumbir-se do ónus de alegação que, obrigatoriamente e por força daquela norma, deve acompanhar a petição de recurso, não basta ao recorrente referir a identidade das situações de facto e o que foi decidido pelos arestos em confronto e as respectivas fundamentações, bem como fazer a crítica do decidido no acórdão recorrido; exige-se-lhe, aliás como condição primeira, que alegue qual a questão fundamental de direito relativamente à qual considera haver contradição, identificando-a de modo preciso e delimitando os seus contornos. O que a Recorrente não fez.
Poderá, eventualmente, argumentar-se que a quase perfeita identidade fáctica das situações dirimidas em cada um dos arestos – que resulta manifesta da comparação dos factos que ficaram provados num e noutro acórdão – permitiria intuir qual a questão que por estes foi decidida em sentido divergente e, assim, que determinou a diferente sorte das impugnações judiciais, o que poderia justificar uma menor atenção por parte da Recorrente no cumprimento do ónus de identificação da contradição alegada, de qual a questão fundamental de direito decidida em sentido contrário. Mas só seria assim se também no tratamento jurídico dado às situações de facto pudéssemos verificar um paralelismo que permitisse detectar onde os acórdãos tinham divergido. Como procuraremos demonstrar adiante, não foi assim.
Seja como for, o incumprimento pela Recorrente da imposição que lhe é feita pelo n.º 2 do art. 284.º do CPPT, in casu no que se refere à identificação da questão fundamental de direito alegadamente decidida em sentido divergente pelos acórdãos em confronto, é motivo suficiente para que não se conheça do mérito do recurso, como decidiremos a final.

2.2.2.3 Sem prejuízo do que deixámos dito, diremos ainda, como mero reforço argumentativo e secundando a posição assumida pelo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, que, mesmo fazendo um esforço no sentido de detectarmos qual poderia ter sido a questão fundamental de direito decidida em sentido divergente nos acórdãos – uma vez que, reiterámos, as situações de facto numa noutro são idênticas – chegamos à conclusão de que o que determinou procedência da impugnação judicial no acórdão fundamento e a improcedência da impugnação judicial no acórdão recorrido foi a solução que em cada um deles foi dada a questões diversas e não à mesma questão.
Ambos os acórdãos se referem a situações em que o sujeito passivo adquiriu um imóvel sem recurso a crédito, sendo que num caso de valor substancialmente superior aos rendimentos declarados e no outro sem que houvesse apresentação de quaisquer declarações de rendimentos. Nos dois casos, a AT concluiu, em sede de inspecção tributária, que estavam «reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do art. 9.º n.º 1 al. d) do CIRS e arts. 87.º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária» ( Note-se que, à data a que se reportam os factos (2003), a redacção do art. 87.º da LGT era a resultante da Lei n.º 30-G/2000. ) e que «por desconhecimento da origem [do valor que permitiu a aquisição do imóvel], iremos considerar que o mesmo se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados –, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do art. 9.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares» [cf. facto provado sob n.º 4 no acórdão recorrido e facto provado sob a alínea C) no acórdão fundamento], mantendo esse entendimento na apreciação do pedido de revisão da matéria tributável.
Ou seja, em ambos os acórdãos o Tribunal Central Administrativo Norte abordou a temática dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e sua verificação em face de acréscimo patrimonial não justificado (aquisição, mediante pagamento a pronto e sem recurso a crédito, de imóvel de valor não compatível com os rendimentos declarados pelo sujeito passivo ou sem declaração de rendimentos).
Mas, insistimos, o sentido decisório divergente não se deve a uma diferente resposta à mesma questão, como procuraremos demonstrar. Vejamos:
No acórdão recorrido, o Tribunal Central Administrativo Norte enunciou a questão a dirimir como sendo de saber se «a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito no que tange aos pressupostos para a tributação por métodos indirectos, bem como, ao critério de quantificação», designadamente se este, como sustenta a Recorrente «não se mostra adequado, nem cumpre as exigências legais de fundamentação».
Após diversos considerandos, e depois de salientar que «no cerne da indignação da Recorrente está, desde logo, o facto de o Tribunal a quo ter errado no seu julgamento ao concluir não ter a AT incorrido em falta de fundamentação, aquando da determinação do critério de quantificação da matéria tributável», concluiu o Tribunal Central Administrativo Norte que «não se nos afigura que ocorra falta de fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável, pois que a AT revelou, com clareza, em que elementos se baseou para determinar o respectivo quantum». Ou seja, o acórdão recorrido procedeu à análise da questão da falta de fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável enquanto vício formal, tendo concluído que não ocorria essa falta de fundamentação, por a AT ter revelado «com clareza, em que elementos se baseou para determinar o respectivo quantum».
Por sua vez, no acórdão fundamento o Tribunal Central Administrativo Norte enunciou a questão objecto do recurso nos seguintes termos: «O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação por verificação do vício de violação de lei invocado pela Impugnante». E analisando a matéria de facto assente considerou o TCA que «[s]e a contribuinte não declarou quaisquer rendimentos, então a disponibilização dos 125.000 Euros patenteia uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada». Mais considerou que «… mesmo que esteja verificada a situação fática descrita na alínea d) do art. 88.º LGT, não pode a AT lançar mão da avaliação indirecta sem previamente demonstrar que a anomalia ou incorrecção inviabiliza o apuramento da matéria tributável e que só através de indícios, presunções ou outros elementos que a administração tributária disponha (art. 83.º/2 LGT) o pode fazer» e concluiu: «Não tendo a AT enunciado outros fundamentos para lançar mão da avaliação indirecta, é forçoso concluir que os invocados não constituem pressupostos para a avaliação indirecta o que torna ilegal a liquidação impugnada».
Em suma, enquanto no acórdão fundamento, o Tribunal Central Administrativo Norte considerou que a AT não tinha esclarecido os motivos da impossibilidade da quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, e nessa medida não estarem reunidos os pressupostos do recurso à avaliação indirecta, no acórdão recorrido as instâncias debruçaram-se sobre o vício (formal) da falta de fundamentação do critério de quantificação da matéria tributável, tendo concluído que não ocorria essa falta de fundamentação, por a AT ter revelado «com clareza, em que elementos se baseou para determinar o respectivo quantum».
Afigura-se-nos, pois, que as diferentes soluções perfilhadas nos acórdãos, não assentam na análise da mesma questão jurídica, mas antes na análise de questões diversas, em virtude de uma abordagem diversa das idênticas situações de facto – cuja correcção aqui não nos cumpre sindicar – e que conduziu a diferente solução jurídica.
Recorde-se que o recurso previsto no art. 284.º do CPPT é um recurso para uniformização de jurisprudência, motivo por que não pode passar-se a sindicar a solução jurídica do acórdão recorrido sem que, previamente e como condição necessária, se verifique a existência, entre o acórdão recorrido e o que for invocado como fundamento, de contradição quanto à mesma questão essencial de direito (contradição que tem que ser alegada e identificada, precisa e circunstanciadamente).
Também por este motivo não poderia conhecer-se do mérito do recurso.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso por oposição de acórdãos depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: i) que exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento na decisão da mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 284.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).

II - Incumbe ao recorrente a identificação, precisa e bem delimitada, da questão fundamental de direito que considera ter sido decidida em sentido divergente e dos termos dessa divergência (cf. art. 284.º, n.º 2, do CPPT), sob pena de não conhecimento do mérito do recurso.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo decidem, em pleno, não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento como adjuntos.

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Lisboa, 22 de Setembro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.