Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01003/08
Data do Acordão:02/11/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS DE MORA
ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.
II - O art. 61.º, n.º 3, do CPPT, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
III - Não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga.
IV - Resultando dos arts. 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
V - Sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.º do CPPT, e o do art. 102.º da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
VI - Assim, é de interpretar restritivamente o art. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há lugar a juros indemnizatórios, isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT).
Nº Convencional:JSTA00065555
Nº do Documento:SA22009021101003
Data de Entrada:11/11/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1 INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART61 N3 ART146 N2.
LGT98 ART43 N1 ART100 ART102 N2.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART51 N1.
CONST98 ART22.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26608 DE 2001/12/19.; AC STA PROC338/04 DE 2004/10/20.; AC STA PROC9/07 DE 2007/05/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., LDA, interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente o pedido que formulou, em processo de execução de julgado, de pagamento de juros de mora.
A Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I – A recorrente, convicta da razão que lhe assiste, de forma alguma pode concordar com a Douta Sentença que desconsiderou o pedido de juros de mora e condenou a exequente em custas, pois
II – De acordo com o estatuído no nº 2 do art. 146º do CPPT, art. 102.º da LGT e art. 170º nº l do CPTA, o prazo para contagem da atribuição de juros de mora não está dependente da remessa dos autos ao serviço de finanças,
III – Mas, sim, da decorrência do prazo para cumprimento espontâneo da sentença – hoje em dia – notificada ao representante da fazenda.
IV – Interpretação diversa incorre em vicio de violação de lei, pois, pelo valor reforçado da LGT, n.º 2 do art. 146.º do CPPT não pode ser interpretado em desconformidade com o art. 102.º da LGT e haveria inconstitucionalidade orgânica, por violação do art. 205.º n.º 2 da CRP, por o Governo não estar habilitado, através da lei de autorização legislativa, a legislar no sentido de condicionar o pagamento de juros à remessa dos autos ao Serviço de Finanças.
V – Face ao supra exposto, é manifesto que deve ser considerado o procedente o pedido, nos termos formulados, de juros de mora atento o disposto nos artigos 146º nº 2 do CPPT, 102.º da LGT e 170º nº l do CPTA.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se a douta sentença recorrida, por resultar, inequivocamente, das supra invocadas disposições legais, não depender do envio dos autos para o serviço de finanças o início da contagem do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão e, não tendo sido efectuado o pagamento do valor em que a Administração fora condenada dentro do referido prazo, serem devidos juros de mora até à restituição das quantias indevidamente pagas, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
O art. 146.º do CPPT operacionaliza o art. 102.º da LGT, obedecendo, assim, à alínea c) do n.º 1 do art. 51.º da lei de autorização legislativa (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro).
Termos em que sou de parecer que o recurso não merece provimento.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. Em 03/12/2003, foi efectuada a liquidação adicional de IRC referente à A., de IRC relativo ao exercício de 1999, da qual resultou um montante global a pagar de € 356.325,05, correspondendo a imposto a quantia de € 277.902,66 e juros compensatórios o montante de € 78.422,39 (cfr. doc. junto a fls. 48 do processo de impugnação apenso aos presentes autos);
2. Em 29/12/2003, a A. efectuou o pagamento total da liquidação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 48 do processo de impugnação apenso aos presentes autos);
3. Por sentença de 23/06/2006, transitada em julgado em 06/09/2006, foi anulada a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1999, melhor identificada no ponto 1 (cfr. doc. junto a fls. 137 e segs. e 160 do processo de impugnação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, na sequência de uma sentença anulatória de liquidação cujo tributo foi pago, o contribuinte tem direito a juros de mora a partir do termo do prazo de execução espontânea da sentença, independentemente de o processo ser remetido ao serviço de finanças, nos termos do art. 146.º, n.º 2, do CPPT.
Na sentença recorrida entendeu-se que, destinando-se os juros indemnizatórios e moratórios a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente cobrada, eles não são cumulativos e que os primeiros são devidos até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado (art. 43.º da LGT) e os segundos a partir daí e até efectivo e integral pagamento (art. 102.º, n.º 2, da mesma Lei).
