Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01640/15
Data do Acordão:11/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - A isenção a que alude o artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, apenas respeita aos prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, v.g., os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, sendo o seu reconhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do mesmo EBF.
II - A isenção prevista no artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 mantém-se presentemente em vigor e abrange apenas os prédios urbanos que pertençam às pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pela interessada.
Nº Convencional:JSTA000P22485
Nº do Documento:SA22017110801640
Data de Entrada:12/11/2015
Recorrente:CEMG - CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que, em sede de recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida pelo TAF de Aveiro e julgou improcedente a acção administrativa especial que instaurou para anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico relativo a benefício fiscal de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

2. Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:
I. O douto aresto recorrido parte de lapso manifesto para considerar que a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09 não se sobrepõe às alíneas e) e f) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF e para considerar que a Lei versa sobre CA e o EBF sobre IMI;
II. Tal asserção atentará contra o nº 1 do artigo 31º do Decreto-Lei 287/2003, de 12.11 e ainda muito mais acentuadamente contra a letra do nº 1 do artigo 28º do Decreto-Lei 287/2003, de 12.11 (remissões);
III. A contar de 01.12.2003 (data da revogação da CA e do CCA) a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09 passou a ter, na prática, a seguinte redacção: “Imposto municipal sobre imóveis de prédios destinados à realização dos seus fins estatutários”.
IV. Partindo o douto acórdão recorrido deste lapso manifesto não pode manter-se a douta conclusão de que, in casu, apenas se aplica o regime da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, nem poderá ainda afirmar-se que a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.09 consagra actualmente uma isenção de CA e não a isenção de IMI para as PCUP e IPSS, uma vez que estas são todas ope legis PCUP;
V. Aplicar-se-ão as duas normas, como consta do pedido de isenção apresentado à AT, sendo que, uma vez que estamos perante matéria da competência relativa da Assembleia da República (AR), regulada pela Lei 151/99, de 14.09, a norma da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, não pode considerar-se em vigor na parte em que usa o termo ou expressão “directamente”, porquanto:
VI. Foi a AR, o poder legislativo, que pretendeu suprimir a expressão “directamente”, naturalmente permitindo uma amplitude maior ao benefício fiscal, que antes poderia discutir-se;
VII. Esta norma isentiva tem como antecedentes os benefícios das PCUP em sede de contribuição predial (alínea c) do artigo 1º da Lei 2/78, de 17.01 e a alínea c) do artigo 1º do Decreto-Lei 260-D/81 de 02.09 que mandava aplicar o seu artigo 3º e que remetia para o nº 4º do artigo 7º e artigo 10º do Código da Contribuição Predial);
VIII. Benefício este que tinha uma amplitude igual à que se defende nestes autos, sendo que na vigência do Decreto-Lei 260-D/81 de 02.09 já se isentava de imposto os imóveis cujos “rendimentos se destinam à realização dos fins” das PCUP;
IX. Pelo que já no âmbito da norma isentiva ao nível da Contribuição Predial se abrangiam os bens imóveis cujos rendimentos, por eles produzidos, se destinavam a financiar os fins constantes dos estatutos.
X. A norma isentiva contida na alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 e a norma isentiva contida na alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, haverá que ser vista como tendo o mesmo alcance, sob pena de se considerar que afinal a norma da alínea d) do nº 1 da Lei 151/99, de 14.09 não tem qualquer âmbito de aplicação, o que seria uma conclusão juridicamente insustentável, até pela desconsideração face à voluntas legislatoris da Assembleia da República reveladora da vontade da lei;
XI. Mesmo que se concluísse que às isenções de IMI das PCUP (aqui incluídas as IPSS) se aplica apenas a alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, não poderia concluir-se como se conclui no douto aresto ora em apreciação quanto à integração da expressão “directamente”.
XII. Constituirá ainda lapso manifesto esgrimir-se que se não for limitada a amplitude da isenção de IMI apenas aos imóveis de uso como instalações pelas PCUP, aqui incluídas as IPSS (o que a lei não diz), inutilizar-se-ia a segunda parte da norma isentiva que se considera o pressuposto objectivo do benefício fiscal.
XIII. Haverá que ter em conta o regime fiscal aplicável no seu todo, quer as PCUP quer às IPSS (alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 44º do EBF) porque, actualmente, todas as IPSS ganham automaticamente a qualificação de PCUP por força do Estatuto das IPSS.
XIV. O que resulta claro do artigo 8 do Estatuto das IPSS aprovado pelo Decreto-Lei 119/83 de 14.11.
XV. O legislador ao consagrar um regime diferente para as PCUP (aqui englobando as IPSS) do que é aplicável às Misericórdias (que também são IPSS e PCUP) não quis dar mais benefícios a estas do que àquelas entidades, nem com amplitudes diferentes, até porque os fins e acções das misericórdias, de cariz solidário e assistencial, são levados a efeito, hoje, também por muitos milhares de PCUP e IPSS.
XVI. O que pretendeu foi apenas diferentes mecanismos de controlo: para as Misericórdias não criou nenhum mecanismo de controlo (for força da parte final da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF), para as PCUP (aqui incluídas as IPSS que não as Misericórdias) criou os que constam da alínea b) do nº 2 e nº 4, ambos do artigo 44º do EBF.
XVII. Este tipo de benefícios subjectivos e de reconhecimento oficioso (a isenção de IMI das PCUP incluindo as IPSS) têm que respeitar a norma substantiva ínsita no nº 2 do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais:
XVIII. No caso, o benefício fiscal não carece de acto administrativo de mero reconhecimento. Ou seja, não é a AT que tem o poder para dizer o que cabe ou não no âmbito do benefício fiscal. Essa amplitude só pode dimanar da lei da AR, neste caso a Lei 151/99, de 14.12, uma vez que o acto de reconhecimento tem sempre efeito meramente declarativo, porque o benefício é de reconhecimento oficioso.
XIX. Pelo que os mecanismos previstos na lei, neste caso no EBF, são de mero CONTROLO do benefício fiscal, mas nunca podem permitir não o reconhecer, tendo em conta o princípio da legalidade ínsito na CRP.
XX. Por outro lado haverá ainda que ter em conta que as normas sobre benefícios fiscais admitem interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).
XXI. Não confere com a realidade o argumento plasmado no douto aresto recorrido tem a ver com esta passagem: “Se o legislador tivesse pretendido relevar a afectação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade e posse desses bens”.
XXII. Tal argumento não fará sentido ao nível dos rendimentos as PCUP, uma vez que estão isentas de IRC, como se infere da alínea c) do nº 1 do artigo 10º do CIRC e a recorrente tem um despacho publicado no DR que lhe confere esse benefício (que por isso é do domínio público).
XXIII. A interpretação da lei plasmada no aresto recorrido, ao invés do que refere, fere o que denomina de “coerência interna”, pela razão de que existe uma norma idêntica — ou melhor, aparentemente mais restritiva — que é aplicada com a amplitude defendida pela recorrente.
XXIV. Em sede de IMT, a Administração Fiscal considera que integra o conceito do destino, directo e imediato, de uma PCUP (como consta do parecer da própria AT, sancionado pelo SEAF, citado na PI) não só o facto de um prédio se destinar a instalações da entidade, mas também quando se destine a obter rendimentos para financiar a PCUP, aceitando a mera alegação da PCUP nesse sentido constante em acta do órgão de direcção.
XXV. Nesta linha de pensamento uniforme de aplicação de normas fiscais com redacções similares, a isenção de IMI deverá sempre ser considerada a estas entidades desde que: aleguem que o prédio se destina às suas instalações; aleguem que o prédio se destina a obter rendimentos, desde que estes sejam para financiar exclusivamente a PCUP de acordo com os estatutos.
XXVI. É exactamente o que ocorre em sede de isenção de IMT quanto às PCUP (aqui incluídas as IPSS) como resulta do disposto no artigo 6º alíneas d) e e) do CIMT e do artigo 10º nº 2 alínea b) do CIMT.
XXVII. Foi alegado na PI e não foi colocado em causa pela AT que o parecer sobre a interpretação da norma isentiva das PCUP e IPSS em sede de IMT não era aplicado a todas as entidades na dimensão que o mesmo comporta. Por isso deve ter-se por assente esse desiderato.
XXVIII. É com base na declaração do destino dos bens constante da deliberação de aquisição que é conferida a isenção de IMT. Tal mecanismo, de mero controlo de benefícios, será de aplicar em sede de IMI.
XXIX. A expressão “directamente” constante da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º (antigo artigo 40º) do EBF, provinda da versão original do EBF, de 1989, a considerar-se que tem algum conteúdo, visa obrigar as PCUP (aqui incluídas as IPSS) a consignarem expressamente perante o Fisco o destino dos imóveis (instalações ou obtenção de rendimentos), ficando, assim responsabilizados os seus responsáveis pelo uso do bem no âmbito do escopo da entidade, com a correlativa responsabilidade nos termos gerais de direito.
