Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0687/18.8BEBRG
Data do Acordão:05/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24532
Nº do Documento:SA1201905100687/18
Data de Entrada:03/26/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:B............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO


A…………, S.A intentou, no TAF de Braga, contra o Município de Vila Verde, acção de contencioso pré contratual pedindo (1) a anulação do acto de adjudicação no concurso aberto pelo Réu destinado à construção da "Rede de saneamento da Vila de Prado", (2) a declaração de ilegalidade do modelo de avaliação que constava do Programa do Concurso e (3) da avaliação e graduação das propostas.
Indicou como contra-interessados B…………, S.A. e outros.

O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, declarou o Programa do Concurso ilegal, anulou o acto de adjudicação e o contrato celebrado.

E o TCA Norte, para onde a B…………, S.A. e o Município de Vila Verde apelaram, concedeu provimento aos recursos, revogou a sentença recorrida e julgou a acção improcedente.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Câmara Municipal de Vila Verde lançou um concurso público destinado à construção da "Rede de saneamento da Vila de Prado" ficando estabelecido que o critério de adjudicação seria o da proposta economicamente mais vantajosa.
A seu tempo, o Júri elaborou Relatório Preliminar propondo a adjudicação à proposta da B…………, S.A e a graduação da proposta da Autora em 2° lugar. Esta pronunciou-se ao abrigo do direito de audiência tendo defendido a ilegalidade daquele Relatório - alegando a sua insuficiente fundamentação - e pugnado pela anulação do procedimento - por ilegalidade do modelo de avaliação. – De seguida, o Júri elaborou o Relatório Final mantendo a adjudicação à proposta daquela Contra-interessada mas alterou a pontuação da proposta da Autora num subfactor.
Em 05.02.2018, foi deliberado adjudicar o objecto do concurso à B…………, S.A, tendo o respectivo contrato sido assinado em 08.03.2018.
Inconformada, a Autora intentou a presente acção alegando não só a ilegalidade do Programa do Concurso - pela indeterminabilidade do modelo de avaliação nos factores valia técnica e plano de trabalhos – como do Relatório Final – por falta de fundamentação da pontuação da sua proposta – e da decisão de adjudicação.

O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, declarou o programa do concurso ilegal e anulou o ato de adjudicação e o contrato celebrado pela seguinte ordem de razões:
Quanto ao modelo de avaliação das propostas
“Analisado o programa de concurso, sem dificuldade se constata que nada mais é esclarecido quanto a este critério, ficando por saber em que consiste, quanto à memória descritiva e justificativa, uma descrição muito detalhada e muito adequada e o que a distingue de uma proposta bem detalhada e bem adequada, por exemplo. E o mesmo se diga quanto ao fator plano de trabalhos. Na verdade, estes critérios, tal como vêm apresentados, não consagram em si, as regras de determinabilidade e certeza quanto ao seu conteúdo, não permitindo a um qualquer homem médio proceder à subsunção de uma qualquer proposta e à avaliação, em termos matemáticos.
........ na verdade, no programa do concurso nada é concretizado quanto aos aspetos a valorar sendo que essa concretização (passando a repetição) é efetuada posteriormente, em sede de análise e avaliação das propostas. .... Portanto, há uma densificação de critérios feita a posteriori, concretizando-se só na fase da avaliação da proposta .... .
O que daqui decorre é que os concorrentes não sabem, ab initio, com que linhas se cosem, apresentando uma proposta às escuras, pois que não sabem, concretamente, que aspetos serão valorados. .... Destarte, face à previsão normativa em causa (que, como se demonstrou supra, padece de indeterminação e falta de clareza total), não é dado cumprimento quer ao artigo 139° do C.C.P. como aos demais princípios vigentes em sede de contratação, pelo que procede esta invocação da Autora”.

