Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:036/21.8BALSB
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31011
Nº do Documento:SAP20230524036/21
Data de Entrada:04/01/2021
Recorrente:A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ...00, com sede na Rua ..., ... Lisboa, Requerente no processo arbitral n.º 827/2019-T, que correu seus termos junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), vem, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º(1) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e, bem assim, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), com as devidas adaptações à luz das especificidades do processo arbitral, interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo com fundamento na oposição entre a decisão arbitral proferida nos autos acima identificados e a decisão arbitral proferida no processo n.º 680/2016-T do mesmo CAAD.

Alegou, tendo concluído:
(a) O presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, admissível à luz do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, é interposto, simultaneamente, com a impugnação da mesma decisão junto do Tribunal Central Administrativo Sul (admissível à luz do artigo 27.º do RJAT), por estarem em causa dois meios impugnatórios distintos cuja cumulação, no seio do mesmo expediente processual, é impossível, sendo admissível, porém, a sua interposição simultânea de acordo com a jurisprudência lavrada por este Supremo Tribunal Administrativo.
(b) O presente recurso tem por objeto o acórdão arbitral proferido em 03.02.2021, no âmbito do processo n.º 827/2019-T, no qual a aqui Recorrente peticionou a anulação da liquidação adicional de IRC n.º ...31 e demonstração de acerto de contas n.º ...26, referentes ao exercício de 2015 e, bem assim, da liquidação adicional de IRC n.º ...45 e demonstração de acerto de contas n.º ...48, referentes ao exercício de 2016, tendo o seu pedido arbitral sido julgado improcedente, pugnando o tribunal arbitral pela manutenção das liquidações em causa.
(c) Discutia-se, no referido processo arbitral, a dedutibilidade dos encargos financeiros contraídos pela Recorrente através de dois financiamentos obtidos com a finalidade de adquirir 70% do capital social da B... respeitantes aos exercícios de 2015 e 2016.
(d) Na decisão recorrida, entendeu o tribunal arbitral que a questão decidenda no processo era precisamente a da verificação, ou não, do preenchimento, por parte dos encargos suportados pela aqui Recorrente, com os financiamentos obtidos para adquirir a referida participação na B... dos requisitos plasmados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, designadamente da sua indispensabilidade face ao objeto social da Recorrente, tendo concluído - não obstante a declaração de voto vencido do árbitro ... - que os referidos gastos, objeto do litígio, não se revelam enquadráveis face ao disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, sufragando uma interpretação do referido preceito legal frontalmente oposta àquela defendida numa outra decisão arbitral, nomeadamente naquela emanada no âmbito do processo n.º 680/2016-T.
(e) Em ambas as decisões arbitrais em antinomia são escrutinados os gastos associados aos dois financiamentos contraídos para aquisição da participação social de 70% da sociedade B... embora um e outro digam respeito a diferentes exercícios: o acórdão impugnado respeita aos encargos referentes a 2015 e 2016, ao passo que o acórdão fundamento se refere aos encargos referentes a 2012.
(f) No acórdão arbitral de 05.09.2017, proferido no processo n.º 680/2016-T, foi discutida a mesma questão fundamental de direito, designadamente a dedutibilidade, para efeitos fiscais, dos encargos financeiros à luz do artigo 23.º do Código do IRC - sendo que a operação em causa, à qual estavam associados os referidos encargos, é exatamente a mesma em causa no acórdão impugnado, apenas diferindo o exercício fiscal a que se referem os mencionados encargos -, tendo o tribunal arbitral pugnado pela aceitação dos gastos, em razão de os financiamentos que os originaram terem sido contraídos no interesse da Recorrente, verificando-se os pressupostos plasmados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
(g) Face à decisão do acórdão impugnado - em que o tribunal arbitral pugnou pela não aceitação dos gastos, indeferindo a pretensão da Recorrente - e à decisão do acórdão fundamento – em que o tribunal arbitral pugnou pela aceitação dos gastos, deferindo a pretensão da Recorrente -, observa-se uma patente contradição no que respeita à mesma questão fundamental de direito, i.e., à interpretação e aplicação do referido normativo face à natureza dos gastos em crise.
(h) É, também, visível, não só a identidade do quadro regulador aplicável, porquanto a norma jurídica convocada (ou convocável) é a mesma (in casu, a aplicação e interpretação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC), mas também a identidade das situações fáticas, porquanto em causa está a mesma operação, realizada pela mesma entidade - a ora Recorrente.
(i) O acórdão impugnado colide, ainda, com o acórdão arbitral proferido em 23.05.2016, no âmbito do processo n.º 614/2015-T - em que está em causa a mesma questão fundamental de facto -, tanto no que respeita à indagação da (in)dispensabilidade dos custos associados à operação de financiamento, como, quanto à alegada duplicação de encargos financeiros, pelo que, ainda que a título meramente subsidiário, é também patente e inarredável a desconformidade entre o acórdão impugnado e este último, proferido em 23.05.2016, no âmbito do processo arbitral n.º 614/2015-T.
(j) O tribunal arbitral incorreu, por isso, num flagrante erro judiciário, consubstanciado numa interpretação errónea do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC face ao circunstancialismo em causa no caso vertente, tendo inclusive extravasado o núcleo essencial da questão decidenda, desenvolvido arbitrariamente outro raciocínio, sem que tal tenha sido adequadamente suscitado, semelhante àquele que apenas caberia se se estivesse diante da aplicação da cláusula geral anti-abuso ou das regras relativas aos preços de transferência, não curando de saber, tão-só, se os encargos financeiros foram contraídos / suportados no interesse exclusivo da Recorrente, à luz do seu objeto social.
(k) Deve, pois, o acórdão impugnado ser revogado por este Supremo Tribunal Administrativo, sendo substituído por outro, nos termos legalmente devidos, que atenda à pretensão da Recorrente, porquanto é forçoso concluir pela dedutibilidade, in casu, como se fez no Acórdão fundamento, dos encargos financeiros incorridos pela Recorrente com os financiamentos contraídos para a aquisição de 70% do capital social da B... nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, designadamente por estar verificado o necessário nexo de causalidade entre a operação que a eles deu origem e o objeto social da Recorrente.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a ilegalidade da decisão perfilhada pelo tribunal arbitral no âmbito do processo n.º 827/2019-T, dando-se provimento ao peticionado pela ora Recorrente, uniformizando-se a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da decisão fundamento ora invocada, tudo com as legais consequências.
Em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00, requer-se a V. Exa. se digne, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor.

Contra-alegou a Autoridade Tributária e Aduaneira pugnando pela inexistência de contradição e/ou improcedência:
1) No presente recurso não se verificam os pressupostos, contemplados nos arts. 25º nº2 do RJAT, 152º nº 2 do CPTA e 27º nº 1, al.b) do ETAF, que permitam a apreciação de recurso para uniformização de jurisprudência interposto por A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.
2) Diga-se, antes de mais, que as conclusões do presente recurso não se adequam ao meio processual utilizado configurando, antes de mais, um mero recurso, em segundo grau de jurisdição, para reapreciação da matéria de facto o que determina, liminarmente, a não admissibilidade do presente recurso.
3) No caso em concreto, a recorrente pretende que o STA proceda a uma reapreciação da matéria de facto, o que está claramente fora do âmbito do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
4) Na verdade, os sentidos das decisões, recorrida e fundamento, assentam em diferente valoração da prova produzida nos respetivos processos, no âmbito do exercício do poder de livre apreciação que ao tribunal é conferido (art.607º, nº 5 CCivil), na esteira do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 27.06.2018, proferido no Recurso n.º 165/18 (Em sentido idêntico se pronunciaram os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 06.06.2106, recurso 63/16 e de 14.12.2016, recurso 535/16), «as questões de valoração da prova não podem servir de fundamento ao recurso para uniformização de jurisprudência. A oposição entre os arestos situa-se num plano simplesmente de facto (…).Essa discrepância verifica-se em sede de julgamento de facto, pelo que não pode afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que poderia servir de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência.»
5) Assim, a diferente solução a que se chegou nos Acórdão recorrido e fundamento, verifica-se em sede de julgamento da matéria de facto, pelo que, inexiste qualquer oposição sobre a questão fundamental de direito, uma vez que não há qualquer divergência sobre a interpretação da norma em confronto, art. 23º do CIRC.
6) Donde, constata-se que os Acórdãos, recorrido e fundamento, não perfilharam solução jurídica diferente quanto à mesma questão fundamental de direito que, aliás, diga-se, nem sequer é identificada claramente, como se impunha, pela recorrente.
D) Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a €275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6º nº 7 do RCP.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser julgado findo, não se tomando conhecimento do mesmo, por não se encontrarem reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.
Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, fixando-se jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não oposição das decisões arbitrais uma vez que as normas aplicadas, apesar de regularem a mesma matéria, -dedutibilidade, para efeitos fiscais, dos encargos financeiros suportados pela recorrente- têm conteúdo diferente, o que por si só já justifica a divergência entre as decisões.

Respondeu a recorrente pugnando pela efectiva existência de contradição entre ambas as decisões uma vez que a alteração legislativa ocorrida não é substancial, isto é, de molde a justificar diferentes decisões.

Cumpre decidir.

Na decisão arbitral recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente (A...) é uma sociedade comercial por quotas unipessoal, tendo sido constituída em 29.05.2000 e iniciado a atividade (em termos fiscais) em 19.06.2000, tendo por objeto social a compra e venda do imóvel do centro comercial designado por “B...” (B...), o arrendamento, exploração e gestão do “B...”, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a mencionada atividade. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
b) Na data da sua constituição, a A... era detida pela sócia única “N... MBH”, com sede na Alemanha – que, em julho de 2008, passou a designar-se “H... MBH” –, sendo que, a partir de 31.07.2007, a A... passou a ser detida pela sócia única “I...SARL”, com sede no Luxemburgo, que, em julho de 2015, alterou a sua designação social para “O... SARL”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
c) A estrutura do Grupo societário do qual faz parte a A... é a seguinte [cf. PA junto aos autos]:
d) No respetivo dossier de preços de transferência, referente ao exercício de 2015, é referido o seguinte [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
«A P..., SARL, fundo que funciona como um organismo de investimento coletivo, possui três holdings luxemburguesas: a Q... (ex-J...) – um sub-fundo que gere investimentos imobiliários através de subsidiárias – e, as então detidas pelo sub-fundo, a O..., SARL (ex- I... SARL) e a R... SARL (ex-L... SARL).
Através destas empresas luxemburguesas, o fundo detém indiretamente quatro empresas portuguesas.
Das empresas portuguesas, duas gerem os Complexos Comercial localizados em Lisboa (os quais arrendam) e outras duas que detêm a respetiva propriedade.
O Complexo Comercial conhecido como “B...” – ativo detido pela C... – é uma estrutura que contém estabelecimentos comerciais como lojas, restaurantes, salas de cinema, espaços de lazer e estacionamento, sendo caracterizado por ser um espaço fechado.
Este é um espaço planeado sob uma administração centralizada, sujeita a normas contratuais padronizadas, de forma a manter o equilíbrio da oferta e da funcionalidade, procurando assegurar uma convivência integrada.
Os locatários (lojistas) pagam um valor em conformidade com um percentual, podendo este ser definido em função do volume de negócios ou um valor fixo estabelecido no contrato, em função da área ocupada.
O Complexo Comercial é detido por uma única entidade do Grupo, a C..., que através de um contrato de arrendamento o disponibiliza à A... .
Entre as funções desenvolvidas pela A... destacamos a promoção e comercialização das lojas, a realização de estudos de mercado e a promoção estratégica do Centro Comercial.»
e) A sociedade comercial “C...”, NIPC ... (doravante, C...., ou C...), foi constituída como sociedade anónima, em 27.02.1997, com a firma “T..., S. A.”, tendo sido transformada, em setembro de 2000, em sociedade em comandita, tendo então por sócio comanditário o “N... MBH”, titular de uma participação social no valor nominal de € 9.999.995,00, e por sócia comanditada a A..., titular de uma participação social no valor nominal de € 5,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
f) Em 31.10.2007, o “N... MBH”, sócio comanditário da C... procedeu à divisão da sua participação social nesta sociedade em duas partes, uma no valor nominal de € 6.999.995,00, que transmitiu A..., e outra no valor nominal de € 3.000.000,00, que transmitiu à “L..., SARL”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
g) Nos anos de 2015 e 2016, a C... tinha por sócia comanditária a “R... SARL”, titular de uma participação social no valor nominal de € 3.000.000,00, e por sócia comanditada a A..., titular de uma participação social no valor nominal de € 7.000.000,00, sendo o seu objeto social a «compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial “B...”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade». [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
h) A C... é uma sociedade de simples administração de bens e, como tal, está sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Código do IRC, imputando aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
i) O B... inclui (i) o Centro Comercial “B...”, composto por 216 lojas, 34 restaurantes, um complexo de cinemas e um espaço de lazer; e (ii) um ... junto do centro comercial, composto por 3 lojas, um armazém, um centro de controlo e 204 espaços de estacionamento [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
j) A C... é proprietária das frações autónomas C a AO do Centro Comercial “B...”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
k) Foi realizada uma avaliação do edifício “B...”, reportada à data de 15.09.2007, pela entidade independente denominada “U...”, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 381.297.000,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA]
l) Em 01.09.2005, foi celebrado um Contrato de Arrendamento entre a “C...”, enquanto senhoria, e A..., enquanto arrendatária, pelo qual aquela deu de arrendamento a esta as frações autónomas C a AO do B..., pelo prazo de seis meses a contar de 01.07.2002, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.750.000,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
m) As condições contratuais fixadas naquele Contrato de Arrendamento vigoraram até ao mês de agosto de 2010 – tendo a C... recebido um valor mensal de € 1.750.000,00 pelas frações do Centro Comercial, e um valor mensal de € 50.000,00 pelo BB...–, sendo que, em 01.12.2010, as partes acordaram em rever em baixa, com efeitos desde agosto de 2010, a renda mensal pelas frações do Centro Comercial, que passou a ser de € 1.400.000,00, e a renda mensal pelo BB..., que passou a ser de € 40.000,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
n) O referido Contrato de Arrendamento foi alterado no ano de 2012, tendo sido revogada a respetiva Cláusula Seis (Renda) por um período de dois anos, com início em 1 de março de 2012 e termo em 28.02.2014, data a partir da qual a referida cláusula passaria a vigorar com a anterior redação; como o contexto económico não apresentou alterações significativas, as partes acordaram, a 25.02.2014, em prolongar esse período intercalar até 30.06.2015 e, a 25.05.2016, em prolongá-lo até 31.12.2016. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
o) No decurso dos exercícios de 2015 e 2016, a renda mensal para as 35 (trinta e cinco) frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de € 830.000,00 e para o BB... foi de € 40.000,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
p) No exercício de 2015, a A... registou na conta de gastos “626111 – Rendas B...” o montante de € 9.960.000,00, relativo a rendas do Centro Comercial e na conta de gastos “626112 – Rendas ...” o montante de € 480.000,00, relativo a rendas do BB...; no exercício de 2016, a A... registou as rendas do Centro Comercial e as rendas do BB... na conta de gastos “626111 – Rendas – Edifícios”, no montante de € 10.440.000,00. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
q) A A... é a responsável direta pela administração quotidiana do B..., desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a respetiva promoção estratégica. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
r) A A... celebra “contratos de utilização de loja” com cadeias de lojas ou outro tipo de utilizadores, usualmente denominados por lojistas, que enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes, sendo que nesses contratos, entre outras obrigações, os lojistas comprometem-se a pagar uma retribuição mensal constituída pela soma de duas parcelas – uma fixa (remuneração mínima) e outra variável – e a comparticipar nas despesas e encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
s) Os valores (retribuição mensal fixa e variável e outras despesas), faturados pela Requerente a cada um dos lojistas são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “Rendas e serviços prestados”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
t) A A... adquiriu a participação social detida pelo “N...” na C..., referida no facto provado f), pelo valor de 175,3 milhões de Euros, tendo para tal recorrido a três financiamentos, a saber: um junto da “I... ” (atual “O..., SARL”), no valor de € 96.844.069,52; outro junto do “M...– Sucursal em Portugal”, no valor de € 35.800.000,00; e um outro junto da “V..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, no valor de € 42.663.800,00. ”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
u) O recurso a financiamento para realizar aquela operação foi decidido pelos investidores do fundo “E...” – o qual tinha por sociedade gestora a “F... SARL”, com sede no Luxemburgo, sendo um fundo dirigido a investidores institucionais europeus, com o objetivo de criação de uma carteira de retalho pan-europeia diversificada, tendo o mesmo investido em imóveis, em Espanha e Portugal, através das suas participadas “J... SARL” (atual “Q... SARL”), “I...” (atual “O..., SARL”) e “L...” (atual R... SARL), tendo sido liquidado após a “P... SARL”, sociedade residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, ter adquirido a totalidade das respetivas unidades de participação, em julho de 2015 – que entenderam que seria a decisão mais vantajosa e racional. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
v) Eram condições essenciais para a concessão do financiamento que este estivesse o mais próximo possível do ativo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras), pelo que o mesmo teria de ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, ou seja, a A... ou a C... [cf. depoimento da testemunha W...]
