Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01015/16
Data do Acordão:05/17/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEXIGIBILIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida.
II - Só a reclamação graciosa ou a impugnação judicial já instauradas na data da instauração da execução fiscal podem integrar o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, sendo que a ulterior instauração daqueles meios de reacção, com prestação de garantia (sua dispensa ou quando o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se mostre garantido), apenas poderá fundamentar o pedido de suspensão endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial (ao abrigo do art. 286.º do CPPT) de eventual decisão desfavorável.
Nº Convencional:JSTA000P21874
Nº do Documento:SA22017051701015
Data de Entrada:09/09/2016
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1176/11.7BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (a seguir Oponente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição por aquele deduzida à execução fiscal instaurada para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1- O Tribunal a quo entendeu que a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo se prendia com a falta de requisitos essenciais do título executivo, não cabendo na alínea i) do artigo 204.º do CPPT.

2- A pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo é fundamento de oposição à execução, enquadrado na alínea i) do artigo 204.º do CPPT, segundo a Jurisprudência e a Doutrina.

3- É o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 30/04/1997, no recurso n.º 21461 e no processo n.º 021471, também de 30/04/1997, ainda no âmbito do CPT.

4- Também Jorge Lopes de Sousa – in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 2.ª edição, 2000, VISLIS, pág. 923, entende que a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo é fundamento de oposição, enquadrado na alínea i) do artigo 204.º do CPPT.

5- In casu, verificou-se a existência de efeito suspensivo, resultante da pendência, inicialmente, de pedido de revisão da matéria tributável, posteriormente, de reclamação graciosa da liquidação e, actualmente, impugnação judicial da liquidação, tendo sido prestada garantia.

6- A oposição fiscal deveria ter sido procedente, ordenando-se a suspensão da execução, conforme pedido formulado na petição inicial, até decisão do processo de impugnação judicial da liquidação, onde se discute a legalidade e a proveniência da dívida.

7- Foram violadas as normas constantes dos artigos 204.º alínea i), 169.º do CPPT e 52.º da LGT.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se a suspensão da execução fiscal».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«1. O procedimento de revisão da matéria colectável findou com a reunião dos peritos realizada em 9.09.2010, onde se estabeleceu acordo sobre a fixação definitiva da matéria tributável que serviu de base à liquidação do imposto (factos provados n.º 7; art. 92.º n.º 3 LGT).
Assim sendo, a instauração da execução fiscal em 20.01.2011 não violou o efeito suspensivo da liquidação do tributo resultante da apresentação do pedido de revisão da matéria tributável (factos provados n.º 3; art. 91.º n.º 2 LGT).
Em consequência, não se verifica uma situação de inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição à execução (art. 204.º n.º 1 al. i) CPPT).
O segundo pedido de revisão da matéria colectável (após a imputação aritmética da matéria tributável aos sócios da sociedade sujeita a regime de transparência fiscal), foi indeferido liminarmente, sem reacção do requerente (factos provados n.º 7 2.6).

2. A apresentação de reclamação graciosa e posterior impugnação judicial, acompanhada da prestação de garantia, na pendência da execução fiscal, não constitui fundamento de oposição, apenas justificando eventual pedido de suspensão da tramitação daquela, sendo eventual decisão desfavorável proferida pelo OEF passível de reclamação (arts. 169.º n.º 1 e 276.º CPPT)».

1.5 Colhido os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1) Em 25.11.2010 foi emitida a nota de cobrança n.º 2010 2048014 de onde decorre a identificação do total de acerto de liquidação sem juros respeitante à liquidação n.º 20105005062765 no valor de € 13.448,79 e estorno atinente à liquidação n.º 2009 5004931804 no valor de € 2.903,37, resultando no valor em dívida de € 16.352,16 - cfr. fls. 62 dos autos.

2) Em 29.12.2010 o Oponente apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças do Porto 1 de onde decorre o seguinte: “(...) notificado das liquidações n.º 20095004931804 e 20105005062765, constantes do documento n.º 201000002048014, compensação n.º 201000006867021 com data de limite de pagamento em 2010/12/29, vem requerer o seguinte: as presentes liquidações resultam de um relatório de inspecção tributária e respectiva fixação da matéria tributária com recurso a métodos indirectos. O requerente apresentou o pedido de revisão da matéria tributária, nos termos do artigo 91.º e ss. da LGT. Até à data não recebeu qualquer notificação de ter sido proferido qualquer despacho, tendo por objecto o referido pedido de revisão. Nestes termos, e porque o mesmo tem efeito suspensivo, não são legalmente admissíveis as liquidações efectuadas, devendo proceder-se à sua anulação (...)” – cfr. fls. 61 dos autos.

