Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01508/12
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
VALOR TRIBUTÁRIO
ARREMATAÇÃO
Sumário:I - Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova.
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.
II - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do artº 12º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador.
III - A venda de imóvel efectuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (arts. 158º e 161º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT.
Nº Convencional:JSTA00068979
Nº do Documento:SA22014110501508
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMT
Legislação Nacional:CIMT03 ART12 N1 N4.
Referência a Doutrina:JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES - LIÇÕES DE IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO E DO SELO ALMEDINA 2010 PAG211-213.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………., Ldª, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IMT, relativa a um prédio adquirido por arrematação judicial no âmbito de um processo de falência, no montante de € 2.847,00.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) — A questão a decidir é saber se há lugar a liquidação de imposto sobre a transacção do imóvel, pela impugnante, no âmbito de um processo de falência, formalizada através de escritura pública (factos 1 e 2 do probatório), e, em caso afirmativo, saber sobre que valor há-de incidir a taxa, ou seja, qual a base tributável.
B) — Entendemos que, à concreta situação em apreço, se aplica o disposto no n.º 2 do art.º 270º do CIRE, onde o legislador consagrou a isenção do IMT sobre as transmissões onerosas de imóveis para os actos de venda de imóveis da empresa em processo de insolvência ou no âmbito de liquidação da massa insolvente.
C) — Com efeito, entendemos que esta disposição legal deve ser interpretada no sentido de que a venda isenta de IMT não se reporta á empresa ou ao estabelecimento desta enquanto um todo ou uma universalidade, mas se reporta a isenção dos actos de venda de imóveis nela integrados enquanto elementos do activo.
D) — Tese esta reforçada pelo entendimento jurisprudencial do STA, no acórdão de 30/05/2012, proferido no processo 0949/11.
E) — Resulta, assim, que a liquidação impugnada é pois ilegal, na medida em que se tratou de uma transmissão isenta, ao abrigo desta disposição legal.
F) — Mas, por dever de patrocínio, e, caso assim não se entenda, havendo lugar a liquidação de IMT, sempre se dirá que a transmissão efectuada terá de ser entendida como uma transmissão judicial, ainda que a formalização da mesma tenha sido por outorga de escritura pública.
G) — Ou seja, o facto do contrato de compra e venda ser titulado por escritura não afasta o seu carácter judicial.
H) — Por outro lado, nos termos do art.º 886º do Código de Processo Civil são mencionadas diversas modalidades de venda executiva, mas não se distingue entre venda judicial e extrajudicial.
I) — Dai que, a haver liquidação de IMT, a base ou o valor tributável é o que conste do acto ou contrato, nos termos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT.
J) — De resto, é também este o entendimento da AT, de que a venda por negociação particular realizada no âmbito de um procedimento judicial tem o controlo do magistrado competente e é por este sindicada, pelo que, para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT, integra o conceito de arrematação judicial — Circular n.º 22/2009 de 14 de Setembro (que se junta como documento um).
L) — Assim, ainda que se entenda que, na transmissão em causa, haveria lugar a liquidação de IMT, esta deveria incidir sobre o preço constante do acto e não sobre o valor que resultar da avaliação do imóvel.
M) — Consequentemente, a tese da ora recorrente poderia e deveria ter sido admitida desde logo em sede de direito de audição, prévia á liquidação impugnada, podendo dar origem a uma decisão final do procedimento diversa.
N) — Pelo que, a decisão final do procedimento de liquidação está ferida de violação de lei (artigo 60º, nº1 al. a) da LGT), por omissão do exercício de direito de audição consagrado constitucionalmente, e que constitui uma formalidade essencial da liquidação impugnada.
O) — Assim, também, quanto à invocada questão da preterição do direito de audição, a douta sentença “a quo” padece de erro de julgamento.
P) — Pelo que, a douta sentença recorrida fez errónea aplicação do direito, na medida em que a liquidação é ilegal por violação do disposto no n.º 2 do artº 270º do CIRE, ou mesmo que assim não se entenda, deve a douta sentença recorrida ser anulada por errónea interpretação e aplicação do disposto no art.º 886º do Código de Processo Civil, na regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT e na alínea a), do n.º 1 do art.º 60º da LGT.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer, com a seguinte fundamentação:

«Recorrente: A……….., Lda
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra liquidação de IMT no montante de € 2 847,00.

FUNDAMENTAÇÃO
1. A questão da isenção de IMT incidente sobre a transmissão do imóvel não deve ser apreciada porque.
a) não foi suscitada na petição de impugnação judicial nem é de conhecimento oficioso;
b) os recursos jurisdicionais destinam-se à reapreciação de questões apreciadas pelos tribunais recorridos e não ao exame de novas questões, com excepção das compreendidas no âmbito do conhecimento oficioso
2. O Ministério Público sufraga a doutrina da administração tributária, vertida na Circular nº 22/2009 onde, com sólida argumentação, se sancionou o entendimento de que a venda por negociação particular, realizada no âmbito de um procedimento judicial, tem o controlo do magistrado competente e é por este sindicada, pelo que, para efeitos da regra 16º do nº4 do artigo 12º do CIMT integra o conceito de arrematação judicial (doc.fls.55/57)
No caso concreto a liquidação de IMT objecto de impugnação judicial resultou de errónea interpretação da regra citada, na medida em que assumiu como valor tributável o VPT no montante de €458 800,00 resultante da avaliação do imóvel e não o preço de € 415 000,00 constante da escritura de compra e venda celebrada no âmbito de processo judicial de falência (probatório nºs 1/2; docs.fls.6/7).
3. A solução propugnada para a questão da legalidade da liquidação do imposto prejudica a apreciação da questão da preterição do direito de audição.

CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- procedência da impugnação judicial
- anulação da liquidação impugnada»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto.

1. No âmbito do processo de falência instaurado contra “B……..” a correr termos no tribunal judicial de Alcobaça com o n.º 412/00, foi adjudicado à impugnante o U-1503/Cós, descrição n.º 00964/951017 (fls. 6 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. A transmissão da propriedade ocorreu mediante celebração da escritura compra e venda (fls. 7 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. Foi apresentado mod. 1 de IMI em 5/5/2004 (reclamação graciosa, fls. 9, cujo conteúdo se dá por reproduzido).
4. Tendo sido avaliado, foi fixado o VPT em € 458.800,00 (PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Valor que serviu de base à liquidação de IMT.
6. Antes da liquidação não foi facultado à impugnante o direito de audição.
7. Desta liquidação foi apresentada reclamação graciosa nos termos que constam de fls. 2 e segs. do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.
8. A qual foi indeferida por despacho de 8/10/2008 (fls. 20 do apenso de reclamação graciosa cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. Decisão que foi precedida da notificação para audição prévia.

6- Do mérito do recurso

Tanto quanto resulta das conclusões do presente recurso, são três as questões trazidas à apreciação deste Supremo Tribunal:
1) A primeira consiste em saber se a aquisição de um imóvel, efectuada pela impugnante, no âmbito de um processo de falência e formalizada através de escritura pública beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 2 do art.º 270º do CIRE e que se refere aos «actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».

2) A segunda é a de saber se incorre erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar válida a liquidação do IMT referente à aquisição do referido imóvel no âmbito de um processo de falência, por considerar ser de aplicar a regra geral de determinação do valor tributável constante do artº 12º, nº1 do CIMT e não a excepção prevista na regra 16ª, do nº 4 do artº 12 do mesmo diploma;

3) A terceira refere-se à eventual preterição do exercício de direito de audição.

6.1 Vejamos, pois, a primeira questão, que, tal como a recorrente a configurou é a de saber se, atento o disposto no n.º 2 do art.º 270º do CIRE, há lugar a liquidação de imposto sobre a aquisição de um imóvel, efectuada pela impugnante, no âmbito de um processo de falência e formalizada através de escritura pública.
Alega a recorrente que esta disposição legal deve ser interpretada no sentido de que a venda isenta de IMT não se reporta à empresa ou ao estabelecimento desta enquanto um todo ou uma universalidade, mas se reporta a isenção dos actos de venda de imóveis nela integrados enquanto elementos do activo.
Sucede que, como demonstram os autos, a recorrente não suscitou na petição inicial a questão da interpretação e aplicação ao caso subjudice do preceituado no artº 270º, nº 2 do CIRE, que se refere aos «actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente», nem tal questão foi, por qualquer forma, abordada na sentença sob censura, nesta não se contendo, por isso mesmo qualquer pronúncia sobre ela.
Vale isto por dizer que se está, assim, perante o que tecnicamente se designa por “questão nova”.
E questão nova porque veio pela primeira vez ao processo na alegação de recurso, mostrando-se, até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada na petição e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (Cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 13.11.2013, recurso 1460/13, de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.
Por isso e como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, a questão de saber se há lugar à isenção de IMT por força da aplicação do disposto no artº 270º nº 2 do CIRE ao caso em apreço, não é de conhecimento oficioso nem foi suscitada na petição de impugnação judicial.
Consequentemente, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de tal questão no âmbito do presente recurso.

6.2 Alega também a recorrente que decisão sindicada incorre erro de julgamento ao julgar válida a liquidação do IMT referente à aquisição do referido imóvel no âmbito de um processo de falência, por considerar ser de aplicar a regra geral de liquidação do imposto nos termos do artº 12º, nº1 do CIMT e não a excepção prevista na regra 16ª, do nº 4 do artº 12 do mesmo diploma.

A sentença recorrida considerou que a aquisição em causa não deriva de arrematação administrativa nem judicial, embora tenha sido adquirida no âmbito da venda do activo em processo de insolvência, de natureza judicial.
Mais ponderou que a arrematação judicial era uma modalidade da venda prevista no Art.º 889 do Código de Processo Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto - Lei n.º 329-A/05, de 12 de Dezembro, substituída pela venda mediante propostas em carta fechada (Art.º 886-A11, a) e 889 do CPC).
Prosseguindo neste discurso argumentativo concluiu o TAF de Leiria que extinta a venda por arrematação judicial, a regra 16ª do n.º 4 do Art.º 12 CIMT só pode ter sentido se for interpretada com referência à modalidade da venda que substituiu a arrematação judicial, ie, a venda por proposta em carta fechada e que as outras modalidades da venda, ainda que realizadas em processo de natureza judicial, não estão abrangidas por aquela regra, sendo de aplicar a regra geral: ou seja, o IMT incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributários dos imóveis, consoante o que for maior (Art.º 12º/1 CIMT).