w) A C... já tinha um financiamento garantido com hipoteca do sobredito imóvel de que é proprietária, pelo que apenas a A... se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais, a saber: o penhor das ações da C... e os lucros operacionais resultantes da exploração do B... . [cf. depoimento da testemunha W...]
x) Relativamente ao financiamento dos ativos adquiridos, é dito o seguinte no respetivo dossier de preços de transferência, referente ao exercício de 2015 [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
«Em outubro de 2007 o Grupo decidiu que a A... iria adquirir uma participação na C... . Para esse efeito, a Empresa recorreu a financiamento junto do Grupo.
Considerando os montantes de financiamento necessários à concretização desta operação (cerca de 175,3 milhões de euros) a solução adotada passou pelo recurso a três operações de financiamento, nomeadamente:
. Financiamento de longo prazo obtido junto do X... (ex- M...);
. Financiamento obtido junto da O...; e
. Financiamento obtido junto da V... .
De referir que em simultâneo a V... obteve financiamentos para ela própria adquirir outra entidade, a Y... .
A conjugação das necessidades de financiamento das duas entidades permitiu que atuassem numa lógica de Grupo quando solicitado o financiamento ao X... (ex- M...) em outubro de 2007. Deste modo, as entidades decidiram entrar numa operação de apresentação de garantias cruzadas nas operações de financiamento realizadas com o X... (ex-M...).
Neste âmbito, a A... apresentou como garantia real o Complexo Comercial V..., que lhe permitia obter um financiamento máximo de 171,7 milhões de euros, o qual correspondia ao valor atribuído à data àquele ativo imobiliário.
De ressalvar, no entanto, que este limite se encontrava condicionado pelos financiamentos detidos pela C.... Assim, dado que esta entidade possuía à data de aquisição financiamentos junto de outras entidades que ascendiam a 135,2 milhões de euros, o montante máximo de crédito que o X... (ex-M...) estava disposto a conceder à A..., considerando a garantia apresentada por esta entidade, ascendia a 36,5 milhões de euros.
Neste contexto, a A... decidiu obter junto do X... (ex-M...) um crédito de 35,8 milhões de euros.
Em complemento a A... decidiu recorrer à O... para financiar a aquisição da C..., tendo acordado em 31 de outubro de 2007 um financiamento com esta entidade no montante de 96,8 milhões de euros.
Como estes dois financiamentos de 96,8 e 35,8 milhões de euros obtidos não eram suficientes para realizar a aquisição da C..., a A... recorreu à V... no sentido de obter um financiamento adicional de 42,6 milhões de euros.
Com a apresentação de garantas, a V... conseguiu obter um financiamento junto do X... (ex-M...) com o risco significativamente reduzido. Esta situação refletiu-se no spread acordado no financiamento de 42,6 milhões de euros concedido pela V... à A... .»
y) O referido financiamento obtido junto da “I...” (atual “O..., SARL”) foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%; em 2013, as partes acordaram uma redução da taxa de juro, fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade, sendo os juros devidos trimestralmente, não tendo estas condições sido alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
z) O mencionado financiamento contraído junto do “M...– Sucursal em Portugal” foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, ou seja, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%), sendo os juros devidos trimestralmente; as condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
aa) O dito financiamento obtido junto da “V..., Sociedade Unipessoal, Lda.” foi realizado em 31.10. 2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, e as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01.07.2009, publicada pela “Bloomberg”, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja, uma taxa de 5% ao ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
bb) Os referenciados financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do B... (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da C... (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da C... . [cf. depoimento da testemunha W...]
cc) No exercício de 2015, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os aludidos financiamentos foram contabilizados pela A... nas contas de gastos, concretamente nas contas “681291 Imposto do Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto do Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtido” (empréstimo do “M...”), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo da “V...”), “691392 – Outros juros –I...” (empréstimo da “I...)” e “688804 – Financing fees”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
dd) No exercício de 2016, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os mencionados financiamentos foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do Selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamentos obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”. [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
ee) Os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos pela Requerente apresentaram a seguinte evolução cronológica até ao exercício de 2016 [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
ff) No exercício de 2015, os juros suportados pela A... com os sobreditos financiamentos, no montante de € 4.496.935,93, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
gg) No exercício de 2016, os juros suportados pela A... com os sobreditos financiamentos, no montante de € 4.500.675,81, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
hh) Através da análise aos valores declarados pela A... à AT através das respetivas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelos 22 de IRC, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados líquido e fiscal, constata-se a seguinte evolução entre os exercícios de 2007 e de 2016, inclusive [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
ii) A aquisição pela A... da sobredita participação social na C... visou, designadamente, a criação de uma unidade de negócio em Portugal, na qual se concentraram o conjunto de atividades económicas diretamente relacionadas com o “B...”, nomeadamente a gestão do imóvel propriamente dito e, bem assim, a gestão das atividades comerciais nele desenvolvidas. [cf. depoimento da testemunha W...]
jj) A aquisição pela A... da referenciada participação social na C... foi efetuada em condições normais de mercado. [cf. depoimento da testemunha W...]
kk) No preço de aquisição pela A... da aludida participação social na C...– 175,3 milhões de Euros (cf. facto provado t)) – foi considerado e refletido o valor do passivo (dívida bancária) desta última sociedade. [cf. depoimento da testemunha W...]
ll) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs ...18... de 07.02.2018 e OI2019... de 30.01.2019, ambas com o Código de Atividade ...28, a A... foi sujeita a uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial de IRC e IVA, relativa aos exercícios de 2015 e 2016, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária – cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido e sobre o qual recaiu o Parecer da Chefe de Equipa, datado de 11.07.2019, o Parecer da Chefe de Divisão, datado de 11.07.2019, o Parecer do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 12.07.2019 e o Despacho do Diretor de Finanças, datado de 12.07.2019, que aqui também se dão como reproduzidos –, no qual, além do mais, é referido o seguinte [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]:
«3 – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
3.1 – CORREÇÕES EFETUADAS EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
(…)
3.1.1 – Factos apurados
A A... Unipessoal foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a sua atividade no dia 19 de Junho de 2000. No procedimento inspetivo, realizado aos anos de 2015 e 2016, verificou-se que a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo foi a exploração e gestão do Centro Comercial B... e do BB..., doravante designado por Complexo Comercial. O Complexo Comercial é detido pela C... que, através de um contrato de arrendamento, o arrenda à A... Unipessoal. O contrato foi firmado pela primeira vez em 01 de Novembro de 2002 e tem vindo a sofrer renovações sucessivas. O referido contrato foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma revogação da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com início em 01 de Março de 2012 e término a 28 Fevereiro de 2014. A partir desta última data a referida cláusula passaria a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000,00). Como o contexto económico não apresentou alterações significativas durante 2013, as partes acordaram, a 25 de fevereiro de 2014, em prolongar esse período intercalar até 30 de junho de 2015.
A 25 de maio de 2016, pelas mesmas razões, este período intercalar foi prolongado até 31 de dezembro de 2016.
Durante os exercícios de 2015 e 2016 a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de 830.000,00€, enquanto que para o BB... a renda foi de 40.000,00€.
No exercício de 2015 encontram-se registados na conta de gastos “626111 – Rendas A...” o montante de 9.960.000,00€ de rendas do Centro Comercial, e na conta “626112 – Rendas Z...” o montante de 480.000,00€, relativos às rendas do BB... .
No que diz respeito ao exercício de 2016 o s.p. registou as rendas do Centro Comercial e a rendas Z... na conta de gastos “626111 – Rendas – Edifícios” no montante de 10.440.000,00€.
O valor das rendas pago, nos anos de 2015 e 2016, à C..., pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou assim o montante de 10.440.000,00€ em cada um dos exercícios.
Verificou-se que a A... Unipessoal é a responsável direta pela administração quotidiana do Centro Comercial B... . Desenvolve a promoção e comercialização das lojas assim como a promoção estratégica do Centro Comercial. A empresa em análise é a responsável pela angariação e celebração de “contratos de utilização de loja” com os clientes. Estes clientes geralmente fazem parte de marcas que possuem cadeias, nacionais e internacionais, de lojas, existindo, no entanto, também outro tipo de utilizadores individuais. Estes “contratos de utilização de loja” enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes. Entre outras obrigações, estabelecem os valores a pagar pelos lojistas. Essas remunerações são geralmente mensais e são constituídas pela soma de duas parcelas, uma fixa (remuneração mínima) e outra variável, acresce a esta remuneração a comparticipação nas despesas e nos encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. Estes valores (retribuição mensal fixa, variável e outras despesas), faturados pela A... Unipessoal a cada um dos lojistas, são registados na demonstração de resultados por natureza na rubrica de “vendas e serviços prestados”.
Da análise à rubrica de investimentos financeiros foi possível verificar que em 31 de dezembro de 2015 e em 31 de dezembro de 2016, a A... Unipessoal detinha uma participação de 70% na sociedade C..., adquirida em 31 de Outubro de 2007. Sendo esta empresa abrangida peto regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. Neste caso é imputada 70% da sua matéria tributável à sociedade A... Unipessoal.
Para financiamento desta operação de aquisição da participação social, no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, o sujeito passivo recorreu a três operações de financiamento junto de três empresas do Grupo onde está inserido:
• O..., SARL (casa-mãe) (ex -I..., SARL);
• V... Unipessoal;
• X... (ex M...).
De acordo com a informação retirada do dossier de preços de transferência dos exercícios fiscais de 2015 e 2016 (anexo 1) é referido que “Em outubro de 2007 0 Grupo decidiu que a A... iria adquirir a participação na C...”, por cerca de 175,3 milhões de euros. Constata-se assim que esta aquisição teve apenas como fundamento a “estratégia de Grupo”. Com esta decisão, o sujeito passivo passou a deter uma participação de 70% no capital social da C..., sociedade com a qual detém um contrato de arrendamento do Centro Comercial. B..., ficando os restantes 30% na posse da sociedade L..., empresa igualmente integrada no mesmo Grupo.
Constata-se também que a sociedade C... já era detida a 100% pelo Grupo, Grupo onde também se insere a A... Unipessoal. Deste modo conclui-se que esta transferência de capital não veio trazer alterações, nem em termos de composição/estrutura do Grupo nem em termos da atividade desenvolvida pelas duas empresas.
No que se refere aos financiamentos, a que e empresa recorreu junto do Grupo, verificamos que se encontram titulados através de contratos.
Na sequência da análise destes contratos, apresenta-se abaixo um esquema/resumo ilustrativo dos financiamentos obtidos:
Em resultado da análise aos contratos (anexo 3), e relativamente às condições acordadas entre as partes, apresentam-se de seguida resumos das condições de cada uma das operações de financiamento:
• Financiamento obtido junto da O..., SARL (ex I...):
O empréstimo obtido junto da I... foi no valor de cerca de 96,8 milhões de euros. O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007 e o empréstimo tem um prazo de 10 anos, ou seja, com vencimento em 31 de Outubro de 2017. As partes acordaram o pagamento de uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. Em 2013, a I... e a A... Unipessoal acordaram uma redução da taxa de juro fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01 de janeiro de 2013 e até o acordo atingir a sua maturidade. Os juros são devidos trimestralmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.
• Financiamento obtido junto da V...:
O empréstimo obtido junto da V... foi de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos. O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de outubro de 2007, As condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2.º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa. Foi estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01 de julho de 2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.
• Financiamento obtido junto do X... (ex-M...):
O empréstimo obtido junto da M... foi no montante de 35,8 milhões de euros. O referido financiamento foi realizado em 25 de Outubro de 2007 por um prazo de 10 anos. De modo a remunerar o capital cedido pela M... as partes acordaram no pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%). No ano de 2014 0 empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O seu pagamento é devido trimestralmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo também não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.
Na análise à contabilidade no exercício de 2015, verificamos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas “681291 Imposto de Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto de Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtidos" (empréstimo da M...), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo do V...), “691392 – Outros Juros –I...(empréstimo da I...) e “688804-Financing fees”.
Da análise à contabilidade no exercício de 2016, verificámos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamento obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamento obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos Asset loan”.
De acordo com os dados retirados da Informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos da A... Unipessoal apresentaram a seguinte evolução cronológica:
3.1.1.1 – Juros suportados pelo s.p. – Exercício de 2015
No exercício de 2015 os juros suportados pela A... Unipessoal com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na C..., no montante de 4.496.935,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:
Quadro 2
Conta Designação Montante
6911 Juros de financiamentos obtidos 1.843.172,98 €
691391 Outros Juros – V..., Lda 2.162.817,63 €
691392 Outros Juros – I... 490.945,32 €
TOTAL 4.496.935,93 €
Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.
Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou motas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades I..., V... Unipessoal e pelo X... AG (ex M... AG).
Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.
