Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0681/09
Data do Acordão:11/12/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
PEDIDO
INDEFERIMENTO TÁCITO
RECURSO CONTENCIOSO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
CONVOLAÇÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - O meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial.
II - O prazo para deduzir a impugnação é de 90 dias e conta-se a partir da formação de presunção de indeferimento tácito.
III - Nos termos do artigo 97.º n.º 3, da Lei Geral Tributária, deve ordenar-se “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.
IV - É de convolar recurso contencioso em impugnação judicial no caso da petição ser tempestiva e dela conste pedido e causa de pedir idóneos para o efeito.
V - A liquidação de emolumentos no Registo Nacional de Pessoas Colectivas de um aumento de capital de uma sociedade anónima, efectuada com base na aplicação das taxas indicadas no n.º 3 da respectiva Tabela, constitui uma imposição sem carácter remuneratório para efeitos dos artigos 10.º e 12º, n.º1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho.
VI - Como tal, não estando a possibilidade de liquidação de tais emolumentos prevista nesse artigo 12.º, ela é ilegal, por violação daquele artigo 10.º.
VII - Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
VIII - Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.
Nº Convencional:JSTA00066093
Nº do Documento:SA2200911120681
Data de Entrada:06/25/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DOS REGISTOS E DO NOTARIADO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - REVISÃO.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
DIR COMUN.
Legislação Nacional:CCIV66 ART8 N3 ART297 N1.
LGT98 ART57 N5 ART95 ART78 N1 ART43.
CPPTRIB99 ART97 ART102 N1 D E ART61.
CPTRIB91 ART94 N1 B ART24 N1 ART17.
PORT 996/98 DE 1998/11/25 ART3 N1 N3.
CONST76 ART266 N1.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 69/335/CEE DE 1969/07/17 ART10 C ART12 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC305/03 DE 2003/05/20.; AC STA PROC1171/04 DE 2005/02/02.; AC STA PROC870/03 DE 2003/10/08.; AC STA PROC23719 DE 2002/04/17.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG503.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, SA, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação do acto tácito de indeferimento do Director Geral dos Registos e Notariado formado sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação dos emolumentos registrais no montante de 625.462.82€, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª — O recurso contencioso de anulação tem por objecto o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de uma liquidação emolumentar;
2ª — Sem prescindir, ainda que existisse erro na forma de processo, por alegadamente ser a impugnação judicial o meio adequado para atacar judicialmente esse indeferimento, deveria o tribunal a quo ter procedido à respectiva convolação, nos termos da lei, sendo que a convolação do recurso contencioso em impugnação judicial implicaria sempre uma impugnação judicial do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e não da liquidação emolumentar de que se fala, pelo que estaria em prazo.
3ª— A revisão oficiosa de um acto tributário pode ser desencadeada por um pedido do contribuinte: existindo um erro imputável aos serviços, fica a administração constituída num dever legal de rever o acto;
4ª— É ilegal o indeferimento do tempestivo pedido de revisão oficiosa de liquidação emolumentar calculada em violação de normas do Direito Comunitário;
PORQUE
5ª— inexistem, no presente processo, quaisquer causas que obstem ao conhecimento do pedido: o mesmo é tempestivo e a eventual impropriedade do meio processual utilizado não pode determinar a absolvição do pedido, mas tão somente a convolação para o meio adequado;
6° — O STA vem apontando o pedido de revisão oficiosa como meio ajustado para obter a repetição do indevido e assim tornar o sistema processual português, globalmente considerado, compatível com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária;
7° — A negação, por intermédio da sentença aqui recorrida, do meio processual afirmado pelo STA como legítimo e adequado, tendo em vista o cumprimento do princípio da efectividade, equivale a uma violação da ordem jurídica comunitária, pois que os tribunais nacionais têm a obrigação de interpretar e aplicar a lei interna por forma a garantir, em toda a medida do possível, a vigência efectiva do direito comunitário;
8° — Subsistindo quaisquer dúvidas quanto à determinação e alcance dos princípios de direito comunitário do primado, da efectividade e da protecção da confiança legítima cabe questionar o TJCE quanto à correcta interpretação de tais princípios no contexto da situação sub judice.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto: Apurar o meio processual tributário adequado para reagir contra acto de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidação de emolumentos notariais.
FUNDAMENTAÇÃO
O recorrente entende que o meio adequado para reagir contra acto de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidação de emolumentos notariais é o recurso contencioso de anulação, enquanto na sentença recorrida se entendeu ser a impugnação judicial o meio a utilizar.
