Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0150/22.2BEPNF
Data do Acordão:09/21/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09).
II - À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
III - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil.
IV - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.
V - É uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes. Recente jurisprudência do Tribunal Constitucional vai no mesmo sentido.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29894
Nº do Documento:SA2202209210150/22
Data de Entrada:08/03/2022
Recorrente:A........
Recorrido 1:SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DO PORTO II
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A……….., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.74-A-1 e seg. do processo físico, que julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pelo ora apelante, no âmbito de processos de execução fiscal visando o processo de execução fiscal instaurados para a cobrança de dívidas à Segurança Social e que correm seus termos na Secção de Processo Executivo do Porto II.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.76 a 80-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de fls. que julgou a presente reclamação improcedente e manteve o ato reclamado com as legais consequências.
II-Com efeito, cumpria, nos presentes autos, apreciar e decidir acerca da prescrição da dívida exequenda e, bem assim, da violação do princípio da legalidade por aplicação do artigo 327.º do Código Civil.
III-Considera o Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao pugnar pelo entendimento de que a dívida exequenda não se encontra prescrita, entendimento que merece a discordância do Recorrente e impõe o presente recurso.
IV-Compulsada a Sentença em crise, verifica-se que o Tribunal a quo pugnou pelo entendimento de que a dívida exequenda nos presentes autos não se encontra prescrita, pois que a interrupção produz efeito duradouro, pelo que o prazo de prescrição apenas se reiniciará quando o processo de execução fiscal se concluir.
V-Destarte, nos termos do disposto no artigo 176.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, a dívida fiscal (e processo executivo) extingue-se pelo pagamento, anulação da dívida ou do processo e, ainda, por prescrição.
VI-O artigo 49º, nº 1 da Lei Geral Tributária estabelece que “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”.
VII-Entende o aqui Recorrente que o legislador fiscal foi claro e exaustivo na regulação do instituto da prescrição quanto à execução fiscal, procedendo à descrição em pormenor de todas as circunstâncias que impõem a interrupção e suspensão da prescrição, identificando, aliás, os casos interruptivos e simultaneamente suspensivos do prazo de prescrição.
VIII-Nessa medida, a partir da inexistência de previsão legal quanto à eventual suspensão da prescrição na sequência da citação não é possível inferir-se como o fez o Tribunal a quo, pela aplicação do disposto no artigo 329.º do Código Civil.
IX-Pelo que entende o Recorrente que a solução legal perfilhada pelo Tribunal a quo, alcança, s.m.o., um resultado ilógico de redundância e desnecessidade de previsão dos demais casos de interrupção e suspensão da prescrição, porque irrelevantes, já que estariam contidos na cláusula geral, com contornos materiais tão ou mais favoráveis para o credor tributário.
X-Face à especificidade da relação tributária, aliada à natureza das prerrogativas de que beneficia a Autoridade Tributária, não se coaduna com as regras da prescrição previstas no âmbito do direito civil, sobretudo quando a prescrição da obrigação tributária visa, sobretudo, ao contrário do que sucede no âmbito do direito civil, a tutela da segurança jurídica do devedor.
XI-Ante o exposto, a aplicação, ao domínio tributário, do disposto no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual impõe o efeito duradouro da suspensão da prescrição tributária, se e enquanto durar o processo de execução fiscal, viola, desde logo, o princípio da legalidade, na medida em que tal imposição não está coberta por lei expressa e determinada da Assembleia da República, em matéria de reserva relativa da Assembleia da República, ao mesmo passo que viola o princípio da segurança jurídica, na medida em que ofende, de forma direta, desadequada e desproporcionalmente o conteúdo essencial da segurança jurídica na relação tributária, ao culminar na imprescritibilidade das obrigações tributárias.
XII-Destarte, considerando que os casos de suspensão da prescrição em direito tributário são apenas os constantes do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, onde se não incluiu qualquer efeito suspensivo do artigo 327.º do Código Civil, forçoso se torna concluir que a dívida tributária em crise encontra-se prescrita, ao abrigo das disposições conjugadas dos n.º 1 e 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, pelo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por errónea interpretação da lei, o que impõe a sua revogação.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do M. P. emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.85 a 94-verso do processo físico).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.74-A-2 e verso do processo físico):
1-O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, em 27/2/2011, instaurou contra o Reclamante, A………., Contribuinte Fiscal nº ………., o Processo de Execução nº 1302201100121355 e apenso, com vista à cobrança de créditos da Segurança Social no montante global de € 8.638,57, sendo € 6.888,64 a título de quantia exequenda e € 1.749,93 de acrescido.
2-O Reclamante foi citado no Processo de Execução nº 1302201100121355 e apenso, mediante registo postal RP884344693PT, datado de 4/3/2011, cujo aviso de recepção foi assinado em 15/3/2011, nos termos exarados na documentação de fls. 24 sitaf.
3-Dá-se por reproduzida a certidão de dívida que consta a fls. 24 sitaf, respeitante ao processo de execução mencionado em 2, relativa aos créditos compreendidos entre 2007/04 a 2010/10, no montante de € 6.888,64.
4-O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, em 18/11/2012, instaurou contra o Reclamante, A…….., Contribuinte Fiscal nº ……….., o Processo de Execução nº 1302201200591726, com vista à cobrança de créditos da Segurança Social no montante global de € 1.050,87, sendo € 904,24 a título de quantia exequenda e € 146,63 de acrescido.
