Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0724/12
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
Sumário:Não se verifica oposição de julgados no caso de a diversidade das soluções jurídicas encontrada nos arestos em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas à luz de normas também diferentes.
Nº Convencional:JSTA000P15437
Nº do Documento:SAP201303130724
Data de Entrada:07/04/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 24/01/2012, no processo n.º 05171/11, a fls. 217 a 221 dos autos, invocando oposição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 22/10/2003, no processo n.º 01099/03.

Após apresentação da alegação tendente a demonstrar a existência da invocada oposição, o Excelentíssimo Juiz Desembargador Relator do acórdão recorrido proferiu despacho, a fls. 262 dos autos, a mandar prosseguir o recurso por considerar que poderia ocorrer oposição de acórdãos.

A Recorrente apresentou, então, alegações sucessivas, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido existe oposição susceptível de determinar o prosseguimento do presente recurso, encontrando-se preenchido o condicionalismo previsto no art. 284º do CPPT.

2) Deve ser fixada como jurisprudência desse Venerando Tribunal a constante do douto Acórdão fundamento, isto é, de que embora a liquidação de IRC tivesse que ser feita por carta registada com aviso de recepção, num primeiro momento por previsão do CIRC e, num segundo momento, em função da remissão para o CPPT, efectuada essa notificação por carta sob registo desacompanhada de aviso de recepção a irregularidade é inconsequente, desde que se comprove que a mesma foi recebida pelo destinatário.

3) Na verdade, entendemos que o aviso de recepção é uma mera formalidade “ad probationem”, sendo sempre necessário indagar se, não obstante a falta do aviso de recepção, a carta chegou efectivamente ao destinatário.

4) Assim, colocando-se a tónica no facto de a formalidade do aviso de recepção servir, sobretudo, para acautelar a posição da Administração no procedimento, que fica com a prova que a notificação se realizou na data em que ele foi assinado, cfr. n.º 3 do art. 39º do CPPT, não deve essa falta de formalidade reverter contra ela sempre que o sujeito passivo se deva considerar como tendo sido, efectivamente, notificado.

5) Deste modo, a irregularidade decorrente da falta do aviso de recepção degrada-se em não essencial, desde que a finalidade que a lei pretende ver alcançada tenha sido atingida, mau grado a sua preterição e, assim, as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas degradam-se em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.

6) Daí que não se possa estar mais de acordo com o raciocínio expendido no mui douto Acórdão fundamento quando conclui que, a formalidade do aviso de recepção é uma mera formalidade “ad probationem”, o que significa que não se possa, logo, cominar a notificação que incorre na falta do aviso de recepção, quando exigido por lei, com a sanção da invalidade, como o fez o Acórdão recorrido, mas antes, que se permite à AT que esta possa provar que, pese embora a falta dessa formalidade, a notificação foi efectivamente realizada.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados e deve o presente recurso ser julgado procedente, de acordo com a jurisprudência constante do Acórdão fundamento, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

1.2. A sociedade A……., ora Recorrida, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:

1) Veio a AT alegar que existe contradição do Acórdão ora Recorrido com o Acórdão fundamento do S.T.A. de 22.10.2003, proferido no processo n.º 01099/03, pugnando que nos encontramos perante situações fácticas idênticas, o que é rotundamente falso.

2) E por sê-lo, naturalmente que não existe contradição entre Acórdãos, o que leva a que a ora Recorrida entenda que o Acórdão recorrido deverá manter-se por ser aquele que fez uma judiciosa aplicação do Direito aos factos.

3) Efectivamente, no Acórdão que se chama à colação não se verifica qualquer identidade de situações de facto, porque naquele Acórdão o contribuinte pôs em causa a forma de envio adoptada, pugnando que a carta não teria sido enviada por meio de correio registado com aviso de recepção, mas reconheceu que a recebeu.