No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:
• X...- SUCURSAL PORTUGAL (ex M... AG) – foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, tendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária, no valor de 1.843.172,98€;
• I...– por carência de tesouraria, durante o exercício de 2015, apenas foram efetuados três pagamentos a esta entidade, no montante de 123.745,20€ para pagamento dos juros do período compreendido entre 30 de setembro de 2014 a 30 de dezembro de 2014, no montante de 121.055,09€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de dezembro de 2014 a 30 de março de 2015 e no montante de 122.400,14€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de março de 2015 a 29 de junho de 2015. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência;
• V... Unipessoal — por carência de tesouraria, durante o exercício de 2015, apenas foram efetuados dois pagamentos a esta entidade, no montante de 826.611,13€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 26 de junho de 2014 a 28 de dezembro de 2014 e no montante de 795.502,10€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 29 de dezembro de 2014 a 25 de junho de 2015. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.
3.1.1.2 – Juros suportados pelo s.p. – Exercício de 2016
Relativamente ao exercício de 2016 os juros suportados pela A... Unipessoal com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na C..., no montante de 4.500.675,81€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:
Quadro 3
Conta Designação Montante
691116 Juros de financiamentos obtidos - bancos - Asset loan 1.839.642,11 €
691151 Juros de financiamentos obtidos - Grupo 2.661.033,70 €
TOTAL 4.500.675,81 €
Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.
Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou /notas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades I..., V... Unipessoal e pelo X... AG (ex M...).
Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.
No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:
• X... AG - SUCURSAL PORTUGAL (ex M... AG) – foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, tendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária, no valor de 1.839.642,11€;
• I... SARL – por carência de tesouraria, durante o exercício de 2016 não foram pagos os juros a esta entidade;
• V... Unipessoal – por carência de tesouraria, durante o exercício de 2016, apenas foram efetuados dois pagamentos a esta entidade, no montante de 822.166,98€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 26 de junho de 2015 a 27 de dezembro de 2015 e no montante de 808.834,54€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 28 de dezembro de 2015 a 26 de junho de 2016. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.
3.1.1.3 – Resumo dos valores declarados pelo s.p. consultando as declarações fiscais (IES e Mod. 22)
Através da análise aos valores declarados pela A... Unipessoal à AT através das suas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados líquido e fiscal, podemos constatar que a sua evolução nos últimos 10 anos foi a que se resume no quadro seguinte:
Da análise do quadro conclui-se que a partir do ano de 2007 (contrato de financiamento celebrado em 25/10/2007) a A... Unipessoal suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da C... . Durante o mesmo período verifica-se que a aquisição da participação social em nada veio acrescentar ao seu volume de negócios, visto que este sofre flutuações mínimas ao longo destes últimos 10 anos, tanto positivas como negativas. De forma direta, e fruto do que foi apontado, constatamos que o resultado apurado pela empresa em cada exercício é fortemente penalizado pelos encargos financeiros que suporta e que foram atenuados a partir de 2013 com a renegociação do contrato de empréstimo contraído à I... e a descida na taxa de juro praticada.
Da análise aos dados recolhidos na IES do sujeito passivo C..., foi possível verificar que esta sociedade apresenta também elevados encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos para a construção/aquisição do Complexo Comercial designado por “B...”, da qual é detentora.
Em virtude da C... ser uma sociedade de simples administração de bens e estando enquadrada no regime de transparência fiscal, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 1 do CIRC, a matéria coletável é imputada às duas sociedades, presentes no seu capital social, a saber:
a) L...– 30%
b) A... Unipessoal – 70%
3.1.2 – Análise da operação à luz das regras de dedutibilidade dos gastos de financiamento nos termos do artigo 23.º do CIRC
A análise efetuada à contabilidade da empresa, determinou a necessidade de proceder a uma verificação mais aprofundada à operação de financiamento subjacente à aquisição, por parte do sujeito passivo, de (cerca de) 70% do capital social da sociedade C... .
Assim, importa decompor a referida operação e verificar o seu mérito, no que respeita à dedutibilidade relativamente ao cumprimento previsto no artigo 23.º do CIRC, o que passamos a fazer, dando especial ênfase nos seguintes aspetos:
1) Operação de aquisição da participação financeira;
2) “Duplicação” dos encargos relativos a juros;
3) Critério da indispensabilidade;
4) Conclusões.
1) Operação de aquisição da participação financeira
A estrutura do Grupo entre o período de 2010 até 2014 inclusive é a que consta no organograma seguinte:
Foi possível verificar que entre o período de 2010 até 2014 inclusive:
• A sociedade AA... AG, é cabeça do Grupo, pois detém a totalidade do capital das sociedades que o integram, quer por via direta quer indireta;
• A G... AG detém 100% das sociedades detidas pela sua participada F... SARL;
• A G... AG possui 94,90% do capital das sociedades detidas pela N... MBH;
• A C..., era inicialmente detida a 99,99995% pela N... MBH, de forma direta;
• Em 2007, por decisão do Grupo, a sociedade N... MBH vende a sua participação total à A... Unipessoal (69,99995%). que ficou com uma quota de 70%, e à L... (30%);
• Ou seja, não obstante a venda da participação pela N... MBH à A... Unipessoal e à L..., AA... AG, ou, se preferirmos uma referência mais a jusante, a G... AG continua a ser, a final, a detentora da sociedade C..., ainda que de forma indireta;
• No que aos empréstimos diz respeito, será de salientar que as empresas contraentes, são entidades relacionadas, a saber:
a) O M... é um Banco Internacional, que é participado/detido pela AA... AG;
b) A sociedade V..., pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela L... SARL, que, por sua vez, é detida a 100% pela J...;
c) A sociedade I... SARL, detêm em 100% a A..., sendo aquela, detida a 100% pela J... .
Não menos importante, há a observar que o empréstimo obtido junto da I... é celebrado e concedido entre duas sociedades, em que a montante detêm 100% do capital da mutuante, ou seja, e de uma forma simplista, sempre se afirmará que o risco de incumprimento associado a este empréstimo, será nulo.
A estrutura organizacional do Grupo nos períodos de 2015 e 2016 é a que consta no organograma seguinte, retirado do dossier de preços de transferência do sujeito passivo:
De acordo com informações prestadas (…) “em julho de 2015, a P... SARL, sociedade residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, adquiriu a totalidade das unidades de participação do fundo E... (S... FCP-SIF), o qual foi posteriormente liquidado. Após a liquidação do fundo E..., procedeu-se à alteração da denominação das sociedades J...,
I... e L... para Q... SARL, O...
SARL e R... SARL, respetivamente.”
Da análise do organograma anterior, é possível verificar que a partir do exercício de 2015 inclusive:
• A A... Unipessoal é detida em 100% pela entidade O... SARL (ex —I..., S.à.rl) com sede no Luxemburgo;
• A P..., SARL, fundo que funciona como um organismo de investimento coletivo, possui três holdings luxemburguesas: Q... SARL (ex J... SARL – um sub-fundo que gere investimentos imobiliários através de subsidiárias – e, as então detidas pelo sub-fundo, a O..., SARL (ex-I..., SARL) e a R... SARL (ex- L...);
• Através destas empresas luxemburguesas, o fundo detém indirectamente quatro empresas portuguesas;
• O sub-fundo Q... (ex-J...) investe na área imobiliária através de subsidiárias, nomeadamente a O... e a R...;
• Ou seja, não obstante a venda da totalidade das unidades de participação do fundo E... (S...FCP-SIF) à P... SARL, nos exercícios em análise (2015 e 2016), continuamos a estar perante situações similares aos procedimentos inspectivos anteriores (exercícios de 20101 2011, 2012, 2013 e 2014), em resultado das quais os juros incorridos com os financiamentos obtidos pelo s.p para a aquisição da participação financeira foram considerados não indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto e, como tal, não susceptíveis de dedução no apuramento do lucro tributável;
• A estrutura organizacional do Grupo em termos nacionais em nada se alterou com a venda da totalidade das unidades de participação do fundo E... (S...Master FCP-SIF) à P... SARL;
• Relativamente aos empréstimos, será de salientar que as empresas contraentes .com excepção do X... AG) são entidades relacionadas, a saber:
a) A sociedade V..., pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela R... SARL (ex- L... SARL), que por sua vez é detida a 100% pela Q... SARL (ex -J...);
b) A sociedade O... (ex I... SARL), detém a 100% a A..., sendo aquela, detida a 100% pela Q... SARL (ex J...).
Conforme facilmente se infere do quadro 4, apresentado anteriormente, a rubrica de juros suportados, tem um peso muito significativo na estrutura de custos da empresa, sendo responsável em grande parte pelos prejuízos que esta apresenta ao longo dos anos, não se vislumbrando quais os benefícios imediatos e/ou mediatos, que lhe advém, decorrentes da operação praticada.
Refira-se que sendo a C... sujeita ao regime da transparência fiscal, imputa aos seus sócios a sua matéria coletável (70% à A... Unipessoal e 30% à R... SARL (ex L... SARL). Decorrendo daqui que, a sócia L... SARL, sociedade não residente, tenha apresentado declaração e pago o respetivo imposto a que estava sujeito, e que a sócia A... Unipessoal, decorrente dos empréstimos obtidos e seus inerentes custos, dilui por completo a matéria coletável imputada pela sociedade de que detêm a participação. Em resumo:
a) A sociedade A... Unipessoal obtém de sociedades relacionadas, empréstimos para adquirir 69,99995% da sociedade C...;
b) Sociedade esta que já pertencia ao Grupo;
c) Existe um contrato de arrendamento para exploração de lojas, entre as mesmas, pelo que a A... paga à C... uma renda mensal;
d) Os valores das rendas são efetivamente pagos.
2) “Duplicação” dos encargos relativos a juros
Tal como já foi referido anteriormente a sociedade A... Unipessoal contraiu três financiamentos para adquirir cerca de 70% da participação financeira na C... . Verificou-se ainda que contabiliza como gasto os encargos financeiros resultantes destes empréstimos, que no exercício de 2015 atingiram o montante de 4.496.935,93€, em juros, e de 142.301,48€, em imposto de selo. Relativamente ao exercício de 2016 os encargos financeiros resultantes destes empréstimos atingiram o montante de 4.500.675,81€, em juros, e de 116.769,23€, em imposto de selo.
Por outro lado, e num momento anterior, a C..., sociedade detentora do Complexo Comercial denominado “B...”, recorreu a um empréstimo bancário no montante de 135.175 milhões de euros para aquisição/construção do imóvel, contabilizando os encargos financeiros como gasto e consequentemente, afetando o resultado apurado em cada exercício.
Os efeitos das duas operações de financiamento em termos da sua repercussão nos resultados, após a integração da matéria coletável da sociedade transparente, traduzem-se numa duplicação de encargos financeiros na esfera da A... Unipessoal.
As características singulares da situação tributária da A... Unipessoal residem da conjugação dos seguintes factos: (i) detenção de uma participação representativa de 70% do capital de uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal a C...; (ii) tal participação ter sido adquirida a entidade do Grupo com recurso a endividamento junto de entidade do Grupo; e (iii) ser a única “cliente” da sociedade transparente, enquanto parte locatária no contrato de locação/exploração do imóvel da sociedade C..., donde decorre que os rendimentos desta entidade têm origem nos gastos daquela sociedade, ou seja, a atividade da sociedade participada depende exclusivamente do contrato celebrado com a sociedade mãe.
Neste contexto, cabe então saber qual a base legal que legitima a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente.
À luz do artigo 23.º do CIRC consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Todavia, com o intuito de melhor dirimir esta questão importa estabelecer um confronto entre duas situações que configuram diferentes formas de exercício da mesma atividade mas que, por força da transparência fiscal, devem alcançar resultados fiscais equivalentes de modo a serem fiscalmente neutras. por um lado, uma, em que o imóvel (locado) é propriedade da sociedade locatária, por efeito de um ato aquisitivo ou de autoconstrução; e por outro lado, a situação em apreço, em que o imóvel locado é propriedade de uma sociedade participada (locador) qualificada fiscalmente como "sociedades de simples administração de bens" e, portanto, abrangida pelo regime da transparência fiscal.
É de concluir, então, que na primeira das situações prefiguradas, a sociedade que utiliza o imóvel, como se fosse proprietária do mesmo, apenas teria de suportar os encargos financeiros inerentes aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição/construção do imóvel e os demais encargos associados.
No segundo caso, ora sub judice, a mesma sociedade (locatária) está a suportar não só a sua quota. parte dos encargos com o imóvel, que incluem também encargos financeiros, incorporados quer no valor da renda quer no resultado imputado através da transparência fiscal, como ainda os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada.
Em última instância, a situação em presença acaba por conduzir a que, para efeitos de determinação do lucro tributável, os encargos efetivamente considerados pelo sujeito passivo, correspondam aos associados ao imóvel (juros, depreciações, impostos e taxas, etc.) registados pela sociedade participada, e repercutidos nesta por via da transparência fiscal e ainda os encargos financeiros suportados com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente, sendo que o valor desta entidade se reconduz unicamente ao imóvel.
Estamos, portanto, perante uma "duplicação" de encargos financeiros que em última instância, têm como causa o imóvel locado: os que são deduzidos na determinação da matéria coletável do sujeito passivo e aqueles que são registados e deduzidos na determinação da matéria coletável da sociedade transparente.
Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a "dupla" dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade — o sujeito passivo – da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, que faz cumular, na primeira sociedade, um conjunto de gastos desproporcionados e que, em certa medida, subverte os objetivos, da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.
3) Critério de indispensabilidade
O critério da indispensabilidade, determinante na avaliação da dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais, encontra-se previsto no artigo 23.º do CIRC que dispõe:
“Artigo 23.º
Gastos
1- Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2- Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
E que a alínea c) do mesmo número concretiza, ao estabelecer que o requisito da indispensabilidade é preenchido quando se trate de
c) …juros de capitais alheios aplicados na exploração,…
Importa assim, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos financeiros relativos aos juros incorridos com os empréstimos que permitiram a aquisição de cerca de 70% da C..., são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Da leitura do referido artigo, não se retira objectivamente uma definição do conceito de indispensabilidade, tendo o mesmo vindo a ser definido pela jurisprudência e doutrina, como um dos requisitos fundamentais para que os gastos sejam aceites fiscalmente. A avaliação de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, atendendo ao critério de indispensabilidade, que opera como uma cláusula geral, implica uma análise concreta da situação em apreço em função dos factos concretos e das circunstâncias empresariais do sujeito passivo.
Assim, no caso em apreço deve-se questionar qual a motivação económica que conduziu ao endividamento do sujeito passivo para a aquisição de 70% do capital da C..., face aos elevados encargos que dela advém e que afetam muito negativamente os seus resultados, conforme consta evidenciado no quadro n.º 4 deste relatório.
A operação de financiamento em causa compromete os níveis de rendibilidade da empresa, que apenas encontra motivação num propósito de evitar a tributação em território nacional da atividade exercida pelo sujeito passivo através da “drenagem” de resultados subjacente ao pagamento de juros.
Da análise efetuada decorre que, ainda que o sujeito passivo por via da aquisição de 70% do capital social da C... esteja a imputar uma parte da matéria colectável desta sociedade (influenciada pelos encargos financeiros que esta suporta relativo ao empréstimo para construção do imóvel cuja exploração constitui a sua única atividade) por aplicação do regime da transparência fiscal prevista no artigo 6.º do CIRC, esta é absorvida pelos prejuízos que o sujeito passivo apura na sua atividade.
A este respeito veja-se o sentido dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo Sul, «o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa».
Vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela não verificação dos elementos exigidos.
Assim, devemos ter presente que, o critério da indispensabilidade foi criado para impedir que “certos” gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados ou excessivos, sejam dedutíveis fiscalmente.
Daqui decorre que são aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta, contudo, não deverá este requisito ser visto de “per si”, mas sim coadjuvado com critérios de motivação económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos.
Não basta considerar certo gasto indispensável, é necessário que os sujeitos passivos promovam a prova da indispensabilidade do gasto incorrido e a sua ligação com os proveitos obtidos14 sendo afastada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.
Ou seja, é para definir o grupo dos elementos negativos que o art. 23.º do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas, aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
Neste mesmo sentido vai o acórdão TCA do Sul, ao referir que a indispensabilidade de um gasto depende da sua comprovação e da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características coloca a questão sobre se a motivação é ou não empresarial.
Este entendimento encontra total acolhimento no acórdão do TCA Sul de 24 de Fevereiro de 2012, processo n.º 05251/11, onde se questiona a indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais referindo que “(...) Inexiste, pois, aqui o “balanceamento ou matching” entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos (…)”
No caso em apreço, sempre se poderá questionar qual o interesse económico da operação de aquisição da participação de cerca de 70% do capital da C..., pois a mera possibilidade de poderem vir a ocorrer no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais, não determina só por si que os encargos financeiros, que lhe estão subjacentes, possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais.
A manifesta verificação da inexistência do interesse económico da operação, é patente no facto de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.
Ou seja, a A... Unipessoal pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial “B...”, à C..., cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património.
Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer acréscimo de valor, decorrente da operação, no seio da sociedade A... Unipessoal.
E aqui refira-se que, a sociedade tem como objeto social “a compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial “B...”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”, ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na C... nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu “escopo”, pois a atividade do sujeito passivo não corresponde à compra e venda de participações sociais.
Neste sentido, veja-se também o recente, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0164/12, de 04/09/20131 especificamente, “na verdade, após um amplo e participado debate, podemos hoje considerar aceite pela doutrina e pela jurisprudência um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo ou seja considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades”.
Ora, não podendo descurar que é às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses, a noção legal de indispensabilidade reprime qualquer ato de gestão que seja desconforme com o interesse social da empresa, sobretudo quando não visa o lucro, neste sentido veja-se TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137.
Na apreciação dos factos e circunstâncias relevantes sobre a indispensabilidade dos gastos, o critério fulcral a ter em atenção respeita ao interesse da própria empresa que o suporta e não as motivações e operações destinadas à satisfação de interesses alheios.
Como se escreve no acórdão do TCA Sul de 02/02/2010, processo n.º 03669/09 é “no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23.º do CIRC que radica a questão essencial de consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo de empresa e o que pode resultar apenas no interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”.
Daí que em sede de apreciação de dedutibilidade fiscal dos custos assumidos por uma sociedade em relação de grupo, de acordo com uma “lógica de grupo” não pode ser atendida para a justificação de indispensabilidade de um gasto, o qual conforme já comprovado, nem direta ou indiretamente, contribuiu para a obtenção de lucros para o sujeito passivo.
No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos resultantes da operação de financiamento para adquirir 70% do capital da C..., concluiu-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo, ainda colocou em causa o seu propósito — o lucro.
O elevado peso que os gastos financeiros representam na estrutura financeira da empresa, apenas é atenuada com a revisão das taxas de juro do contrato de financiamento que ocorreu no exercício de 2013, o que por si só, vem comprovar que, não tendo este financiamento permitido potenciar a atividade da empresa, revelou-se uma decisão de gestão desprovida de motivação económica.
Não podemos deixar de realçar a “coincidência” de a revisão em baixa da taxa de juro relativa ao empréstimo contraído junto da I... (a partir de 1/1/2013, a taxa contratualizada passou de 7,25%, para 0,5%, por acordo entre as partes) ter ocorrido no exercício em que entrou em vigor a alteração ao artigo 67.º do CIRC, que introduz uma limitação à dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos de financiamento líquidos, funcionando como uma norma que pretende atingir objetivos de controlo de eventuais situações de abuso na utilização deste tipo de encargos, para fins que não os inerentes à sua natureza. Efetivamente, se não tivesse ocorrido esta alteração na taxa de juro, e a empresa mantivesse o mesmo nível de encargos financeiros que vinha suportando, face às novas regras teria que corrigir fiscalmente o seu resultado contabilístico em 2015 e 2016, através de um acréscimo no quadro 07 da declaração mod. 22, num montante de 8.401.524€ e 8.262.338€, respetivamente (anexo 5), que corresponderia a uma percentagem muito relevante dos encargos suportados.
Conforme foi anteriormente amplamente demonstrado, coloca-se em causa a motivação económica que subjaz à operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo. Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da A... Unipessoal, visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram decididas no seio do grupo), antes peto contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos nos exercícios em análise.
A influência negativa dos encargos financeiros decorrentes dos referidos empréstimos contraídos junto da I..., M... AG e V... Unipessoal, está bem patente na posição financeira da empresa a 31/12/2015 e 31/12/2016. O sujeito passivo apresenta uma situação líquida negativa que ascende a 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente, e que apenas apresenta uma ligeira recuperação com a revisão da taxa de juro referida anteriormente, o que demonstra o impacto que estes encargos têm na estrutura de custos desta empresa.
Em resultado dos prejuízos consecutivos o sujeito passivo apresenta Resultados Transitados negativos, em 2015 e 2016, nos montantes de 71.649.153,00€ e 60.981.223,70€, respetivamente.
Salienta-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um imóvel de que é proprietária, ficando a A... Unipessoal, a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram decididas no seio do Grupo, isto é, objetivamente não existiu qualquer vantagem nesta operação financeira.
Os factos elencados nos parágrafos anteriores não deverão ser vistos de per si, mas como um todo, devendo ser aferido, o caso em concreto, com critérios rigorosos que impeçam um planeamento fiscal, que colocará em causa o princípio da igualdade entre contribuintes.
O requisito da indispensabilidade dos custos, para avaliação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, assume aqui especial relevância, pelo que não pode cingir-se a uma causalidade simplista de tipo “(...) são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (…)”. Deverá antes, ser aqui aferido por critérios de motivação económica, isto é, deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa, ou seja, numa perspetiva essencialmente económica, que acarreta uma definição clara e objetiva dos princípios que norteiam as decisões de gestão e as linhas mestras subjacentes aos negócios desenvolvidos pelas empresas, no âmbito da sua atividade, de modo a aferir do seu correto enquadramento para efeitos fiscais.
Realça-se que esta abordagem não poderá ser condicionada por aquilo que se considera poder ser uma estratégia de grupo, segundo a qual se "sacrificariam" os interesses individuais de cada sociedade (obtenção de lucro) a favor de políticas de grupo com motivações que vão para além daquelas.
4) Conclusões
Conforme referido nos pontos anteriores, resulta da análise efetuada, que os encargos financeiros (juros e imposto do selo) suportados com a operação de financiamento para a aquisição da participação de cerca de 70% no capital da sociedade C..., não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23.º do CIRC para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente no que se refere à sua indispensabilidade. em virtude de não se considerar comprovado o interesse económico, ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade ou manutenção da fonte produtora da empresa, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos, não geram diretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa, como se comprova pela sua posição financeira a 31/12/2015 e 31/12/2016.
Estamos na presença de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no “seio” do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23.º do CIRC a natureza de cláusula geral.
Por fim uma vez mais se salienta que a sociedade A... Unipessoal contraiu um financiamento, a título do qual suporta elevados encargos financeiros, para adquirir uma participação no capital da sociedade C... . Por sua vez, a sociedade C... suporta encargos financeiros do financiamento obtido para a construção do “Complexo Comercial”, dedutíveis no apuramento do lucro tributável desta sociedade, gerando consequentemente uma diminuição na matéria coletável a imputar por via da transparência fiscal.
Atendendo a que a sociedade C... está abrangida pelo regime da Transparência Fiscal, e que como tal imputa o resultado apurado, aos respetivos associados na percentagem correspondente a cada um, este facto dá origem a que ocorra uma “duplicação” de encargos no seio da sociedade A... Unipessoal, o que subverte os princípios subjacentes à criação deste regime, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal. Efetivamente, um dos objetivos prosseguidos pelo regime da transparência fiscal é o de evitar que possam ocorrer duplas deduções de encargos com idêntica natureza, na esfera da sociedade transparente e ao nível dos associados, tal como se provou ter ocorrido no caso em apreço.
3.1.3 – Correções ao lucro tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC
3.1.3.1 – Exercício de 2015
Em face do exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerar preenchido o requisito da indispensabilidade à luz do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 4.639.237,41€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira na sociedade C....
A correção discriminada por conta e montante é a seguinte:
Conta Designação Montante
681291 Imposto selo suportado - Juros Empréstimo 73.729,69€
681292 Imposto selo suportado - Comissões Bancárias 47.109,43€
6911 Juros de financiamentos obtidos 1 .843.172,98€
691391 Outros Juros –V..., Lda 2.162.817€
691392 Outros Juros – I... 490.945,32€
688804 Financing fees 21.462,36€
TOTAL 4.639.237,41€
3.1.3.2 – Exercício de 2016
Em face do exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerar preenchido o requisito da indispensabilidade à luz do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 4.617.445,04€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira na sociedade C... .
A correção discriminada por conta e montante é a seguinte:
Conta Designação Montante
681222 Impostos - ind. - Imposto do selo - Juros empréstimos bancários 95.248,08€
691116 Juros de financiamento obtidos - Bancos - Asset loan 1.839.642,11€
691151 Juros de financiamento obtidos - Grupo 2.661 .033,70€
698116 Comissões de financiamentos obtidos - Bancos Asset loan 21.521,15€
TOTAL 4.617.445,04€
3.1.4 – Encargos financeiros à luz do disposto no artigo 67.º do CIRC
(…)
3.1.4.1 – Exercício de 2015
Deste modo, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto 3.1.3.1, no montante de 4.639.237,41€, é necessário recalcular a restrição imposta pelo artigo 67.º do CIRC (Gastos de Financiamento Líquidos = Gastos financeiros - Réditos financeiros = 0€ - 20.007,09€ = - 20.007,09€).
No exercício de 2015 o sujeito passivo apurou um resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, também designado por “EBITDA”, no montante de 5.690.944,90€.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, à data dos factos, o limite à dedutibilidade de gastos de financiamento é para o ano em análise fixado em 50% do EBITDA (5.690.944,90€ X 50% = 2.845.472,45), por ser mais vantajoso para o sujeito passivo relativamente à condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC.
Uma vez que, em resultado das correções efetuadas à rúbrica de “Encargos financeiros” a mesma passou a assumir o valor zero, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC pelo que se propõe a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da declaração modelo 22 de IRC/2015, no montante de 1.773.757,87€.
3.1.4.2 – Exercício de 2016
Deste modo, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto 3.1.3.2, no montante de 4.617.445,04€, é necessário recalcular a restrição imposta pelo artigo 67.º do CIRC (Gastos de Financiamento Líquidos = Gastos financeiros - Réditos financeiros = 0€ - 908,33€ = - 908,33€).
No exercício de 2016 o sujeito passivo apurou um resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, também designado por “EBITDA”, no montante de 7.549.788,50€.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, à data dos factos, o limite à dedutibilidade de gastos de financiamento é para o ano em análise fixado em 40% do EBITDA (7.549.788,50€ X 40% = 3.019.915,40€), por ser mais vantajoso para o sujeito passivo relativamente à condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC.
Uma vez que, em resultado das correções efetuadas à rúbrica de “Encargos financeiros” a mesma passou a assumir o valor zero, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC pelo que se propõe a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da declaração modelo 22 de IRC/2016, no montante de 1.622.339,97€.
3.2 – RESUMO DAS CORREÇÕES
3.2.1 – CORREÇÕES EM SEDE DE IRC – MATÉRIA COLETÁVEL
3.2.1.1 – Exercício de 2015
Em resultado das correções efetuadas no montante de 2.865.479,54€ (4.639.237,41€ - 1.773.757,87€), explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 6.946.761,93€ para um lucro corrigido de 9.812.241,47€, (…)
3.2.1.2 – Exercício de 2016
Em resultado das correções efetuadas no montante de 2.995.105,07€ (4.617.445,04€ - 1.622.339,97€), explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 9.324.497,27€ para um lucro corrigido de 12.319.602,34€, (…)»
mm) A A... foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º..., datado de 17.07.2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RH...PT). [cf. documento n.º ... anexo ao PPA e PA]
nn) Na sequência da sobredita ação inspetiva, a A... foi notificada: (i) da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 873.666,06, com data limite de pagamento a 05.09.2019; (ii) da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2016, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 889.837,89, com data limite de pagamento a 06.09.2019. [cf. documentos n.ºs ... e ... anexos ao PPA]
oo) A A... procedeu ao pagamento integral dos referidos montantes de € 873.666,06 e de € 889.837,89, em 03.09.2019 e em 04.09.2019, respetivamente. [cf. documentos n.ºs ... e ... anexos ao PPA]
pp) Em 04.12.2019, a A... apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD].

Na decisão arbitral fundamento deu-se como provada a seguinte matéria de facto:
A. A Requerente A… é uma sociedade por quotas (unipessoal) que tem como objecto social a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como …, bem como o arrendamento, exploração e gestão do …, bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a mencionada actividade;
B. A Requerente foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a actividade (em termos fiscais) no dia 19-06-2000;
C. Na data de constituição da sociedade era a mesma detida pela sócia única B…, actualmente, C…, com sede na Alemanha;
D. Em 31-07-2007 o sujeito passivo passou a ser detido a 100% pela sociedade D… (sócia única), com sede no Luxemburgo, que, em Julho de 2015 mudou a sua designação social para C...;
E. De acordo com o que é referido no dossier de preços de transferência referente ao exercício de 2012, a F…é “(…) um sub-fundo da G…, um fundo comum aberto especializado na colocação de investimentos em fundos, lançado pela H… em 4 de junho de 2007”, o referido fundo é “(…) uma forma contratual de investimento coletivo que opera sob as leis do Grão-Ducado do Luxemburgo e que aprovou uma estrutura destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus co-proprietários, por uma empresa gestora comum, a I….» e «O esquema seguinte ilustra a estrutura implementada para a gestão dos fundos:” (ver quadro no original)
F. No dossier de preços de transferência é referido também que, “Atualmente, o único sub-fundo existente é a F… . Este é dirigido a investidores institucionais europeus e visa a criação de uma carteira de retalho pan-europeia diversificada, possuindo centros comerciais regionais, localizadas nas principais cidades ou em áreas periféricas de grande potencial.
O Sub-fundo tem investido em ativos imobiliários em Espanha e em Portugal, através de suas subsidiárias, embora o objetivo seja o de investir em toda a Europa: atuais e futuros países candidatos à adesão à UE.
A F… investe em shopping centers localizados nas regiões mais relevantes, que, como característica diferenciadora, têm potencial para gerar receitas estáveis a longo prazo mesmo em períodos de desequilíbrios no mercado. A atual carteira de imóveis consiste em três centros comerciais, dois dos quais estão localizados em Lisboa (Portugal) e o terceiro localizado em León (Espanha).”
