Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0214/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JORGE LINO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário:Para efeitos de recurso por oposição de acórdãos, inexiste oposição de julgados, se um e outro acórdão assentam em situações de facto não idênticas.
Nº Convencional:JSTA000P11214
Nº do Documento:SAP200912020214
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…” vem recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Dezembro de 2007, na parte em que negou provimento ao recurso por considerar não dedutíveis para efeitos fiscais as despesas da recorrente relativas a ajudas de custos e a uma nota de crédito, invocando oposição do decidido com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Março de 2006 (rec. n.º 1236/05) e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de Abril de 2002 (rec. n.º 398/97).
1.2 Em alegação, a recorrente apresenta as seguintes conclusões.
A. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, na parte em que considerou não dedutíveis, para efeitos fiscais, as despesas da Recorrente relativas a (i) ajudas de custo e (ii) a uma nota de crédito.
B. Na referida parte, o Acórdão recorrido encontra-se em oposição com dois outros Acórdãos, a saber: (i) o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 29/03/2006, proc. n.º 1236/05; (ii) Acórdão do Tribunal Central administrativo sul (TCAS), de 09/04/2002 proc. n.º 398/87.
C. Apesar dos factos considerados como provados, o Acórdão recorrido entendeu que as ajudas de custo, apresentadas pela ora Recorrente, não eram indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, pelo que não constituem custos fiscais.
D. Diversamente, o Acórdão do STA de 29.03.2006 considerou que se impunha a dedução das despesas dado que as mesmas tinham sido “suportadas pela impugnante, no seu interesse, desde logo porque na aquisição de um factor de produção, sem que se evidencie que a sua assunção configure um acto de gestão desajustado à obtenção de ganhos”.
E. Atenta a natureza exemplificativa do art. 23.º, n.º 1, alínea d) do CIRC, para que a despesa seja considerada um custo ou perda, a mesma terá de ser realizada com vista à obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva.
F. Quanto ao requisito da comprovação refere ainda o Acórdão de 29.03.2006 que o mesmo se refere “à realização da despesa e não à sua indispensabilidade, que há-de resultar de um juízo assente nessa realidade – que a despesa teve, efectivamente, lugar”.
G. Assim, devem ser consideradas comprovadas as despesas que revertem a favor do factor de produção trabalho, desde que documentadas pelos trabalhadores, quer através de listagens manuscritas, nas quais se relacionam os quilómetros percorridos ao fim de cada dia, quer mediante a apresentação de mapa de quilómetros percorridos.
H. Acerca de despesas com comissões não constantes de facturas, o acórdão TCAS de 09.04.2002 considerou que “tais encargos embora não devidamente documentados não podem deixar de ser levados a conta de custos fiscais dedutíveis se se provar que o mesmos respeitavam aos encargos referidos na alínea b) do artigo 23.º do CIRC e se se demonstrar que os mesmos eram indispensáveis para a realização de proveitos”.
I. As quantias relativas às ajudas de custo, com o encarregado geral, o mecânico e o operador e laboratório, não podiam deixar de relevar como custo fiscal face aos seguintes documentos apresentados: (i)listagens manuscritas, nas quais se relacionam os quilómetros percorridos ao fim de cada dia, (ii) mapa de quilómetros percorridos, (iii) documentos justificativos da categoria que possuía o nome do funcionário, mês e ano das ajudas; e explicitação no que concerne à formação do valor a compensar por cada deslocação.
J. Em conformidade com o Acórdão do TCAS, de 29.03.2006, ainda que indevidamente documentados, os meios de prova apresentados corroboram a existência de despesas de deslocação, pelo que deveria o Acórdão recorrido tê-las admitido como custo fiscal.
K. Mais, conforme assevera o Acórdão do TCAS de 29.03.2006, é da exclusiva competência do empresário o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos.
L. Entendeu o acórdão do TCAS de 29.03.2006 que “são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (…), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho”.
