Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0324/11
Data do Acordão:05/11/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF de 2002 e artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.
II - Os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto.
III - Os juízos sobre se determinada conduta ou se os factos apurados nos autos preenchem ou não o “fundado receio de diminuição de garantia patrimonial” constituem, essencialmente, juízos de facto, pois para os formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum e não a apreciação directa ou indirecta de qualquer norma jurídica ou aplicação da sensibilidade ou intuição jurídica.
Nº Convencional:JSTA000P12880
Nº do Documento:SA2201105110324
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A… e mulher B…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Beja que julgou procedente o arresto contra eles requerido pelo Representante da Fazenda Pública, relativamente aos bens imóvel e móvel sujeito a registo, identificados nos autos, dela vêm interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A. A providência cautelar de arresto depende da verificação simultânea dos seguintes requisitos: fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis e o tributo estar liquidado ou em fase de liquidação – art.º 136.º, n.º 1, alíneas a) e b), respectivamente, do CPPT.
B. Sendo certo que, o “fundado receio” da perda da garantia patrimonial pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito invocado pela diminuição da garantia patrimonial, cujo respectivo ónus da prova incumbe, neste caso, ao Digno Representante da Fazenda Nacional.
C. Dito por outras palavras, é necessária a invocação de factos concretos que, de acordo com as regras da experiência, consubstanciem o receio e aconselhem uma decisão cautelar imediata (Ac. STJ, de 3/3/98, CJ/STJ, Tomo I, pág. 116).
D. Sendo certo que, assim sucede, não obstante a presunção estabelecida no n.º 5 do art.º 136.º do CPPT, pois que, sendo o “fundado receio” um conceito meramente conclusivo, há-de fundar-se em factos que, dados como provados, permitirão que se tire tal conclusão.
E. Pois, na verdade, a presunção contida no n.º 5 do art.º 136.º (e presunção significa, nos termos do art.º 349.º do CC, firmar um facto desconhecido a partir de um facto conhecido) apenas poderá entender-se como referida a factos, que pretendem sustentar o «fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários».
F. Temos, assim que, no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais, a Fazenda Pública encontra-se sujeita ao ónus de alegação dos factos que possam integrar a conclusão de que existe fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.
G. Ora, na sua petição, o Ilustre Requerente, a Fazenda Pública, alegou a existência de um crédito a seu favor no valor de € 95.974,64, resultante de “futuras” liquidações adicionais, em sede de IVA e IRS, bem como, o receio de diminuição da garantia patrimonial de tal crédito, porquanto, «a requerida B… era a única sócia e gerente da C…, Lda., (…) e no decurso da acção inspectiva a requerida B…, na qualidade de sócia gerente vendeu a moradia a si própria e ao seu marido».
H. Ora, acontece que, tais factos invocados pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, e assim considerados provados pelo Digno Tribunal Recorrido, não justificam de modo algum qualquer receio de diminuição da garantia patrimonial do seu alegado crédito.
I. Ao invés, parece-nos, salvo o devido respeito, contraditória a ilação assim presumida pelo Digno Tribunal “a quo”, pois, não vislumbram os aqui recorrentes como pôde o facto (único alegado e provado) de terem feito ingressar no seu património um bem imóvel, de elevado valor patrimonial – já no decurso da acção inspectiva e para cuja morada, inclusive, mudaram o seu domicílio fiscal - , conduzir à conclusão (presumida) de que existe fundado receio de diminuição de garantia patrimonial.
J. Seja, não resulta com veracidade, ou sequer por meio de invocação de factos concretos, que os recorrentes tenham encetado quaisquer diligências ou efectivado quaisquer actos que consubstanciem dissipação, ocultação ou diminuição do seu património, o que, aliás, não acontece.
K. Com efeito, todas as conjecturas tecidas pelo Digno Representante da Fazenda Pública, e consequentemente, pelo Digno Tribunal ora recorrido, a tal respeito são feitas por referência à sociedade por quotas “C..., Lda.”, e não propriamente aos requeridos nos autos de processo de arresto em causa.
L. Donde, apraz afirmar que, ao contrário do que concluiu o Digno Tribunal recorrido, o que resulta da argumentação do Ilustre Representante da Fazenda Pública é que houve concentração na pessoa dos aqui recorrentes de mais bens, o que, por si só, afasta a presunção de um qualquer receio de diminuição de património ou de intenção de não liquidar o imposto pretensamente em falta.
M. É que, na verdade, o único acto/facto invocado, concretizado numa escritura de compra e venda em que os aqui recorrentes foram os próprios compradores ( e não um qualquer terceiro), consubstancia aquisição/acréscimo/aumento de património e não dissipação/ocultação/diminuição do mesmo.