4) No caso dos presentes autos, a ora Recorrida sempre defendeu e alegou que nunca recebeu qualquer notificação da AT, o que aliás está em consonância com a circunstância de que desde 2001 não ter qualquer actividade ou representação em Portugal.

5) Salvo melhor opinião, esta constitui a pedra de toque e a diferença factual que desautoriza em absoluto que se possa afirmar que existe uma contradição de decisões perante situações fácticas “idênticas”, logo, também a questão de direito decidida é distinta.

6) Acresce referir que é falso, e não sério, afirmar que em ambos os casos estaria em discussão e apreciação a validade da forma de notificação de liquidação adicional de IRC; é que no caso dos presentes autos, o que o Contribuinte, ora Recorrida sempre afirmou, é que nunca recebeu qualquer notificação da AT, enquanto no Acórdão do STA que se invoca, sempre foi facto aceite e reconhecido pelo próprio contribuinte.

7) Logo, num caso discute-se a existência ou não de notificação, e noutro discute-se, tendo como pano de fundo pacífico a existência da notificação, se a forma como foi realizada constituiria mera irregularidade sanável, ou não. São realidades fácticas e jurídicas absoluta e totalmente distintas.

8) No caso dos presentes autos não se discute a forma como as Notificações ocorreram, mas sim terem as liquidações sido efectivamente realizadas. Algo que nunca ocorreu, conforme sempre foi alegado e invocado.

9) A própria AT não põe em causa que as notificações das Liquidações Oficiosas/Adicionais devam ser notificadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

10) No caso em apreço a AT não logrou demonstrar, sequer, que alguma vez tenha enviado a este contribuinte uma carta, uma carta registada ou uma carta registada com aviso de recepção.

11) Foi com base nestes factos que o Tribunal Tributário de 1ª Instância decidiu, e diga-se em abono da verdade correctamente, a Oposição à execução, decisão essa que foi confirmada pelo TCA do Sul, também de forma exemplar.

12) Vejamos então as circunstâncias de facto do caso subjacente aos presentes autos como meio de cotejar e aferir se existiria algum tipo de contradição entre Acórdãos ou não:

a. Ab initio, a ora Recorrida sempre afirmou que nunca recebeu qualquer notificação relativa a suposta dívidas de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), referente aos exercícios de 2002 e 2003 e respectivos juros de mora vencidos;

b. A Recorrida nunca foi notificada de qualquer liquidação adicional de IRC relativa aos supra mencionados exercícios (se é que a mesma chegou a ocorrer);

c. Tanto mais que a Recorrida encerrou, entretanto, a actividade para efeitos de IVA e não exerceu qualquer actividade em Portugal desde 31 de Outubro de 2000.

d. Facto que acentua ainda mais a absoluta perplexidade da Recorrida quanto às supostas dívidas exequendas, pois que se tratam de dívidas de IRC relativas a exercício em que a Oponente não exercia qualquer actividade em território português.

e. A Recorrida não possuía neste país quaisquer instalações, colaboradores seus ou actividade de que natureza fosse.

f. Os documentos juntos pela AT não são demonstrativos de que as Notas de liquidação respeitantes aos exercícios de 2002 e 2003 alguma vez tenham sido recebidas pela ora Recorrida.

g. Aliás, e tanto assim é e é conhecido da AT, que a permanência da Recorrida em Portugal foi objecto de demonstração em sede de impugnação judicial interposta contra liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2000 e 2001, liquidações adicionais, essas sim, que a ora Recorrida recebeu, o que permitiu que tivesse apresentado a respectiva contestação:

i. 1 de Dezembro de 2000 - data de início da obra de fornecimento, entrega, elevação e teste de um parque eólico em Malhadas-Góis;

ii. 26 de Outubro de 2001 - data de entrega da obra ao dono da mesma, sendo que a sua aceitação foi efectuada integralmente e sem reservas.

h. Ou seja, desde o dia 26.10.2001, que a Recorrida deixou ter qualquer actividade no local, e, por conseguinte, em Portugal.