Quanto à fundamentação da pontuação da proposta da Autora, à legalidade do acto de adjudicação e do contrato celebrado
“Ora, analisado o teor da decisão que atribuiu a pontuação à proposta da Autora, e face ao que se expôs acima quanto à indeterminabilidade das normas do concurso, mormente as referentes à valia técnica da proposta, constata-se que, em concreto, não é possível sindicar a valoração de cada proposta, pois que os critérios referidos supra são definidos por conceitos vagos e indeterminados e não se encontram consubstanciados. Dizer-se que a proposta é bem detalhada e bem adequada, entre outras expressões, nada diz, efetivamente, quanto ao que está em causa. Tais formulações são conclusivas e não permitem perceber a que dizem concretamente respeito.
Em suma, procedem as invocações da Autora e, como tal, a presente ação, sendo de declarar o programa do concurso ilegal e, consequentemente, os atos praticados na sua decorrência, mormente o ato de adjudicação e o contrato celebrado.”

O Réu e a B…………, S.A apelaram para o TCA Norte e este concedeu provimento aos recursos e julgou a acção improcedente com base nas seguintes considerações:
“....
.... temos que ficou demonstrado, para o que ora nos interessa, que o Programa de Concurso visado nos autos prevê, taxativamente, que a determinação da proposta economicamente mais vantajosa [critério adotado] é realizada de acordo a seguinte fórmula: Preço Final = [Preço * 0,70] + [Valia Técnica * 0,30], em que, para o que ora nos interessa, VT = [Memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada * 0,50]+ [Programa de Trabalhos * 0,50%].
É também consensual que, no domínio do primeiro subcritério do Fator Valia Técnica - Memória Descritiva e Justificativa do Modo de Execução da Empreitada - alude-se à possibilidade de a classificação variar entre a pontuação de entre 90%-100%, 70%-90%, 50%-70%, 30%-50% e 0%-30%, consoante as propostas apresentem uma descrição muito detalhada e muito adequada; bem detalhada e bem adequada; detalhada e adequada; pouco detalhada e adequada; e pouco detalhada e desadequada, respetivamente, tudo relativo à empreitada a levar a efeito.
O mesmo sucedendo no domínio do segundo subcritério – Plano de Trabalhos - da Valia Técnica consoante as propostas apresentem um Plano de trabalhos apresentado com detalhe muito elevado, determinação do caminho crítico e perfeitamente adequado à execução da empreitada (entre [90% e 100%]); bem detalhado, determinação do caminho crítico e bem adequado à execução da empreitada (entre [70% e 90%]); detalhado, determinação do caminho crítico e adequado à execução da empreitada (entre (50% e 70%]); pouco detalhado, com determinação do carmim crítico e adequado à execução da empreitada (entre [30% e 50%]); e pouco detalhado, sem determinação do caminho crítico e desadequado a execução da empreitada (entre (0% e 30%]).
Finalmente, resulta também provado que, quanto aos dois subfatores da valia técnica, o modelo de avaliação faz uma remissão expressa para os elementos indicados nas alíneas e) [refere-se alínea g), mas, evidentemente, trata-se de mero lapso] (MDJ) e f) (PT) do ponto 11 do programa de concurso.
O que conduz à constatação que o Programa de Concurso procede a uma clara determinação e densificação desses subfatores de avaliação, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação ao defendido neste domínio pelo Tribunal a quo.

Idêntica conclusão é atingível no que tange à indeterminabilidade dos critérios de graduação escorada na sentença recorrida. .....
....
No caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso as expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe, não fulminando, por isso, o procedimento concursal visado com violação do bloco legal constantes dos artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP.
.....
Por tudo quanto foi exposto, resulta cristalino que o ato de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos, também sob escrutínio, não padece das ilegalidades que são lhe imputadas nos autos.