3) Em resultado da emissão em 20.01.2011 da certidão de dívida n.º 2011/70086, o Serviço de Finanças do Porto 1 instaurou em 20.01.2011 o processo de execução fiscal n.º 31742011001003780 por dívida de IRS do ano de 2007 – cfr. fls. 56 dos autos.

4) Em 27.01.2011 foi proferida a informação n.º 4/2011 pelo Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto – cfr. fls. 88 e 89 dos autos.

5) Sob a informação a que se alude em 4) recaiu na mesma data despacho de concordância pelo Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, indeferindo-se o pedido de revisão da matéria colectável deduzido pelo Oponente – cfr. fls. 88 dos autos.

6) Em 27.01.2011 foi remetido ao Oponente o ofício n.º 6086/0208, notificando-o do descrito em 5) – cfr. fls. 89 dos autos.

7) Em 15.02.2011 foi proferida pela Divisão de inspecção da Direcção de Finanças do Porto informação com o seguinte teor: “(...) 2.1- Após as correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos à matéria colectável de IRC da sociedade “B………… RL, contribuinte n.º …………”, sujeita ao regime de transparência fiscal, decorreu o procedimento de revisão previsto nos artigos 91.° e seguintes da LGT.
2.2 - Desse procedimento de revisão resultou um acordo por parte dos peritos, tendo como consequência a fixação definitiva da matéria colectável nos termos do n.º 3 do art. 92.º da mesma lei.
2.3 - Para cumprimento e aplicação do disposto nos artigos 6.º - “Transparência fiscal” e 92.º - “Liquidações correctivas no regime de transparência fiscal” (actual art. 100.º), ambos do CIRC, promoveram-se as correspondentes modificações nas liquidações do IRS, iniciando-se o procedimento de cobrança das diferenças apuradas.
2.4 - Assim, facilmente se compreende que o procedimento de revisão previsto nos artigos 91.º e ss da LGT, relativo àquela matéria tributável já se verificou, tendo sido mantida suspensa a liquidação dos tributos até à sua decisão, o que aconteceu em Setembro de 2010, na sequência da reunião dos peritos realizada e, 2010-09-09. (...)
2.6 - Tendo o sujeito passivo em análise solicitado novo procedimento de revisão relativamente à mesma matéria tributável, aquando da sua imputação aritmética aos sócios sujeitos a IRS, não poderia ser outra a decisão, que não o liminar indeferimento, notificado em 01 de Fevereiro de 2011. (...)” – cfr, fls. 79 a 81 dos autos.

8) Em 24.02.2011 o Oponente apresentou requerimento ao Serviço de Finanças do Porto 1 sustentando a inexistência de título válido para a instauração da execução fiscal – cfr. fls. 57 e 58 dos autos.

9) Na sequência da informação a que se alude em 7), o Serviço de Finanças do Porto 1, remeteu ao Oponente em 16 16.02.2011 o ofício n.º 2487, dando-lhe conta da informação proferida – cfr. fls. 82 e 83 dos autos.

