Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01305/07.5BELSB 052/18
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24303
Nº do Documento:SA22019031301305/07
Data de Entrada:01/24/2018
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........,S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso, também por si interposto, da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela sociedade A……, S.A. (actualmente A….., S.A.) contra a liquidação de IRC do exercício de 2003, no montante de € 515.792,24.

1.1. Aduziu alegações que rematou com as seguintes conclusões:

a) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal “ad quem” no presente recurso, é a de saber se perante dividendos relativos a participações sociais que compõem parte do fundo adquirido em resultado da aplicação dos montantes recebidos pelos tomadores de seguro unit-linked, que foram acrescidos e deduzidos na contabilidade da Impugnante, deve, ainda assim, aplicar-se o mecanismo de eliminação de dupla tributação [art.º 46º do CIRC] e o disposto nos art.º 88º do CIRC, permitindo à Recorrida uma dupla dedução ao lucro tributável bem como, uma dedução à coleta indevida de retenção na fonte referente a dividendos que não fizeram parte da base tributável,

ou se, pelo contrário,

perante os mesmos dividendos que foram acrescidos e deduzidos na contabilidade da Impugnante, não deve aplicar-se o mecanismo de eliminação de dupla tributação [art.º 46º do CIRC] e o disposto nos art.º 88º do CIRC, de forma a não permitir à Recorrida uma dupla dedução ao lucro tributável e uma dedução à coleta indevida (reembolso indevido de imposto anteriormente retido);

b) Entende, a FP, que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito - em clara violação de lei substantiva -, o que afeta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto, de um desacerto ou de um equívoco;

c) A questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

d) Por outro lado a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum;

e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador da violação de lei substantiva;

f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA, na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas;

g) Até porque, a questão ora em crise nos presentes autos será passível de replicação em todos os casos de venda deste tipo de seguros;

Vejamos:

h) Num contrato de seguro unit/linked, o tomador do seguro (cliente) entrega determinado montante (prémio de seguro) à seguradora e, esta deverá utilizá-lo para comprar ativos financeiros (carteira de títulos), isto é, constituir um “fundo”;

i) O ganho final deste tipo de operação é, para o tomador do seguro (cliente) a rentabilidade que a sua aplicação (o seguro unit-linked) possa vir a gerar e, para a seguradora, a comissão que cobrará ao seu cliente referente a esta operação;

j) A constituição do referido “fundo” é composta por ativos financeiros, e pode integrar participações sociais cuja rentabilidade, como é sabido, resulta na atribuição dos correspondentes dividendos;

k) Sendo a seguradora a comprar os referidos ativos financeiros, é à mesma que cabe a titularidade, daí a rentabilidade desses ativos financeiros lhe ser atribuída e, no caso das participações sociais, são-lhe atribuídos os respetivos dividendos;

l) Todavia, porque está subjacente à constituição desse “fundo” o contrato de seguros unit-linked, e sendo a rentabilidade por direito dos seus clientes, recaí sobre a seguradora a obrigação de reembolsar os clientes;

m) Contabilisticamente e de acordo com as instruções contabilísticas do setor, a seguradora regista como proveito contabilístico o rendimento obtido com os ativos financeiros que compõem o “fundo” (onde se inclui os dividendos) e, por outro lado, como custo contabilístico o pagamento desse rendimento aos seus clientes;

n) O pagamento aos clientes da seguradora, por não ser imediato, irá gerar uma contra prestação «indeterminada, mas determinável, cujo valor está indexado a acontecimentos futuros», nascendo a responsabilidade da seguradora para com o segurado;

o) De acordo com o art.º 68.º e o nº 1 do art.º 69º do Decreto-Lei n. 94-B/98, de 17 de Abril, as empresas de seguros deverão dispor, a título de garantia financeira, de provisões técnicas que deve, «em qualquer momento, ser suficiente para permitir à empresa de seguros cumprir, na medida do razoavelmente previsível, os compromissos decorrentes dos contratos de seguro»;

p) É exigido à seguradora a constituição de provisão, sempre que contratualize um seguro unit-linked pelo valor correspondente ao valor das responsabilidades da seguradora, valor que lhe possa ser exigido pelo segurado, nos termos do respetivo contrato, cf. dispõe o art.º 4.º da Norma Regulamentar do ISP nº 09/2008-R, de 25 de Setembro;

q) Em termos fiscais, este tipo de provisões são aceites por força do disposto na alínea d) do nº 1 do art.º 34º do CIRC, que admite como custo fiscal as provisões técnicas constituídas, obrigatoriamente, por força de normas emanadas do ISP.