A resposta a esta questão encontra-se nas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.° do CPPT, da conjugação destas disposições resulta ser a impugnação o meio adequado para reagir ao indeferimento do pedido de revisão oficioso, porquanto o que está em causa, no fundo, é a apreciação de legalidade de um acto de liquidação.
Como refere o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na pág. 675 do CPPT, anotado e comentado, 5ª edição, I volume, “deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação de legalidade de um acto de liquidação (…) o meio adequado é o processo de impugnação.”
No caso sub judicio está em causa um acto de indeferimento tácito da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa, relativamente a um pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de emolumentos do registo comercial, por violação do direito comunitário (Directiva 69/335/CEE de 17 de Julho de 1969).
Trata-se, portanto, de um acto de indeferimento de pedido de revisão de liquidação de emolumentos, que comporta a apreciação da legalidade desta, pelo que o meio processual adequado para contra ele reagir não era o recurso contencioso de anulação, mas antes a impugnação judicial, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Chegados a este ponto interessa apurar se o juiz “a quo” devia ter procedido à convolação processual como pretende a recorrente.
Tanto o artigo 97.°, n.º 3 da LGT como o artigo 98.°, n.º 4 do CPPT, estabelecem que quando houver erro na forma de processo, deve proceder-se à convolação na forma de processo adequada segundo a lei.
A Jurisprudência deste STA, por sua vez, tem vindo a entender que a convolação é admitida sempre que não seja manifesta a sua improcedência ou intempestividade e a petição seja idónea para o efeito.
Na decisão recorrida entendeu-se, a nosso ver mal, não ser possível a convolação em impugnação judicial do recurso contencioso de anulação interposto, pelo facto de já ter decorrido o prazo de 90 dias em que aquela deve ser deduzida.
Entendemos que a decisão recorrida fez uma deficiente interpretação da lei, porque o artigo 102. °, n.º 1, alínea d) do CPPT preceitua que “a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes …formação da presunção de indeferimento tácito.”
Ora resulta dos autos, designadamente do probatório, que o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação dos emolumentos deu entrada nos serviços da autoridade recorrida em 14 de Maio de 2002.
Nos termos do n.º 1 do artigo 57.° da LGT o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de seis meses, ou seja, no caso concreto a Administração devia ter respondido até 14 de Novembro de 2002.
Não o tendo feito presume-se o indeferimento do pedido, sendo a partir desta data que começa a contar-se o prazo de 90 dias para apresentar a impugnação, que terminaria a 12 de Fevereiro de 2003.
O recurso contencioso de anulação deu entrada na Secretaria Central do Tribunal Tributário de Lisboa a 10 de Janeiro de 2003, altura em que ainda não havia caducado o prazo para a interposição da impugnação judicial.
Por outro lado, tanto a causa de pedir como o pedido são idóneos e ajustáveis a processo de impugnação, que visa a anulação do acto tributário com fundamento na sua ilegalidade.
Há abundante jurisprudência deste STA tanto a respeito do meio processual a utilizar como da contagem do prazo para deduzir a impugnação judicial em caso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Indicam-se apenas a título de exemplo os seguintes: Acórdãos de 9/04/2003, recurso n.º 422/03; de 8/10/2003, recurso n.º 870/03; de 4/11/2004, recurso n.º 520/04; de 24/05/2006, recurso nº 1155/06; de 15/11/2006, recurso n.º 28/06 e de 10/01/2007, recurso n.º 523/06.
CONCLUSÃO
Nestes termos, entendemos dever ser dado parcial provimento ao recurso, ordenando-se a convolação do recurso contencioso de anulação em impugnação judicial, anulando-se todos os actos inaproveitáveis e praticando-se os necessários como determina o artigo 199º do Código de Processo Civil”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A. Por escritura pública celebrada em 14/11/1997, a Impugnante procedeu ao aumento do seu capital social por incorporação de reservas de reavaliação no montante de 41 794 012 000$00— fls. 31 do processo administrativo;
B. Pela inscrição da operação referida em A, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, foram liquidados, em 20 de Novembro de 1997, emolumentos no montante de 125 394 036 000$00, por aplicação do disposto no art. 3.º, n°s 1 e 3, da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas aprovada pela Portada nº 996/98, de 25 de Novembro — fls. 6 do processo administrativo;
C. Em 14/05/2002, a Impugnante requereu ao Director-Geral dos Registos e Notariado a revisão oficiosa da liquidação mencionada em B, e a restituição da quantia paga acrescida de juros legais, com fundamento em erro imputável aos serviços resultante da aplicação da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas aprovada pela Portaria nº 996/98, de 25 de Novembro, com fundamento em ser tal tabela contrária ao direito comunitário, designadamente à Directiva 69-/335/CEE do Conselho de 17/07/1969 — fls. 2 do proc. administrativo.