XXX. Atentará contra a coerência do sistema fiscal que uma norma isentiva em sede de IMT aparentemente mais restritiva em termos de literalidade, seja aplicada com uma amplitude total (prédios de uso em instalações e prédios de rendimento) e uma norma literalmente menos restritiva, em sede de IMI, seja aplicada de forma muitíssimo mais restritiva em termos de amplitude.
XXXI. Em conclusão, os benefícios fiscais em sede de IMI das PCUP (aqui englobadas as IPSS, salvo as Misericórdias): iniciam-se a partir do ano inclusive em que se constitua o direito de propriedade; são reconhecidos oficiosamente; desde que se verifique a inscrição da matriz em nome da PCUP; e seja feita a prova da natureza jurídica da PCUP; desde que os prédios se destinem à realização dos seus fins (devendo a exigência, quanto à amplitude do “directamente” considerar-se afastada pela Lei 151/99, de 14.09, que é lei posterior à redacção inicial do EBF) aqui incluídos os que produzam rendimentos cujo destino exclusivo seja o financiamento dos fins estatutários da entidade, o que se materializa por declaração do interessado; devendo, à falta de outro regime de controlo, exigir-se os mesmos documentos prescritos para o benefício em sede de IMT, uma vez que a expressão literal do benefício de IMI é menos restritiva que em IMT.
XXXII. Seria absurdo que para efeitos de IMT um prédio fosse considerado que se destina “directa e imediatamente à realização dos seus fins estatutários” de uma PCUP ou IPSS (as normas ao nível do IMT e do IMI têm a mesma literalidade e o mesmo regime de operacionalização) e depois para efeitos de IMI onde as normas são literalmente menos restritivas (quer a norma da Lei 151/99, quer a norma isentiva do EBF) se viesse a adoptar entendimento mais restritivo.
XXXIII. Por outro lado, a aplicação do regime da alínea b) do nº 2 do artigo 10º do CIMT ao caso em discussão (procedimento de controlo do benefício em sede de IMI de PCUP e IPSS) não corporiza integração analógica da lei, mas apenas a sua aplicação extensiva partindo de um raciocínio por paridade de razão ou até por maioria de razão, uma vez que a norma isentiva em sede de IMI é literalmente menos restritiva.
XXXIV. O douto acórdão recorrido na leitura implícita que faz da lei fiscal viola a CRP, mormente o princípio da legalidade, o que se aduz, para além de violar as normas expressas nestas alegações quando lidas no sentido expresso no douto aresto recorrido ou na leitura da lei propugnada pela AT.
Termos em que, com o douto suprimento e os melhores de direito, deve a revista ser admitida e na procedência das conclusões supra deve substituir-se o douto aresto recorrido por outro que acolha a tese propugnada pela recorrente, em defesa dos superiores interesses de milhares e milhares de PCUP e de IPSS, entidades já de si muito débeis economicamente, assim se fazendo, como se espera a costumada Justiça!

3. A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:

A) O presente recurso de revista foi interposto pela Recorrente Caixa Económica Montepio Geral ao abrigo do art. 150º do CPTA, que dispõe que: “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
B) Impunha-se à Recorrente, ao lançar mão deste meio de recurso, que fundamentasse as razões pelas quais entendia que o recurso deveria ser admitido.
C) A Recorrente não invocou, nem demonstrou, como, aliás, lhe competia, a existência de nenhum dos requisitos de que depende a admissão do recurso de revista à luz do artigo 150.º do CPTA, tendo-se limitado a reiterar os argumentos jurídicos anteriormente esgrimidos e a aludir, de forma singela e meramente formal, que a “manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, ao nível mediato, também as IPSS que são ope legis PCUP (salvo as misericórdias) verão a isenção de IMI restringida, uma vez que o beneficio da alínea f), do nº1, do actual 44º do EBF, além de ter a mesma redacção no que ao caso interessa, funciona nos mesmos moldes, como resulta da alínea b), do nº2, e do nº4, ambos do artigo 44º do EBF”.
D) Tal alegação genérica não é suficiente para fundamentar a importância jurídica e social fundamental que requeira a apreciação e julgamento do STA da decisão proferida em 2ª instância.
E) Não está em causa uma questão jurídica fundamental, porquanto, a apreciação de uma isenção de IMI ou o preenchimento de pressupostos objectivos da concessão de benefícios não reveste elevada complexidade jurídica, nem exige, para ser solucionada, difíceis operações exegéticas, ou sequer pressupõe um enquadramento jurídico especialmente intrincado ou a concatenação de diversos regimes legais ou institutos jurídicos.
F) De igual modo, tal questão não assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, dado essa dimensão não estar condicionada pelas normas legais aplicáveis ao prédio em causa que o Acórdão recorrido se limitou a aplicar, em observância de todos os princípios constitucionais.
G) Além de não decorrer da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, na medida em que o entendimento constante do Acórdão recorrido no sentido de a alínea cl do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14 de Setembro, não constituir fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis, e de a afectação dos rendimentos decorrentes da alienação ou oneração de imóvel à realização dos fins de pessoa colectiva de utilidade pública que o adquiriu não constituir fundamento da isenção de imposto municipal sobre imóveis a que alude o art. 44º do, nº1, al. e) do CIMI, se mostrar conforme o texto e a coerência interna da norma interpretanda, respeitar a natureza jurídica e a ratio daquele benefício de isenção, no quadro de estrita legalidade a que a disciplina dos benefícios fiscais se insere e a que o intérprete e aplicador da lei não se pode subtrair.
H) O que a Recorrente manifesta, em sede de revista, é a sua discordância com o entendimento e a solução jurídica propugnada no Acórdão recorrido, alegando simplesmente que “a forma como a AT está a aplicar a lei (pelo menos quanto às IPSS) restringindo a amplitude do benefício fiscal e com isso causando alarde social no seio das PCUP e IPSS, já de si com debilidades económicas”.
I) Discordância essa igualmente evidenciada nas Conclusões do recurso de revista interposto, onde, refira-se, nem sequer consta a demonstração da verificação dos pressupostos de admissão da revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 639º do CPC.
J) Refira-se, por outro lado, que as “correntes jurisprudenciais diferentes ao nível dos tribunais de 1ª instância, criando grande incerteza e instabilidade” a que a Recorrente faz referência, dizem respeito unicamente ao entendimento perfilhado por maioria de sentenças do TAF de Aveiro, e não sufragadas, até à data, em sede de recurso jurisdicional.
K) A jurisprudência do TCA Norte tem vindo a ser uniforme quanto à questão jurídica controvertida, pelo que, também por este motivo, a motivação do presente recurso de revista prende-se com o facto de a Recorrente não se conformar com o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido.
L) Salvo melhor, a admitir-se o presente recuso de revista, ter-se-ia de admitir a reapreciação de praticamente todos os arestos proferidos em segunda instância a coberto do art. 150º do CPTA, até porque a Recorrente não logrou demonstrar ter sido violada qualquer norma substantiva ou processual.
M) O que contrariaria o entendimento jurisprudencial unânime quanto à excepcionalidade do recurso de revista, de que se cita, entre muitos, o Acórdão nº0400/15 de 09/09/2015 do STA.
N) Por tudo quanto antecede, não se verifica nenhum dos pressupostos previstos no art. 150º do CPTA para admissão do presente recurso de revista,
O) Pressupostos esses que a Recorrente não só não demonstrou nem sequer levou às conclusões das alegações do presente recurso de revista, incumprindo o ónus imposto pelo n.º 2, do artigo do art. 672º, do CPC, aplicável ex vi o art. 1º, do CPTA, determinante da sua rejeição.
P) Salvo o devido respeito, também quanto ao mérito do recurso, a Recorrente não tem razão nos argumentos que aduz, porquanto, contrariamente ao que defende, o Acórdão recorrido fez uma correcta aplicação e interpretação da lei, nomeadamente das disposições indicadas pelo Recorrente, a Lei nº 151/99 de 14/09 e o artigo 44º/1 al. e) do EBF, aos factos, pelo que se deve manter nos seus precisos termos.
Q) À questão que considerou fundamental, o Acórdão recorrido vem referir o seguinte: “a questão fundamental do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. Para a resolução desta questão identificamos dois problemas jurídicos fundamentais: o problema se saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/99 de 14 de Setembro, ou a alínea e) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais — redacção em vigor — ou ambas] e o problema de saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se deve entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins» para efeitos deste normativo.”
R) Tendo concluído: “…decorre que a alínea d) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 151/99 de 14 de Setembro não se aplica ao caso, ficando assente que ao mesmo se aplica o disposto no artigo 44º, nº 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme defende a Recorrente e resulta aplicado no acto impugnado.
S) Quanto à interpretação da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF, considerou o Acórdão recorrido estarmos perante uma isenção mista, sendo que o pressuposto subjectivo deste benefício fiscal nunca esteve em causa.
T) O litígio decidindo centrou-se no pressuposto objectivo - na questão do destino do imóvel em causa à directa realização dos seus fins, nos termos da parte final da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF.