i. E essa realidade é, e sempre foi, conhecida pela Administração fiscal.

j. Logo, as Notas de Liquidação relativas aos exercícios de 2002 e 2003, não tendo havido qualquer actividade da Recorrida em Portugal, não podem deixar de constituir uma mera ficção e ilusão que não consubstanciam uma realidade factual. E, nessa medida, seriam sempre ilegítimas, mesmo que notificadas à Recorrida.

k. Ora inexistindo actividade, aliás discutindo-se exactamente a data em que a Recorrida deixou de ter actividade em Portugal, qualquer referência a apuramentos de natureza tributária posterior a esse ano de 2001, constituirá uma ficção que não tem sustentabilidade factual como a Administração Fiscal sabe.

l. As cópias de registos da própria Administração Fiscal, por si elaborados e como meio de fundamentar o alegado envio das aludidas Notas de Liquidação, não demonstram de todo que a Recorrida as tenha recebido, algo que foi sempre peremptoriamente recusado e negado.

m. Os referidos documentos, repita-se, nunca foram notificados à Recorrida ou algum seu representante, não sendo por isso conhecido em tempo o seu teor, nem da respectiva fundamentação, e por isso, não se trata de uma mera irregularidade - que, aliás, nunca poderia ser considerada como sanada, pois como acima foi dito, nunca foram recebidas, logo, nunca poderá, ser alvo de reclamação ou impugnação - pois que a finalidade da lei ao estabelecer uma especial forma de notificação nunca foi cumprida.

n. A Recorrida confessa, mais uma vez, que foi com estranheza que verificou que, notificada a Fazenda Pública para contestar a alegação da Recorrida de que jamais tinha recebido notas de liquidação de IRC relativas ao exercício de 2002 e 2003 (e respectiva fundamentação), a Fazenda Pública apenas juntou notas de liquidação de exercícios antecedentes, cuja notificação a Recorrida nunca contestou (razão pela qual as impugnou, em sede própria), o que não deixa de ser revelador do caso em apreço, mas acima de tudo da justeza e seriedade do alegado pela Recorrida.

13) Foi exactamente para acautelar estas situações que o Legislador previu e sujeitou a AT à obrigação de notificar o contribuinte mediante o recurso a um meio que assegurasse que o mesmo recebia e era conhecedor do teor das aludidas liquidações oficiosas em que estava em causa um acto capaz de alterar a situação tributária do contribuinte (cfr. art.º 102º n.º2, 110º n.º 2 do CIRC, e art.º 38º n.º 1 do CPPT).

14) No caso do Acórdão Recorrido, mais uma vez, não se discute a natureza ad probationem, ou ad substanciam do envio das notificações das liquidações por meio de carta registada com aviso de recepção, como acontece no Acórdão fundamento, mas sim conclui-se que a AT não fez prova mínima de que chegou a enviar as Notificações e de que as mesmas foram recebidas pela Recorrida.

15) Ora, assim sendo, não existe contradição entre os dois Acórdãos, pois a realidade factual subjacente é distinta, por um lado, mas acima de tudo porque a ora Recorrida sempre negou que tivesse recebido as preditas notificações.

16) Nestes termos, no Acórdão Recorrido não se discute se estaríamos perante uma mera irregularidade sanável, mas sim perante uma ausência de notificação, que a AT não logrou demonstrar ter efectivamente realizado.