Factos não provados

Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Foi instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto uma execução fiscal contra A…………… para cobrança de IRS do ano de 2007.
Após ter sido citado, o Executado apresentou oposição na qual alegou, em síntese, que: i) o título executivo não tem os requisitos do art. 163.º do CPPT, ii) verifica-se a duplicação de colecta e iii) está a decorrer o prazo para a reclamação graciosa, que o Oponente se propõe deduzir, sendo que requereu a prestação de garantia em ordem à suspensão da execução, ao abrigo do disposto no art. 169.º do CPPT.
Concluiu o Oponente formulando o pedido nos seguintes termos: «Nestes termos, deve ordenar-se a suspensão da execução até decisão definitiva da reclamação graciosa do acto de liquidação e eventual impugnação da decisão reclamada, para, a final, se julgar pela sua extinção, com todas as consequências legais».
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a oposição improcedente.
Depois de elencar as questões a dirimir como sendo as «i) da adequação do meio processual face aos fundamentos apresentados [questão suscitada pela Fazenda Pública na contestação] ii) da nulidade por inexistência do requisitos decorrentes do artigo 163.º do CPPT iii) da duplicação de colecta», a sentença apreciou cada uma das questões para concluir, em síntese, o seguinte: a nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo – falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do art. 165.º do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código; não há que ponderar a convolação para o meio processual próprio, reconhecendo e sanando a nulidade por erro na forma do processo, porque a forma processual escolhida (a oposição à execução fiscal) é a adequada a pelo menos um dos fundamentos invocados (a duplicação da colecta); não se verifica a duplicação da colecta porque a liquidação ora em cobrança coerciva é uma liquidação adicional resultante das correcções efectuadas pela AT com recurso a métodos indirectos à matéria colectável de IRC, da sociedade “B………….., RL”, de que o Oponente é sócio e que se encontra sujeita ao regime da transparência fiscal, motivo porque os factos tributários em causa na liquidação original e na liquidação adicional não são os mesmos e, ademais, não está comprovado o pagamento do tributo ora em cobrança coerciva.
O Oponente veio apresentar recurso dessa sentença. Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, não por divergência relativamente a nenhuma das questões decididas, mas antes porque entende que a oposição deveria ter sido julgada procedente com fundamento, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, na pendência de impugnação judicial da liquidação com prestação de garantia, sendo que na petição inicial foi formulado pedido nesse sentido.
Poderíamos questionar a admissibilidade do recurso por falta de ataque à sentença e invocação em sede de recurso de uma questão nova. Na verdade, o Recorrente não manifesta discordância com a decisão relativamente a questão alguma das que foram apreciadas e decididas na sentença e interpõe o recurso com um fundamento que a sentença não apreciou, qual seja o de que deveria a sentença ter reconhecido a verificação do fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que se encontra pendente impugnação judicial e foi prestada garantia.
Provavelmente em ordem a obviar a essa argumentação, o Recorrente começa as alegações de recurso com a afirmação, que levou à 1.ª conclusão, de que «[o] Tribunal a quo entendeu que a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo se prendia com a falta de requisitos essenciais do título executivo, não cabendo na alínea i) do artigo 204.º do CPPT».
Antes do mais, diremos que é manifesto que a sentença não se pronunciou sobre a questão da «pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo» como fundamento de oposição à execução fiscal. E não o fez porque, a nosso ver, da petição inicial não resulta inequívoco que o Oponente invocasse tal fundamento. É certo que nos itens 20.º e 21.º ficou alegado que «[e]stá a correr o prazo legal para reclamação graciosa do acto de liquidação que origina a presente execução, reclamação que o ora oponente irá deduzir» e que «na presente data, requereu, também, a prestação de garantia para suspensão da execução, nos termos do artigo 169.º do CPPT». Mas, só por si, essa alegação não permite que se considere que foi invocada a pendência de meio contencioso ou gracioso de discussão da legalidade da dívida exequenda como causa de pedir da oposição. Tanto mais que, a referida dedução da reclamação graciosa está mesmo formulada como um facto ainda não ocorrido. Essa alegação não basta para que se possa considerar, pelo menos de modo inequívoco, que estava suscitada uma questão, a exigir a pronúncia do tribunal.
Na verdade, sendo certo que «o conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 b) ao art. 125.º, pág. 363.), não se confundindo com a noção de fundamentos ou razões jurídicas apresentadas pelas partes, e estando reservado às pretensões que estas formularam no processo e que requerem a decisão do tribunal, afigura-se-nos como duvidoso que tenha sido invocada como questão a dirimir, designadamente como fundamento de oposição à execução fiscal, a da impossibilidade de prossecução da execução fiscal em razão da «pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo».
Por outro lado, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, para que se considere que foi suscitada uma questão não basta uma qualquer alusão à mesma, sendo necessário que seja apresentada ao tribunal como uma pretensão a requerer decisão, ou seja, «[p]ara se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativa a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existam divergências, com base em alegadas razões de facto ou de direito»(Idem, pág. 364.).
Sem prejuízo do que deixámos dito, não podemos perder de vista que, na formulação do pedido, o Oponente, expressamente, solicitou, como providência requerida em juízo, para além do mais, que se ordene «a suspensão da execução até decisão definitiva da reclamação graciosa do acto de liquidação e eventual impugnação da decisão reclamada».
O que permite, numa leitura que garanta a máxima protecção dos interesses e direitos do Executado, interpretar a petição inicial no sentido de que o Oponente requereu ao Tribunal, como efeito jurídico pretendido com a oposição, a suspensão da execução fiscal com base na «pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo».
Note-se que, como a jurisprudência vem afirmando há muito, embora em regra a oposição vise a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, ela pode também, em casos contados, ter por objecto a suspensão da execução quando a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.).
Nesta interpretação da petição inicial – de que foi pedida a suspensão da execução fiscal com fundamento na alegada «pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo» –, que parece também ter sido aceite pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, passaremos a apreciar e decidir a questão de saber se a sentença deveria ter julgado procedente a oposição à execução fiscal com esse fundamento (Note-se que irreleva a qualificação da eventual incorrecção da sentença – como erro de julgamento ou como nulidade por omissão de pronúncia –, uma vez que, como temos vindo a afirmar, não será eventual erro nessa qualificação que dispensa o tribunal de recurso de apreciar a questão, uma vez que não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (cfr. art. 664.º do Código de Processo Civil).).