U) E refere: “… a interpretação que fazemos deste segmento do dispositivo é a de que só se verifica o pressuposto objectivo do benefício se os próprios prédios forem destinados à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas colectivas de utilidade pública. E já não assim quando as pessoas colectivas de utilidade pública destinem à realização desses fins os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.” (…) Ora, do teor da lei resulta que tem que existir uma relação directa entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa colectiva. Sendo que essa relação só é directa quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio. Já quando são os rendimentos do prédio que estão afectos a utilidade pública da pessoa colectiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é directa, mas indirecta.”
V) A Recorrente, ao invocar como fundamento do seu direito, não a afectação do imóvel a fins de utilidade pública, mas a afectação a esses fins dos rendimentos eventuais que consiga extrair da afectação desse imóvel a outros fins, é motivo justificativo para que a isenção em causa não lhe seja concedida.
W) Decorre de todo o exposto que o Acórdão submetido a revista fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente, das normas invocadas pela Recorrente, o artigo 44º/1 al. e) do EBF e o artigo 1º, alínea d) da Lei nº 151/99 de 14/09, pelo que deve ser mantido na ordem jurídica.

4. O recurso foi admitido pelo Acórdão de fls. 432 e segs., transcrevendo-se seguidamente a fundamentação de direito:
“ (…) Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal
Tal preceito prevê, assim, a possibilidade de recurso de revista excepcional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Como tem sido explicado em inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, a relevância jurídica fundamental deve ser detectada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise tenha suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.
relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a questão colocada e a respectiva solução podem constituir e traduzir um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
Por fim, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente, tendo em conta que a questão nuclear deste recurso reside, essencialmente, na interpretação do artigo 44º, nº 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do artigo 1º, alínea d), da Lei nº 151/99, de 14 de Setembro, e aplicação dessas normas, a partir do início da vigência do CIMI, à isenção de IMI no que toca pessoas colectivas de utilidade pública.
Tal questão foi já por diversas vezes colocada a este tribunal noutros recursos de revista excepcional, designadamente nos que correm termos sob os nsº 01483/15, 01387/15 e 01445/15, admitidos por acórdãos desta formação de 2/03/2016 e de 9/03/2016, respetivamente, no entendimento de que se verificavam os requisitos para o efeito, atenta a relevância jurídica e social da questão colocada e a clara utilidade de intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito.
Dado que esses recursos ainda não foram decididos e que se justifica, por isso, a aplicação da mesma argumentação jurídica para o presente recurso, limitar-nos-emos a transcrever e reproduzir a sua argumentação.
«[…] a recorrente pretende ver reapreciadas pelo STA, as seguintes questões, que o acórdão recorrido também considerou: saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; e saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].
Ora, tendo em conta as centenas de PCUP existentes é evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros. Realidade esta que tem chegado, aliás, ao conhecimento deste Tribunal, dado o número de recursos desta natureza que têm vindo a ser distribuídos nesta formação de julgamento, sendo que a própria documentação junta aos presentes autos também dá conta de várias decisões de tribunais de 1ª instância em que é sufragado o entendimento proposto pela recorrente, no sentido de que o prédio em questão beneficia de isenção de IMI ao abrigo do disposto na al. d) do art. 1º da referida Lei nº 151/99, de 14/9 e al. e) do art. 44º do EBF.
Tese esta que, todavia, o acórdão recorrido, seguindo jurisprudência do TCAN, não acolheu, pois que julgou no sentido da não aplicação da al. d) do art. 1º da Lei nº 151/99 e, por consequência, da inexistência do alegado benefício com a amplitude pretendida pela recorrente (cfr. além do acórdão recorrido, também os acs. do TCA Norte, de 9/6/2015, rec. nº 699/13.8BECBR; de 17/9/2015, rec. nº 465/13.0BECBR; de 30/9/2015, recs. nº 0650/03, nº 0625/11 e nº 205/12; de 15/10/2015, recs. nº 0129/13 e nº 0589/12; e de 10/12/2015, rec. nº 0495/13.2BEPNF).
E como acima se deixou dito e noutro local o MP sublinha, (Cfr. Parecer no proc. nº 1658/15, desta Secção) mesmo considerando o regime dualista inerente à própria actividade estatutariamente exercida pela recorrida (com especificidades próprias que, em regra, não se encontram noutras pessoas colectivas de utilidade pública), a questão suscitada revela capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular da recorrente, pois que a aplicação da al. d) do nº 1 do art. 1º da Lei 151/99 e a interpretação da expressão “prédios destinados directamente à realização dos seus fins” se poderá colocar em relação a prédios titulados pelas demais PCUP.
Acrescem eventuais dificuldades quanto à desaplicação da al. d) do nº 1 da Lei 151/99 (na qual assenta a pretendida isenção de IMI), tendo em conta o também disposto no nº 1 do art. 28º e nos n.ºs 1 e 6 do art. 31º, ambos do DL nº 287/2003, de 12/11 (diploma que aprovou o CIMI e o CIMT) e de acordo com os quais (i) todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica se consideram referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI), (ii) o CCA é revogado mas a contribuição autárquica se considera substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) e (iii) se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI.
Estamos, portanto, perante situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e social e em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e em que também se reconhece a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.».
Em conclusão, mostram-se preenchidos os requisitos de que o nº 1 do artigo 150º faz depender a admissão do recurso de revista.
3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em admitir a revista.
Sem custas.”

5. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se de acordo com o seguinte parecer:
Por ser uma situação similar limito-me a reproduzir o parecer que emiti no processo n.° 1594/15 que é do seguinte teor:
«A revista foi admitida, por se ter considerado estar-se perante situação que se reveste de relevância jurídica e social e em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto), reconhecendo-se também a utilidade da intervenção do STA, enquanto órgão de cúpula do sistema, com vista a uma pronúncia que possa servir de orientação para os tribunais, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.
As questões que se colocam, tal como são enunciadas no douto acórdão que admitiu a revista, são as seguintes: “saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1.º da Lei n.° 151/99, de 14/9, ou se se aplica o disposto na al. e) do art. 44.° do EBF ou, ainda, se ambos os regimes são aplicáveis; e saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do n.º 1 do art. 44.° do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].
Em causa estão as normas do art. 44°, al. e) do EBF e do art. 1.º, al. d) da Lei n.° 151/99, de 14 de Set..
Preceitua o art. 44°, n.° 1, al. e) do EBF que estão isentos de imposto municipal sobre imóveis “as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins”.
Preceitua, por seu turno, o art. 1.º, aI. d) da Lei n.° 151/99, de 14 de Set. que, “sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável”, pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública isenção da “contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”. Tendo em conta que o n.° 1 do art. 28.º do DL n.° 287/2003, de 12 de Nov., expressamente dispõe que todos os textos legais, sem qualquer excepção, que mencionem a contribuição autárquica se consideram referidos ao imposto municipal sobre imóveis, haverá de se entender, salvo melhor entendimento, que tal ocorre com a norma da al. d) do art. 1.º, al. d) da Lei n.° 151/99, de 14 de Set..
Ora, não obstante ambos disponham sobre a isenção do IMI, não é coincidente a redacção dos preceitos em confronto sendo possível neles surpreender âmbitos de aplicação distintos.
Assim, enquanto no art. 44°, al. e) do EBF se consagra a isenção do IMI relativamente aos prédios (todos) ou parte de prédios destinados directamente à prossecução dos fins da pessoa colectiva, no art. 1.º, al. d) da Lei n.° 151/99, de 14 de Set. o que se consagra é a possibilidade de ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública a isenção do IMI (lendo a norma à luz do n.° 1 do art. 28.° do DL n.° 287/2003, de 12 de Nov.), relativamente aos prédios urbanos, desde que destinados à realização dos seus fins estatutários.
No primeiro caso a isenção abrange no seu âmbito de aplicação todos os tipos de prédios (urbanos, rústicos ou mistos) mas circunscreve essa isenção àqueles directamente destinados à prossecução dos fins da pessoa colectiva. E essa relação só é directa, como bem se refere no Acórdão do TCAN recorrido, “quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio “, não existindo essa relação directa “quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa colectiva”.
No segundo caso, a possibilidade da concessão da isenção do IMI circunscreve-se aos prédios urbanos desde que os mesmos sejam destinados à realização dos fins estatutários da pessoa colectiva. Porém, sem a exigência de que a afectação aos fins da pessoa colectiva seja directa, como ocorre no art. 44.°, al. e) do EBF.
A Lei n.° 151/99, de 14 de Set., como decorre do preâmbulo do projecto de lei do qual emerge e da respectiva epígrafe, teve em vista actualizar o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública. Esse regime, que nos seus traços iniciais foi definido pelo DL n.° 460/77, de 7 de Nov. e pela Lei n.° 2/78, de 17 de Jan., estabelecia para as pessoas colectivas de utilidade pública a possibilidade de lhe serem concedidas várias isenções fiscais, nomeadamente a isenção da contribuição predial pelo rendimento colectável de prédios urbanos, onde se encontrassem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos seus fins estatutários (art. 1.º, al. c) da Lei n.° 2/78, de 17 de Jan.).
