Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0380/08.0BEBJA 0204/14
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23942
Nº do Documento:SA2201812120380/08
Data de Entrada:02/21/2014
Recorrente:A......., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – A…………. , Ldª, com os demais sinais dos autos, vem requerer a aclaração do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de fls. 386/409, o qual negou provimento ao recurso por si interposto decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referente aos períodos de 2007/08 e 2007/09 e respectivos juros compensatórios.


Alega para o efeito o seguinte:

«1. No acórdão recorrido escreve-se que "a repercussão define-se, em técnica tributária, como o instrumento que permite transferir o encargo fiscal para o contribuinte final, de modo que a imposição seja neutra para o particular ou empresa que inicialmente paga e depois repercute, aparecendo como um simples degrau no processo de cobrança".
2. A definição de que o Tribunal lança mão espelha, claramente, o modo de funcionamento do IVA: ou seja, o sujeito passivo de imposto pode deduzir o imposto que lhe tenha sido liquidado, procurando-se, com este mecanismo, fazer operar o custo económico do imposto no consumidor final, i.e., no particular, sem direito à dedução.
3. Nos autos ficou demonstrado que a Recorrente liquidou, por erro, IVA à taxa normal, quando deveria ter liquidado à taxa reduzida.
4. Com base em tal realidade, pediu, posteriormente, o reembolso do IVA liquidado em excesso e posteriormente foi confrontada com as liquidações adicionais que foram impugnadas nos presentes autos.

5. Decidindo o recurso, o Tribunal negou-lhe provimento, por entender que (i) não havia qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e ainda que (ii) não havia qualquer contradição entre o direito português e o direito comunitário no que respeita às questões de enriquecimento sem causa de natureza tributária.

6. No entanto, o Tribunal esquece-se que a Recorrente invocou questões de generalidade e de igualdade tributárias e que delimitam o objecto do seu recurso.

7. Com efeito, tal como alegado pela Recorrente, o "erro por si cometido originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro".

8. Sobre este ponto, o Tribunal apenas refere que "o imposto indevidamente liquidado em excesso não poderia nunca ser integrado na margem de lucro do sujeito passivo, já que constitui um mero intermediário na liquidação do IVA e estava obrigado a entrega-lo ao Estado".

9. Acrescenta ainda que, seguindo a interpretação vertida no parecer do Ministério Público que "na sua actividade a impugnante concorre directamente com o B………… e C………… (……………)", mas que "não ficou comprovado que o preço dos ingressos no parque zoológico da impugnante tenha sido fixado em razão dessa ou de outra concorrência".

10. Logo de seguida, o Tribunal acrescenta que "não está demonstrado que o erro cometido pela Recorrente tenha originado, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material, para efeitos de contraposição à proibição do enriquecimento sem causa, pelo que improcederá também este fundamento de recurso".

11. As alegações vertidas nos dois números anteriores (9. e 10.) são claramente incompatíveis com a definição de que o próprio Tribunal lança mão a respeito da repercussão do custo económico do imposto.

12. Assim, requer-se a V. Exas que aclarem o sentido da decisão no que respeita à compatibilização da repercussão do custo económico do imposto com o conceito de desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material, para efeitos de contraposição à proibição do enriquecimento sem causa, pelo que improcederá também este fundamento de recurso.

13. Cumpre ainda salientar que o Tribunal não resolve a questão da violação do princípio da igualdade tributária, ou pelo menos não o faz de modo claro, sobrando, por isso dúvidas à Recorrente.

14. Com efeito, está demonstrado que a Recorrente é concorrente do B……. e do C………… (este a poucos kilómetros do A……….. ).

15. Está também demonstrado que os concorrentes da Recorrente liquidavam e liquidam IVA à taxa reduzida.

16. O IVA é um imposto que se inclui no preço de venda, razão pela qual o valor de imposto é forçosamente superior.

17. Igualmente superior é o preço do bilhete, ou mesmo que seja o mesmo, uma coisa é o IVA estar incluído à taxa de 5%, outra é estar incluído à taxa de 21 %.

18. Não se percebe como é que o Tribunal entende que não há reflexo no preço/ margem de lucro.

19. Assim, requer-se a V. Exas. que aclarem o acórdão no sentido de demonstrar que o preço é forçosamente diferente e que inexiste uma desigualdade perante os concorrentes da impugnante»


Notificada de tal requerimento a Fazenda Pública nada disse.

Com dispensa de vistos vêm os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

2 – Pese embora a Requerente formule pedido de aclaração do acórdão prolatado neste recurso jurisdicional, o certo é que por via de pedido de esclarecimento pretende, a seu pretexto, obter, por via indirecta, mediante a imputação de críticas ao decidido e repetição da argumentação já produzida, o reexame e a consequente modificação do julgado.