5-O Reclamante foi citado no Processo de Execução nº 1302201200591726, mediante registo postal RN340930166PT, datado de 19/11/2012, cujo aviso de recepção foi assinado em 23/11/2012, nos termos exarados na documentação de fls. 24 sitaf.
6-Dá-se por reproduzida a certidão de dívida que consta a fls. 24 sitaf, respeitante ao processo de execução mencionado em 4, relativa aos créditos compreendidos entre 2010/12 a 2011/04, no montante de € 904,24.
7-O Reclamante, sob registo postal de 9/11/2021, apresentou na Secção de Processo Executivo do Porto, um requerimento dirigido ao Processo Executivo nº 1302201100121363 e outros, no qual invocou a prescrição dos créditos exequendos referentes ao período compreendido entre 2007 e 2011, no montante de € 11.125,40, nos termos e com os fundamentos exarados no documento de fls. 201 sitaf que se dá por reproduzido.
8-O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.” remeteu à mandatária do Reclamante, mediante registo postal RF527797485PT, a informação e despacho de indeferimento da pretensão mencionada em 7, nos quais deu conta da interrupção do prazo de prescrição pela citação do executado em 15/3/2011 (PEF 1302201100121363) e 23/11/2012 (PEF 1302201200591726), “facto interruptivo com eficácia duradoura que só cessa com a extinção do processo”, documentos constantes do sitaf 24 que se dão por reproduzidos.
9-O aviso de recepção relativo ao registo mencionado em 8 foi assinado em 10/1/2022.
10-A presente reclamação foi apresentada em 14/1/2022.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal resultou da matéria alegada e não impugnada, da análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que não declarou a prescrição da dívida exequenda identificada na matéria de facto supra exarada, mais mantendo na ordem jurídica o acto reclamado objecto deste processo (cfr.nº.8 do probatório).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição, no âmbito do regime de prescrição dos tributos fiscais, se encontram previstos nos artºs.48 e 49, da L.G.T. Que o regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil, não se aplica ao processo de execução fiscal. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao aplicar o regime previsto no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, ao caso dos autos. Que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs.49, da L.G.T., e 327, do C.Civil (cfr.conclusões I, III a X e XII do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.261 e seg.).
No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/07/2020, rec.534/20.0BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.127 e seg.; Alcides Martins, Código dos Regimes Contributivos e Legislação Complementar Anotados, Almedina, 2021, pág.150 e seg., em anotação ao artº.187).
Por último, à prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº. 4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa, nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo/duradouro (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo, tudo contrariamente ao que defende o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.62).
É neste sentido, de resto, que vai toda a jurisprudência deste Tribunal. Concretizando, a citação em processo de execução fiscal ostenta um efeito instantâneo, o qual consiste na inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (regime decorrente do disposto no artº.326, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), tal como um efeito duradouro, o qual se consubstancia no facto de o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (regime decorrente do disposto no artº.327, nº.1, do C.Civil, normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.). A título exemplificativo podemos citar os acórdãos do Pleno da 2ª.Secção: 3/04/2019, rec.2369/15.3BEPNF; 20/01/2021, rec. 103/20.5BALSB. Tal como os acórdãos da 2ª.Secção: 27/01/2016, rec.1698/15; 16/05/2018, 419/18; 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG.
Mais se deve referir que a jurisprudência deste Tribunal igualmente vai no sentido de que o regime constante do artº.49, da L.G.T., tal como a aplicação subsidiária do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, se apõem ao exame da prescrição das dívidas à Segurança Social (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/05/2012, rec.282/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/05/2015, rec.1500/14; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/07/2020, rec. 534/20.0BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.953/16.7BEBRG).
Pelo que, o Tribunal confirma a sentença recorrida, neste segmento, concluindo pela não ocorrência do termo final do prazo de prescrição das dívidas exequendas relativas aos períodos de 2007/04 a 2010/10 e de 2010/12 a 2011/04 (cfr.nºs.3 e 6 do probatório supra).
Rematando, a decisão recorrida, neste segmento, não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado (errada aplicação dos artºs.49, da L.G.T., e 327, do C.Civil).
Aduz o recorrente, igualmente e em sinopse, que a aplicação, no domínio tributário, da regra do direito civil prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, viola o princípio da legalidade, analogamente, afrontando o princípio da segurança jurídica (cfr.conclusões II e XII do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec. 179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.387/17.6BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Por outro lado, o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal (cfr.alegações e conclusões do recurso constantes a fls.76 a 80-verso do processo físico), as defendidas violações dos princípios/direitos constitucionais que cita. Por outras palavras, a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos preceitos constitucionais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2021, rec.972/21.1BEBRG).
Apesar disso, sempre se dirá que é uniforme a jurisprudência deste Tribunal e Secção a concluir que a aplicação, no domínio tributário, da regra prevista no mencionado artº.327, nº.1, do C.Civil, quanto ao reconhecimento do efeito duradouro do acto de citação em execução fiscal, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança ou das garantias dos contribuintes (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/01/2016, rec.1698/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2021, rec.972/21.1BEBRG).
Por último, cita-se recente jurisprudência do Tribunal Constitucional que vai no mesmo sentido (cfr.ac.Tribunal Constitucional 351/2021, de 27/05/2021; ac.Tribunal Constitucional 731/2021, de 22/09/2021).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio da apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas na presente instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 21 de setembro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.