No entanto, entendeu-se também na sentença recorrida que, não tendo sido requerida a remessa do processo ao serviço de finanças, não há lugar a pagamento de juros de mora, havendo apenas a pagar juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até ao termo do prazo de execução espontânea, nos termos do art. 100.º da LGT.
A Recorrente defende que os juros de mora não dependem da remessa do processo ao serviço de finanças e que a interpretação adoptada na sentença recorrida é organicamente inconstitucional.
4 – No art. 100.º da LGT estabelece-se que quando ocorre anulação de um acto de liquidação por iniciativa do contribuinte, através de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso, pode haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte «a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Para os casos em que a restituição é consequência de uma decisão judicial, está hoje estabelecido de forma explícita, no n.º 2 do art. 102.º da LGT, que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. ( ( ) Na redacção inicial do art. 102.º, n.º 2, da LGT estabelecia-se que seriam «devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea».
Com a redacção dada àquela norma pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foi suprimida aquela referência ao pedido do contribuinte, como condição do dever de pagamento de juros de mora. )
Por sua vez, o art. 61.º do CPPT, que concretiza o regime dos juros indemnizatórios, estabelece, no seu n.º 3, que eles são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Este art. 61.º é uma norma do CPPT e este Código, nos termos do seu art. 1.º, não prejudica o estabelecido na LGT. Na redacção inicial daquele Código, a compatibilização do CPPT com a LGT, em matérias inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, era imposta pela lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para o aprovar, que consta do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que estabeleceu como sentido da autorização a compatibilização das normas do CPT com as da LGT.
No que concerne ao termo final do período de contagem de juros indemnizatórios, a norma do art. 61.º, n.º 3, da LGT é compatível com o art. 100.º da LGT, pois nele não se prevê esse termo.
No que respeita ao termo inicial, embora a parte final do art. 100.º da LGT, ao referir-se ao «pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão» sugira que estes juros apenas são contados a partir do termo do prazo de execução da decisão, a interpretação correcta não é essa. Na verdade, na parte inicial da mesma norma, refere-se inequivocamente que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio» e essa reconstituição, para ser plena,não pode deixar de abranger o ressarcimento integral dos danos presumidos e não apenas dos que sobrevierem após o termo do prazo de execução, o que, aliás, está em sintonia com o art. 22.º da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhes causem prejuízos.
Assim, tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.
Por isso, o art. 61.º, n.º 3, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
5 – É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios abrangem todo o período que vai do pagamento até à emissão de nota de crédito, nos termos do art. 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora.
É de considerar assente no processo, por ter sido decidido na sentença recorrida e não ser controvertido no presente recurso jurisdicional, que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga. (( ) É, aliás, neste sentido que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se, uniformemente, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 19-12-2001, recurso n.º 26608;
– de 20-10-2004, recurso n.º 338/04;
– de 2-5-2007, recurso n.º 9/07.)
Por isso, resultando dos arts. 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
Isto é, sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.º do CPPT, e o do art. 102.º da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
Assim, é de interpretar restritivamente o art. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há lugar a juros indemnizatórios, isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT).
6 – Na sentença recorrida, reconheceu-se o direito da ora Recorrente a juros indemnizatórios nos termos indicados, tendo-se condenado o executado a pagar-lhe a quantia de € 356.325,05, relativa à liquidação anulada, acrescida de «juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto indevido até integral pagamento, no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado desta decisão».
Pelo que se referiu, a Recorrente não tem direito a quaisquer outros juros, designadamente moratórios, pelo que, por esta razão, improcede a pretensão formulada, ficando prejudicado o conhecimento da questão de saber se, quando há lugar a pagamento de juros de mora, eles são devidos a partir do termo do prazo de execução da decisão ou a partir da remessa do processo ao serviço de finanças competente.
Termos em que acordam em
– negar provimento ao recurso jurisdicional;
– confirmar a sentença recorrida, com esta fundamentação.
Custas do presente recurso jurisdicional pela Recorrente.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. - Jorge de Sousa (relator) - António Calhau - Pimenta do Vale.