Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:039/14.9BEMDL-S2
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRANSACÇÃO
NOVAÇÃO
PRESCRIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:Justifica-se a admissão de recurso de revista em que se suscitam questões jurídicas complexas e transversais às várias áreas do direito, e cuja resolução concreta suscita dúvidas legítimas.
Nº Convencional:JSTA000P32028
Nº do Documento:SA120240321039/14
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PESO DA RÉGUA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A... S.A. - autora desta acção administrativa «comum» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 20.10.2023 - que negou provimento à sua «apelação» e manteve na ordem jurídica o saneador-sentença - de 11.08.2022 - pelo qual o TAF de Mirandela absolveu do pedido o MUNICÍPIO DE PESO DA RÉGUA na parte em que era pedida a sua condenação a pagar à autora o montante que vinha titulado pela «nota de débito nº...49», e respectivos juros de mora, com fundamento em prescrição.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

O ora recorrido - MUNICÍPIO DE PESO DA RÉGUA - contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social «se revista de importância fundamental» ou quando a admissão do recurso seja «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Na presente acção administrativa - então dita «comum» - a sua autora - A... S.A. [então B..., S.A.] - demandou o réu - MUNICÍPIO DE PESO DA RÉGUA - pedindo ao tribunal - TAF de Mirandela - a sua condenação a pagar-lhe a «quantia global de 1.540.339,29€» [sendo a quantia de 150.880,00€ de juros de mora já vencidos], acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Na contestação o réu invocou a «prescrição» dos créditos titulados pela nota de débito nº...49, alegando que foi citado para a presente acção decorridos mais de dois anos sobre a data da respectiva emissão.

O TAF de Mirandela - após um primeiro despacho-saneador, de 05.03.2021, que foi anulado por acórdão do TCAN, de 13.05.2022, na parte aqui pertinente - proferiu despacho-saneador no qual, para além do mais, julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos créditos titulados pela referida «nota de débito», e absolveu o réu dessa parte do pedido.

A autora «apelou» para o TCAN o qual, por acórdão de 20.10.2023, negou provimento ao recurso jurisdicional e manteve o que a respeito havia sido decidido pelo tribunal de 1ª instância. Diversamente do que alegara a apelante, o tribunal de apelação entendeu que não se mostrava errado o julgamento de direito do TAF relativamente às questões da novação [artigo 859º do CC], da interrupção do prazo de prescrição [artigo 325º, nº1, do CC], e do não reconhecimento do acordo de transacção como título executivo para efeitos de determinação do prazo de prescrição aplicável [artigos 311º, nº1, e 325º, CC]. Efectivamente, considerou-se no seu acórdão que inexiste, neste caso, qualquer novação objectiva da dívida titulada pela dita nota de débito por o acordo de transacção - celebrado entre as partes - não reunir as condições legalmente impostas para a aplicação desse instituto jurídico; mais se considerou que a celebração desse acordo de transacção não interrompeu o prazo de prescrição da dívida titulada pela nota de débito para efeitos do nº1 do artigo 325º do CC; e, por fim, considerou que tal acordo de transacção não poderá ser tido como título executivo para efeitos do artigo 46º do CPC [redacção do DL nº329-A/95, de 12.12], o que impossibilita a aplicação no caso do nº1 do artigo 311º do CC, não sendo, assim, de aplicar o prazo de prescrição ordinário [20 anos].

Novamente a autora discorda, e pede «revista» do acórdão do tribunal de apelação com base em alegados «erros de julgamento de direito». Ou seja, a seu ver o acórdão recorrido interpretou e aplicou de forma errada os regimes jurídicos dos artigos 859º, 311º, nº1, 325º, nº1, do CC, e 46º, do CPC [na redacção do DL nº329-A/95, de 12.12]. Sublinha que o acordo de transacção celebrado pelas partes traduz uma assunção de dívida em clara substituição da dívida anterior, que tal acordo, reconhecendo a dívida, interrompe o prazo de prescrição de dois anos - relativo aos créditos inseridos no nº3 das Bases XXIX e XXXI do DL nº195/2009, de 20.08 [que alterou o DL nº319/94, de 24.12, e o DL nº162/96, de 04.09] - e que não pode o mesmo deixar de ser considerado como título executivo para os efeitos reclamados.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

As questões que se perfilam respeitam à correcta aplicação à factualidade provada dos institutos e regimes jurídicos - substantivos e adjectivos - convocados: transacção; novação; prescrição e sua interrupção; título executivo. Estes, que são de importância extrema e transversais às diversas áreas do direito, mostram-se, no caso, de aplicação complexa e duvidosa consonância com jurisprudência existente, justificando a intervenção deste tribunal de revista em nome da clarificação da sua aplicação concreta, e em nome da segurança na resolução de casos futuros pois são vários os processos similares que correm nos tribunais da jurisdição.

Importa, pois, considerar que este caso integra a natureza excepcional que é exigida por lei à admissão deste tipo de recursos, e admitir a revista interposta pela autora da acção - A... S.A.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.