D. O presente Recurso deu entrada em tribunal em 10 de Janeiro de 2003 — fls.2.
5- As questões que vêm suscitadas no presente recurso, que se traduzem em saber qual o meio processual adequado para reagir contra o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de emolumentos notariais (se o recurso contencioso de anulação ou a impugnação judicial) e da admissibilidade da respectiva convolação (em termos de tempestividade do meio tido por adequado), já foram apreciadas no acórdão desta secção de 2/2/05, no recurso n.º 1171/04, em que as conclusões são idênticas (no mesmo sentido, ver os acórdãos de 8/7/09 e 23/9/09, nos recursos n.ºs 306/09 e 420/09.
Sendo certo que o entendimento aí perfilhado merece a nossa total concordância e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), passaremos a transcrever o que aí foi dito relativamente à primeira das questões acima enunciadas.
Escreveu-se no citado aresto:
“O acto contenciosamente impugnado é aquele que o Director-Geral requerido deixou de praticar no lapso de tempo de que dispunha, e que, nos termos do artigo 57° n° 5 da LGT, fez presumir o indeferimento do pedido de revisão da liquidação que a recorrente perante ele formulara, para efeitos de recurso contencioso (hoje acção administrativa especial) ou impugnação judicial.
No acórdão de 20 de Maio de 2003 deste Tribunal, proferido no recurso n° 305/03, em que foi relator o mesmo do presente, escreveu-se:
«O artigo 95° da Lei Geral Tributária (LGT) reconhece “o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo (...) segundo as formas de processo prescritas na lei”. O CPPT, por seu turno (...), esclarece que são impugnáveis “os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”, e recorríveis os “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”.
(...)
Se o acto administrativo em matéria tributária comporta a apreciação do de liquidação, a legalidade deste último, não obstante não ser ele o objecto imediato do recurso, é nele indirectamente apreciada pelo tribunal, justificando-se, por este motivo, a adopção do processo judicial de impugnação.
Já se o acto administrativo não comporta a apreciação do de liquidação, não há razão para seguir a forma do processo de impugnação judicial, melhor cabendo a do recurso contencioso.
Assim, e em regra, o acto que indefere o pedido de revisão de um acto tributário de liquidação deve atacar-se através da impugnação judicial, pois esse acto aprecia a legalidade da liquidação, não a reconhecendo, e esta questão vai ser submetida ao tribunal, no processo de impugnação.
Mas se o mesmo acto não aprecia a legalidade da liquidação, recusando fazê-lo, então, o tribunal só vai ver se a autoridade administrativa, ao decidir desse modo, o fez, ou não, conforme a lei. E como esta tarefa do tribunal deixa intocada a liquidação, a forma processual é o recurso contencioso. Só se o juiz concluir que houve ilegalidade é que a mesma autoridade vai, então, e em princípio, ter de apreciar a legalidade da liquidação. Desta vez, se indeferir o pedido de revisão, não reconhecendo ilegalidade no acto de liquidação, e o requerente se não conformar, então o tribunal chamado a apreciar o acto de indeferimento, porque vai pronunciar-se sobre a legalidade da liquidação, deve seguir o processo de impugnação judicial (...)».
E no acórdão de 8 de Outubro de 2003, no recurso n° 870/03:
«Em matéria de impugnação dos actos administrativos em matéria tributária, o art° 97.º do CPPT, consagra a existência de dois meios processuais: a impugnação judicial quando esteja em causa “a apreciação da legalidade do acto de liquidação” — al. d) do n° 1; e recurso contencioso quando esta não está em causa — al. f) in fine e seu n° 2.
Nos autos, vem judicialmente impugnado o acto de indeferimento de pedido de revisão de liquidação emolumentar, cuja apreciação comporta a apreciação da legalidade desta.
Pelo que efectivamente lhe cabe impugnação judicial e não recurso contencioso, nos termos das disposições legais referidas.
(...)
Por outro lado, o prazo respectivo conta-se da notificação do indeferimento do pedido de revisão, nos termos do art° 102° n° 1 al. e) do CPPT: notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código».
No nosso caso, o embaraço está em que o acto recorrido — releve-se-nos a expressão —, nem apreciou, nem deixou de apreciar a legalidade da liquidação...
Mas a verdade é que o conteúdo do acto é o indeferimento do pedido de revisão formulado pela recorrente.