r) Relativamente à operação de seguro unit-linked, o apuramento do lucro contabilístico é acompanhado pelo apuramento do lucro tributável (da base tributável) e dessa operação não decorre qualquer resultado que incorpore o lucro tributável;

s) Entende, o douto tribunal a quo, que a «(...) obrigação legal de constituir e manter provisões técnicas, cujo valor deve permitir às empresas seguradoras fazer face no futuro aos compromissos assumidos, e que se repercutem, como custos, nos resultados do exercício, valor indexado à variação do valor da carteira de títulos, escolhida como referência do seguro, não se extrai que os montantes percebidos, a título de dividendos, em razão da carteira de participações sociais detidas por aquelas, não se venha a inscrever no balanço como rendimento e como tal tributável. (...)»;

t) Para a FP o acórdão recorrido procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação do art.º 46º do CIRC, descurando a ratio legis da norma, quando a mesma só tem o propósito de não tributar duplamente os dividendos atribuídos;

u) O acórdão recorrido, a considerar ser de aplicar o art.º 46º do CIRC aos dividendos atribuídos referentes a participações sociais que integram “fundos” conexos com seguros unit-linked, permite à Impugnante deduzir, ao lucro tributável, o valor correspondente a rendimentos que, pela sua natureza, não integraram o lucro contabilístico apresentado, uma vez que lhe tem associada a obrigação de constituição de provisão;

v) Resulta, assim, violado o disposto no art.º 17º do CIRC, que prevê que o resultado tributável é apurado a partir do resultado contabilístico (resultado líquido), e que para a operação de seguro unit-linked esse resultado contabilístico é nulo;

w) Daí não se poder concluir que os rendimentos resultantes da atribuição de dividendos estão incluídos na base tributável, como exige o art.º 46º do CIRC;

x) A aplicação do disposto no art.º 46º do CIRC aos dividendos atribuídos referentes a participações sociais que integram “fundos” conexos com seguros unit-linked, vai mais além do que o pretendido pela norma [que é a sua não tributação]. Permite uma dupla dedução ao lucro tributável.

y) Continuando o douto acórdão recorrido, «[…] De modo semelhante, as normas sobre a eliminação da dupla tributação ou as normas sobre a redução da tributação dos dividendos gerados por certa categoria de acções não deixam de se aplicar, porquanto está-se na presença de rendimento da contribuinte, ora recorrida, cuja tributação ocorre (deve ocorrer) nos termos gerais, como em relação a qualquer outro contribuinte»;

z) Ora, daqui resulta violado o princípio da não discriminação, já que aos demais Contribuintes não lhes é permitida qualquer dedução ao resultado tributável a título de provisões daquela natureza, e, com isso, uma dupla dedução ao resultado tributável;

aa) Desta forma, resulta claro que o tribunal a quo falhou no seu julgamento quando aplicou o art.º 46º do CIRC aos dividendos atribuídos referentes a participações sociais que integram “fundos” conexos com seguros unit-linked, porquanto, permitiu à Impugnante deduzir - em duplicado - ao resultado tributável o montante dos dividendos atribuídos, violando, assim, o disposto no art.º 17º do CIRC, bem como o princípio da não discriminação;

bb) Sendo certo que, a duplicação da dedução promovida no acórdão recorrido - no nosso entendimento -, só se explica por evidente desacerto ou equívoco.

cc) O acórdão recorrido, a considerar ser de aplicar o art.º 88º do CIRC, isto é, permitir deduzir à coleta a retenção na fonte efetuada aquando da atribuição dos dividendos referentes a participações sociais que integram “fundos” conexos com seguros unit linked, permite um reembolso de imposto pago cujos rendimentos (os dividendos) não contribuíram para o apuramento da base tributável e consequente coleta, nem sendo rendimentos, por direito, da seguradora;

dd) Em suma e salvo o devido respeito, poderemos afirmar que, não se conhecendo pronúncia do STA sobre a matéria, tratando-se de questão de relevância social e jurídica de importância fundamental e com um amplo interesse objetivo, e sendo ainda, este recurso de revista, absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito entende, a FP que o acórdão aqui em crise não deve manter-se.