Para beneficiar dessa isenção devia o respectivo pedido ser submetido a despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e da Tutela, podendo a isenção a conceder ser total ou parcial, sendo a sua graduação fixada no despacho de concessão (art. 2°, n.ºs 1 e 3 da Lei n.° 2/78, de 17 de Jan.).
O regime de isenções assim fixado veio, a coberto da autorização legislativa concedida pelo art. 41.º da Lei n.° 4/81, de 24 de Abril, a ser revisto pelo DL n.° 260-D/81, de 2 de Set. que mantendo, entre outras, a isenção da contribuição predial, fez depender essa isenção e a respectiva amplitude de despacho do Ministro das Finanças.
Com a aprovação do EBF pelo DL n.° 215/89, de 1 de Julho, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.° 8/89, de 22 de Abril, foi criado um regime transitório através do qual foram mantidas e convertidas em isenções da contribuição autárquica, com as necessárias adaptações, as isenções da contribuição predial concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública [cfr. o art. 2°, n.° 1, al. d) do DL n.° 215/89 que remetia para o art. 50.º do EBF, que corresponde ao art. 44.° do EBF, na actual redacção].
A criação do EBF, como se vê do respectivo preâmbulo, teve em vista reunir nesse diploma “os princípios gerais a que deve obedecer a criação das situações de benefício, as regras da sua atribuição e reconhecimento administrativo e o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir maior estabilidade aos diplomas reguladores das novas espécies tributárias e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto dos benefícios fiscais”.
Obedecendo a esse propósito introduziu-se no EBF, concretamente no seu art. 50°, uma norma de isenção da contribuição autárquica para as pessoas colectivas de utilidade pública que se afastava do regime que então se encontrava estabelecido no DL 260-D/81, de 2 de Set. mas que recuperava, em certa medida, o regime da Lei n.° 2 /78, de 17 de Maio.
Dispunha, de facto, o art. 50°, n.° 1, al. e) do EBF, na versão original do diploma, que estavam isentos de contribuição autárquica “as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, em relação aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins”, dependendo essa isenção de reconhecimento do director-geral dos impostos, a requerimento devidamente documentado (n.° 5 do mesmo preceito). A isenção prevista da Lei n.° 2/78, de 17 de Maio, por seu turno, embora contemplasse apenas os prédios urbanos (pelo rendimento colectável), também circunscrevia a isenção, no caso da contribuição predial, aos prédios onde se encontrassem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, ou seja, aos prédios directamente destinados à realização dos fins da pessoa colectiva.
Com a entrada em vigor do EBF, a concessão da isenção da contribuição autárquica às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública passou a ser regulada pelo EBF que, por força do princípio lex posterior derrogat legi priori (art. 7°, n.° 2 do CCivil), tacitamente revogou, na matéria em causa, o DL n.° 260-D/81, de 2 de Set.. Contudo, a revogação expressa deste diploma só veio a acontecer com a referida Lei n.° 151/99, de 14 de Set. (art. 2.°).
Sucede que na vigência da norma que no EBF concedia às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e às de mera utilidade pública isenção da contribuição autárquica em relação aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins, foi publicada a Lei n.° 151/99, de 14 de Set. que, dispondo no seu art. 1.° sobre as isenções que podiam ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública, nelas incluía a contribuição autárquica dos prédios destinados realização dos seus fins estatutários (aI. d) do preceito).
Com a revogação do CCA e a entrada em vigor do CIMI passou a norma do art. 1.º, al. d) da Lei n.° 151/99, de 14 de Set., como se disse, a ter por referência o imposto municipal sobre imóveis e não a contribuição autárquica, conforme o disposto no art. 28°, n.° 1, do DL n.° 287/2003, de 12 de Nov., diploma que no n.° 6 do seu art. 31.º manteve em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI.
A Lei n.° 151/99, de 14 de Set., como a respectiva epígrafe expressamente indica, foi publicada com o objectivo de actualizar o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública. A sua publicação não afectava, no entanto, a norma do EBF do art. 50.º, n.° 1, aI. e) do EBF (agora art. 44°, n.° 1, al. e) do EBF) pois, como se referiu, era distinto o campo de aplicação dessa norma relativamente à norma da al. d) do art. 1.º da Lei n.° 151/99, de 14 de Set., não havendo antagonismo entre os preceitos.
Ora, não havendo quaisquer dúvidas quanto vigência do art. 44°, n.° 1, aI. e) do EBF também não parece que se possa sustentar que o regime da Lei n.° 151/99, de 14 de Set. já não vigora na ordem jurídica ou que o regime da isenção (poder/dever) nela consagrado se mostra concretizado na norma do EBF. Por um lado, porque a Lei n.° 151/99, de 14 de Set. nunca foi expressamente revogada e a mesma surgiu num contexto em que já vigorava o EBF que continha uma norma com uma redacção similar à do actual art. 44.° do EBF, embora referida à contribuição autárquica. Por outro porque, estando aquela Lei em vigor aquando da aprovação do CIMI, o art. 28°, n.° 1 do DL n.° 287/2003, de 12 de Nov. expressamente determinou que todos os textos Legais que mencionassem o CCA ou a contribuição autárquica, como ocorre com a Lei n.° 151/99, se consideravam referidos ao CIMI ou ao IMI e o certo é que, muito depois da entrada em vigor do CIMI, veio aquela Lei n.° 151/99 a ser alterada pela Lei n.° 60-A/2005, de 30, de Dez., vindo a al. g) do seu n.° 1 a ser revogada pelo DL n.° 34/2008, de 26 de Fev..
Vale a pena acrescentar, a propósito desta questão, que a Lei n.° 60-A/2005, não obstante tenha alterado o art. 1.° da Lei n.° 151/99, de 14 de Set., manteve a sua al. d) e, tendo também alterado o art. 40.° do EBF (que corresponde ao primitivo art. 50.° e ao actual art. 44°), manteve a al. e), do seu n.° 1, onde a questionada isenção vem prevista.
Ademais, embora a actual redacção do DL n.° 460/77, de 7 de Nov., normativo referente às pessoas colectivas de utilidade pública, preveja no seu art. 9.° que as mesmas gozam das isenções fiscais previstas na lei, o art. 9º do Dec. Legislativo Regional n.° 44/2008, de 23 de Dez., que adaptou à Região Autónoma da Madeira o DL n.° 460/77, expressamente dispõe, no seu art. 8°, que as pessoas colectivas de utilidade pública beneficiam das isenções fiscais previstas na Lei n.° 151/99, de 14 de Set..
Entende-se, neste contexto, que ambos os regimes - o da al. d) do art. 1.º, da Lei n.° 151/99, de 14 de Set. e o da al. e) do n.° 1 do art. 44.° do EBF — que consagram isenções de IMI, assentes em distintos pressupostos, logram presentemente aplicação, verificados que sejam os respectivos pressupostos legais.
Sucede que ao invés do que ocorre com a isenção prevista na al. e) do n.° 1, do art. 44,° do EBF e do que ocorria na vigência da Lei n.° 2/78, de 17 de Jan. e do DL n.° 260-D/81, de 2 de Set., a Lei n.° 151/99 não define quais os mecanismos para a concessão da isenção prevista na al. d) do seu art. 1.º.
O Projecto de Lei n.° 599/VII que deu origem à Lei n.° 151/99, de 14 de Set., no art. 4.° da sua versão inicial, sob a epígrafe “Regras de concessão e fiscalização”, remetia para o Governo a definição, através de diploma regulamentar, das regras a que devia obedecer a apresentação dos pedidos de isenção e das condições de fiscalização do cumprimento das respectivas normas, estabelecendo que as isenções fiscais previstas na lei a aprovar seriam concedidas por Despacho do Ministro das Finanças (n.ºs 1 e 2 do preceito do projecto-lei, na sua versão inicial).
Contudo, a norma que assim dispunha acabou por não ser levada à votação, na sequência da proposta de alteração apresentada pelo PS que através do seu Deputado, …………, na discussão do projecto na generalidade, objectava que “a exigência de despacho ministerial para o reconhecimento das isenções irá acarretar aumento de burocracia” e que “por outro lado, as regras para a concessão de isenções já se encontram previstas nos diversos códigos”.
Acrescentava que “em matéria de contribuição autárquica, o regime proposto é mais burocrático que o vigente, uma vez que se prevê que o despacho de concessão pertença ao Ministro das Finanças e o Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece que a isenção é reconhecida oficiosamente, logo é da competência do Chefe da Repartição de Finanças, o que permite maior celeridade no procedimento”. E, quanto à questão da fiscalização, aduzia que a mesma também já tinha acolhimento na lei fiscal, referindo expressamente, em abono desse ponto de vista, o art. 6.° do EBF e, numa perspectiva mais geral, o Regulamento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL n.° 413/98, de 31 de Dez. (cfr. o Diário da Assembleia da República n.° 100/VII/4, de 01.07.99).