G. A partir da I..., empresa gestora de fundos, os investimentos organizam-se da seguinte forma: (ver quadro no original)
H. A J…, doravante designada por J…, NIPC …, foi constituída como sociedade anónima, em 05-03-1997, com a firma “K…, S. A.”, tendo sido transformada, em 18-09-2000, em sociedade em comandita, tendo então por sócio comanditário o “B…”, titular de uma participação social no valor nominal de € 9.999.995,00, e por sócia comanditada a Requerente, titular de uma participação social no valor nominal de € 5,00;
I. Em 31-10-2007, o “B…”, sócio comanditário da “J…” procedeu à divisão da sua participação social nesta sociedade em duas partes, uma no valor nominal de € 6.999.995,00, que transmitiu à Requerente, e outra no valor nominal de € 3.000.000,00, que transmitiu à “L…”;
J. A “J…” é uma sociedade de simples administração de bens, sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Código do IRC, imputando aos seus sócios a matéria colectável que apura anualmente, sendo, designadamente, 70% da sua matéria tributável imputada à Requerente;
K. A J… é proprietária das fracções C até AO do Centro Comercial, composto por 216 lojas, 34 restaurantes, um complexo de cinemas e um espaço de lazer
L. O Complexo Comercial inclui ainda um … Junto do Centro Comercial, composto por 3 lojas, um armazém, um centro de controlo e 204 espaços de estacionamento;
M. Para prossecução do seu objecto social, a Requerente tomou de arrendamento (em 01-11-2002, à J…, o complexo comercial conhecido como “…";
N. O contrato de arrendamento tem vindo a ser renovado sucessivamente e foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma suspensão da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com início em 01-03-2012 e término a 28-02-2014, data a partir da qual a referida cláusula passou a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000,00€);
O. A actividade desenvolvida pelo sujeito passivo no exercício de 2012 foi a exploração e gestão do Centro Comercial A… e do …, sendo a responsável directa pela administração quotidiana do Centro Comercial, desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a respectiva promoção estratégica;
P. A Requerente celebra “contratos de utilização de loja” com cadeias de lojas ou outro tipo de utilizadores, usualmente denominados por lojistas, que enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes, sendo que nesses contratos, entre outras obrigações, os lojistas comprometem-se a pagar uma retribuição mensal constituída pela soma de duas parcelas – uma fixa (remuneração mínima) e outra variável – e a comparticipar nas despesas e encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial;
Q. Os valores (retribuição mensal fixa e variável e outras despesas), facturados pela Requerente a cada um dos lojistas são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “Rendas e serviços prestados”.
R. Durante o exercício de 2012, foi registado pela Requerente na conta de gastos “626111 – Rendas A…” o montante de 11.100.000,00€, de rendas do Centro Comercial, e na conta “626112 – Rendas…” o montante de 480.000.00€ relativos às rendas do…;
S. O valor das rendas pago, no ano de 2012, à J…, pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou, assim, o montante de € 11.580.000,00€;
T. Para financiamento da operação de aquisição da participação social da J…, no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, a Requerente recorreu a três operações de financiamento: uma com a “D…”, no valor de € 96.844.069,52; outra com o M…– Sucursal em Portugal, no valor de € 35.800.000,00; e uma outro junta do N…, Lda., no valor de € 42.663.800,00;
U. O financiamento obtido junto da D… foi realizado em 31-10-2007, por um prazo de 10 anos, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%;
V. O financiamento contraído junto do M…– Sucursal em Portugal foi realizado em 31-1-2017, por um prazo de 10 anos, tendo as partes acordado uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%);
W. O financiamento obtido junto do N…, Lda. foi realizado em 31-10-2017, por um prazo de 10 anos, e as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01-07-2009, publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja ma taxa de 5% ao ano;
X. Os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, designadamente nas contas "681291 Imposto de Selo Suportado - Juros de Empréstimos”, "681292 imposto de Selo Suportado -Comissões Bancárias”, “6911 - Juros de financiamento obtidos" (empréstimo da M…), "691391 - Outros juros -N…, Lda." (empréstimo do N…), “691392 - Outros Juros – D… (empréstimo da D…) e “6982-Other financing fees";
Y. De acordo com os dados retirados da informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos da A… Unipessoal apresentaram a seguinte evolução cronológica: (ver quadro no original)
Z. No exercício de 2012 os juros suportados pela Requerente com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na J…, no montante de 11.155.180,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma: (ver quadro no original)
AA. Por referência ao exercício de 2012, a Requerente foi alvo de uma inspecção tributária, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...16..., de 16-03-2016, no âmbito da qual a AT alterou em 11.297.848,73 a matéria colectável declarada pela Requerente, alteração esta que se baseou na não aceitação «da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros relativos aos financiamentos obtidos para a aquisição de uma participação social, em virtude de não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos no artigo 23º do CIRC» (Parecer do Chefe de equipa, que conta do Documento n.º ... junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
BB. No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:
3. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
3.1 - CORRECÇÕES EFECTUADAS EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
No âmbito de procedimentos inspetivos anteriores, que visaram o controlo da situação tributária do sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2010 e 2011, foram identificadas incorrecções relacionadas com a não aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos suportados relativos a gastos de financiamento de empréstimos contraídos em 2007.
Na análise efetuada à contabilidade do contribuinte, constatamos que, em 2012, não se verificaram alterações quer quanto à forma de contabilização dos referidos gastos quer quanto à sua natureza, pelo que os factos e fundamentos invocados nos pontos seguintes. Serão coincidentes com os referidos nos relatórios anteriores, com as devidas adaptações.
3.1.1. - Factos apurados
A A… foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a sua atividade no dia 19 de Junho de 2000. No procedimento inspetivo, realizado ao ano de 2012, verificou-se que a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo foi a exploração e gestão do Centro Comercial … e do …, doravante designado por Complexo Comercial. O Complexo Comercial é detido pela J… que, através de um contrato de arrendamento, o arrenda à A… . O contrato foi firmado pela primeira vez em 01 de Novembro de 2002 e tem vindo a sofrer renovações sucessivas. O referido contrato foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma suspensão da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com inicio em 01 de Março de 2012 e término a 28 Fevereiro de 2014. A partir desta última data a referida cláusula passará a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000.00€).
Durante o exercício de 2012 a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de 830.000,00€ (renda mensal em 2011: 1.400.000,00€), enquanto que para o … a renda foi de 40.000,00€.
Encontra-se registado na conta de gastos "828111 - Rendas A…" o montante de 11.100.000,00€, de rendas do Centro Comercial, e na conta "626112- Rendas …" o montante de 480.000,006, relativos às rendas do … . O valor das rendas pago, no ano de 2012, à J…, pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou assim o montante de 11.580.000,00€.
Verificou-se que a A… é a responsável direta pela administração quotidiana do Centro Comercial A… . Desenvolve a promoção e comercialização das lojas assim como a promoção estratégica do Centro Comercial. A empresa em análise é a responsável pela angariação e celebração de "contratos de utilização de loja" com os clientes. Estes clientes geralmente fazem parte de marcas que possuem cadeias, nacionais e internacionais, de lojas, existindo, no entanto, também outro tipo de utilizadores Individuais. Estes "contratos de utilização de loja* enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes. Entre outras obrigações, estabelecem os valores a pagar pelos lojistas. Essas remunerações são geralmente mensais e são constituídas pela soma de duas parcelas, uma fixa (remuneração mínima) e outra variável. Acresce a esta remuneração a comparticipação nas despesas e nos encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. Estes valores (retribuição mensal fixa, variável e outras despesas), faturados pela A… a cada um dos lojistas, são registados na demonstração de resultados por natureza na rubrica de "rendas e serviços prestadas".
Da análise à rubrica de Investimentos financeiros foi possível verificar que em 31 de Dezembro de 2012 a A… detinha uma participação de 70% na sociedade J…, adquirida em 31 de Outubro de 2007. Sendo esta empresa abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. Neste caso é imputada 70% da sua matéria tributável ao A… .
Para financiamento desta operação de aquisição da participação social, no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, o sujeito passivo recorreu a três operações de financiamento junto de três empresas do Grupo onde está inserido:
• D…(casa - mãe);
•N…;
•M… .
De acordo com a informação retirada do dossier de preços de transferência (anexo 1) é referido que “Em outubro de 2007 o Grupo decidiu que a A… iria adquirir a participação na J… detida pela C…", por cerca de 175,3 milhões de euros. Constata-se assim que esta aquisição teve apenas como fundamento a "estratégia de Grupo". Com esta decisão, o sujeito passivo passou a deter uma participação de 70% no capital social da J…, sociedade com qual detém um contrato de arrendamento do Centro Comercial A…, ficando os restantes 30% na posse da sociedade L…, empresa igualmente integrada no mesmo Grupo.
Constata-se também que a sociedade J… já era detida a 100% pelo Grupo. Grupo onde também se insere a A… . Deste modo conclui-se que esta transferência de capital não veio trazer alterações, nem em termos de composição/estrutura do Grupo nem em termos de atividade das suas empresas.
No que se refere aos financiamentos, a que a empresa recorreu junto do Grupo, verificamos que se encontram titulados através de contratos.
Na sequência da análise destes contratos, apresenta-se abaixo um esquema/resumo ilustrativo dos financiamentos obtidos: (ver quadro no original)
Em resultado da análise aos contratos (anexo 3), e relativamente às condições acordadas entre as partes, apresentam-se de seguida resumos das condições de cada uma das operações de financiamento:
• Financiamento obtido junto da D…;
O empréstimo obtido junto da D… foi no valor de cerca de 96,8 milhões de auras O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007 e o empréstimo tem um prazo de 10 anos, ou seja, com vencimento em 31 de Outubro de 2017. As partes acordaram o pagamento de uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 19.828,38€. Os juros são devidos trimestralmente.
Financiamento obtido junto da N…:
O empréstimo obtido junto da N… foi de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007. As condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa. Foi estabelecido entra as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01 de Julho de 2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1.6%, ou seja uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 6 024.29€ O seu pagamento é devido mensalmente.
• Financiamento obtido junto da M…:
O empréstimo obtido junto da M… foi no montante de 35,8 milhões de euros. O referido financiamento foi realizado em 25 de Outubro de 2007 por um prazo de 10 anos. De modo a remunerar o capital cedido pela M… as partes acordaram no pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%). No ano de 2012 o empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 5.049,78€. O seu pagamento é devido trimestralmente.
Na análise à contabilidade verificamos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas "681291 Imposto de Selo Suportado - Juros de Empréstimos". "681292 Imposto de Selo Suportado -Comissões Bancárias", "6911 - Juros de financiamento obtidos" (Empréstimo da M…), "691391 - Outros juras -N… ." (empréstimo do N…), "691392 - Outros Juros – D… (empréstimo da D…) e "6982-Other financing fees".
De acordo com os dados retirados da Informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos da A… apresentaram a seguinte evolução cronológica: (ver quadro no original)
No exercido de 2012 os juros suportados pela A… com os empréstimos de financiamento á aquisição da participação no capital na J…, no montante de 11 155.180,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma: (ver quadro no original)
Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.
Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que não existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou /notas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades D… e N… .
No que se refere ao empréstimo efetuado pela empresa M…, foram emitidos por esta sociedade as seguintes notas de lançamento:
• N.º … - Juros relativos ao período de 02 da Janeiro de 2012 a 01 de Abril de 2012, e respectivo imposto de selo;
• N.º … - juros relativos ao período de 02 de Abril de 2012 a 01 de Julho de 2012, e respectivo imposto de selo;
• N.º … - juros relativos ao período de 02 de Julho de 2012 a 30 de Setembro de 2012, e respectivo imposto de selo.
Verifica-se que não foi emitido documento para a última tranche dos juros do ano de 2012 (período de 01 de Outubro de 2012 a 30 de Dezembro de 2012).
Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.
No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:
• M… - foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, lendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária;
• D…- por carência de tesouraria, durante o exercício de 2012, apenas foi efetuada um pagamento a esta entidade, no montante de 1.704 590.12€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de Março de 2011 e 30 de Junho de 2011. Foram apresentados os documentos de suporte ã ordem de transferência bancária;
• N…- foram pagos os juros referentes ao período de 27 de Junho de 2011 a 26 de Dezembro de 2011 no montante global de 905.450,27€ (respeitantes ao exercício de 2011 que por motivos de carência de tesouraria não foram pagos no ano de 2011). Foram ainda pagos os juros do período compreendido entre 27 de Dezembro de 2011 a 26 de Dezembro de 2012, conforme o plano financeiro. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.
Através da análise aos valores declarados pela A… à AT através das suas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados liquido e fiscal, podemos constatar que a sua evolução nos últimos 6 anos foi a que se resume no quadro seguinte: (ver quadro no original)
Da análise do quadro conclui-se que a partir do ano de 2007 a A… suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da J… . Durante o mesmo período verifica-se que a aquisição da participação social em nada veio acrescentar ao seu volume de negócios, visto que este sofre flutuações mínimas ao longo destes últimos 8 anos, tanto positivas como negativas. De forma direta, e fruto do que foi apontado, constatamos que os seus resultados fiscais passaram dum lucro tributável bastante significativo em 2007, ano em que os encargos financeiros foram referentes apenas a cerca de 2 meses, para uma situação de prejuízo fiscal, situação essa que apenas foi quebrada nos anos de 2011 e 2012.
Veja-se que o Relatório de Gestão referente ao exercido de 2012 refere que "os gastos com juros, no valor de 11.155.180,93€ essencialmente relativos aos juros dos empréstimos bancários e com as empresas do grupo, assim como as perdas de imparidade no montante de 3.666.950.51€. referentes a participação na sociedade J…, contribuíram significativamente para o total dos gastos no exercício e consequentemente para o prejuízo incorrido no exercício'.
Da análise aos dados recolhidos na IES do sujeito passivo J…, foi possível verificar que esta sociedade apresenta também elevados encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos para a construção/aquisição do Complexo Comercial designado por "…", da qual é detentora.
Em virtude da J… ser uma sociedade de simples administração de bens e estando enquadrada no regime de transparência fiscal, de acordo com o disposto no art.º 6.º nº 1 do CIRC, a matéria coletável é imputada às duas sociedades, presentes no seu capital social, e saber
a) L…- 30%
b) A…- 70%
Saliente-se que a matéria coletável imputada pela J… ao sujeito passivo, no âmbito do regime da transparência fiscal, é absorvida pelos prejuízos que a empresa em análise apura na sua atividade
3.1.2. - Análise à operação e conclusões
A análise efetuada à contabilidade da empresa determinou a necessidade de proceder a uma verificação mais aprofundada à operação de financiamento subjacente à aquisição, por parte do sujeito passivo, de (cerca de) 70% do capital social da sociedade J… .
Assim, importa decompor a referida operação e verificar o seu mérito, no que respeita à dedutibilidade relativamente ao cumprimento previsto no artigo 23º do CIRC, o que passamos a fazer, dando especial ênfase nos seguintes aspetos:
1) Operação de aquisição da participação financeira;
2) Duplicação dos encargos relativos a juros;
3) Critério da Indispensabilidade;
4) Cumprimento dos requisitos formais;
5) Racionalidade económica da operação;
6) Conclusões.