1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

A. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo TCA Sul que determinou a anulação das correções efetuadas pela Administração Tributária relativas à comercialização de seguros unit linked - em concreto relativas à aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica previsto, à data dos factos, no artigo 46.º do CIRC aos rendimentos gerados pela Recorrida e à dedutibilidade das retenções na fonte ao abrigo do artigo 22.º do EBF.

B. Na ótica da ora Recorrida, o presente recurso deve ser, desde logo, rejeitado, por manifestamente improcedente, uma vez que não estão verificados os requisitos legais previstos no artigo 150.º do CPTA e que possibilitam a apresentação de recurso excecional de revista de decisões proferidas em 2.ª instância, o que determinará a confirmação do acórdão ora recorrido.

C. Tem sido entendimento unânime da jurisprudência produzida por este Venerando Tribunal que a admissão do recurso de revista terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e se suscitem fundadas dúvidas — por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios — tornando-se objetivamente útil a intervenção do STA - ou quando esteja em causa uma decisão ostensivamente errada, absurda ou insustentável do ponto de vista jurídico.

D. Quanto à verificação dos requisitos expressos no número 1 do artigo 150.º, parece por demais evidente que das alegações da ora Recorrente não resulta qualquer questão jurídica de interesse superior que revista elevada importância social ou jurídica, sendo óbvio que, ao invés, estamos perante uma situação limitada a um concreto sector de atividade e cuja extrapolação para inúmeras situações futuras não se consegue vislumbrar, pois o atual artigo 51º do CIRC foi alterado em 2016 de modo a excluir expressamente este tipo de rendimentos;

E. Por outro lado, desde 2007 que a AT já aceita a retenção em Fundos de Investimento dentro das carteiras unit linked desde que haja resgate do Fundo;

F. Por outro lado, a questão da aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica aos rendimentos decorrentes de seguros unit-linked tem sido interpretada de forma consistente pela nossa doutrina e aceite de forma unânime por parte dos tribunais judiciais e arbitrais da jurisdição fiscal, desconhecendo-se qualquer decisão que contrarie a jurisprudência até aqui firmada, nem a Recorrente invoca qualquer argumento neste sentido.

G. Acresce que, a especial complexidade das questões tem sido interpretada por este Venerando Tribunal como uma situação que envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais, ou como uma situação que suscita dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina (vide acórdão n.º 0590/17, de 25.10.2017), o que manifestamente não se verifica no caso em apreço.

H. Acresce que, através do presente recurso e das questões ora suscitadas pela Recorrente não se obterá uma melhor aplicação do direito, não só pelos motivos acima expostos, mas também porque as normas jurídicas aplicáveis à situação em apreço foram corretamente aplicadas pelo Tribunal de 2.ª instância, ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, a qual defende nas suas alegações uma posição sem qualquer apoio no quadro legal vigente à data dos factos.

I. Concluindo, a Recorrente sustenta o presente recurso num mero erro de julgamento, o que carece, de qualquer base legal face ao disposto no artigo 150.º do CPTA, pelo que deve ser negada a revista por manifesta falta de preenchimento dos requisitos legais e dos critérios qualitativos previstos no artigo 150.º do CPTA.

J. Os seguros de capitalização “unit-linked” consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente escolhido pela Recorrida, que poderão ser ações ou unidades de participação detidas pela mesma; contudo, o tomador do seguro não é titular dos ativos subjacentes aos investimentos efetuados pela seguradora, sendo, assim, inequívoco que os fundos autónomos são da titularidade da ora Recorrida, pois quem compra os ativos (títulos, ações, investimentos financeiros) é a ora Recorrida, sendo que os clientes da ora Recorrida não recebem um rendimento proveniente de ações, obrigações ou outros investimentos que a Seguradora entenda fazer.