Sustentava ainda que, estando os benefícios devidamente regulados nos respectivos códigos, regulamentos e Estatuto dos Benefícios Fiscais, não fazia sentido “criar uma regulamentação autónoma, sobretudo se a regulamentação a criar for mais burocratizante do que a que já existe, como parece ser o caso”.
Este conjunto de argumentos que, admite-se, terão estado na base da proposta de alterações apresentadas pelo PS, cujo concreto conteúdo se desconhece, permite pensar que o legislador, eliminando o mecanismo que vinha previsto no projecto de lei n.° 599/VII, terá querido para a concessão da isenção da CA, agora IMI, estabelecida na al. d) do art. 1.º, da Lei n.° 151/99, de 14 de Set., mecanismo idêntico àquele que então se encontrava previsto para a isenção inscrita na al. e) do n.° 1 do art. 50.° do EBF, na versão que ao tempo vigorava, e que agora se encontra prevista na al. e), do n.° 1 do art. 44°.
Diga-se que, ao tempo da publicação da Lei n.° 151/99, de 14 de Set., a isenção inscrita no EBF era reconhecida pelo Director-Geral dos Impostos, a requerimento devidamente documentado, que deveria ser apresentado na repartição de finanças da área da situação do prédio (n.° 5 do art. 50.º do EBF, na versão que então vigorava). Presentemente, o reconhecimento da isenção cabe ao chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio (n.° 8, do art. 44.° do EBF).
Certo é que não há na Lei n.° 151/99, de 14 de Set. qualquer remissão para o regime do EBF.
Em qualquer caso, para que a isenção da al. d) do art. 1.º da Lei n.° 151/99 possa ser concedida é necessário que o imposto respeite a prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários da pessoa colectiva e, no caso em apreço, inexiste a demonstração dessa afectação, sendo certo que o fim estatutário da ora Recorrente é o de pôr à disposição do Montepio Geral os resultados dos seus exercícios, feitas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na satisfação dos seus fins e não o de lhe afectar os rendimentos que porventura obtenha com a alienação ou arrendamento dos prédios de que é proprietária (cfr. o art. 4.° dos Estatutos da caixa Económica Montepio Geral, a fls. 101 e sgs).
Por outro lado, como também resulta dos autos, não se mostram preenchidos os requisitos da isenção prevista no art. 44°, n.° 1, al e) do EBF uma vez que o prédio em causa não está directamente afectado aos fins de utilidade pública da pessoa colectiva.
Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso, deverá ser mantida a decisão recorrida.
É o meu parecer».

6. A recorrente veio responder a este parecer, nos termos que se seguem:
Resumindo: o douto parecer parte do princípio que a alínea b) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.09, tem âmbito de aplicação diferente do artigo 44º nº 1 alínea e) do EBF.
Afigura-se-nos que tal conclusão não tem suporte legal.
Como se referiu nas alegações o benefício é oficioso, irrenunciável e resulta da lei, ou seja, não pode estar dependente de reconhecimento pela AT. Logo a norma isentiva do EBF constitui apenas mero mecanismo de controlo.
A isenção tem a sua base legal na norma da AR e não no desactualizado EBF no que à expressão “directamente” diz respeito.
Será na página 6/7 do douto parecer (que faz um análise histórica do preceito memorável) que se encontra a conclusão. E a conclusão parte de uma premissa correcta:
“o fim estatutário da ora recorrente é o de pôr à disposição do MG os seus resultados dos exercícios”.
E conclui-se que para que a isenção da Lei 151/99 possa ser concedida.
“É necessário que o imposto respeite a prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários”.
E acrescenta-se “não se mostram preenchidos os requisitos da isenção prevista no artigo 44º-1-e) do EBF uma vez que o prédio não está directamente afectado aos fins de utilidade pública da pessoa colectiva”.
Estas conclusões são contraditórias e não jogam com a premissa de base:
1. Admitir-se que CEMG tem por exclusivos fins obter resultados (líquidos) que transfere para o MG, como de facto tem;
2. Óbvio que se tem que ter em conta que foi por isso mesmo que o Sr. Primeiro-Ministro a declarou PCUP. É nessa particularidade que reside a sua UTILIDADE PÚBLICA: entregar os seus resultados a uma IPSS.
3. Ora ao obter rendimentos com os prédios (quer por via do arrendamento, quer por via da sua venda gerando mais-valias) está no exercício do seu objecto (fins imediatos) a cumprir os seus fins mediatos (o seu fim último e supremo) que é gerar resultados positivos e entrega-los à IPSS a que está anexa.
4. O prédio como o que se trata nos autos, pelo critério do destino EXCLUSIVO do rendimento que gera, integra, pois, a realização dos fins da CEMG.
E isso resulta s.m.o. de uma regra base de direito civil: “a admissão de um fim de uma pessoa colectiva, encerra os meios para o atingir” — artigo 160º do CC.
Ou seja, a admitir-se os fins (mediatos) tem admitir-se toda a capacidade de exercício (fins imediatos) para atingir os fins mediatos (fim teleológico).
Por último refira-se que a CEMG - uma associação - é um mero estabelecimento dependente do MG — também uma associação - que só tem personalidade jurídica e estatutos próprios por imposição da lei, ou seja, foi obrigada a ter personalidade jurídica autónoma! (Decreto 20 944 de 1932) que na altura era avessa (o regime não democrático de então) ao associativismo livre. De 1844, data da sua criação até 1932 foi uma mera secção da Mutualidade. Os substractos (os associados) são os mesmos! Os “donos” do capital da CEMG são os associados do MG-AM.
Artigo 37.º - Instalações, equipamentos sociais e serviços: “As associações mutualistas podem dispor de instalações equipamentos sociais e serviços destinados à realização dos seus objectivos designadamente de apoio social e de saúde, com observância das normas que especialmente lhes forem aplicáveis”.
É que o artigo 121º do CAM sob a epígrafe “regimes especiais das instalações e serviços dependentes”, vem considerar as caixas económicas anexas como sendo exactamente “instalações e serviços dependentes” das mutualidades: “O disposto no presente diploma não prejudica a aplicação dos regimes especiais a que estejam sujeitos as instalações e serviços dependentes das associações mutualistas, designadamente as caixas económicas e farmácias”.
Por último, aduz-se a necessidade do uso dos imóveis para os fins de utilidade pública, sem se esclarecer como é que isso se agiliza.
Ora, sendo a recorrente uma PCUP, os seus fins foram já considerados de pública utilidade, pela entidade que a declarou como tal, pelo que o uso dos bens que lhe pertencem são por natureza destinados à realização dos seus fins, quer como instalações, quer como aplicação para gerar rendimentos para os prosseguir. Como outra qualquer aplicação.
O douto parecer encerra outra contradição. Afirmando-se como se afirma a folhas 4 que a Lei 151/99 de 14.09 “foi publicada com o objectivo de actualizar os regime de regalias e isenções das PCUP” e tendo esta lei — da AR - retirado a expressão “directamente” que se manteve na norma do EBF, como é que se pode afirmar “que não afectava” a norma do EBF?
Por outro lado como é que que se pode afirmar que a Lei da AR que estabelece uma isenção de IMI tem campo de aplicação “distinto” da norma do EBF?
Então se a AR quis ACTUALIZAR o regime de isenções das PCUP (e IPSS cuja norma tem a mesma literalidade) como é que se pode afirmar que uma lei — do Governo, um decreto-lei - cuja redacção é muito mais vetusta se mantém com a redacção anterior? Onde está a autorização da AR para que o “directamente” da norma do EBF se manter na ordem jurídica?
Percute-se: o que está em causa é a expressão “directamente” que está na norma do EBF que se defende ter sido afastada/suprimida a partir da publicação da Lei 151/99!
Termos em que, com os melhores de direito e o douto suprimento, devem julgar-se improcedentes as doutas conclusões firmadas no parecer do MP, assim se fazendo, como se espera, a melhor e mais assertiva justiça em prol das entidades da economia social (fins não lucrativos).

7. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
1. “Caixa Económica Montepio Geral” é a actual designação da Caixa Económica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral- Associação Mutualista, nipc 500766681 — Diário da República III Série n° 205, de 6/9/1991, pág. 15169-15170;
2. Por despacho concordante de 8/10/1991, proferido pelo “Primeiro Ministro”, à Caixa Económica de Lisboa foi deferido o pedido, formulado em 31/5/1990, de concessão de declaração de utilidade pública nos termos do Decreto-Lei n° 460/77, de 7 de Novembro — fls. 121 e DR II Série n° 243; de 22/10/1991, pág. 10528;
3. A referida declaração de utilidade pública assentou, a final, em Parecer do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, segundo o qual “Estando dilucidada a questão da autonomia da funcionalidade jurídica da requerente face à associação mutualista que lhe é conexa, o que lhe confere legitimidade activa para o pedido;
Existindo declaração expressa da Administração, no caso da Direcção-Geral dos Regimes da Segurança Social, reconhecendo que a requerente não tem fins lucrativos, enquadrando-se os respectivos fins nos objectivos da associação mutualista que lhe é anexa;
Atendendo a que a mencionada conexão pressupõe a utilidade pública convergente dos fins e objectivos da CEL (Caixa Económica de Lisboa) e do Montepio Geral;
Considerando que, no momento presente, é especulativa a eventual transformação da Caixa Económica de Lisboa em banco comercial, devendo o requerido ser analisado à luz do circunstancialismo actual;
Entendo nada obstar a que V. Exa declare de utilidade pública a Caixa Económica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral, sem prejuízo de tal concessão poder ser caducada se as circunstâncias futuras, mormente resultantes da transformação da CEL em banco comercial, vierem a transformar elas também as finalidades estatutárias presentes, designadamente no tocante à obtenção e destino dos lucros da respectiva actividade”;
4. Em 15/5/2003 foi adjudicado à agora Autora, em venda executiva promovida em 30/4/3003 no processo n° 559/2002 do Tribunal Judicial da Mealhada, o prédio urbano descrito no artigo matricial n° 2060-E da freguesia de Luso, Mealhada — fls. 37 a 41 do PA;
5. Em 11/8/2003 a agora Autora requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Mealhada o reconhecimento oficioso da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), com efeitos a partir desse ano, inclusive, relativamente à fracção autónoma em causa — fls. 28 e seguintes do PA;
6. A fracção autónoma em causa, designada pela letra “E”, composta pela casa 5, situada no ………, Luso, com superfície coberta de 56 m2, inclui cave, r/c. 1° Andar e sótão, é destinada a habitação — fls. 61 do PA;
7. A Autora destina o prédio em causa à obtenção de rendimentos imobiliários, nomeadamente em resultado de revenda e fez anúncio para a venda — acordo e fls. 62 do PA;
8. Os resultados líquidos resultantes da actividade da Autora, apurados em cada exercício, são aplicados em “reservas” (“legal” — 20%, “especial” — 5% e “outras” — importâncias necessárias) e o remanescente é posto à disposição da associação mutualista Montepio Geral — art° 36° dos respectivos Estatutos, a fls. 128 do PA;
9. Por ofício n° 54164, do Serviço de Finanças de Mealhada, a agora Autora foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de isenção, com os seguintes “Fundamentos: 500792 Contribuinte com dívidas de CA: euro 172.448,64 — artigo 11°—A do EBF” — fls. 53 do PA;
10. Em 11/12/2003 a agora Autora exerceu direito de audição juntando certidão, emitida em 26/9/2003, comprovativa da situação tributária regularizada — fls. 48 a 57 do PA;
11. Por ofício com data de 4/11/2004, do Serviço de Finanças de Mealhada, a agora Autora foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de isenção, com os seguintes “Fundamentos: 500792 Contribuinte com dívidas de CA: 64.594,89 — artigo 11°-A do EBF. O imóvel não se enquadra no n° 4 do art.° 40° do Est. Benefícios Fiscais, encontrando-se o mesmo por habitar e segundo informações colhidas no local o mesmo estará para venda” — fls. 25 do PA;
12. Em 26/11/2004 a agora Autora reclamou hierarquicamente da decisão de indeferimento da isenção de IMI em causa nos autos — fls. 11 e seguintes do PA;
13. Por decisão concordante, proferida em 4/3/2008 pelo Subdirector-Geral dos Impostos, …………, foi indeferido o recurso hierárquico em causa por se considerar, em síntese, que a Lei n° 151/99, de 14 de Setembro, se encontra tacitamente revogada pela Lei autorizativa do EBF e que “o indeferimento teve por base, não só por se verificar a existência de dívidas em nome da ora recorrente — art.° 11°-A do EBF, mas também pelo facto do imóvel não se enquadrar no espirito do n° 4 do art.° 40° do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais), ou seja, o prédio não se enquadra directamente na actividade desenvolvida pela entidade requerente. Verifica-se assim, no caso em apreço, que a Entidade ora requerente não destinou a referida fracção autónoma (...) directamente à realização dos seus fins, ou seja, adquiriu a mesma habitação e tinha à data a mesma para venda, conforme foi informado pelo S.F. da Mealhada, não sendo a compra e venda de imóveis o objecto da Caixa Económica” — fls. 2 a 8 do PA;
14. Em 19/6/2008 a Autora apresentou a petição inicial da presente Acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu — fls. 1 dos autos;
Matéria de facto dada como não provada:
Não se apuraram outros factos com relevância para a boa decisão da questão.
Motivação de facto.
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, conforme se indica em cada número de 3.1 supra, e que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos.
Do conjunto da prova produzida e da posição assumida pelas partes resultou a convicção de que a Autora é uma “Caixa Económica” (cf. Decreto-Lei n° 136/79, de 18 de Maio), e não um banco comercial, anexa à associação mutualista “Montepio Geral”, tendo ambas personalidade jurídica e tributária, distintas e autónomas e gozando ambas do estatuto de “utilidade pública”.
No exercício da sua actividade bancária a Autora adquiriu em processo de execução comum o prédio em causa nos autos, cuja afectação normal é “habitação” (factos 4 e 6 de 3.1).
Esse prédio não se encontra a ser utilizado como instalação da actividade bancária imediatamente exercida pela Autora, nem como agência de atendimento do público ou como apoio a esses serviços. A compra do imóvel resultou de decisões estratégicas da Autora que visam a obtenção de receitas imobiliárias presentes ou futuras, rendas ou de mais-valias, em consequência do arrendamento ou da revenda futura (facto 7 de 3. 1 supra)
Os resultados líquidos positivos resultantes da actividade da Autora, apurados em cada exercício, são aplicados em “reservas” e o “remanescente” é posto à disposição da associação mutualista Montepio Geral, o que significa que, apesar da natureza comercial da actividade imediatamente exercida, não tem fins lucrativos (facto 8 de 3.1).»

De direito:
A Recorrente deduziu a presente acção administrativa especial contra o Director Geral de Impostos pedindo a anulação do despacho do DGI proferido em 04 03 2008 que lhe indeferiu o pedido de isenção de IMI relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 2060 da freguesia de Luso, concelho da Mealhada ao abrigo da alínea d) do artigo 1º da lei 151/99 de 14 de Setembro e alínea e) do nº 1 e alínea b) do nº 2 e nº 4 do artigo 40 do EBF.
Tendo a acção sido julgada procedente veio o DGI interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que por acórdão de 14 de Julho de 2015 concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido julgando a acção improcedente com o fundamento de ao caso não ser aplicável a alínea d) do nº 1 da LEI 151/99 de 14 de Setembro dado a extinção da contribuição autárquica deste importar a supressão da isenção respectiva sendo por isso aplicável a alínea e) do nº 1 do artigo 44 do EBF.
Mas considerando que de acordo com a interpretação deste normativo só se verificaria o pressuposto objectivo do benefício se o prédio fosse destinado à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas colectivas de utilidade pública, não englobando esse pressuposto os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração do prédio em causa não havendo lugar a isenção julgou improcedente a acção.
De tal acórdão veio a Autora interpor recurso excepcional de revista ao abrigo do disposto no artigo 150 do CPTA a qual foi admitida por acórdão de 06 04 016 considerando que a questão reside na interpretação do artigo 44 nº 1 alínea e) do EBF e do artigo 1º alínea a d) da Lei 151/99 de 14 de Setembro.
As questões aqui colocadas foram já objecto de apreciação por parte da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que amplamente as discutiu, concluindo que o regime dos benefícios fiscais respeitantes a IMI de que usufruem as pessoas colectivas de utilidade pública tem duas vertentes: uma, a que respeita aos prédios directamente afectos à realização dos seus fins estatutários, encontra-se regulada no EBF, outra, e que respeita aos prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários, encontra-se regulada na Lei n.º 151/99.
Porque concordamos com o aí decidido e sua fundamentação, a que aderimos passamos a transcrever, com a devida vénia, a parte do acórdão deste STA de 22 02 2017 in processo 01658/15 que decidiu sobre idênticas questões e em que são intervenientes as mesmas partes que intervêm.
Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
O presente recurso de revista foi admitido para que se reaprecie as seguintes questões:
-
saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis;
- saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].
Portanto, a questão que se coloca nestes autos consiste em saber se os imóveis de que a recorrente é proprietária estão, todos eles, isentos do Imposto Municipal sobre Imóveis, vulgo IMI, ou apenas beneficiam de tal isenção os que sejam destinados directamente à realização dos seus fins estatutários.
No sentido de todos os prédios beneficiarem de tal isenção, argumenta a recorrente com o disposto nos artigos 1º, al. d) da Lei 151/99 de 14.09 e 44º, n.º 1, als. e) e f) do EBF, em sentido contrário contrapõe-se que no caso apenas se aplica o disposto no artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, uma vez que não é aplicável o disposto no artigo 1º, al. d) da Lei 151/99 de 14.09.
Vejamos então.
Dispõe o artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, sob a epígrafe “Isenções” (relativas a bens imóveis) que, estão isentas de imposto municipal sobre imóveis as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Por sua vez dispõem os n.ºs. 2, al. b) e 4, do mesmo inciso legal, que as isenções se iniciam a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade e são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica.