A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser despoletada por iniciativa do contribuinte, e ter por fundamento qualquer ilegalidade do acto, sendo seu objectivo a respectiva anulação — cfr. o artigo 78° n° 1 da LGT.
Deste modo, ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão da recorrente, a autoridade recorrida indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que a requerente lhe imputava.
Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido — saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) — implica sindicar a legalidade da liquidação.
Daí que, conforme a jurisprudência do Tribunal, de que acima transcreveram excertos de dois exemplos, o acto tácito contenciosamente atacado o devesse ser pela via da impugnação judicial, e não pela do recurso contencioso de anulação.
No segmento em que assim julgou, a sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura”.
6 – Não obstante, a sentença, apesar de julgar verificada a existência de erro na forma de processo e de apontar como adequado o processo de impugnação judicial, não determinou a correcção da forma de processo, uma vez que “na data em que foi apresentada a petição inicial destes autos, tinha, portanto, já, caducado, o prazo de impugnação judicial e, assim sendo, a convolação do recuso nessa forma de processo, que seria rejeitado por intempestividade, constituiria um acto inútil”.
A razão não se encontra do lado do assim decidido.
De facto, o prazo para impugnação judicial, deduzida na sequência de indeferimento não expresso de pedido de revisão oficiosa conta-se da “formação do indeferimento tácito”, nos termos do artigo 102.º n.º 1, alínea d) do CPPT.
Ora, no caso dos autos, o pedido de revisão deu entrada a 14 de Maio de 2002 (C. do probatório), sendo certo que a autoridade recorrida tinha o prazo de seis meses para o decidir - artigo 57.º n.º 1 da LGT, dever legal esse de decidir que decorria do facto do pedido ter sido apresentado tempestivamente, uma vez que respeitara o prazo de cinco anos previsto para o efeito na alínea b), do n.º 1 do artigo 94.º do CPT, aplicável por força da regra estabelecida no artigo 297, n.º 1 do CC, que determina que será de observar a lei antiga, no caso de encurtamento de prazos, se acaso se constatar que à face dessa lei falta menos tempo para o prazo se completar do que a que decorre da aplicação da lei nova (no caso o n.º 1 do artigo 78.º da LGT) - cfr. data da liquidação a 20/11/97 (B. do probatório).
Daí que a presunção de indeferimento tácito desse pedido se tenha formado a 15 de Novembro de 2002 e, em consequência, o recurso contencioso, interposto a 10 de Janeiro de 2003 (D. do probatório), dado entrada dentro do prazo de 90 dias para apresentar impugnação judicial de acordo com a já citada alínea d) do n.º1 do artigo 102 do CPPT.
Sendo assim, impõe-se concluir pela tempestividade do meio processual tido por adequado, sendo certo que não ocorre qualquer óbice de natureza substantiva ou processual a que o processo siga a forma de impugnação judicial.
Na verdade, para além da tempestividade da impugnação, o certo é que a petição é idónea e o pedido compatível.
Por outra parte, quer quanto ao prazo de contestação, resposta ou para o de alegações, quer quanto à prova oferecida e à própria representação da Fazenda Nacional, os actos praticados podem ser aproveitados uma vez que deles não resulta diminuição das garantias das partes-cfr- acórdãos de 19-12-07 e 21-01-09, nos recursos n.ºs 617/07 e 688/08.
Desta forma, todos os actos praticados podem ser aproveitados pelo que é de efectuar a convolação sem necessidade de invalidar actos ou praticar outros.
Assim, importa seguir a forma de impugnação judicial.
A questão que vem colocada no presente recurso jurisdicional prende-se em saber da compatibilidade dos emolumentos previstos no artigo 3.º n.º 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovada pela Portaria n.º 996/98, de 25 de Novembro com o direito comunitário, “maxime” a Directiva n.º 69/335/CEE, do Conselho.
Importa referir, desde logo, que constitui, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada no Tribunal de Justiça da União Europeia e neste Supremo Tribunal Administrativo que os emolumentos do registo comercial calculados por aplicação dos artigos 1.º n.ºs 2 e 3 e 3.º n.ºs 1 e 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, aprovada pela Portaria n.º 996/98, de 25/11, se definem como uma imposição sem carácter remuneratório e daí que violem os artigos 10.º e 12.º n.º1, alínea e) da supra aludida Directiva - cfr, por todos, o acórdão de 17/04/02, no recurso n.º 23.719, que seguiremos de perto.