N. O que leva a concluir que não existe qualquer “fundado receio” de diminuição da garantia patrimonial, ou que se vislumbre sequer dificuldade na satisfação do alegado crédito, pelo contrário.
O. Pelo que, como se acredita ser manifesto, e salvo o devido respeito, não é de todo aceitável o entendimento plasmado na douta sentença ora recorrida quando aí se afirma que «a venda do único bem da sociedade, no decurso do procedimento de inspecção, é também sinal que suporta o fundado receio de perda de garantia patrimonial por parte do credor.
P. Que sinal é este, então? Resultante da venda do bem de uma sociedade contribuinte que não os contribuintes requeridos no arresto? – É que, saliente-se, tal venda fez ingressar património na esfera dos requeridos no processo de arresto em causa, ora recorrentes, e não o contrário.
Q. Assim, salvo o devido respeito, parece-nos que mal andou o Digno Tribunal ora recorrido ao ter misturado as dívidas, os bens e os actos da sociedade “C…, Lda.” Com a actuação dos contribuintes singulares A… e B…, os quais, estes sim, foram requeridos nos autos de arresto ora em apreço.
R. Donde, não nos parece, de todo, nem de longe nem de perto, que os factos concretos que pudessem fazer antever o perigo de diminuição da garantia de cobrança do crédito alegado, cuja alegação e prova se revelava necessária para efeito de preenchimento dos pressupostos para o decretamento do arresto requerido, se tivessem mostrado assentes nos presentes autos.
S. Até porque, atenta a função meramente preventiva do arresto, e atento o carácter de medida gravosa que é, é insuficiente, senão mesmo contraditória e infundada, basear-se tal medida cautelar no facto de ter revertido para os recorrentes um bem imóvel, desligado de um qualquer outro(s) factor(es) relacionados com a perda da garantia patrimonial, o que não enquadra obrigatoriamente o pressuposto legal em causa, pelo contrário, apenas se enquadra como um reforço na sua esfera jurídica do seu património.
T. De forma que, não está verificado, pois, o pressuposto processual da causa de pedir imprescindível à sustentação da pretensão cautelar deduzida nos autos, uma vez que, dos factos alegados e dados como provados, não existem elementos para afirmar o “fundado receio de diminuição de garantia de cobrança” do pretenso imposto devido.
U. Assim, decorre do exposto que, decidindo como se decidiu, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 136.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao não ter procedido à devida apreciação dos factos alegados e comprovados, nomeadamente quanto ao fundado receio da diminuição da garantia de cobrança do imposto em liquidação, bem como à insuficiência patrimonial dos aqui recorrentes.
V. Pelo que, em suma, pelas razões acima expostas, nomeadamente pela apontada violação do disposto no artigo 136.º do CPPT, deve a douta decisão que decretou o arresto ser revogada, com as consequências legais.
Contra-alegando, veio a Representante da Fazenda Pública dizer que:
A) Inconformados com a douta sentença a quo, proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, vêm os recorrentes defender que não ficou demonstrada a existência de um fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários.
B) O RFP pode requerer o arresto de bens do devedor de tributos, caso estes estejam em fase de liquidação ou já liquidados e haja fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de tais créditos – artigo 136.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPPT.
C) A douta sentença a quo julgou procedente o arresto uma vez que os impostos em causa se encontravam em fase de liquidação e ser o comportamento dos ora recorrentes (caracterizado pelo incumprimento declarativo e de pagamento de imposto) indiciador, segundo as regras da experiência comum, de poderem vir a ocultar ou reduzir as garantias de cobrança dos impostos liquidados.
D) Considera ainda a douta sentença e resulta dos factos provados, que a venda, no decurso da acção inspectiva à sociedade ”C…, Lda.”, do único bem de que a sociedade, cuja gerente é a ora recorrente, “é também sinal que suporta o fundado receio de perda da garantia patrimonial por parte do credor, existindo, por conseguinte, uma séria probabilidade de frustração dos impostos em falta”.
E) É nosso entendimento que para a providência cautelar ser decretada é suficiente um comportamento que faça perigar a garantia patrimonial do devedor, sendo certo que ao requerente da providência basta-lhe demonstrar ser compreensível ou justificado tal receio.
F) É que o facto de durante uma primeira acção inspectiva à sociedade ter sido alienado um bem, que se traduzia na única garantia, que poderia e deveria constituir a garantia dos créditos tributários (artigo 51.º, n.º 1 da LGT), justifica o receio de que durante a acção inspectiva posterior, efectuada à contabilidade do recorrente, esse mesmo bem venha a ser também alienado.