Também dispõe o artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 (Actualiza o regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública) que, sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública isenção de contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários.
As instâncias tiveram como certo, e não vem agora posto em causa pelas partes, que se verifica o elemento subjectivo das previsões legais.
A primeira questão que importa resolver passa por saber, face aos termos em que se fundamentou o acórdão recorrido, se a norma da Lei n.º 151/99 se mantém ou não em vigor.
Desde já se pode dizer que o disposto nesta Lei, relativamente à isenção prevista na alínea d) do n.º 1, não foi expressamente revogado por qualquer Lei posterior de igual valor nos termos do disposto no artigo 7º, n.º 1 do Código Civil, nem se deve considerar revogado nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal (A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior) tal como vem referido no acórdão recorrido.
A este propósito escreveu-se no acórdão recorrido, por remissão para anterior acórdão do mesmo Tribunal Central:
Para a resolução desta matéria identificamos duas questões jurídicas fundamentais: saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais - redacção em vigor - ou ambas] e saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que devemos entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins» (sublinhado nosso) para efeitos deste normativo.
Comecemos pela primeira questão.
Dos elementos dos autos resulta que a isenção foi requerida pela Recorrida a coberto das duas disposições. E foi indeferida por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ou seja, a coberto apenas desta última disposição).
O Recorrente não aceita a conclusão constante do acórdão recorrido, de que é irrelevante a aplicação da alínea d) do artigo 1.° da Lei n.º 151/99, ou da alínea c) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, uma vez que conduzem à mesma solução jurídica: o deferimento do pedido de isenção. Isto porque, embora ambas as normas tenham conteúdos e alcances diferentes, como aliás, o mesmo acórdão o admite, a norma que rege a isenção só pode ser a que consta do EBF.
Na acção administrativa especial, a ora Recorrida insistiu que a isenção é devida porque se lhe aplica a alínea d) do artigo 1º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, estando em causa determinar o alcance do que se deve entender por prédio "destinado à realização dos fins" das pessoas colectivas de utilidade pública e saber se se aplica a Lei n.º 151/99, de 14/09 ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Efectivamente no acórdão recorrido considerou-se que, independentemente de ser apenas aplicável ao caso dos autos esta última norma, e portanto, com a aparente limitação da destinação "directa” do prédio à realização dos fins estatutários, ou de se considerar alternativamente aplicável a Lei n.º 151/99, de 14/09, onde o texto não revela tal aparente limitação, a autora deve beneficiar da requerida isenção.
Como se decidiu no acórdão deste TCAN proferido no processo n.º 699/13.8BECBR, observa-se, a título introdutório, que os pressupostos objectivos da concessão do benefício contido em cada uma dessas normas não são totalmente sobreponíveis: enquanto a alínea d) do artigo 1º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro tem em vista prédios urbanos e pressupõe que sejam destinados à realização dos seus fins estatutários, o artigo 44.°, n.° 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redacção do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 16 de Junho, que sucedeu ao artigo 40.°, n.º 1 alínea e), na redacção anterior, sem alteração do seu teor) tem em vista prédios ou parte de prédios e pressupõe que sejam destinados directamente à realização dos seus fins.
Não existe - desde a reforma da tributação do património - nenhuma antinomia entre as duas normas. É que a disposição correspondente da Lei n.° 151/99, de 14 de Setembro não consagra nenhuma isenção de imposto municipal sobre imóveis: consagra - isso sim - uma isenção de contribuição autárquica. E o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não consagra nenhuma isenção de contribuição autárquica: consagra - isso sim - uma isenção de imposto municipal sobre imóveis.
Pelo que as disposições em causa têm âmbitos de aplicação distintos.
É incontroverso que a Recorrida não pediu o reconhecimento oficioso de isenção de contribuição autárquica sobre os prédios em causa. Aliás, o Código de Contribuição Autárquica já tinha sido revogado na data em que a Recorrida adquiriu o prédio em causa.
Pelo que o benefício em causa só poderia ser concedido ao abrigo do artigo 44.°, n. ° 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
E não se diga que o imposto municipal sobre imóveis sucedeu à contribuição autárquica e que os benefícios consagrados na lei para aquele se transferem para este.
Isso não é assim porque a extinção do tributo importa a supressão da isenção respectiva do sistema tributário. Sem prejuízo, naturalmente, do direito à isenção adquirido na vigência do tributo extinto (como decorre do artigo 3.°, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais - que não vem ao caso, porque não está em causa nenhum direito adquirido na vigência da contribuição autárquica a coberto do regime transitório consagrado no artigo 11.°, nºs 3 e 4, e no artigo 31.°, nºs 5 e 6, ambos do Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro).
É o que decorre do facto de os benefícios fiscais serem medidas de desagravamento fiscal que incidem sobre normas de incidência fiscal: se a norma de incidência desaparece do ordenamento jurídico, a norma de desagravamento desaparece concomitantemente. Não se transfere para outra norma de incidência. A menos que a lei o determine especialmente, designadamente no seu regime transitório.
A lei confirma esta interpretação, ao referir que os benefícios fiscais são medidas fiscais de carácter excepcional, relacionadas com a própria tributação que impedem - artigo 2.°. n.° 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
(…)
Do exposto decorre que a alínea d) do n.º artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de Setembro não se aplica ao caso, ficando assente que ao mesmo se aplica o disposto no artigo 44.°, n.º 1 alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme defende o Recorrente e resulta aplicado no acto impugnado [cfr. conclusão t) das alegações de recurso].".
Vejamos, então.
Aquando da publicação da Lei n.º 151/99, de 14/09, já há muito se encontrava em vigor o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) -DL n.º 215/89, de 01/07/1989-, que consagrava no seu artigo 50º, n.º 1, al. e), hoje artigo 44º, n.º 1, al. e), a isenção de contribuição autárquica das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública relativamente aos prédios, ou parte de prédios, destinados directamente à realização dos seus fins.
Este preceito do EBF tem as suas raízes nos artigos 7º, n.ºs. 3º e 4º, 8º, 8º § único e 10º do Código da Contribuição Predial (CPP) e do Imposto sobre a Indústria Agrícola. O regime das isenções fiscais prediais das pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa encontrava-se regulado não só naquele Código da Contribuição Predial mas ainda na Lei n.º 2/78, de 17/01 e DL n.º 260-D/81, de 02/09 (este veio revogar a Lei 2/78 e introduzir alterações aos artigos acima referidos do CPP).
Esta isenção esteve condicionada à afectação directa dos prédios à realização dos fins da pessoa colectiva de utilidade pública (como no caso dos autos) como bem se percebe do Preâmbulo do Projecto de Lei n.º 599/VII (apresentado pelo PCP em Janeiro de 1999 e que veio a dar origem à Lei n.º 151/99).
Aí se referiu expressamente que, “O mesmo decreto-Lei (DL n.º 460/77, de 07/11,que aprovou o estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública) atribuiu às pessoas colectivas de utilidade pública um conjunto de regalias…e remeteu para legislação futura as isenções fiscais, que viriam a ser definidas pela Lei n.º 2/78 de 17 de Janeiro.
Aí se estabeleceu que as pessoas colectivas de utilidade pública poderiam beneficiar das seguintes isenções: imposto do selo, imposto sobre as sucessões e doações e de sisa pela aquisição de edifícios necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos seus fins estatutários, contribuição predial pelo rendimento colectável de prédios urbanos onde se encontrem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários… Estas isenções, que poderiam ser totais ou parciais, ficavam dependentes de despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e da Tutela, após parecer favorável da câmara municipal do concelho da sede da pessoa colectiva interessada.
Em 1981, a lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro, viria a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que regulou o estatuto de utilidade pública de forma um tanto diversa: as isenções fiscais passaram a depender apenas de despacho do Ministro das finanças e alterou-se a tramitação necessária para o requerimento das isenções, que passaram a ser as seguintes: imposto do selo, sisa e imposto sobre as sucessões e doações, contribuição predial…
Passados que foram mais de 20 anos sobre a lei n.º 2/78 e quase 17 sobre o Decreto-Lei n.º 260-D/81, é hoje manifesta a sua desactualização. Não apenas porque os impostos sobre que incidiam as isenções foram sendo substituídos por outros sem que as isenções acompanhassem tais substituições, mas também porque o quadro legal não acompanhou a realidade associativa.
Assim, o que hoje se verifica é que a concessão do estatuto de utilidade pública a uma associação, sendo uma honra e representando um reconhecimento público do mérito da sua acção social, tem um efeito meramente simbólico, não representando, em termos práticos, qualquer benefício real para a associação em causa.
Estando assim desvirtuado o sentido que inicialmente foi dado à declaração de utilidade pública, que fazia corresponder a esse reconhecimento um conjunto de regalias, importa revalorizar de alguma forma esse estatuto, actualizando a legislação que lhe é aplicável. É esse o objectivo do presente projecto de lei do PCP.