1) Operação de aquisição da participação financeira
Para análise da operação de aquisição é necessário termos em conta o organograma do Grupo. Nesta conformidade damos por reproduzido o organograma que consta no anexo ao relatório de contas da empresa:" (ver quadro no original)
Analisando o caso em concreto à luz do organograma, objectivamente, podemos constatar que:
• A sociedade P… é detentora a 100% do Grupo, quer por via direta quer indireta;
• A H… domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada I…;
• A H… domina a 94,90% as sociedades detidas pela B…;
• A J…, era inicialmente detida a 99,99995% pela B…, de uma forma direta;
•Em 2007, por decisão do Grupo, a sociedade B… vende a sua participação total à A… (69,99995%), que ficou com uma quota total de 70%, e à L… (30%),
• Ou seja, não obstante a venda dos cerca de 100% de participação pela B… à A… e à L…, a "casa mãe” P…, ou, se preferirmos uma referenda mais a jusante, a H… continua a ser, e final, a detentora do controlo da sociedade J…, de forma indireta;
• No que aos empréstimos diz respeito, será de salientar que as empresas contraentes são entidades relacionadas, a saber.
a) O M… é um Banco Internacional, que é participado/detido pela P…;
b) A sociedade N… pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela L…, que, por sua vez, é detida a 100% pela O…;
c) A sociedade D…, detêm em 100% a A…, sendo aquela, detida a 100% pela O… .
Não menos importante, será observar que o empréstimo obtido junto da D… é celebrado e concedido entre duas sociedades, tendo as mesmas uma relação de dependência de 100%, ou seja, e de uma forma simplista, sempre se afirmará que este empréstimo é concedido e ela mesma, sendo o risco de Incumprimento reduzido a 0%.
Conforme facilmente se infere do quadro 1, apresentado anteriormente, a rubrica de juros suportados, tem um peso muito significativo na estrutura de custos da empresa, sendo responsável em grande parte pelos prejuízos que esta apresenta ao longo dos anos, não se vislumbrando quais os benefícios imediatas e/ou mediatos, que lhe advém, decorrentes da operação praticada.
Refira-se que sendo a J… sujeita ao regime da transparência fiscal, Imputa aos seus sócios a sua matéria coletável (70% à A… e 30 % à L…). Decorrendo daqui que, a sócia L…, sociedade não residente, tenha apresentado declaração e pago o respectivo Imposto a que estava sujeito, e que a sócia A…, decorrente dos empréstimos obtidos e seus inerentes custos, dilui por completo a matéria coletável imputada pela sociedade de que detém a participação.
E, aqui sempre se interrogará da operação em causa, se não vejamos:
a) A sociedade A… obtém de sociedades relacionadas, empréstimos para adquirir 69,99995% da sociedade J…;
b) Sociedade esta que já pertencia ao Grupo;
c) Existe um contrato de arrendamento para exploração de lojas, entre as mesmas, pelo que a A… paga à J…uma renda mensal;
d) Os valores das rendas são efetivamente pagos.
2) "Duplicação" dos encargos relativos a juros
Tal como já foi referido anteriormente a sociedade A… contraiu os três financiamentos para adquirir cerca da 70% da participação financeira na J… . Verificou-se ainda que contabiliza os encargos financeiros resultantes destes empréstimos, que no exercício de 2012 atingiram o montante de 11.155.180,93€, em juros, e de 142.667.80€, em imposto de selo, como gastos nas suas demonstrações financeiras.
Por outro lado, e num momento anterior, a J…, sociedade detentora do Complexo Comercial denominado "…", recorreu a um empréstimo bancário no montante de 135.175 milhões de euros para pagamento do imóvel, contabilizando os encargos financeiros como gastos nas suas demonstrações financeiras, afetando o resultado apurado em cada exercício.
Se analisarmos as operações e a sua repercussão nos resultados, conjugando com o enquadramento para efeitos de tributação em sede de IRC de cada uma das entidades, concluímos que, por via indireta, se verifica uma duplicação de encargos financeiros na esfera da A… .
As características singulares da situação tributária da A… residem da conjugação dos seguintes factos (i) detenção de uma participação representativa de 70% do capital de uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal – J…, (ii) tal participação ter sido adquirida a entidade do Grupo com recurso a endividamento; e (iii) ser a única "cliente" da sociedade transparente, enquanto parte no contrato de locação/exploração do imóvel da sociedade J… .
Neste contexto, cabe então saber qual a base legal que legitima a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente. À luz do artigo 23.º do CIRC consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Na situação concreta sob análise, pode suscitar-se a dúvida a respeito da existência de uma conexão direta entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, pois que, por virtude da aplicação do regime da transparência fiscal à sociedade participada, os rendimentos que contribuíram para a determinação da matéria coletável imputada são anulados com os gastos suportados pelo sujeito passivo com as rendas pagas pela locação do imóvel.
Todavia, com o intuito de melhor dirimir esta questão importa estabelecer um confronto entre duas situações que configuram diferentes formas de exercício da mesma atividade mas que, por força da transparência fiscal, devem alcançar resultados fiscais equivalentes de modo a serem fiscalmente neutras: por um lado, uma, em que o imóvel (locado) é propriedade da sociedade locatária, por efeito de um ato aquisitivo ou de autoconstrução; e por outro lado, a situação em apreço, em que o imóvel locado é propriedade de uma sociedade participada (locador) qualificada fiscalmente como "sociedades de simples administração de bens" e, portanto, abrangida pelo regime da transparência fiscal.
É de concluir, então, que na primeira das situações prefiguradas, a sociedade que utiliza o imóvel, como se fosse proprietária do mesmo, apenas teria de suportar os encargos financeiros inerentes aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição/construção do imóvel e os demais encargos associados.
No segundo caso, ora subjudice, a mesma sociedade (locatária) está a suportar não só a sua quota-parte dos encargos com o imóvel, que incluem também encargos financeiros, incorporados quer no valor da renda quer no resultado imputado através da transparência fiscal, como ainda os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada.
Estamos, portanto, perante uma duplicação de encargos financeiros relacionados com o imóvel locado: os que são deduzidos na determinação da matéria coletável do sujeito passivo e aqueles que são registados e deduzidos na determinação da matéria coletável da sociedade transparente".
Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a dupla dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade - o sujeito passivo - da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, que faz cumular, na primeira sociedade, um conjunto de gastos desproporcionado e que, em certa medida, quase subverte os objetivos, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.
3) Critério de indispensabilidade
O critério da indispensabilidade, determinante na avaliação da dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais, encontra-se previsto no artigo 23º do CIRC que dispõe:
"Artigo 23º Gastos
1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
Importa assim, atento o disposto no artigo 23º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos Incorridos com os empréstimos que permitiram a aquisição de cerca de 70% da J…, são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Ora, da leitura do referido artigo, não se retira objectivamente uma definição do conceito de indispensabilidade, tendo o mesmo vindo a ser definido pela jurisprudência e doutrina, como um dos requisitos fundamentais para que os gastos sejam aceites fiscalmente. Assim deparamo-nos com um critério aparentemente indeterminado e complexo.
O Supremo Tribunal Administrativo declarou quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais o seguinte: '...requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no Interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa..."'.
A este respeito veja-se igualmente o sentido do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, «Só não são Indispensáveis 'os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa", isto e, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se 'como referida à ligação dos custos é actividade desenvolvida pelo contribuinte'.
Ora, vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela não verificação dos elementos doutamente exigidos.
Assim, devemos ter presente que, o critério da indispensabilidade foi criado para impedir que "certos" gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados, sejam dedutíveis fiscalmente.
Daqui decorrerá que, serão aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta", contudo, não deverá este requisito ser visto "per si", mas sim coadjuvado com critérios de racionalidade económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos
Não bastará considerar certo gasto indispensável, será sempre necessário aos sujeitos passivos promoverem a prova da indispensabilidade do gasto incorrido e a sua ligação com os proveitos obtidos", sendo negada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.
Ou seja, é para definir o grupo dos elementos negativos que o art.º 23º do CIRC enuncia, a titulo exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas, aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
A relevância fiscal de um custo, e na linha do acórdão TCA do Sul, depende da sua comprovação e da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características coloca a questão sobre se a causação é ou não empresarial.
Este entendimento encontra total acolhimento no acórdão do TCA Sul de 24 de Fevereiro de 2012, processo n.º 05251/11, onde se questiona a indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais referindo que "(...) inexiste, pois, aqui o "balanceamento ou matching" entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos (...)"
No caso em apreço, sempre se poderá questionar qual o Interesse económico da operação de aquisição da participação de cerca de 70% do capital da J…, pois a mera possibilidade de poderem vir a ocorrer no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais, não determina só por si que os encargos financeiros, que lhe estão subjacentes, possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais,
A manifesta verificação da inexistência do Interesse económico da operação, é patente no fado de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.
Ou seja, a A… pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial …, à J…, cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património.
Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer "mais-valia" decorrente da operação, no seio da sociedade A…;
E aqui refira-se que, a sociedade tem como objeto social" a compra e venda de Imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial "…", neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atas ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade", ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na J… nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu "escopo", A atividade do sujeito passivo não é a compra e venda de participações sedais.
Neste sentido, veja-se o recente, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0164/12, de 04/09/2013, especificamente, "na verdade, após um amplo e participado debate, podemos hoje considerar aceite pela doutrina e pela jurisprudência um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos saiam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas.
4) Cumprimento dos requisitos formais
A análise efetuada aos registos contabilísticos relativos aos encargos financeiros, permitiu verificar que os mesmos, com exceção referentes dos juros dos 1.º, 2.º e 3º trimestres da M…, foram suportados e contabilizados apenas com base nos planos financeiros estabelecidos nos contratos.
Verifica-se assim, uma manifesta insuficiência do preenchimento dos requisitos formais pelo facto de não serem conhecidos, à data, os documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos.
Esta exigência formal, na perspetiva dos interesses fiscais, encontra a sua razão de ser numa dúplice justificação, ou seja, na necessidade de comprovar a efetivação do custo, a sua existência e, para se aferir a natureza da despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à atividade do sujeito passivo.
Ora, podemos referir que, não obstante a jurisprudência não acolher como regra única o princípio da equiparação entre fatura e documento justificativo do custo, não será menos verdade afirmar que os fundamentos que motivaram o estabelecimento dos apertados requisitos formais em sede de IVA, são totalmente transponíveis para o domínio do IRC;
De referir que, pelo facto de estarmos na presença de sociedades com relações especiais, ou seja, "(...) tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedade com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas"", situação, por demais evidente, havendo relações de domínio, não será por demais desajustada a exigência formal da prova, sob pena, da Impossibilidade de controle por parte da Autoridade Tributária, perdendo-se assim, o efeito útil, deste critério fiscalizador e garante da Igualdade entre contribuintes, na sociedade portuguesa.
5) Racionalidade económica da operação
A análise efetuada à operação de financiamento, a que a empresa A… recorreu para adquirir uma participação de cerca de 70% do capital da J…, mereceu especial atenção, face aos elevados encargos que dela advém e que afetam muito negativamente os seus resultados.
Conforme foi anteriormente amplamente demonstrado, coloca-se em causa a racionalidade/razoabilidade que subjaz à operação de financiamento in caso de aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo. Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da A…, visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram vinculadas), entes pelo contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou a uma situação económica delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumuladas, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício em análise.
Alia-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um Imóvel de que é proprietária, ficando a A…, a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram vinculadas e decididas no seio do Grupo.
Não poderão estes pontos, ser vistos de per si, mas como um todo, devendo ser aferido, o caso em concreto, com critérios rigorosos que impeçam um planeamento fiscal, que colocará em causa o princípio da igualdade entre contribuintes.
O requisito da indispensabilidade dos custos, para avaliação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, assume aqui especial relevância, pelo que não pode cingir-se a uma causalidade simplista de tipo " (...) consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos (...)". Deverá antes, ser aqui aferido por critérios de racionalidade económica, isto é, deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa, ou seja, numa perspetiva essencialmente económica, que acarreta uma definição clara e objetiva dos princípios que norteiam as decisões de gestão e as linhas mestras subjacentes aos negócios desenvolvidos pelas empresas, no âmbito da sua atividade, de modo a aferir do seu correto enquadramento para efeitos fiscais.
Como conclusão, verifica-se que:
Relativamente aos encargos suportados (juros e imposto de selo) com a operação de financiamento para aquisição da participação de cerca de 70% no capital da sociedade J…, não sã considera preenchido o critério da indispensabilidade dos custos, pelo que fica comprometida a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, em virtude de não se vislumbrar o interesse económico, ou a necessidade para a prossecução da atividade ou manutenção da fonte produtora da empresa, da operação que lhes está subjacente.
Os documentos de suporte a contabilização dos referidos encargos financeiros, não preenchem os requisitos formalmente exigidos, coadjuvado pelo facto de estarmos na presença de sociedades com relações especiais.
Estamos na presença de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtue as normais relações entre os contribuintes e B igualdade de tratamento.
No caso em apreço, por via das operações praticadas "intra grupo", verifica-se, que a empresa A… contrai um financiamento, do qual suporta elevados encargos financeiros, para adquirir uma participação no capital da J…, Por sua vez, a sociedade J… suporta encargos financeiros do financiamento obtido para a construção do "Complexo Comercial", dedutíveis no apuramento do lucro tributável.
Esta situação consubstancia assim, uma duplicação de encargos, decorrente do enquadramento legal para efeitos de tributação em sede de IRC da sociedade J…, em virtude de esta estar abrangida pelo regime de transparência fiscal, conforme anteriormente referido.
Assim, não obstante os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal, certo é que, não os considera a A.T. como comprovadamente indispensáveis e incorridos para obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, pelo anteriormente exposto, devendo o respectivo montante ser acrescido ao lucro tributável declarado.
3.1.3. -Correções ao lucro tributável
Face ao exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, à luz do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, é corrigido o montante de 11.297.848,73€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira.
A correção discriminada por conta e montante é a seguinte: (ver quadro no original)
3.1.4. - Correções ao reporte de prejuízos
Na sequência das correções efetuadas ao exercício de 2010, o sujeito passivo ficou sem qualquer valor a reportar de prejuízos para os anos seguintes. Nesta conformidade, é desconsiderado no apuramento da matéria coletável do ano em análise o montante de 261 815,57€, relativo à dedução de prejuízos fiscais.