M. É inegável que as quantias, referidas no Acórdão recorrido, que a Recorrente apresenta como despesas realizadas, reverteram a favor dos seus trabalhadores, ou seja, destinaram-se à manutenção do factor produtivo trabalho, sendo que esta manutenção é indispensável para produzir proveitos.
N. Nestes termos, não tendo o artigo 23.º do CIRC carácter taxativo, mesmo que não se considerassem as despesas como ajudas de custo, do exposto demonstrado fica que estas despesas integram o alcance do referido artigo, devendo por isso, contrariamente ao entendido do Acórdão recorrido, ser admitidas como custos fiscais.
O. Quanto à nota de crédito, o Tribunal “a quo” concluiu que a quantia titulada pela mesma não podia ser qualificada como um custo fiscal por não se encontrar registada a respectiva provisão.
P. Importa referir, em primeiro lugar, que o entendimento segundo o qual, em situações como a descrita, é necessária a constituição de uma provisão se mostra contrário à posição assumida pela Administração Fiscal.
Q. Atenta a existência de uma nota de crédito, que documenta o custo fiscal contabilizado, o Acórdão recorrido julgou de forma oposta ao acórdão do TCAS de 9.04.2002.
R. O Acórdão do TCAS de 9.04.2002 considerou que as comissões pagas a uma sociedade, embora não constantes de recibos (pelo que indevidamente documentadas), não poderiam deixar de relevar face a outros meios de prova.
S. Acerca de encargos indevidamente documentados, o Acórdão do TCAS de 09.04.2002 considerou que não podem deixar de ser considerados custos fiscais dedutíveis os respeitantes a encargos a que se refere o artigo 23.º do CIRC.
T. Como supra se referiu, para que uma despesa se qualifique como custo fiscal, essencial se torna que a mesma tenha sido realizada com o objectivo de obter proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou de manter a fonte produtora.
U. No presente caso, provou-se que a nota de crédito em questão tem por base fornecimentos efectuados pela ora Recorrente a um seu cliente, no âmbito da actividade da primeira, tendo por vista a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e a manutenção da fonte produtora.
V. Nestes termos, atenta a jurisprudência constante do Acórdão do TCAS, de 29.03.2006 e contrariamente ao sustentado pelo Acórdão recorrido, deve a existência da nota de crédito ser, por si só, suficiente para qualificar a quantia em causa como custo fiscal.
Termos em que se requer a V. Exas. considerem o presente recurso como procedente, revogando-se o Acórdão recorrido.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal – depois de a recorrente, notificada para o efeito, ter vindo indicar que o acórdão fundamento quanto à questão das ajudas de custo “é o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.03.2006, Proc. n.º 1236/05” (fls. 1021 dos autos) – emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado findo: por falta de indicação de um acórdão em oposição com o acórdão recorrido (1.ª questão); e por inexistência de oposição de soluções jurídicas (2.ª questão).
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em Pleno da Secção.
A recorrente, vencida no acórdão recorrido quanto à questão da dedutibilidade fiscal das despesas respeitantes a “ajudas de custo” e quanto à dedutibilidade fiscal de despesa respeitante a uma “nota de crédito”, alega existir oposição entre o decidido no acórdão recorrido e, quanto às “ajudas de custo”, o decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Março de 2006, rec. n.º 1236/05 (acórdão fundamento), e, quanto à questão da “nota de crédito”, o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Abril de 2002, rec. n.º 398/97 (acórdão fundamento).
A verificação da existência da alegada oposição de julgados em relação às duas questões suscitadas constituem, pois, as questões a decidir, desde já.
2.1 Em matéria de facto, e com relevo para as questões suscitadas no presente recurso, o acórdão recorrido assentou o seguinte.
A) Por ordem de serviço n.º 33621, de 8/9/98, a impugnante foi objecto de uma fiscalização em sede de IVA, IRC e Imposto de selo, com incidência temporal sobre os exercícios de 1996 e 1997.