G) Assim, os factos referidos na PI e dados como provados na douta sentença a quo demonstram, ressalvado o devido respeito, a facilidade com que a propriedade do bem imóvel pode ser transmitida diminuindo assim a garantia dos credores.
H) Acresce ainda que o n.º 5 do artigo 136.º do CPPT presume o fundado receio da diminuição das garantias no caso da existência de dívidas por impostos que o devedor esteja obrigado a reter ou repercutir a terceiros (como é o caso do IVA) e não haja entregue nos prazos legais.
I) Quanto ao alegado aumento do património dos recorrentes, cabe referir que, na verdade, este ocorreu em detrimento do património da sociedade (à data estava a ser alvo de uma acção inspectiva) pelo que, como doutamente refere a sentença a quo, tal “configura uma situação identificável com uma fuga ao cumprimento das obrigações fiscais, indiciando … forte probabilidade de vir a dissipar, ocultar ou reduzir substancialmente os seus bens por forma a diminuírem as garantias de cobrança dos impostos”.
Em face do exposto, não enferma a douta sentença de qualquer erro ou vício apontado pelos recorrentes, antes decidiu de forma objectiva e de acordo com as atinentes disposições legais.
Assim, dadas as razões supra expendidas, a Representação da Fazenda Pública requer seja mantida a sentença recorrida.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, por isso, o STA incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento, e competente para o efeito o TCAS.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão, vieram os recorrentes dizer que o recurso por si apresentado tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, por isso, este STA competente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento.
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) O requerido A… exerce a actividade de comercialização e exploração de máquinas de diversões e brindes;
B) A escrita dos exercícios de 2007, 2008 e 2009 foi inspeccionada;
C) Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) concluíram pela impossibilidade de determinação das receitas anuais originadas pela actividade de exploração de máquinas de brindes a partir dos valores registados na contabilidade, a qual não merece credibilidade, procedendo à quantificação da matéria colectável de IRS e ao apuramento do IVA através de métodos indirectos, tomando por base documentação bancária;
D) Os valores propostos produzem liquidações adicionais de impostos no montante global de € 95.974,64, dos quais:
i. IRS:
1. Ano de 2007: € 16.624,02;
2. Ano de 2008: € 15.325,35;
3. Ano de 2009: € 12.985,61;
ii. IVA:
1. Ano de 2007: € 18.687,00;
2. Ano de 2008: € 16.441,02;
3. Ano de 2009: € 15.911,64;
E) Da informação para pedido de arresto, elaborada em 2011.01.27 pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Beja, extracta-se:
i. (…)
ii. IV – Exposição dos factos que indiciem o justo receio de diminuição da garantia de cobrança:
iii. (…) Procederam estes Serviços de Inspecção à verificação da contabilidade da empresa C…, Lda., (…) empresa da qual é sócia única e gerente a esposa do sujeito passivo B… (…);
iv. Trata-se de uma empresa registada no cadastro fiscal para a compra e venda de imóveis e construção para venda pelo próprio;
v. No decurso (…) da inspecção (…), detectou-se que a empresa havia adquirido em 2007.11.09 um lote de terreno (…) no qual construiu uma moradia, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Aljustrel sob o artigo 6459 (…);
vi. Verificou-se que a moradia em questão se encontrava a ser habitada pela sócia e pelo sujeito passivo A…, tendo ambos alterado, em 2008.12.03, o domicílio fiscal para a referida morada;
vii. Questionada que foi a sócia da empresa quanto aos motivos (empresariais ou particulares) que presidiram à construção do imóvel e relativamente à finalidade do mesmo, declarou que pese embora nele habitar, a verdade é que sempre se destinou a venda, aguardando apenas o surgimento de clientes interessados na sua aquisição;
viii. Em 2010.01.21, no decurso do procedimento inspectivo, através de escritura realizada na Conservatória dos Registos de Beja – Casa Pronta (…), B…, em representação da sociedade, vendeu o referido imóvel a si própria e ao sujeito passivo seu marido, por um preço inferior ao respectivo valor de custo;
ix. O imóvel em causa era o último de que a empresa dispunha na sua titularidade, tendo cessado a actividade em 2010.09.29;
x. Da referida acção de inspecção resultaram liquidações adicionais de IRS/retenções na fonte, no montante total, incluindo juros compensatórios, de € 16.975,39 (…) actualmente em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 0205201001006592, que corre termos no Serviço de Finanças de Aljustrel;
xi. A situação descrita é demonstrativa da facilidade com que a propriedade do bem em causa pode ser transmitida pelos sujeitos passivos, podendo estes frustrar as expectativas do credor tributário de ver satisfeito o pagamento das dívidas fiscais (…);
F) O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljustrel sob o n.º 2250/19990729, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Aljustrel sob o artigo 6459, encontra-se inscrito a favor dos Requeridos A… e B… (Ap. 3835, de 2010.01.21);
G) Sobre este prédio incide o seguinte ónus ou encargo:
a. Ap. 3836, de 2010.01.21 – Hipoteca Voluntária – Capital: € 75.000,00; Montante máximo assegurado: € 92.512,50; Sujeito Activo: Banco Comercial Português, SA, sociedade aberta (…); garantia de empréstimo (…);
H) O veículo automóvel da marca …, com a matrícula … está registado a favor de A… (cfr. certidão da Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Cartório Notarial de Aljustrel, a fls. 34 dos autos).