17) Seguiremos ainda a este propósito a fundamentação do Acórdão recorrido:

a. Os prints dos “registos privativos” da DGCI juntos aos autos são meros documentos internos que não fazem prova da notificação das liquidações;

b. Mesmo que pudessem ser aceites como prova idónea, não há correspondência entre os números dos registos postais constantes nos mesmos e os números de registos que são indicados;

c. Nos termos do disposto no art.º 102º do n.º 2 do CIRC, na versão aplicável à data dos factos, a notificação das liquidações em apreço deveria ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção por se tratar de acto capaz de alterar a situação tributária do contribuinte, o que não aconteceu neste caso (cfr. 38º n.º 1 CPPT);

d. O legislador assim o impôs por se tratar de acto com importância e que é votado ao desempenho de uma determinante tarefa de transmissão de informação relevante ao contribuinte, sendo condição de eficácia do mesmo.

e. Nos termos do disposto no art.º 38º n.º 1 do CPPT As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

f. O que não aconteceu no caso em apreço.

g. De igual modo, inexistindo dúvidas quanto a tratar-se de actos que criavam deveres ou encargos para a Recorrida, outra não poderá ser a conclusão de que não ficou demonstrado que a aquela alguma vez tenha sido notificada do que quer que seja.

h. Sendo certo que, como já acima foi referido, não seria natural que a Recorrida o esperasse ou pudesse contar, pois, desde Outubro de 2001 que não tinha qualquer actividade ou representação em Portugal.

18) Em suma, não tendo a AT feito prova plena ou indiciária de que alguma vez remeteu as notificações relativas às liquidações cujo pagamento que reclamava na acção executiva de cobrança e que a Recorrida as tivesse recebido, outra não poderia deixar de ser a decisão deste Tribunal que não fosse a de confirmar a decisão recorrida.

19) Efectivamente, não existe qualquer contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão fundamento pois inexiste idêntica situação fáctica que permitisse tal afirmação, e nestes termos entende-se que o Acórdão ora Recorrido deverá ser mantido por ser a única forma de se fazer uma aplicação judiciosa do Direito.

20) Face ao exposto, entende a Oponente que a documentação junta pela Fazenda Pública na contestação nada demonstra (antes indicia a veracidade da alegação da Oponente) quanto à questão fundamental em apreço, a recepção das Notas de Liquidação e os efeitos jurídicos da sua existência ou ausência.

Termos em que o Acórdão Recorrido deverá ser mantido por inexistir contradição de Acórdãos, só assim se fazendo inteira justiça.

1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu parecer no sentido de que se devia julgar findo o recurso por inexistência de oposição de soluções jurídicas, sufragando o entendimento vertido na conclusão 10) das contra-alegações da Recorrida.


1.4. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em Pleno da Secção.

2. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul em 24/01/2012, no processo n.º 05171/11 (acórdão recorrido), com o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 22/10/2003, no processo n.º 01099/03 (acórdão fundamento).

Apesar de o Excelentíssimo Juiz Desembargador Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que admite a possibilidade de existir a invocada oposição, importa analisar se ela, efectivamente, se verifica, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de (re)apreciar a questão, em conformidade com o disposto no art.º 687.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

Trata-se de um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo de oposição a execução fiscal instaurado em 8/10/2008, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002 (Cfr., sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26/09/2007, no recurso n.º 0452/07.), pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto no art.º 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, art.º 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e art.º 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

- que não ocorra o caso de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como também tem sido repetidamente explicitado pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os seguintes critérios:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica - ou seja, é necessária tanto uma identidade jurídica como factual, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica - a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, soluções opostas, que decorram de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos, então, se no caso se encontram preenchidos os citados requisitos.

O acórdão recorrido decidiu uma questão que a Fazenda Pública colocara no recurso da sentença que julgara procedente a oposição à execução deduzida pela sociedade A......., e que se traduzia na existência de um erro de julgamento na valoração da prova documental produzida, porquanto, na sua perspectiva, essa prova seria manifestamente suficiente para demonstrar a realização da notificação das liquidações dos tributos em cobrança coerciva.

Com efeito, na sentença da 1ª instância julgara-se a oposição procedente com o fundamento de que a Fazenda Pública não lograra provar a efectivação da notificação das liquidações oficiosas de IRC quanto aos exercícios de 2002 e 2003 antes de decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidar tais tributos, já que os prints que juntou aos autos, sendo meros documentos internos, não constituíam prova idónea do facto, e os outros documentos, também juntos pela Fazenda Pública, não correspondiam ao período de tributação em causa.