B) A fiscalização culminou com a elaboração do relatório de fls. 414 a 437, que se dá por integralmente reproduzido onde, entre o mais, consta o seguinte (…);
C) Em 01.07.2001 a impugnante, foi notificada das liquidações adicionais de IRC respeitantes aos exercícios de 1996 e 1997 – fls. 59 e 60.
D) A impugnante paga ajudas de custo aos seus motoristas sempre que estes se encontram deslocados.
E) Os mapas de ajudas de custo a fls. 91 a 147 foram elaborados posteriormente à realização da inspecção tributária.
F) O encarregado geral da impugnante efectuava deslocações às obras e, mensalmente, apresentava à empresa um mapa dos quilómetros percorridos.
G) Ao operador de laboratório da impugnante incumbia recolher amostras no local e fazer análises no laboratório.
H) Nos anos de 1996 e 1997, o operador de laboratório deslocava-se em viatura própria, fazendo uma relação dos quilómetros percorridos ao fim de cada dia, mediante listagem por si manuscrita.
I) As ajudas de custo eram pagas aos trabalhadores com o respectivo vencimento.
[…]
S) Entre a impugnante e a B… foi celebrado o contrato de fornecimento de materiais fls. 205 a 209, que se dá por integralmente reproduzido.
T) Em 2/02/95, 01/04/95 e 20/09/95, a B… dirigiu à impugnante os faxes de fls. 210 a 213, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, reclamando na qualidade de tout-venant.
U) Em 31/12/96, a impugnante emitiu a favor da a B…, a nota de crédito C 000262, no valor de 33.250.500$00 – fls. 203.
2.2 A impugnação judicial que está na origem dos presentes autos foi instaurada em 26 de Novembro de 2001 (carimbo da respectiva petição, a fls. 2 do autos). Assim, porque anterior a 2004, é-lhe aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 (cf. o artigo 2.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o novo Estatuto dos tribunais Administrativos e Fiscais).
Resulta das alíneas b), b`) e c) do artigo 30.º do ETAF de 1984, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, que a competência para o conhecimento dos recursos por oposição de acórdãos bem como para o seu seguimento cabe à Secção em pleno, sem prejuízo dos poderes do relator nesta matéria.
São requisitos do recurso por oposição de acórdãos, nos termos da alínea b) do artigo 30.º do ETAF, que em causa esteja o “mesmo fundamento de direito”, que não tenha havido “alteração substancial da regulamentação jurídica” e que se tenha perfilhado “solução oposta” nos dois julgados.
Tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo que os três requisitos legais supra referidos pressupõem naturalmente uma “identidade de situações de facto”, que apenas não é referida de forma expressa na norma do ETAF, pois que, sem essa identidade de situações fácticas, não tem sentido sequer a averiguação dos citados requisitos (cf., expressamente neste sentido, a título de exemplo, os recentes acórdãos do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Março de 2009, rec. n.º 1013/08, e de 6 de Maio de 2009, rec. n.º 17/09).
Assim, o recurso por oposição de acórdãos, pressupõe para além de uma “identidade jurídica” uma “identidade factual” (cf., neste sentido, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Maio de 2009, rec. n.º 676/08).
Vejamos, pois, se esta dupla identidade, jurídica e factual, se verifica no caso dos autos.
2.3 Da alegada oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Março de 2006 (rec. n.º 1236/05), quanto à dedutibilidade fiscal das “ajudas de custo”.
No requerimento de interposição e nas suas alegações de recurso, a recorrente invocou, quanto à questão das ajudas de custo, oposição do decidido no acórdão recorrido com dois acórdãos: o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Março de 2006 (rec. n.º 1236/05) e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Abril de 2002 (rec. n.º 398/97). Notificada para indicar qual dos dois pretendia ver apreciado como acórdão fundamento, a recorrente veio dizer que o acórdão fundamento quanto à questão das ajudas de custo “é o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.03.2006, Proc. n.º 1236/05” (fls. 1021 dos autos). Assim, é apenas em face deste acórdão que se apreciará da alegada oposição de julgados, não se conhecendo da alegada oposição do decidido no acórdão recorrido com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul quanto à questão das ajudas de custo, o que implica não considerar o exposto nas alegações de recurso respeitantes às conclusões H), J), K) e L) supra transcritas.