3.2 - APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
Em resultado das correções efetuadas no montante de 11.297.848,73€, explanadas s fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 349.087,43€ para um lucro corrigido de 11.646.936,16€, conforme se descrimina no quadro seguinte: (ver quadro no original)
CC. Na sequência da inspecção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 …, da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.ºs ...16... e ...16... e, bem assim, da demonstração de aceito de contas n.º 2016…, na qual se apurou o valor a pagar de € 3.746.317,22 (Documentos n.ºs ..., ... e ... juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
DD. Na referida demonstração de acerto de contas, foi anulado um estorno de liquidação relativo ao exercício de 2012, no montante de € 2.028.946,37, foi efectuado um acerto de liquidação relativo ao mesmo exercício, no montante de € 1.328.623,98, e foram incluídos juros compensatórios no montante de € 159.726,08 e € 229.020,79, tendo estes últimos como fundamento recebimento indevido do montante de € 2.028.946,37;
EE. Os referidos financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial A… (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da J… (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra directamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da J…);
FF.O recurso a financiamento para realizar aquela operação foi decidido pelos investidores do fundo “F…” que entenderam que seria a decisão mais vantajosa e racional (depoimento da testemunha Q…);
GG. Eram condições essenciais para a concessão do financiamento nas condições que foram acordadas que este estivesse o mais próximo possível do activo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras), pelo que o mesmo teria de ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, ou seja, a Requerente ou a J… (depoimento da testemunha Q…);
HH. A J… já tinha um financiamento garantido com hipoteca do sobredito imóvel de que é proprietária, pelo que apenas a Requerente se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais, designadamente o penhor das acções da J… e os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial A… (depoimento da testemunha Q…);
II. A Requerente tinha interesse em concentrar a propriedade a gestão e a propriedade do A… (depoimento da testemunha Q…);
JJ. A compra foi efectuada em condições normais de mercado (depoimento da testemunha Q…);
KK. Foi um bom negócio a aquisição da participação social em termos das rendas, que se mantiveram estabilizadas apesar da crise e depois recuperaram; foi desvalorizado o activo como da sequência da crise económica, mas, como não foi vendido essa desvalorização não se materializou (depoimento da testemunha Q…);
LL. Foi realizada uma avaliação ao edifício ..., reportada à data de 15-09-2007, por uma entidade independente, no âmbito da qual lhe foi atribuído o valor de cerca de € 381.297.000,00 (carta da … junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º ..., cujo teor se dá como reproduzido);
MM. Não houve duplicação de encargos financeiros pagos pela Requerente e pela J…, pois ao valor de aquisição da participação social foi deduzido o valor da dívida desta (depoimento da testemunha Q…, valor referido na alínea anterior e valor dos financiamentos);
NN. Na sequência da solicitação à Requerente dos documentos de suporte dos juros suportados com os empréstimos e despesas associadas e os seus meios de pagamento, a Requerente apenas apresentou, relativamente ao exercício de 2012, os documentos que constam da página 26 do Relatório da Inspecção Tributária, que atrás se reproduziu;
OO. A Requerente pagou a quantia de € 3.746.317,22 correspondente ao IRC e juros compensatórios liquidados (documento n.º ...1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
PP .Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
Nada mais se deu como provado em ambas as decisões.


Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.
Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Na decisão fundamento decidiu-se o seguinte:
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção a matéria tributável da Requerente por entender que não devem ser considerados, para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, os gastos correspondentes aos juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados para adquirir 70% da J…, por, em suma, não poderem ser considerados indispensáveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012.
Adicionalmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as despesas com os juros não estavam suficientemente documentadas.
3.1. Questão da indispensabilidade dos gastos
O artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(...)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
Esta temática da indispensabilidade dos custos, para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, te sido tratada em vários acórdãos arbitrais, como é o caso dos de 15-06-2012, proferido no processo n.º 29/2012-T ( [1] ) e de 02-12-2013, proferido no processo n.º 101/2013-T, em termos que aqui essencialmente se aceitam e a seguir se seguem de perto, adaptados à situação em apreço.
São indispensáveis para realização dos proveitos as despesas sem as quais a empresa não poderia exercer a sua actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve.
Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos.
Uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável terá de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos.
O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.
Assim, não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos financeiros, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo.
Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.
Na verdade, o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose. ( [2] ) É às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses.
Não há qualquer suporte legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar a dedutibilidade de gastos por considerar que as opções de natureza empresarial das empresas não correspondem aos actos de gestão que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera preferíveis.
Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, rejeitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» ( [3] ).
O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [arts. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional. Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.
A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012, ao limitar a relevância dos gastos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.
Assim, é errado entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar a correcção em causa, ao entender que o requisito da indispensabilidade «deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa». Na verdade, o risco é um elemento inerente à actividade empresarial, sendo a realização de investimentos normalmente efectuada com base em meras expectativas de obtenção de rendimentos futuros, cuja concretização depende de múltiplos factores, que, num mundo globalizado, apenas em pequena parte podem ser controlados por uma empresa isoladamente e, por isso, não pode antever com exactidão o que se vem a revelar inútil ou evitável para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.
No caso em apreço, como foi explicado pela testemunha Q…, houve razões económicas que justificaram, em 2007, a aquisição pela Requerente de 70% do capital da J…, decidida pelos investidores do fundo F… .
A Requerente estava em condições para obter os financiamentos em condições favoráveis e os seus gestores do referido fundo entendiam que interessava concentrar a propriedade e a gestão do A… . Com a compra, efectuada em condições normais de mercado, a Requerente passou a beneficiar das rendas e poderia vir auferir mais-valias provenientes da valorização do imóvel.
Trata-se se um acto de gestão normal contrair um empréstimo para auferir de rendimentos e possíveis mais-valias e claramente inserido no objecto social da Requerente que é «a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como …, bem como o arrendamento, exploração e gestão do A…, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade» (Certidão Permanente que consta da parte II do processo administrativo).
Aliás, no caso em apreço, como referiu a testemunha Q…, a aquisição até se veio a revelar como um bom negócio, apesar da crise económica que afectou o sector imobiliário a partir de 2008 (que não era previsível em 2007), pois as rendas mantiveram-se estabilizadas apesar da crise e depois recuperaram e não ocorreram menos-valias derivadas de desvalorização do imóvel, pois ele não foi vendido.
Por isso, tem de se concluir, como já se concluiu no processo arbitral n.º 614/2015-T, que os financiamentos referidos foram contraídos no interesse da Requerente, pelo que se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 imputáveis à aquisição de 70% do capital social da J…, existindo nexo entre esses encargos e a prossecução da actividade económica da própria Requerente, inclusivamente com potencialidade para gerar incrementos patrimoniais na esfera jurídica desta, que não seriam gerados sem a aquisição da participação social em causa.
Por outro lado, a prova produzida mostra que não houve a «duplicação dos encargos relativos a juros» que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como suporte da correcção efectuada.
Na verdade, os juros suportados pela J… com o financiamento destinado à aquisição do imóvel (com utilização de um empréstimo de 135.175 milhões de euros), que são imputados à Requerente por via da imputação da matéria colectável daquela nos termos do regime de transparência fiscal, são distintos dos juros suportados pela Requerente com a aquisição da participação social, pois no preço desta foi considerado o passivo daquela sociedade, como se vê pelo valor da avaliação efectuada por uma entidade independente (€ 381.297.000,00, como se vê pelo documento n.º ... junto com o pedido de pronúncia arbitral, tendo a Requerente adquirido 70% desse valor, isto é, € 266.907.900) e o valor dos financiamentos obtidos pela Requerente (cerca de € 175.200.000).
No que concerne à «insuficiência do preenchimento dos requisitos formais pelo facto de não serem conhecidos, à data, os documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos» que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária, deixa de ter relevância quando refere «os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal» (página 41 do Relatório da Inspecção Tributária).
Na verdade, em 2012, o artigo 23.º do CIRC não fazia as exigências formais que vieram a ser introduzidas no seu n.º 4, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que os gastos podiam ser provados por qualquer meio de prova, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-09-2015, proferido no processo n.º 028/15.
Sendo assim, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter considerado provado que os gastos foram suportados, obsta a que se dê relevância a qualquer insuficiência formal para efeito de dedutibilidade dos encargos em causa. De resto, no presente processo, foram apresentados, no âmbito dos documentos n.ºs ... a ...0 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, inúmeros documentos comprovativos dos gastos suportados, cuja falsidade ou irrelevância não foi questionada na Resposta ( [4] ), no mínimo teria de se ficar na dúvida sobre a realização das despesas referidas, dúvida essa que teria de ser valorada processualmente a favor da Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Por outro lado, a circunstância de a obtenção dos empréstimos se inserir na estratégia empresarial de entidades relacionadas e poder ter em vista a obtenção de vantagens fiscais não afecta o juízo sobre a dedutibilidade dos encargos à face do artigo 23.º, n. 1, do CIRC, sendo certo que o eventual planeamento fiscal não foi censurado no procedimento tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.
Conclui-se, assim, que nenhum dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, justifica que não se considerem dedutíveis os gastos derivados dos referidos financiamentos.
Assim, a correcção efectuada ao abrigo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e as liquidações de IRC e juros compensatórios com base nela efectuada, enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Já na decisão recorrida decidiu-se o seguinte:
11. Nos termos do artigo 23.º, n. º 1, do CIRC, na versão em vigor à data dos factos , “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, esclarecendo o n.º 2, alínea c), que se consideram abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os gastos e perdas “de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. Esta redação afigura-se menos exigente do que o anterior teor literal do artigo 23.º do CIRC, onde se lia que, para efeitos de dedutibilidade, “[c]onsideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” . Esta redação afigurava-se especialmente exigente, na medida em que a dedutibilidade dos gastos pressupunha a comprovada indispensabilidade dos mesmos.
12. A redação atual do artigo 23.º do CIRC, vigente à data dos factos, ao afirmar a dedutibilidade de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, admite a dedução de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, mesmo que não sejam indispensáveis para esse efeito, lançando mão de critérios de razoabilidade, normalidade e necessidade dos gastos para a operação da empresa e apontando, desse modo, para a dedutibilidade de gastos habitualmente incorridos e geralmente aceites de acordo com os padrões económicos do setor em causa e que sejam úteis e adequados.
13. Esta redação reconhece aos administradores uma considerável latitude na gestão das suas empresas, no âmbito do direito fundamental de livre iniciativa económica privada, admitindo-se que possam incorrer em gastos que, visando em abstrato a obtenção e garantia de rendimentos sujeitos a imposto, venham a manifestar-se, em concreto, desadequados, desnecessários ou até contraproducentes desse ponto de vista, sem que isso se traduza na sua indedutibilidade. Inversamente, o simples facto de certos gastos acabarem por gerar rendimentos no futuro e se mostrarem adequados à realização de objetivos empresariais não determina só por si que os mesmos possam ser qualificados como gastos fiscalmente dedutíveis. De um modo geral, deve entender-se que não cabe à administração tributária substituir-se à aos gestores das empresas na tomada de decisões de natureza empresarial. Em todo o caso, isso não significa que a mesma tenha que aceitar a dedutibilidade de todos e quaisquer gastos incorridos pelas empresas. De resto, a alteração da redação do artigo 23.º do CIRC foi acompanhada da introdução do art. 23º-A do CIRC que acolhe expressamente algumas “thin-capitalization rules”, regras de “safe haven” ou de “earnings stripping”, orientadas para a prevenção do uso do “endividamento intra-grupo” como técnica de planeamento fiscal agressivo.
(…)
17. A Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, veio alertar para o facto de que “num esforço de redução da sua coleta global, os grupos de empresas recorrem cada vez mais à BEPS, através de pagamentos excessivos de juros”, sendo que é o pagamento de juros por entidades residentes a entidades relacionadas não residentes que coloca um maior risco de erosão da base tributária. Estas considerações levam a que se deva analisar a operação em causa à luz dos objetivos internacionais, europeus e constitucionais de proteção da base tributária dos Estados. O presente tribunal reconhece que, de um modo geral, na sua maioria os pagamentos de juros representam gastos legítimos incorridos com a finalidade de obter ou garantir rendimento sujeito a imposto. Nada haverá a objetar, em abstrato, se os pagamentos de juros forem razoáveis, estiverem sujeitos a imposto sobre o rendimento por retenção na fonte e o rendimento obtido pelo mutuário através do uso dos fundos emprestados estiver sujeito a imposto. Nesse caso, as deduções reivindicadas para os pagamentos de juros não devem ser consideradas geradoras de erosão indevida de base tributária. O caso concreto será analisado tendo como pano de fundo estes parâmetros.
18. Os empréstimos que financiaram a operação de 2007, no valor de 175 300 000€, foram contraídos por uma entidade do Grupo (i.e. A...) junto de entidades do mesmo grupo para adquirir 70% do capital social de outra sociedade do grupo (i.e. C...) à sociedade H... MBH (antiga N...), também integrando o Grupo. Trata-se, comprovadamente, de empréstimos intragrupo, a saber, entre entidades relacionadas e para financiar transações entre sociedades relacionadas. Assim é visto que as sociedades incluídas na operação são detidas a 100% indiretamente pelo mesmo fundo E..., dependendo deste e da respetiva sociedade gestora, a F... SARL, que se integra num grupo maior, o do G... AG, que domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada F... SARL. O G... é uma sociedade residente na Alemanha que detém a 100% também a H... MBH (H...), tendo as decisões de financiamento sido tomadas dentro de uma estratégia de grupo . Nem uma única entidade de fora do Grupo teve qualquer intervenção no conjunto de negócios que compôs a operação de 2007. Esta forma de financiamento integra a taxonomia das estratégias típicas de planeamento fiscal agressivo.
19. Embora os fundos de investimento sejam autónomos, os mesmos não têm personalidade jurídica, tendo as decisões de investimento a eles respeitantes sido tomadas, no caso em apreço, por sociedades gestoras pertencentes ao mesmo grupo, encabeçado pela mencionada F... SARL, uma empresa gestora comum, configurando uma “estrutura chapéu” destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus comproprietários, na dependência da G... AG. Pelo menos quatro das sociedades do grupo direta ou indiretamente envolvidas na operação (i.e. F... SÀRL, J..., I...,L...) encontravam-se sediadas no Luxemburgo, um Estado de mais baixa tributação e o devedor, a A..., num Estado de mais elevada tributação. Esta interposição do Luxemburgo entre a Alemanha e Portugal assume contornos idênticos a montagens ou construções elisivas catalogadas pela doutrina .
20. À data a que se referem os factos do procedimento inspetivo (2015 e 2016), o capital da sociedade A..., de apenas 5000€, era detido em 100% pela empresa, a Q..., SARL (ex-I...). Com base neste diminuto capital social, a A... contraiu um empréstimo de 175,5 milhões de euros para adquirir 70% das participações da C..., passando o financiamento através do recurso ao crédito a representar uma percentagem muito elevada relativamente aos capitais próprios, sendo que a 31.12.2015 e 31.12.2016 a A... apresenta capitais próprios negativos no montante de 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente.
21. A rubrica dos juros suportados pela A... tem um peso manifestamente desproporcional na sua estrutura de custos, sendo largamente responsável não apenas pela redução dos seus lucros, mas pelos prejuízos por ela acumulados, configurando uma estrutura do tipo “debt push down”, não sendo plausível sustentar, à luz de critérios de racionalidade económica, que se está diante de gastos incorridos “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, para efeitos do artigo 23.º do CIRC. Tanto mais, quanto é certo esta disposição normativa pressupõe que, para dedução de custos, estejam em causa opções concretizadas pelo sujeito passivo em ordem à manutenção e desenvolvimento da sua atividade empresarial própria, e não motivações e operações destinadas à satisfação de interesses alheios, designadamente de estratégias de grupo, que economicamente apenas se entendem em termos de benefício global do Grupo .