Acresce que o pedido de aclaração do acórdão não tem suporte legal, sabido que o actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) não contempla norma idêntica àquela que constava do art. 669º do anterior Código do Processo Civil e que permitia às partes pedir o “esclarecimento de alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão”. Com efeito, o Código do Processo Civil eliminou a possibilidade de solicitar a aclaração das decisões judiciais, só sendo possível pedir rectificações, arguir nulidades da decisão (designadamente por existir alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível) e pedir a reforma da decisão, em conformidade com o disposto nos artigos 614º e seguintes do CPC.
Em consequência, o n.º 3 do art. 663.º do actual CPC – onde se prevê que as competências do relator sejam deferidas ao primeiro adjunto vencedor, no caso de acórdão lavrado por vencimento – deixou de prever a aclaração do acórdão, como a previa o correspondente n.º 3 do art. 713.º do anterior Código e também o art. 666.º, n.º 2, do actual CPC, deixou de se referir à aclaração do acórdão, contrariamente ao que sucedia com o art. 716.º do anterior Código.
Ou seja, como se sublinhou no Acórdão desta Secção de 14.12.2016, proferido no recurso 939/16, é inequívoco que o legislador, levando em conta os abusos a que se prestava a figura da aclaração , eliminou-a (Como ficou dito na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (onde se resumem as linhas mestras da Reforma) «[…] para além das normas limitativas do direito ao recurso quanto a meras decisões interlocutórias, de reduzido relevo para os direitos fundamentais das partes […], é reduzida a possibilidade de suscitar incidentes pós-decisórios – aclarações ou pretensas nulidades da decisão final – a coberto das quais se prolonga artificiosamente o curso da lide. Assim, elimina-se o incidente de aclaração ou esclarecimento de pretensas e, nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada – apenas se consentindo ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efectivamente ininteligível» (págs. 5 e 6 da Exposição de Motivos,https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37372)), limitando os poderes do tribunal, após ser proferida a decisão, à possibilidade de rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão.
Neste contexto sendo o requerimento em causa mero pedido de aclaração do acórdão, forçoso é concluir que não poderá ser atendido.

Por outro lado, ainda que se entendesse o requerimento em causa como pedido de reforma, o mesmo não também não poderia proceder.

Como vem afirmando a jurisprudência o pedido de reforma apenas se destina a obter o suprimento dos «erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto», designadamente quando haja «lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica», que tenham levado a uma decisão judicial «proferida com violação de lei expressa». O pedido de reforma não tem como escopo a obtenção de uma nova decisão em face da reapreciação da questão à luz de uma outra (ainda que, porventura, mais correcta) interpretação das normas jurídicas aplicáveis» - vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: de 17.04.2013, recurso 1197/12, e 29.01.2014, recurso 181/12, de 06.03.2014, recurso 290/12, de 24/03/2010, no proc. nº 0511/06; de 26/09/2012, no proc. nº 211/12; de 21/11/2012, no proc. nº 155/11; de 19/12/2012, no proc. nº 740/12; de 13/03/2013, no proc. nº 822/12; e de 3/07/2012, no proc. nº 629/13, todos in www.dgsi.pt.

A Requerente parece entender que o acórdão não resolve a questão da violação do princípio da igualdade tributária ou pelo menos não o faz de modo claro e refere também que o Tribunal se esquece «que a Recorrente invocou questões de generalidade e de igualdade tributárias e que delimitam o objecto do seu recurso».

Não é esse o nosso entendimento e continuamos convencidos da bondade da decisão.
Como se deixou dito no Acórdão de fls. 390 segs., pronunciando-se expressamente a propósito da alegada «violação dos princípios da generalidade igualdade» pese embora a recorrente tivesse alegado, em sede de recurso, que o erro por si cometido «originou, na sua esfera, um desvirtuamento do princípio da igualdade e da justiça material que lhe deviam assistir, porquanto os restantes operadores do mercado em que se insere o negócio da Recorrente beneficiaram (e bem) da taxa reduzida de IVA, ao passo que esta, durante o período em que erradamente aplicou a taxa normal aos seus serviços, concorreu naquele mercado em desvantagem derivada de uma tributação agravada (obtendo margens de negócio menores, em consequência do seu erro)», o certo é que esse imposto indevidamente liquidado em excesso não poderia nunca ser integrado na margem de lucro do sujeito passivo, já que constitui mero intermediário na liquidação do IVA e estava obrigado a entregá-lo ao Estado.

Haveria assim que alegar e provar que subsistiu um prejuízo adicional residente na perda de vendas a que a liquidação de imposto indevido levou, prejuízo esse que não se confunde com o reembolso do imposto, e que o sujeito passivo teria que comprovar, como sucede com qualquer outra situação em que alega um dano.
Ora, como também se deixou bem explicitado no Acórdão, a recorrente não alegou, nem invocou em sede de impugnação esse prejuízo adicional, nomeadamente que tenha havido qualquer acréscimo do preço dos títulos de ingresso provocado pela repercussão do imposto, determinante de uma diminuição do volume de vendas.

Como quer que seja, a verdade é nunca os invocados vícios que a Requerente imputa ao acórdão se poderiam erigir em fundamento de reforma.

Com efeito, o requerimento de aclaração, nos termos em que é efectuado, não integra qualquer expressão de directa imputação a este Supremo Tribunal de erro de julgamento grosseiro decorrente de lapso manifesto e erro notório na determinação das normas aplicáveis ou na qualificação jurídica dos factos, assentando antes em considerações que traduzem a imputação de críticas ao decidido e repetição da argumentação já produzida, com vista ao reexame e a consequente modificação do julgado.

Nestes termos, não é viável, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem do dito lapso notório derivado de violação de lei expressa (vide, neste sentido, Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário 19/11/2008, rec.914/07 e de 2/12/2009, rec.468/08).

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em desatender o pedido formulado.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.