A este propósito, a decisão de 24-01-02 do TJCE, prolatado no acima citado aresto, pronunciou-se a respeito dessas questões da forma seguinte, na parte decisória:
1) A Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, deve ser interpretada no sentido de que os emolumentos cobrados pela inscrição no registo comercial nacional de um aumento de capital social de uma sociedade de capitais ou de outra operação abrangida pela referida directiva constituem uma imposição na acepção dessa directiva.
2) Os emolumentos devidos pela inscrição no registo comercial nacional de um aumento de capital social de uma sociedade de capitais ou de outra operação abrangido pela Directiva 69/335, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, quando constituem uma imposição na acepção da referida directiva, são, em princípio, proibidos por força do artigo 10.0, alínea c), dessa directiva.
3) Não têm carácter remuneratório, na acepção do artigo 12. °, n.° 1, alínea e), da Directiva 69/335, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, os emolumentos cobrados pela inscrição no registo comercial nacional de um aumento de capital de uma sociedade de capitais ou de outra operação abrangida pela mesma directiva cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital social subscrito.
4) Os emolumentos que têm carácter remuneratório, na acepção do artigo 12. °, n° 1, alínea e), da Directiva 69/335, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, abrangem apenas as retribuições cujo montante é calculado com base no custo do serviço prestado.
5) Para calcular o montante de tais emolumentos, um Estado- Membro tem o direito de tomar em consideração não apenas os custos, materiais e salariais, directamente ligados à execução das operações de registo de que constituem a contrapartida, mas também a fracção das despesas gerais da administração competente que são imputáveis a estas operações. Pode ser admissível que um Estado-Membro apenas cobre emolumentos pelas operações de registo mais importantes e que repercuta sobre estes os custos de operações menores efectuadas gratuitamente.
6) A avaliação do custo de uma operação de inscrição no registo comercial pode ser forfetária e deve ser feita de modo razoável tomando em conta, nomeadamente, o número e a qualificação dos agentes, o tempo gasto por estes agentes, bem como os diversos custos materiais necessários à realização desta operação. Todavia, um Estado-Membro tem o direito de fixar antecipadamente, com base em custos médios de registo previsíveis, emolumentos normalizados para a execução das formalidades de registo das sociedades de capitais. Nada obsta a que os montantes desses emolumentos sejam estabelecidos por tempo indeterminado, desde que o Estado-Membro se certifique, a intervalos regulares, por exemplo todos os anos, de que tais direitos continuam a não ultrapassar os seus custos de registo.
7) O artigo 10.0 da Directiva 69/335, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, cria direitos que os particulares podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
Decorre do que se acaba de transcrever que não tem carácter remuneratório, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.1, alínea e) da Directiva 69/335/CEE, do Conselho, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, uma imposição cobrada pela inscrição do registo comercial de um aumento de capital social de uma sociedade de capitais, cujo montante aumenta directamente na proporção do capital social subscrito e não com base no custo do serviço, como também sucede em aplicação do artigo 3.º, n.º 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Na situação em apreço, a recorrente é uma sociedade anónima e os emolumentos foram cobrados pela inscrição no registo de um aumento de capital.
Esse aumento de capital é um acto sujeito ao imposto sobre entradas de capital, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º daquela Directiva, pelo que é proibida, em relação a ele, a cobrança de imposições que não tenham carácter remuneratório (artigo 12.º, n.º 1, alínea e) da mesma Directiva).
Os emolumentos em causa foram cobrados com base na Tabela acima citada anexa à Portaria n.º 996/98, nos termos dos n.º 1 e 3 do artigo 3.º.
Atento o exposto, tem de concluir-se pela incompatibilidade desses emolumentos com o direito comunitário, tendo, em consequência, o acto impugnado de ser anulado, por vício de violação de lei.
Vem ainda pedida a condenação da entidade liquidadora a pagar juros.
No art. 24.°, n.° 1, do C.P.T., vigente ao tempo em que foi efectuado o pagamento, estabelece-se que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços».
No art. 43.º da L.G.T. que entrou em vigor em 1-1-99, estabelece-se que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17.°, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.
Assim, impõe-se a condenação da entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios à impugnante, contados desde a data do pagamento do imposto liquidado até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante (art. 61.°, n.° 3, do C.P.P.T.).
Nestes termos, acorda-se em:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida.
b) Convolar o processo de recurso contencioso em processo de impugnação judicial;
c) Julgar procedente a impugnação, anulando-se, em consequência, a liquidação impugnada.
Sem custas, dado delas estar isenta a Fazenda Pública.
Lisboa, 12 de Novembro de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Lúcio Barbosa – António Calhau.