Como tal, não se propõe qualquer alteração no regime de reconhecimento do estatuto de utilidade pública nem no regime de concessão de isenções, propondo-se, porém, o seguinte:
A actualização das isenções fiscais de acordo com os impostos actualmente existentes: imposto do selo, imposto municipal de sisa pela aquisição de imóveis, imposto sobre as sucessões e doações relativo à transmissão de imóveis e contribuição autárquica pelo rendimento colectável de prédios urbanos, desde que, em todos os casos, sejam destinados à realização dos fins estatutários das associações”, cfr. Diário da Assembleia da República, 08-01-1999, II Série-A, n.º 27, págs. 742 e 743.
O debate parlamentar deste Projecto de Lei não foi consensual, tendo o deputado do PS, que interveio nesse mesmo debate, formulado as seguintes objecções, além de outras suscitadas pelos restantes deputados intervenientes, no que respeita à isenção de contribuição autárquica, cfr. Diário da Assembleia da República, 01/07/1999, I Série, n.º 100, págs. 23 e 24:
O projecto de lei n.º 599/Vll tem, em nosso entender, um mérito, que reconhecemos, mas também um erro de concepção, que criticamos.
Tem o mérito de pretender actualizar o Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, cuja aplicação é actualmente dificultada pelas reformas fiscais que se registaram, nos últimos 18 anos, em Portugal.
Cai, ao arrepio da prática e das preocupações recentes, no erro de, implicitamente, voltar a disseminar normas e regras dos impostos por diplomas avulsos, quer em termos de produção legislativa quer de coerência do sistema e até de aplicação dos diplomas no dia-a-dia.
É hoje consensualmente defendido que deverá ser no código de cada imposto ou em legislação que abranja todo o sistema fiscal, como, por exemplo, a lei geral tributária, que devem estar contidas as regras e as excepções, as incidências e as isenções.
Por outro lado, se algumas das medidas avançadas no projecto de lei n.º 599/VII podem ser apreciadas em termos políticos globais ou enquadradas na actual conjuntura, outras há que devem ser afastadas, pelas seguintes razões: por violarem directivas comunitárias (alínea f) do artigo 1.º); por terem sido matéria de legislação recente (por exemplo, o artigo 3.°); por nada trazerem de novo e terem um efeito inverso ao esperado (por exemplo, o artigo 4.°).
Mas analisemos mais em pormenor os aspectos apreciados neste projecto de lei.
O artigo 1.° diz respeito às isenções fiscais que podem ser concedidas às pessoas colectivas públicas, mas, em nosso entender, é pouco inovador.
(…)
De igual modo a alínea e) do artigo 50.° dos Estatuto dos Benefícios Fiscais é mais abrangente do que o agora proposto pelo PCP na alínea d), que pretende limitar a isenção apenas aos prédios urbanos. A formulação apresentada pelo PCP é, para além do mais, tecnicamente incorrecta, porque a contribuição autárquica incide sobre os prédios e não sobre o seu eventual rendimento.
(…)
Por outro lado, as regras para a concessão de isenções já se encontram previstas nos diversos códigos.
Em matéria de contribuição autárquica, o regime proposto é mais burocrático que o vigente, uma vez que se prevê que o despacho de concessão pertença ao Ministro das Finanças e o Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece que a isenção é reconhecida oficiosamente, logo, é da competência do Chefe da Repartição de Finanças, o que permite maior celeridade no procedimento.
(…)
Terceira, as pessoas colectivas de utilidade pública, desde a entrada em vigor da contribuição autárquica, sempre beneficiaram de isenções deste tributo em termos mais abrangentes do que os propostos, uma vez que permite o reconhecimento de isenção para todos os tipos de prédios.
Quarta, tais benefícios encontram-se devidamente regulados nos respectivos códigos, regulamentos e Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo que não faz sentido criar uma regulamentação autónoma, sobretudo se a regulamentação a criar for mais burocratizante do que a que já existe, como parece ser o caso…”.
Apesar destas objecções a Lei n.º 151/99 veio a ser aprovada com o texto final, de iniciativa do grupo parlamentar do PS, tal como hoje o conhecemos.
Não há dúvida, assim, que a Assembleia da República pretendeu estabelecer um regime “especial” para as pessoas colectivas de utilidade pública, no tocante à isenção de contribuição autárquica, diferente daquele que se encontrava estabelecido no artigo 50º, n.º 1, al. e) do EBF.
Como já vimos, este regime perdurou até à entrada em vigor do CIMI - aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12/11-, ou seja, esteve vigente na pendência do Código da Contribuição Autárquica e mantém-se em vigor na vigência deste novo código do IMI por força do disposto no artigo 28º, n.º 1 daquele diploma legal - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).
Sendo certo, também, que a redacção do EBF respeitante à isenção de IMI respeitante às pessoas colectivas de utilidade pública, -actualmente artigo 44º, n.º 1, al. e)- mantém inalterada a redacção inicial que havia sido dada ao artigo 50º, n.º 1, al. e), pelo que, também agora não há qualquer contradição entre o texto do EBF e o texto da Lei 151/99, como anteriormente não havia à data da edição desta Lei.
Na verdade as situações abrangidas por este artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF respeitam àqueles prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva, v.g., no dizer da Lei 2/78, de 17/01, os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários e por essa razão é que presentemente o seu reconhecimento é oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do EBF.
Só esta interpretação da norma, com apoio expresso no elemento literal, é que respeita o disposto no artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, caso contrário, estar-se-ia a fazer uma interpretação em violação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal.
E tal reconhecimento já era oficioso à data da edição da dita Lei 151/99, uma vez que idêntico preceito do artigo 50º foi alterado para uma redacção próxima da actual por via da Lei do Orçamento de Estado de 1998.
Portanto, o regime de isenção estabelecido pela Lei n.º 151/99, tratou-se de um regime de isenção diverso daquele que se encontrava previsto no EBF, destinado a abranger (1)somente os prédios urbanos, (2)que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e (3)que carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pelo interessado (como resulta do preâmbulo do projecto de lei acima mencionado não foi intenção do legislador introduzir qualquer alteração no regime de concessão das isenções, pelo que, não cabendo o reconhecimento desta isenção na categoria daquelas que são reconhecidas oficiosamente apenas pode ser incluída na regra geral), ou seja, no dizer do corpo do artigo 1º “Sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública as seguintes isenções”, cfr. artigo 65º, n.º 1 do CPPT.
Temos, assim, que concluir que o regime dos benefícios fiscais respeitantes a IMI de que usufruem as pessoas colectivas de utilidade pública tem duas vertentes, uma, e que respeita aos prédios directamente afectos à realização dos seus fins estatutários, encontra-se regulada no EBF, outra, e que respeita aos prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários, encontra-se regulada na Lei n.º 151/99.
Aqui chegados, podemos desde já afirmar que no acórdão recorrido se decidiu correctamente a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, uma vez que o prédio em causa nestes autos não é enquadrável no grupo daqueles que se encontram directamente afectos aos fins estatutários da autora, mas, por outro lado, decidiu-se menos bem a questão da não aplicação ao caso concreto do disposto na Lei n.º 151/99 por se ter considerado extinto o benefício aí previsto.
E a consideração do disposto em tal Lei era essencial para a decisão da presente acção uma vez que a autora quando formulou o pedido de isenção relativamente ao prédio em questão, junto da entidade tributária competente, invocou expressamente o disposto em tal Lei, que no seu entender lhe concedia o benefício da isenção pretendida.
E relativamente aos prédios rústicos, e à parte rústica dos prédios mistos, é manifesto e evidente não ser de aplicar tal Lei 151/99, por os mesmos terem sido expressamente afastados da sua previsão pelo legislador.
Portanto, não tendo o órgão decisor da AT emitido pronúncia quanto a saber se a situação concreta é subsumível ao disposto na Lei n.º 151/99, estando o mesmo incumbido por lei de o fazer, deve agora emitir tal pronúncia, uma vez que isso lhe foi expressamente pedido pela autora.
A autora pretende com a presente acção que lhe seja reconhecida a isenção de IMI relativamente ao seu prédio com fundamento na Lei 151/99 e/ou com fundamento no EBF; já vimos que a isenção pretendida não cabe na previsão da norma do EBF, mas pode caber na previsão da norma da Lei n.º 151/99, contudo a apreciação “primária” de tal pretensão não cabe ao Tribunal, mas antes à entidade tributária competente, o que, como também já vimos, não o fez e deveria ter feito.
Assim, e porque o pedido não pode ser julgado procedente nos precisos termos em que vinha formulado, o Tribunal condenará a entidade ré a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos do disposto no artigo 609º do CPC.

Decisão:
Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em:
-conceder parcial provimento ao recurso e, nessa medida, revogar o acórdão recorrido;
-manter a revogação da sentença proferida pelo TAF de Aveiro;
-julgar a acção parcialmente procedente e condenar a entidade demandada a reapreciar o pedido da autora à luz do disposto na Lei n.º 151/99, nos termos anteriormente apontados.
Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal na proporção de 50% para cada uma das partes.
D.n.

Lisboa, 8 de Novembro de 2017. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.