22. Acresce que o objeto social da A... consistia na “compra e venda do imóvel do centro comercial designado como B..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do B..., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionadas com a supra mencionada atividade”. Ora, dificilmente se poderá discernir qualquer a ligação entre a aquisição de 70% do capital da C... e o seu objeto social da A... . Com efeito, esta não tem como atividade estatutária a compra e venda de participações sociais. Além disso, fica claro, à luz desse objeto social, que a A... já dispunha de acesso irrestrito ao B..., em qualquer caso pertencente a entidades do mesmo Grupo, não fazendo sentido justificar as transações em causa com base no propósito de conseguir uma maior proximidade sobre esse complexo comercial. Na verdade, os factos provados mostram que as operações em causa não foram decididas pela Requerente nem foram decididas no seu interesse, não contribuindo para a obtenção de rendimentos por parte da Requerente.
23. Por outro lado, a realidade económica e empresarial fundamental de exploração do B... não foi significativamente alterada em consequência das operações em causa . Apesar de estar em condições de prestar garantias adicionais, a A..., não demonstra que, por deter 70% do capital social da C... e por passar a ter um maior controlo do seu negócio a montante, sobre o imóvel de cuja atividade dependia integralmente, daí retirasse uma vantagem, uma vez que a proprietária do imóvel se limitava a fazer uma exploração “de forma passiva”. A gestão do B... continua a realizar-se do mesmo modo que anteriormente. A A... continuou a pagar à C... uma renda pela exploração do B..., consistindo a atividade exclusiva da C... a cedência deste espaço, que constitui o seu único património. Ou seja, esta continuou a ter como única atividade o arrendamento, à A..., de um imóvel de que é proprietária, ficando esta a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. O Grupo em causa consegue, deste modo, o melhor de dois mundos. Por um lado, continua a obter os benefícios económicos da exploração do ativo B..., tal como anteriormente. Por outro lado, colhe a vantagem fiscal de aumentar significativamente as suas deduções e reduzir os lucros tributáveis . O efeito económico derivado das transações em presença é negligenciável quando comparado com a vantagem fiscal ostensiva delas resultante.
24. Por esta via, cumula-se na A... a posição de locatária e de sócia da sociedade locadora, a C...– abrangida pelo regime da transparência fiscal – donde resulta que, na esfera da A..., acrescem às suas deduções a título de encargos financeiros as deduções efetuadas pela C... . Em termos económicos, a A... está a suportar os valores dos encargos de dois empréstimos contraídos para a aquisição do mesmo imóvel, sendo que os juros que contribuem para o apuramento do respetivo lucro tributável dizem respeito, por via da aplicação do regime da transparência fiscal, a uma única realidade económica – o imóvel cuja exploração é feita pela A...– e não a duas realidades economicamente distintas.
25. Conclui-se, portanto, que a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição, nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre a A... e a C... eram decididas no seio do Grupo. Não foram, portanto, produzidos efeitos económicos com estas transações, não se compreendendo a racionalidade económica da operação em causa – para além dos ganhos fiscais que manifestamente acarreta – do ponto de vista da atividade estatutária da A... e do seu próprio e exclusivo interesse empresarial. As operações de obtenção de financiamento no seio do Grupo não produziram qualquer efeito significativo na posição económica das sociedades intervenientes, destacando-se apenas a redução do respetivo lucro tributável à custa da dedução dos encargos financeiros. Na realidade, não se deteta, no plano factual, uma operação objetivamente portadora de realidade económica, mas sim e acima de tudo uma montagem com um propósito principal de natureza fiscal.
26. A interpretação das normas fiscais e a sua aplicação às transações em presença não pode deixar de considerar a total improdução de efeitos económicos. Assim é, na medida em que, de acordo com a doutrina da substância económica da transação, os tribunais apenas devem respeitar o tratamento fiscal de uma transação reclamado por uma sociedade se a mesma possuir um propósito empresarial não fiscal para realizar a transação e se a transação tiver melhorado significativamente a posição económica da sociedade .
27. Estas considerações adquirem especial relevância, visibilidade e comprovação quando se tem em conta, na análise das operações em presença, as taxas de juro praticadas. Estas afiguram-se muito elevadas em relação ao risco de incumprimento, o qual, atendendo às relações especiais entre as sociedades em presença seria zero ou muito próximo do zero. Como pode ver-se no probatório, o referido financiamento obtido junto da “I... SARL” (atual “O... , SARL”), no valor de cerca de 96,8 milhões de euros, foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, tendo as partes acordado uma redução da taxa de juro, fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade, sendo os juros devidos trimestralmente, não tendo estas condições sido alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.
28. No crédito obtido junto do V..., Sociedade Unipessoal, Lda.” (detido a 100% pela L...), no montante de 42,6 milhões de euros, em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10. 2017, as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01.07.2009, publicada pela “Bloomberg”, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja, uma taxa de 5% ao ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.
29. Relativamente ao empréstimo de 35,8 milhões de euros contraído em 31.10.2007, junto do M... AG, sucursal em Portugal, por um prazo de 10 anos, com data de vencimento a 31.10.2017, as partes acordaram uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%), sendo os juros devidos trimestralmente; as condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. Como ficou provado, estes financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do B... (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da C... (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da C...).
30. No exercício de 2015, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os aludidos financiamentos, no montante de € 4.496.935,93, foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681291 Imposto do Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto do Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtido” (empréstimo do “M...”), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo da “V...”), “691392 – Outros juros –I...” (empréstimo da “I...)” e “688804 – Financing fees”. No exercício de 2016, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os mencionados financiamentos, no valor de € 4.500.675,81, foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do Selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamentos obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”.
31. À luz dos factos provados, afigura-se inteiramente razoável a dúvida da AT acerca da motivação económica subjacente a uma operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo, não se vislumbrando qualquer tipo de vantagem económica significativa para a prossecução da atividade. Diferentemente, ao suportar elevados encargos com os empréstimos a A... passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos nos exercícios em análise.
32. A influência negativa dos encargos financeiros decorrentes dos referidos empréstimos contraídos junto da I... SARL, M... e V... Unipessoal, está bem patente na posição financeira da A... a 31/12/2015 e 31/12/2016, apresentando a mesma uma situação líquida negativa que ascende a 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente, apresentando apenas uma ligeira recuperação com a revisão da taxa de juro referida anteriormente, o que demonstra o impacto que estes encargos têm na estrutura de custos da A... . Em resultado dos prejuízos consecutivos a A... apresenta Resultados Transitados negativos, em 2015 e 2016, nos montantes de 71.649.153,00€ e 60.981.223,70€, respetivamente. Por suportar elevados encargos com os créditos contraídos, a A... passou a uma situação económica delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício em análise.
33. Trata-se de uma situação manifesta de juros excessivos, com forte impacto no lucro tributável, a que a autoridade tributária dificilmente poderia dar cobertura jurídica. Importa salientar, a este propósito, que nem se pode falar de um nivelamento entre montante do financiamento concedido e as garantias prestadas, como tentativa de justificação económica da transação, na medida em que só relativamente ao terceiro empréstimo foi apresentada como garantia real um imóvel já detido por uma empresa do Grupo, a C..., como é concretizado no probatório –mais concretamente a ampliação da cessão de créditos com escopo de garantia emergentes de Contratos de Utilização relativos aos Imóveis A..., constituída por carta de 29.06.2001 e ampliada em 19.10.2007 – diferentemente do que sucedeu no caso dos empréstimos nos montantes de €96.844.069,52, obtido junto da sócia única I..., e €42.663.800,00 contraído justo da V..., em que não foram prestadas garantias especiais. Quer dizer, a vantagem fiscal obtida com o empolamento dos juros devidos na sequência das operações de crédito realizadas sempre seria manifestamente desproporcional relativamente à relação entre financiamento e garantias.
34. Verifica-se uma duplicação de encargos e deduções dentro do Grupo favorecido pela transparência fiscal da C..., tendo em conta que esta havia contraído um empréstimo no montante de 135.175.000.00 € para a construção/aquisição do imóvel do B..., contabilizando os encargos financeiros como gasto, o que resulta, inevitavelmente, na redução do resultado apurado em cada exercício. Daqui resulta um manifesto empolamento dos juros devidos e potencialmente dedutíveis, com a consequente redução do lucro tributável. Tanto mais quanto é certo que a C... é fiscalmente transparente e que são imputados à A... 70% da respetiva matéria coletável, tudo em benefício das demais sociedades do Grupo, designadamente das sociedades domiciliadas no Luxemburgo, que auferem por via da perceção de juros o que, em atenção ao status socii, seria suposto auferirem por via de dividendos resultantes do lucro objetivo conseguido.
35. De um modo geral, considera-se que uma transação reveste-se de substância económica quando altera significativamente a situação económica do contribuinte para além da vantagem fiscal que possa gerar. Ora, a análise dos factos relevantes permite concluir que nem a A... nem a posição financeira dos credores do Grupo conhecerem qualquer alteração económica significativa, nem qualquer outra consequência económica resultou ou era razoável esperar que resultasse para além do aumento adicional dos juros a pagar nos empréstimos intra-grupo, certamente com vista a aumentar as deduções e a reduzir o lucro tributável . Mesmo que haja um propósito comercial na operação – o que não é certo diante da permanência da realidade económica subjacente – o objetivo de reduzir a exposição fiscal, com a consequente redução da base tributária, afigura-se manifestamente preponderante (principal purpose test).
36. Pese embora a existência de uma cláusula geral e de cláusulas especiais antiabuso, e, bem assim, de normas específicas sobre preços de transferência, earnings stripping ou thin capitalization, toda a legislação fiscal deve ser interpretada e aplicada, na sua unidade sistémica, de maneira a refrear a erosão da base tributária e a transferência de lucros. Trata-se de levar a cabo uma interpretação teleológica, atenta ao objeto, propósito e espírito das normas fiscais, prevenindo a sua utilização manifestamente abusiva através de sofisticadas e agressivas operações de planeamento fiscal. Assim não pode deixar de ser no caso de normas sobre gastos dedutíveis, como sucede com o artigo 23.º do CIRC, as quais devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os objetivos antielisão que presidem a todo o ordenamento jurídico nacional, europeu e Banco internacional, de modo a obstar à erosão da base tributária.
37. Por outro lado, em sede de dedutibilidade de gastos e perdas, o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, 1 da LGT). Por conseguinte, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, teriam que ser objeto de comprovação objetiva por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Os gastos com juros excessivos não se reconduzem, objetivamente, aos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) , do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário. Estamos claramente diante de uma modalidade de interest strippping , por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados (“disqualified interest”; “disallowed interest”).
38. Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo, praticando por vezes taxas de juro superiores aos valores de mercado e gerando problemas crónicos de falta de liquidez na esfera do sujeito passivo, dificilmente poderá ser vista como uma atividade empresarial subordinada a padrões geralmente aceitáveis de racionalidade económica, como tal digna de consideração pelo direito fiscal. A possibilidade de dedução dos respetivos encargos financeiros em momento algum foi ou poderá ter sido concebida e admitida pelo legislador fiscal quando este cinzelou a redação atual do artigo 23.º do CIRC. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência aos princípios constitucionalmente estruturantes do ordenamento jurídico-tributário, a todos os factos e circunstâncias relevantes nas transações realizadas e aos efeitos económicos substanciais por elas produzidos na esfera dos sujeitos passivos, a menos que a lei remeta expressa e exclusivamente para a forma jurídica. Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia da substância sobre a forma.
39. À AT incumbe a importante função de interesse público de proteger a base tributária do Estado e evitar a transferência de lucros. A mesma deve procurar alcançar, em sede de interpretação e aplicação das normas fiscais, um equilíbrio razoável, justo e devidamente fundamentado entre os princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica e da proteção da confiança, por um lado, e, por outro, as exigências constitucionais e europeias de responsividade administrativo-tributária diante da atualização e do aprofundamento da compreensão e do conhecimento acerca dos problemas tributários, numa escala global, por força dos mais recentes desenvolvimentos teoréticos, valorativos e principiais que, particularmente na última década, têm vindo a ocorrer na problemática da elisão fiscal.
40. Os factos constantes dos autos não permitem demonstrar a existência de uma relação de causalidade económica (atual ou potencial) entre a assunção dos encargos financeiros em presença e a sua realização no interesse próprio da A..., de obtenção de lucro, atento o respetivo objeto. Daí que se deva considerar devidamente fundamentada, por parte da AT, a não dedutibilidade fiscal dos juros incorridos nos exercícios de 2015 e 2016, por não preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo que este constitui o único fundamento legal em que a AT sustenta a correção resultante da não aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais de encargos financeiros, sendo que é unicamente à luz daquela disposição legal que deve ser apreciada a legalidade da correção e consequente liquidação aqui em causa.

Da leitura atenta de ambas as decisões ressalta à evidência que o facto de se ter tido em consideração diferentes redacções do disposto no artigo 23º do CIRC não foi determinante para as diferentes soluções jurídicas a que se chegou em ambas as decisões.
Em ambas se admite a liberdade de gestão dos órgãos sociais das empresas, sendo certo que na decisão recorrida se considera mesmo que a redacção do disposto naquele artigo 23º que foi considerada é até menos exigente que a redacção considerada na decisão fundamento.
A divergência entre ambas as decisões circunscreve-se, no essencial, ao facto de na decisão recorrida se ter ido mais além do que na decisão fundamento, nomeadamente na apreciação dos concretos contornos do negócio realizado.
Enquanto na decisão fundamento se concluiu, como já se concluiu no processo arbitral n.º 614/2015-T, que os financiamentos referidos foram contraídos no interesse da Requerente, pelo que se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 imputáveis à aquisição de 70% do capital social da J…, existindo nexo entre esses encargos e a prossecução da actividade económica da própria Requerente, inclusivamente com potencialidade para gerar incrementos patrimoniais na esfera jurídica desta, que não seriam gerados sem a aquisição da participação social em causa, na decisão recorrida concluiu-se que Por outro lado, em sede de dedutibilidade de gastos e perdas, o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, 1 da LGT). Por conseguinte, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, teriam que ser objeto de comprovação objetiva por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Os gastos com juros excessivos não se reconduzem, objetivamente, aos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) , do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário. Estamos claramente diante de uma modalidade de interest strippping , por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados (“disqualified interest”; “disallowed interest”) .
Ou seja, a decisão fundamento, de forma mais simplista, não se pronunciou expressamente e em concreto sobre a questão de saber se o montante dos juros pagos, v.g. a respectiva taxa, poderia ou não consubstanciar juros excessivos, logo, não aceites fiscalmente, limitou-se a considerar que tais gastos foram efectivamente realizados e que estavam ainda dentro da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo.
Assim, porque as diferentes decisões não abordam expressamente a mesma questão sobre o mesmo prisma, antes a abordam sobre prismas diferentes, não se pode concluir que ocorra uma efectiva oposição de decisões, antes se tratando de uma oposição meramente aparente.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Comunique ao CAAD.
D.n.

Lisboa, 24 de Maio de 2023. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.