K. O plano de contas do setor segurador obriga (e sempre obrigou) ao registo dos rendimentos advenientes destes investimentos como proveitos da própria Seguradora.

L. Os ativos subjacentes aos seguros unit-linked pertencem à seguradora e não ao tomador do seguro, o que encontra expressa consagração legal no n.º 51 da Norma n.º 16/95-R, de 12 de Setembro do ISP, quando se determina em relação aos produtos do ramo vida expressos em unidades de conta que “esta pode ser determinada em função das unidades de participação de um ou vários fundos de investimento, de fundos autónomos constituídos por ativos da empresa de seguros”.

M. Tal como expressamente reconhecido pela Administração Tributária no relatório final de inspeção e pela própria Recorrente nos autos, os rendimentos decorrentes dos produtos unit-linked, nomeadamente os correspondentes a lucros distribuídos, são, ao abrigo das disposições contabilísticas aplicáveis, registados em contas de proveitos influenciando assim o apuramento do resultado contabilístico do exercício a que respeitam.

N. Ao contrário do que pretende a Recorrente, o facto de o risco do seguro correr por conta do tomador não releva para efeitos da determinação do regime fiscal dos rendimentos associados à carteira de títulos gerida pela Recorrida, uma vez que o regime do artigo 46.º dependia e depende apenas da inclusão dos rendimentos na base tributável, não cabendo efetuar uma análise casuística de cada um dos registos contabilísticos e de cada um dos valores que compõem o resultado contabilístico global, nem determinar qual o lucro efetivo do beneficiário dos rendimentos em cada uma das operações realizadas, pelo que se conclui pela manifesta ilegalidade da correção efetuada pela Administração Tributária, por violação expressa dos artigos 17.º e 46.º do CIRC e dos princípios da legalidade tributária e da tributação segundo o lucro real.

O. Não obstante as alegações da Recorrente serem totalmente omissas sobre este tema, a ora Recorrida não gostaria de deixar de tecer breves comentários sobre a alteração legislativa operada no artigo do CIRC objeto do presente recurso (antigo artigo 46.º, atual artigo 51.º), através da Lei do Orçamento do Estado para 2016, tendo para o efeito, e ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 651.º do CPC, Parecer proferido pelo reputado Professor JOSÉ CASALTA NABAIS sobre o tema, datado de Julho de 2016.

P. A aplicação do disposto no número 6 do artigo 51.º do CIRC a factos anteriores à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2016, configuraria uma violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade da lei fiscal no caso em apreço, pois não estamos perante uma mera lei interpretativa, mas sim uma verdadeira lei inovadora.

Q. A propósito do conceito de norma interpretativa, esclarece o Professor CASALTA NABAIS, “Decorrente destas suas características, está um dos aspectos mais salientes da interpretação autêntica, o qual se traduz no facto de esta interpretação ter uma eficácia retroactiva quanto ao sentido que, correspondendo a um dos sentidos que cientificamente a norma interpretada já comportava, é agora imposto para valer como o único sentido dessa norma para toda a sua vigência, isto é, não só para o futuro como também para o período já decorrido desde a sua entrada em vigor.”

R. Nas palavras do Professor CASALTA NABAIS, “Diversamente se passam as coisas com as normas legais inovadoras, com as normas que não se destinam a fixar o sentido de uma norma anterior, mas a adoptar uma solução diferente da constante de uma norma anterior. Pois, enquanto as normas legais interpretativas se integram nas leis interpretadas, continuando estas a valer na ordem jurídica, as normas legais inovadoras são normas que se sucedem integralmente no tempo, valendo apenas para o futuro, a menos que se lhe atribuam verdadeiros efeitos retroactivos se e na medida em que tais efeitos lhes possam ser conferidos sem afrontamento de normas ou princípios constitucionais.”.