III – Tendo sido suscitada pelo Exmo. PGA junto deste Tribunal a questão da incompetência deste STA para apreciar o recurso, por este se não fundar exclusivamente em matéria de direito, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do CPPT e 13.º do CPTA.
Na verdade, o STA só é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância se em causa estiver apenas matéria de direito. Versando o recurso, também, matéria de facto, competente é, não já o STA, mas o TCA.
É o que dispõem os artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do ETAF, aprovado pela Lei 107-D/2003, de 31/12, e já antes estabeleciam os artigos 32.º, n.º 1, alínea b) e 41.º, n.º 1, alínea a) do anterior ETAF, aprovado pelo DL 128/84, de 21/3, na redacção dada pelo DL 229/86, de 29/11.
Alega, para o efeito, o Exmo. Magistrado do MP que as conclusões H), J), L) e M) das alegações dos recorrentes pretendem impugnar os juízos conclusivos fácticos expressos na sentença, segundo os quais:
- a conduta dos requeridos indicia, de acordo com as regras da experiência comum, forte probabilidade de poderem vir a dissipar, ocultar ou reduzir substancialmente os seus bens, por forma a diminuírem as garantias de cobrança dos impostos que vierem a ser liquidados (fls. 64);
- a venda do único bem da sociedade, no decurso do procedimento de inspecção, é também sinal que suporta o fundado receio de perda da garantia patrimonial por parte do credor (fls. 64).
Contrapõem os recorrentes, afirmando que, em momento algum, pretendem colocar em causa os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, limitando-se, antes, a contestar a conclusão, de direito, retirada pelo tribunal dos factos provados, isto no que concerne ao preenchimento do “fundado receio de diminuição de garantia patrimonial”.
Vejamos. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (v., entre outros, os acórdãos do STA de 16/12/2009 e de 21/04/2010, proferidos nos recursos n.ºs 738/09 e 189/10, respectivamente).
No caso em apreço, como bem salienta o Exmo. PGA, o que os recorrentes contestam são os juízos conclusivos fácticos expressos na decisão recorrida, segundo os quais a conduta dos requeridos e os factos apurados nos autos indiciam, de acordo com as regras da experiência comum, forte probabilidade de poderem vir a dissipar, ocultar ou reduzir substancialmente os seus bens, por forma a diminuírem as garantias de cobrança dos impostos que vierem a ser liquidados, sendo sinal que suporta o fundado receio de perda de garantia patrimonial por parte do credor.
Ora, como se refere no acórdão deste STA de 13/5/2009, proferido no recurso n.º 77/09, «em sintonia com o defendido pelo Prof. ANTUNES VARELA em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122.º, página 220, deve entender-se que os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto.
Os juízos sobre a matéria de facto que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, que estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei são do conhecimento dos tribunais com meros poderes de revista.».
Neste caso, os juízos formulados na decisão recorrida, e que os recorrentes aqui contestam, sobre se determinada conduta dos requeridos ou se os factos apurados nos autos preenchem ou não o “fundado receio de diminuição de garantia patrimonial” constituem, essencialmente, juízos de facto, pois para os formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum e não a apreciação directa ou indirecta de qualquer norma jurídica ou aplicação da sensibilidade ou intuição jurídica.
Assim, tem de entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, pelo que o Supremo Tribunal Administrativo é hierarquicamente incompetente para o conhecimento do recurso, cabendo a competência para o conhecimento do mesmo à Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul – artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF de 2002 e artigo 280º, n.º 1, do CPPT.
IV – Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, indicando-se, nos termos do art. 18.º, n.º 3, do CPPT., como tribunal que se considera competente o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário), para o qual os recorrentes poderão requerer a remessa do processo, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do mesmo artigo.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UC(s).
Lisboa, 11 de Maio de 2011. - António Calhau (relator) - Casimiro Gonçalves - Brandão de Pinho.