Não acompanhamos esta interpretação do preceito, antes entendemos que a razão está com a recorrente.

Com efeito a questão suscitada é, sobretudo, uma questão de interpretação da lei fiscal, havendo que fazer apelo à ratio legis e tendo sempre presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.

Vejamos, pois, o regime legal aplicável.
De harmonia com o disposto no artº 12º, nº 1 do CIMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
Trata-se de uma norma que estipula uma regra base para a determinação do valor tributável e que comporta diversas excepções constantes das regras definidas pelo nº 4 do mesmo normativo legal.
Um dessas excepções decorre da regra 16ª do referido artº 4º que determina que o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato.

A sentença recorrida considerou que se depreende da lei que não são todas as vendas realizadas em processos judiciais, ou no âmbito destes, que beneficiam da tributação pelo preço do ato, ou contrato, mas apenas aquelas que resultam de arrematação judicial.
E concluiu que, se fosse intenção do legislador abranger todos tipos de venda em processos judiciais, tê-lo-ia expresso de forma diferente.

Ora esta interpretação, que se afigura redutora e que atenta apenas na letra da lei, não dispõe de suporte no plano teleológico.

Com efeito, ao estabelecer no artº 12º, nº 1 do CIMT, como regra geral, que o valor tributável sujeito a imposto será o maior dos valores, ou o declarado ou o patrimonial, o legislador foi motivado por razões de prevenção do perigo de evasão ou fraude fiscal.
Porém, estas as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções não existirão, por regra e em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais.
Nestas situações existirá sempre uma maior segurança de que o valor declarado corresponde ao valor real das transmissões sujeitas a imposto, pelo que a forma mais justa de aplicar o imposto é considerar apenas como valor tributável o valor declarado, sem necessidade de o comparar com o valor patrimonial
É por essa razão, que a regra 16ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT estabelece que, neste tipo de aquisições, o valor tributável é sempre o valor constante do acto ou contrato que titula a transmissão (cf., neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pag. 211/213).
Esse princípio como esclarece aquele autor (Ob. Citada, pag.212.), «aplica-se às aquisições de bens a essas entidades de direito público, mas pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis, em que os direitos sobre os imóveis não se transmitem da titularidade dessas entidades para os adquirentes, mas a intervenção delas serve para forçar a realização da transmissão do anterior para o novo titular.
Ocorrem situações desse tipo nas vendas de imóveis em leilão ou noutras modalidades de venda em processo de execução, após a respectiva penhora. Nessas situações, o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais ou administrativas, pelo que o valor real da transmissão é sempre do conhecimento dessas entidades, o que assegura que não exista dissimulação desse valor.»

Acresce dizer que, existindo dívidas sobre se as vendas de imóveis em processos executivos, na modalidade de venda por negociação particular, integravam a previsão da regra 16ª do n.º 4 do art.º 12º do CIMT, a própria Administração Fiscal veio a admitir que a venda por negociação particular realizada no âmbito de um procedimento judicial tem o controlo do magistrado competente e é por este sindicada, pelo que, para efeitos da aludida regra 16ª, integra o conceito de arrematação judicial (cf. Circular n.º 22/2009, de 14 de Setembro, da Direcção-Geral dos Impostos, junta a fls. 55/57).
A ratio legis do preceito prende-se, pois, com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador (Também neste sentido, ob. citada, a fls. 212.).

Esse entendimento afigura-se-nos ser o mais adequado, e ser perfeitamente aplicável para o caso subjugue.
Com efeito a venda é efectuada pelo administrador da insolvência em processo judicial de falência e sob controlo judicial ( arts. 158º e 161º do CIRE).
O facto do contrato de compra e venda ser titulado por escritura, não afasta, tal como na negociação particular, o seu carácter judicial, pelo que, para efeitos da regra 16º do nº4 do artigo 12º do CIMT, integra o conceito de arrematação judicial.
Assim sendo, no caso em apreço a liquidação de IMT objecto de impugnação judicial resultou de errónea interpretação da regra citada, na medida em que assumiu como valor tributável o valor patrimonial tributável no montante de €458 800,00 resultante da avaliação do imóvel e não o preço de € 415 000,00 constante da escritura de compra e venda celebrada no âmbito de processo judicial de falência (cf. probatório nºs 1/2; docs. fls. 6/7).
Procede pois, nesta parte, a alegação de recurso, ficando prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada, relativa à alegada preterição do exercício de direito de audição.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, julgar procedente a impugnação e, em consequência, determinar a anulação da liquidação de IMT impugnada.

Sem custas.
Lisboa, 5 de Novembro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Fonseca Carvalho - Ascensão Lopes.