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2.2.2 DA PENDÊNCIA DE MEIO GRACIOSO OU CONTENCIOSO EM QUE SE DISCUTE A LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO COMO FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO

É certo que, como sustenta o Recorrente, a pendência de processo gracioso ou contencioso com efeito suspensivo constitui fundamento enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Neste sentido e com indicação de numerosa jurisprudência, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 c6) ao art. 204.º, pág. 501.) , alínea com carácter residual no catálogo dos fundamentos admissíveis de oposição à execução fiscal e que prevê «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
Mas, como é óbvio, para que possa considerar-se verificado esse fundamento de oposição, que se reconduz à inexigibilidade da dívida exequenda, é necessário que quando a execução fiscal foi instaurada estivessem já deduzidos os meios de reacção contra a liquidação susceptíveis de determinar a suspensão da execução fiscal.
Ora, no caso sub judice, o Oponente limitou-se a alegar na petição inicial, como facto a ocorrer no futuro, que se propunha deduzir reclamação graciosa («reclamação essa que o ora oponente irá deduzir») e que tinha requerido quando da apresentação da petição inicial a prestação de garantia em ordem a lograr a suspensão da execução fiscal ao abrigo do art. 169.º do CPPT. Ou seja, de acordo com a própria alegação do Oponente, não estão demonstrados os factos que poderiam integrar a verificação do fundamento da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
É certo que o Recorrente pretende reportar o efeito suspensivo da execução fiscal à pendência do pedido de revisão oficiosa, inicialmente, e prolongar esse efeito até à instauração da impugnação judicial que invoca nas alegações de recurso (cfr. conclusão com o n.º 5).
Mas, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, o procedimento de revisão da matéria tributável findou em 9 de Setembro de 2010 e a execução fiscal foi instaurada em 20 de Janeiro de 2011. Por outro lado, o segundo pedido de revisão apresentado pelo ora Recorrente foi indeferido liminarmente sem que este tenha reagido.
Ou seja, não se demonstra que, à data em que foi instaurada a execução fiscal, estivesse pendente qualquer meio gracioso ou contencioso que, conjuntamente com a prestação de garantia, determinasse a suspensão da execução fiscal.
Se, porventura, ulteriormente foi deduzido meio de reacção contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, com prestação de garantia (ou com dispensa de prestação de garantia ou ainda se o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se mostrar garantido por outro meio), esse facto apenas poderá fundamentar o pedido de suspensão endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial (ao abrigo do art. 286.º do CPPT) de eventual decisão desfavorável; mas não constituirá fundamento de oposição à execução fiscal.
Por tudo o que ficou dito, entendemos que o recurso não merece provimento.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida.

II - Só a reclamação graciosa ou a impugnação judicial já instauradas na data da instauração da execução fiscal podem integrar o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, sendo que a ulterior instauração daqueles meios de reacção, com prestação de garantia (sua dispensa ou quando o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se mostre garantido), apenas poderá fundamentar o pedido de suspensão endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial (ao abrigo do art. 286.º do CPPT) de eventual decisão desfavorável.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 17 de Maio de 2017. – Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.