Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0842/21.3BELSB
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que julgou improcedente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias se no entendimento nele firmado não se vislumbra que, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, enferme de erros manifestos, seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, e quando no que toca às questões colocadas as mesmas não são de elevada complexidade e o seu grau de dificuldade não ultrapassa o comum, e em que a alegação produzida não infirma o juízo emitido no acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P28640
Nº do Documento:SA1202112090842/21
Data de Entrada:11/30/2021
Recorrente:A................
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………………., invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 95/108, paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] que, na presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias intentada contra ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP, negou provimento ao recurso de apelação e que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/LSB] que havia indeferido liminarmente o requerimento inicial [cfr. fls. 31/35].

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 116/134], na relevância jurídica ou social e para efeitos de uma «melhor aplicação do direito», fundada esta na alegada incorreta interpretação e aplicação feita pelo aresto recorrido dos arts. 17.º, 18.º, 47.º, 58.º, 165.º e 281.º da Constituição da República Portuguesa [CRP], 109.º do CPTA, 160.º e 161.º do DL n.º 108/2018, de 03.12, bem como do demais quadro principiológico invocado.

3. O Recorrido veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 138/142], pugnando pela não admissão da revista.

Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/LSB indeferiu liminarmente a pretensão de intimação deduzida pela aqui recorrente [de i) «intimação da Requerida para que a Requerente possa exercer a profissão de especialista em física médica sem restrições, como vinha exercendo desde 2011», ii) «[e], ainda, para o efeito, a desaplicação por inconstitucionalidade das normas que definem o regime jurídico do especialista em física médica, Decreto-Lei n.º 72/2011 de 16 de junho, regulamentado pelo Despacho n.º 4606/2013 do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde, os arts. 160.º - Especialista em física médica, 161.º Reconhecimento do especialista em física médica do Decreto-Lei n.º 108/2018 de 3 de dezembro, conforme os arts. 17.º, 18.º, 47.º, 58.º, 165.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa»] dado, por um lado, não poder a «Requerente … vir a juízo, formulando uma pretensão condenatória, sem que, previamente, tenha apresentado a sua pretensão à Entidade Requerida, tendo em vista a obtenção do ato de reconhecimento que almeja» e de que, por outro lado, «não cabe à jurisdição administrativa o conhecimento - a título principal - da inconstitucionalidade de normas contidas em atos legislativos. Essa competência está constitucionalmente cometida ao Tribunal Constitucional (cf. o artigo 223.º/1 da Constituição da República Portuguesa».

8. O TCA/S manteve o juízo do TAC/LSB, emergindo no que releva do seu discurso fundamentador, mormente que a requerente, ora recorrente, «não alega que tenha dirigido à Administração qualquer pedido de reconhecimento como especialista em física médica (nem por via do diploma de 2011 nem do de 2018) e o mesmo lhe tenha sido recusado. Tão pouco alega que seja ou tenha sido detentora de qualquer licença, autorização ou reconhecimento emitidos ao abrigo de legislação vigente antes da entrada em vigor do decreto-lei 108/2018, de 03.12. … A Requerente não argui que deva ser dispensada da necessidade de reconhecimento, licença ou autorização e qual a razão para tal. … A Requerente não alega, concretizando, o exercício de qualquer prática/atividade/serviço do qual tenha sido, entretanto, impedida de continuar ou sequer que, tendo pretendido iniciar o exercício de qualquer prática/atividade/serviço, o mesmo lhe tenha sido recusado, por força das normas que definem o regime jurídico do especialista em física médica. … Donde, não se alcança em que medida está a ora Recorrente impedida de exercer a sua atividade profissional. … E daí que não se compreenda que, nas alegações do recurso, venha afirmado que o que está em causa e constitui o objeto do presente litígio “é, tão-só, a apreciação da legalidade dos atos praticados pela Recorrida em obediência ao mencionado comando legal - o qual se reputa, é certo, de inconstitucional no caso concreto da prática dos atos em relação ao pedido da Recorrente”, porquanto, nem nas alegações de recurso nem no requerimento inicial, a Requerente/Recorrente dá conta de qualquer ato praticado pela Requerida/Recorrida que lhe tenha negado o reconhecimento como especialista ou de qualquer ato daquela no sentido de não a reconhecer como tal. Na verdade, não há sequer indicação de qualquer pedido formulado perante a Administração. … Na verdade, a Requerente não imputa à Administração qualquer atuação lesiva de um direito, liberdade ou garantia, ou, dito de outra forma, não lhe imputa qualquer atuação violadora da Constituição da República Portuguesa, designadamente do seu artigo 47º», sendo que o «que vem efetivamente invocado é a inconstitucionalidade das normas que definem o regime jurídico do especialista em física médica» pelo que «no caso em apreço, reconduzindo-se a alegada inconstitucionalidade a questão principal, não pode a mesma ser conhecida».