Vejamos, então, se ocorre a alegada oposição de julgados.
No acórdão recorrido, o motivo pelo qual o Tribunal considerou não serem aceites como custos fiscais para efeitos do artigo 23.º do CIRC as “despesas de representação” em causa foi o de não se ter feito prova da “realização daquelas despesas ao serviço da impugnante”, pelo que, diz o Tribunal, ”também não se pode concluir que as mesmas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto” (cfr. sentença recorrida, a fls. 881 dos autos).
A realidade dos factos é absolutamente outra no acórdão fundamento.
Aí, as despesas em causa – despesas de alimentação documentadas com facturas de restaurantes, respeitantes a almoços servidos a empregados da empresa que se encontravam deslocados e a quem eram pagas ajudas de custo e subsídio de refeição (cfr. fls. 950 e 951 dos autos) –, estão documentalmente provadas por facturas emitidas por restaurantes cuja regularidade formal e substancial não foi questionada pela Administração Fiscal, que igualmente não questionou a sua quantificação (cf. o acórdão fundamento a fls. 953 e 957 dos autos).
Perante esta radical diversidade de situações de facto – não estando provado no acórdão recorrido que as despesas foram realizadas ao serviço da recorrente, e estando assente essa prova no acórdão fundamento –, são naturalmente diversas as soluções jurídicas consagradas num e noutro dos arestos: a primeira, no sentido da não dedutibilidade fiscal da despesa; e a do acórdão fundamento, no sentido da sua dedutibilidade para efeitos fiscais.
Esta diversidade de soluções é consentânea com a diversidade de factos sobre os quais o juízo decisório assentou, não se verificando, pois, oposição de julgados.
Nesta parte, pois, o presente recurso não pode prosseguir.
2.4 Da alegada oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Abril de 2002 (rec. n.º 398/97), quanto à dedutibilidade fiscal da “nota de crédito”.
Também quanto à questão respeitante à dedutibilidade fiscal da “nota de crédito”, se julga inexistente a alegada oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Abril de 2002 (rec. n.º 398/97), indicado como acórdão fundamento.
Subjacentes a estes julgados estão também situações de facto manifestamente distintas, sendo esta diversidade de situações fácticas que determina a diversidade de soluções jurídicas adoptadas, como, aliás, defende o Ministério Público junto deste Tribunal no seu parecer (a fls. 1024 dos autos).
Assim, enquanto no acórdão recorrido está em causa uma “nota de crédito” emitida em consequência da incapacidade da empresa beneficiária de solver os seus compromissos, que representa uma redução de proveitos, que não uma despesa, da sociedade emitente (cf. decisão recorrida, a fls. 882 e 883 dos autos), no acórdão fundamento, as notas de crédito emitidas para pagamentos efectivos de comissões, são aceites como custos fiscais, pois que embora estivessem tais custos indevidamente documentados, ficou demonstrada a sua verificação através de outros meios de prova (cf. acórdão fundamento a fls. 934 a 937 dos autos, e números 7, 10, 11 e 13 do respectivo probatório, a fls. 934 e 936).
Razão por que, também aqui, não concorre a oposição de acórdãos que possa fundamentar o prosseguimento do presente recurso.
E, assim, havemos de convir, a terminar, que, para efeitos de recurso por oposição de acórdãos, inexiste oposição de julgados, se um e outro acórdão assentam em situações de facto não idênticas.
3. Termos em que se acorda julgar findo o presente recurso – n.º 5 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Custas pela recorrente, fixando-se em 400 euros a taxa de justiça e em 200 euros a procuradoria.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (relator) – Domingos Brandão de Pinho – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – António Francisco de Almeida Calhau – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – João António Valente Torrão – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa – António José Martins Miranda de Pacheco.