O acórdão recorrido confirmou a sentença proferida na 1ª instância, no sentido de que a Fazenda Pública não provara a válida notificação das liquidações dos tributos em cobrança coerciva antes de decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidar, embora por entender que as notificações em causa teriam de ser feitas por carta registada com aviso de recepção, «(…) realidade que de modo nenhum a documentação apontada pela Rte comprova (…)».

Já no caso apreciado no acórdão fundamento, estava em causa uma impugnação judicial do acto de liquidação adicional de IRC, onde a Impugnante invocara, além do mais, a irregularidade formal da notificação, que se efectivara por carta registada, mas sem aviso de recepção, e entendeu-se neste acórdão que «É pacífico que, prescrevendo a lei uma formalidade – remessa de carta registada com aviso de recepção -, e procedendo-se em desacordo com essa prescrição – omitindo o recepção – se incorre numa irregularidade, por preterição de formalidade legal.
Mas tal irregularidade deve considerar-se sanada desde que a finalidade que a lei tem em vista com a imposição da formalidade tenha sido atingida, mau grado a sua preterição. (…). O objectivo querido pelo legislador, ao escolher o meio, foi, antes, alcançar aquilo que ele propicia: o ficar o remetente com um documento que assegura a recepção pelo destinatário, e a data em que tal ocorreu. Ou seja, a função do aviso de recepção não é outra que proporcionar à Administração uma prova segura de que a notificação se concretizou, na pessoa devida, e numa dada data.
Ora, no nosso caso, sabe-se, porque a recorrida o afirma, que recebeu a notificação. É verdade que tal notificação foi levada a cabo por meio que não respeitou integralmente a prescrição legal, que manda fazê-la por carta registada com aviso de recepção. Mas a consequência não é a inexistência da notificação, nem, sequer, a sua invalidade. É, apenas, o colocar a Administração perante a necessidade de provar que a notificação teve lugar, apesar da preterição da formalidade. Prova que, no caso, não tem que fazer, pois a recorrida não questiona, antes afirma, a recepção da notificação.».

Constata-se, assim, que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento recaíram sobre situações fácticas distintas, apreciando questões jurídicas diversas à luz de normas também diferentes:

· no processo onde foi proferido o acórdão recorrido, a Oponente invocara a falta de notificação das liquidações dos tributos em cobrança coerciva antes de decorrido o prazo de caducidade do direito à sua liquidação; e a questão que foi colocada e decidida no acórdão reconduziu-se à apreciação e valoração da prova produzida pela Fazenda Pública nesse conspecto, tendo-se concluído que as notificações em causa tinham de ser realizadas por meio de carta registada com aviso de recepção, e que não tendo a Fazenda Pública logrado provar, como lhe competia, a sua efectivação através do necessário aviso de recepção, havia que confirmar a decisão de procedência da oposição proferida em 1ª instância;

· já no processo onde foi proferido o acórdão fundamento, a Impugnante invocara a irregularidade formal da notificação da liquidação de imposto, por ela ter sido efectuada por carta registada sem aviso de recepção; e no acórdão apreciou-se e decidiu-se a questão da relevância da ausência do aviso de recepção quando a lei exige essa forma de notificação, tendo-se concluindo-se que, face à natureza ad probationem da formalidade, deve considerar-se sanada a irregularidade quando, como no caso em análise, é incontroversa a efectivação da notificação com o cumprimento dos objectivos que legalmente a determinam.

Não há, pois, oposição entre os dois arestos susceptível de ser dirimida mediante o presente recurso fundado em oposição de acórdãos, pelo que este deve ser considerado findo, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT.

3. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Março de 2013. - Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) - Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira - João António Valente Torrão - Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Lino José Batista Rodrigues Ribeiro - Pedro Manuel Dias Delgado - Maria Fernanda dos Santos Maçãs.