9. A exemplo do juízo firmado no acórdão deste Supremo/Formação de Admissão Preliminar de 07.10.2021 [Proc. n.º 288/21.3BEBRG], envolvendo a mesma requerente, temos que analisada a motivação/argumentação expendida pela mesma em sede recursiva não se apresenta, também aqui, como convincente, não se descortinando a relevância jurídica e social fundamental na questão colocada, nem o juízo firmado revela a necessidade de melhor aplicação do direito.

10. Com efeito, presente o quadro normativo e principiológico em causa não se vislumbra, por um lado, que a concreta questão suscitada, de cariz marcadamente adjetivo/processual, releve e reclame labor interpretativo superior, ou que se mostre de elevada complexidade em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, tanto mais que a mesma apresenta um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática alvo de discussão neste tipo de processos de intimação e daquilo que são os seus requisitos tal como se mostram definidos no art. 109.º do CPTA na sua conexão/interligação com as concretas e diversas situações objeto de pretensão, cientes de que não está em causa, nem se mostra como objeto de decisão, uma pronúncia envolvendo a liberdade de escolha de profissão à luz do comando constitucional do art. 47.º da CRP, nem também a decisão objeto de impugnação envolveu, em momento algum, uma análise das questões de constitucionalidade suscitadas e deduzidas como pretensão a ser conhecida a título principal.

11. Temos, por outro lado, que mostrando-se como claro o interesse que o recurso e a pretensão assumem na e para a esfera jurídica dos sujeitos envolvidos, em especial da recorrente, temos que não se evidencia dos elementos aportados aos autos uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo no sentido de a decisio litis a proferir poder ser orientadora em hipotéticos casos futuros, não revestindo, assim, de interesse comunitário relevante que extravase os limites do caso concreto e da sua singularidade/particularidade.

12. Para além disso, temos que de igual modo não se vislumbra a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, porquanto, prima facie não se descortina que o juízo firmado pelo TCA/S no acórdão sob impugnação, em inteira consonância com a decisão do TAC/LSB, aparente incorrer ou enfermar de erros lógicos ou jurídicos manifestos, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que o mesmo terá analisado e decidido com acerto a questão/pretensão formulada na sua integral e dupla dimensão, tanto mais que mostra-se estribado numa interpretação perfeitamente coerente e plausível das regras e dos princípios nele invocados, fazendo uma aplicação de todo o quadro normativo que está em linha com a jurisprudência e doutrina.

13. De referir que a questão de inconstitucionalidade não constitui um objeto próprio dos recursos de revista, pois pode ser separadamente colocada junto do Tribunal Constitucional [TC], dado que envolvendo, na sua essência, a recusa de aplicação de quadro normativo em virtude de o mesmo enfermar de inconstitucionalidade, a mesma diz respeito a questão sobre a qual a intervenção deste Supremo Tribunal não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso excecional de revista, isto é, de, em termos finais, decidir litígios e/ou orientar e definir interpretações para futuras decisões de casos semelhantes no âmbito daquilo que constituem as matérias da sua competência especializada, tanto mais que em sede do controlo da constitucionalidade das normas e das interpretações normativas feitas a última palavra caberá ou mostra-se acometida ao TC [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 09.09.2015 - Proc. n.º 0881/15, de 03.12.2015 - 01544/15, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0185/17, de 05.04.2017 - Proc. n.º 0352/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 01419/17, de 10.05.2019 - Proc. n.º 0445/15.1BEBRG, e nos mais recentes, os Acs. de 04.02.2021 - Procs. n.ºs 0549/13.5BEAVR, 0822/09.7BECBR e 02605/14.3BESNT, de 18.02.2021 - Procs. n.ºs 01382/20.3BELSB, 0804/17.5BEPRT, de 11.03.2021 - Proc. n.º 1240/19.4BEPNF-S1, de 22.04.2021 - Proc. n.º 1182/08.9BESNT, 13.05.2021 - Proc. n.º 02045/19.8BEPRT e 01703/17.6BELSB-R1, de 24.06.2021 - Proc. n.º 01703/17.6BELSB-S1, de 13.07.2021 - Procs. n.ºs 020024/16.5BCLSB e 0387/14.8BEALM, de 07.10.2021 - Proc. n.º 0288/21.3BEBRG, de 18.11.2021 - Proc. n.º 0434/20.4BEPRT-S1].

14. Impõe-se, assim, concluir no sentido de que não se justifica admitir a presente revista, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Sem custas atenta a isenção legal [cfr. art. 04.º, n.ºs 2, al. b), 4 e 6 do RCP].
D.N..
Lisboa, 09 de dezembro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.