S. À luz da dicotomia entre lei interpretativa e lei inovadora que foi construída pela nossa doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, é evidente que para qualificarmos uma lei nova como verdadeiramente interpretativa, é necessário que a solução do direito anterior seja controvertida; e que a solução adotada pela nova lei se situe dentro dos quadros da referida controvérsia, não dependendo a atribuição de carácter interpretativo apenas da declaração do legislador nesse sentido.

T. A nova solução legislativa nunca teve qualquer suporte ou arrimo na letra da lei, na doutrina ou na jurisprudência sobre este tema, sendo que o único aspeto controvertido residia na interpretação seguida pela Autoridade Tributária, assim se evidenciando o caráter inovador da norma;

U. De tudo o acima exposto, é claro que a nova redação do número 6 do artigo 51.º do CIRC é manifestamente uma norma de carácter inovador, pois restringe o âmbito de aplicação da norma quanto ao tipo de rendimentos abrangidos pelo regime da eliminação da dupla tributação económica, o que leva o Professor CASALTA NABAIS a concluir que, “Daí que a natureza interpretativa conferida pelo legislador à nova redacção do preceito em causa não passe de um pretexto paro impor uma solução inovadora retroactiva, sem arcar com as consequências da inevitável inconstitucionalidade por efectiva retroactividade do aumento do IRC daí decorrente e consequente violação do nº 3 do art. 103.º da Constituição.”

V. Como resulta da factualidade assente nos autos, a Administração Tributária procedeu, ainda, ao apuramento de IRC respeitante a retenções na fonte efetuadas por fundos de investimentos nacionais no montante global de EUR 483.731,56.

W. Quando os titulares de UPs são sujeitos passivos de IRC — como é o caso da Recorrida — então os rendimentos gerados pelas UPs são considerados como proveitos ou ganhos, constituindo uma componente positiva do seu lucro tributável.

X. Neste mesmo enquadramento, que é o que releva para o caso vertente, o montante do imposto retido sobre os rendimentos dos títulos detidos pelos fundos de investimento (rendimentos gerados pelas UPs), tem a natureza de imposto por conta, uma vez que, se assim não fosse, gerar-se-ia uma dupla tributação, sendo que o entendimento propugnado pela Recorrida encontra expressa consagração legal no artigo 22º, n.º 3 do EBF E No n.º 2 do artigo 83.º do CIRC.

Y. Parece, assim, claro que a solução propugnada pela Recorrida é a única capaz de assegurar a neutralidade fiscal que norteia a tributação destes produtos de natureza financeira, assegurando a sua equiparação a outros produtos em tudo idênticos, mas em que o segurado detém uma participação nos resultados do investimento ou lhe é assegurado um capital mínimo no caso de morte.

Z. A Administração Tributária tem aceite expressamente, desde o exercício de 2007, conforme prova documental produzida em 1.ª instância, a possibilidade de a Recorrida deduzir, ao abrigo do artigo 22.º do EBF, o imposto retido na fonte.

AA. Quando a Recorrida investe os montantes recebidos dos segurados em unidades de participação em fundos de investimento, esta age como qualquer investidor coletivo, inexistindo qualquer base legal que sustente o afastamento do regime tributário previsto no artigo 22.º do EBF, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente de revogação da correção e aceitação da dedução da quantia de EUR 483.731,56, confirmando-se a decisão ora recorrida.

BB. Em harmonia com a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a ora Recorrida vem requerer a este Venerando Tribunal a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6º do RCP.

(…)
Mais se requer a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6º do RCP.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!



1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público postergou a sua intervenção processual para momento ulterior à apreciação e decisão sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.



2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Por conseguinte, este recurso só é admissível se estivermos perante questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Tal como tem sido repetidamente explicado nos inúmeros acórdãos proferidos sobre a matéria, o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica de importância fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando a matéria vem gerando polémica ou suscitando dúvidas a nível jurisprudencial ou doutrinal.

relevância social de importância fundamental verificar-se-á quando esteja em causa uma questão com elevada capacidade de repetição, que importa que o Supremo Tribunal aprecie e decida para que a solução encontrada venha a constituir uma orientação para os demais casos, ou quando esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

Por outro lado, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito deverá resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

No caso vertente, o recurso vem interposto do acórdão proferido pelo TCA Sul que determinou a anulação de correções efetuadas pela Administração Tributária relativas à comercialização de seguros unit-linked – em concreto, relativas à aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica previsto no art.º 46º do CIRC (a que corresponde o actual art.º 51º do CIRC) aos rendimentos gerados pela Recorrida.