II- Falta de fundamentação
....
Atentando agora no que decorre da factualidade levada ao probatório, pode afirmar-se que a graduação da proposta da Recorrida A…………, S.A. e a subsequente decisão de adjudicação do procedimento concursal mostram-se devidamente fundamentadas.
Efetivamente, do teor do Relatório Preliminar, resulta que o júri considerou que a proposta da Recorrida A…………, S.A. “(…) Apresenta uma memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada bem detalhada e bem adequada relativamente à empreitada a levar a efeito. Indica a organização prevista para a execução dos trabalhos, descreve os métodos construtivos a aplicar, faz referência a alguns aspetos técnicos ou outros que considera essenciais à execução da empreitada. Apresenta uma análise global da obra e dos locais onde esta irá decorrer 80,00%. Apresenta um programa de trabalhos detalhado e adequado à execução da empreitada e com determinação do caminho crítico. Executa o plano de trabalhos em diagrama de barras, com escala temporal de uma semana, indicando a data de assinatura do contrato e da receção provisória. Não executa o plano de mão de obra e plano de equipamentos em diagrama de barras, inclui todos os trabalhos previstos no mapa de quantidades de trabalho, indica as interdependências, datas de início e conclusão, duração e caminho crítico, embora com algumas incorreções na determinação do caminho crítico. Identifica o número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição e locais de execução. Não caracteriza as interdependências e o encadeamento das atividades. Não apresenta a constituição das equipas de trabalho nem a respetiva produtividade. 65,00%. (…)”.
....
Analisada a fundamentação em causa, concluímos que esta não padece de obscuridade, contradição ou insuficiência; bem pelo contrário, mostram-se claramente expressas as razões pelas quais foi valorizada nos termos em que foi a proposta da Recorrida A…………, S.A.”

3. A Recorrente pretende a admissão desta revista para a qual formula, entre outras, as seguintes conclusões:
“ E. O programa de procedimento, no seu artigo 17.º, estabeleceu o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os fatores Preço e Valia Técnica da proposta, com uma ponderação de 70% e 30 %, respetivamente;
F. O fator Valia Técnica da proposta encontra-se subdividido em dois subfactores, sendo um valorizado de acordo com a avaliação qualitativa da memória descritiva e justificativa e, outro, de acordo com o programa de trabalhos, com uma ponderação de 50% cada um;
I. Analisada a grelha de avaliação constata-se que nada é esclarecido quanto a estes subfactores, ficando por saber em que consiste uma descrição bem detalhada e bem adequada e o que a distingue de uma proposta detalhada e adequada;
K. Ainda que se considere que o Município Recorrido estabeleceu, no modelo de avaliação, quais os concretos parâmetros/atributos que as propostas deveriam conter e que seriam suscetíveis de influenciar a sua avaliação – o que não se concede – sempre estaria em falta a definição dos coeficientes de ponderação associados a cada um desses parâmetros/atributos;
O. No caso concreto da Recorrente, é impossível perceber qual foi o critério adotado pelo Exmo. Júri para, no subfactor programa de trabalhos, fixar a concreta pontuação de 65,00% e não de 66,00, 67,00, 68,00, 69,00 ou 70,00%;
P. Uma vez que, em parte alguma do programa de procedimento é referida qual a ponderação que cada parâmetro/atributo estabelecido pela Entidade Adjudicante tem na atribuição da pontuação final em cada um dos subfactores;

4. A questão maior suscitada nesta revista é a de saber se o Programa do Concurso concretizou com suficiente detalhe e clareza os critérios e subcritérios que contribuíram para a graduação das propostas. Questão em que as instâncias divergiram frontalmente com o TAF a entender que “no programa do concurso nada é concretizado quanto aos aspetos a valorar sendo que essa concretização .... é efetuada posteriormente, em sede de análise e avaliação das propostas. .... Portanto, há uma densificação de critérios feita a posteriori, concretizando-se só na fase da avaliação da proposta” e o TCA a decidir queNo caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso às expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados”.
Ora, saber qual o grau de concretização que se deve exigir na descrição dos critérios que constam do Programa do Concurso e que presidem à graduação das propostas é uma questão juridicamente relevante e tem uma enorme capacidade de replicação.
Todavia, a dificuldade que essa questão, em abstracto, geralmente suscita foi, no caso, bem resolvida. E isto porque, como se afirmou no Acórdão sob censura com elevado grau de consistência e plausibilidade, a descrição dos critérios e subcritérios constante do Caderno de Encargos “permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados”.
Deste modo, não se justifica admitir um recurso destinado a reapreciar uma questão que tudo indica ter sido bem resolvida.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto, 10 de Maio de 2019. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.