E, como bem explicita a Recorrente, a questão reside, essencialmente, em saber se perante dividendos atribuídos relativos a participações financeiras que compõem parte dos fundos adquiridos em resultado da aplicação dos montantes recebidos pelos tomadores de seguro unit-linked, os quais foram acrescidos (por força da natureza de proveitos) e deduzidos (por força da constituição de provisões técnicas) ao resultado contabilístico da Impugnante, deve aplicar-se o regime de eliminação de dupla tributação contido no art.º 46º do CIRC e o disposto no art.º 88º do CIRC (como se entendeu no acórdão recorrido), ou, pelo contrário, deve a aplicação desse regime ser afastado para que não seja permitida uma dupla dedução ao lucro tributável e um reembolso de imposto anteriormente retido.

Questão que, como frisado no acórdão recorrido, foi já objecto de estudo em termos doutrinais (SALDANHA SANCHES e JOÃO TABORDA DA GAMA, “Provisões no âmbito de Seguros Unit-Linked e Dupla Tributação Económica”, Revista Fiscalidade nº 33) e tem sido apreciada, de forma reiterada e pacífica, segundo essa posição doutrinal nas decisões jurisdicionais proferida sobre a matéria – tanto pelo Centro de Arbitragem Administrativa (cfr. acórdãos de 1-09-2014, Proc. nº 65/2014-T, de 29-01-2016, Proc. nº 268/2015-T, e de 9-10-2017, Proc. nº 160/2017-T), como pelos tribunais tributários (cfr. além do acórdão recorrido, os acórdãos do TCAS de 15/12/2016, no Proc. nº 09756/16, de 29/06/2016, no Proc. nº 09385/16, e de 8/02/2018, no Proc. nº 0297/12).

Ora, a discussão que a Fazenda Pública, ora Recorrente, pretende ressuscitar em contraposição à linha argumentativa e decisória assumida no acórdão recorrido não se reveste, a nosso ver, de importância fundamental, seja pela sua relevância jurídica, seja pela sua relevância social.

Efectivamente, a questão em apreço não envolve a realização de operações lógico-jurídicas de particular complexidade, nem envolve a interpretação ou a aplicação de regime que coloque dificuldades superiores ao comum ou a cujo propósito persistam divergências jurisprudenciais ou controvérsias doutrinais. Baseou-se, de resto, em doutrina e jurisprudência pacífica sobre a matéria. Acresce que não se trata de questão que, pela sua expressão ou repercussão colectiva, assuma reflexos importantes na comunidade, que extravasem o interesse dos sujeitos neste processo.

Por outro lado, a posição assumida pelo TCAS enquadra-se no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as analisadas questões, não se evidenciando que a pronúncia emitida esteja inquinada de erro grosseiro, com o que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a admissão da revista numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.

Dito de outro modo, a solução que o acórdão recorrido encontrou, podendo ser refutável, não comporta raciocínios que se afastem das regras lógicas e jurídicas ou dos critérios de hermenêutica correntemente aceites, nem assenta na aplicação e interpretação de regime jurídico manifestamente impertinente ou notoriamente errado, pelo que não se justifica a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito.

Assim, por não se vislumbrar que respeite a questões que, pela sua complexidade jurídica ou relevância social, devam ser qualificadas como de importância fundamental ou em que se verifique a necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, o recurso não pode ser admitido.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça para ambas as partes, ao abrigo do disposto no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais, pois que, sendo o valor da causa superior a 275.000,00 Euros, a apreciação preliminar sumária dos pressupostos da admissibilidade do recurso se reveste de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes a tal não obsta.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – Dulce Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.