Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0466/10
Data do Acordão:09/22/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRC
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DIREITO DE AUDIÇÃO
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:Elaborado o relatório da inspecção, no qual se propõe a tributação por métodos indirectos, e dada ao contribuinte oportunidade para se pronunciar sobre esse relatório, não se impõe que, antes da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, seja de novo ouvido.
Nº Convencional:JSTA00066594
Nº do Documento:SA2201009220466
Data de Entrada:05/31/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART99 ART117 ART125 N1 ART280.
CPC96 ART101 ART102 ART493 N2 ART494 A ART660 N2 ART668 N1 D.
ETAF02 ART26 B ART38 A.
LGT98 ART60 N1 D ART86 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC189/10 DE 2010/04/21.; AC STA PROC1/10 DE 2010/04/14.; AC STA PROC950/09 DE 2010/01/20.; AC STA PROC644/05 DE 2005/12/14.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG143.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença da Mma. Juíza do TAF de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial que A…, Lda., com os sinais dos autos, deduziu contra a liquidação de IRC, e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2000, no montante global de € 14.958,81, dela interpôs recurso para o TCAS, formulando as seguintes conclusões:
A) Na douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo considerou-se que, nos termos do disposto no art.º 86.º/5 da LGT e art.º 117.º do CPPT, o IRC do ano de 2000 era inimpugnável com fundamento em erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos e em errónea quantificação da matéria colectável determinada com recurso àqueles métodos, mas entendeu-se também que a situação de pré-contencioso obrigatório acolhido naquelas normas legais não estendia os seus efeitos aos demais vícios invocados pela impugnante, nomeadamente, os alegados vícios de forma.
B) E quanto a estes a sentença proferida julgou verificado o vício de forma consubstanciado na falta de notificação da impugnante para o exercício do direito de audição prévia, acolhido no art.º 60.º da LGT, determinando a anulação da liquidação de IRC que vinha impugnada.
C) O presente tem como recorte discordante com a decisão sob recurso o segmento desta que se prende com a notificação para efeitos do exercício do direito de audição.
D) Atendendo exclusivamente aos termos acolhidos na p.i. de impugnação, a autora apenas visava discutir o momento da realização do direito de audição, mas não, verdadeiramente, suscitar o exame da sua efectivação.
E) Efectivamente, para a impugnante é certo ter existido notificação para direito de audição, situando o momento da sua efectivação depois da elaboração do projecto do relatório inspectivo.
F) Tal como os documentos integrados nos autos o demonstram e o ponto B) do probatório estabelece.
G) Contudo a impugnante defendia que a referida notificação deveria ter ocorrido antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, questão que a actual redacção das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT esclarece, detendo mesmo a alínea d) natureza interpretativa (n.º 2 do art.º 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30/12 e art.º 13.º/1 do CC).
H) Ora, tendo a impugnante restringido a sua alegação ao momento da verificação da notificação para direito de audição e sem qualquer fundamento válido que a sustentasse, a decisão sob recurso deveria ter julgado improcedente tal argumentação.
I) Ao deixar de pronunciar-se em matéria que deveria conhecer, a sentença sob recurso incorreu em omissão de pronúncia (art.º 668.º/1-d) do CPC).
J) Ao invés, tendo-se ocupado de questão que não havia sido alegada pela parte, e que não sendo de conhecimento oficioso, constituía matéria afastada do seu conhecimento e consequente pronúncia, a sentença sob recurso ofende assim o disposto no art.º 668.º/1-d) do CPC.
K) Mesmo que assim não fosse entendido, a sentença sob recurso não se pode manter, uma vez que, tal como ampla jurisprudência deste Venerando Tribunal tem sufragado, a não concessão do direito de audição reconduz-se a um vício de forma por preterição de formalidade essencial, mas tal preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final visto que, ao deduzir o atinente meio de defesa (no caso dos autos, a impugnação judicial n.º 57/2003) a preterição da formalidade não teve por consequência a lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos, uma vez que sempre foi realmente atingido o resultado pretendido, ou seja, a defesa contra o acto tributário.
L) Ao decidir contrariamente, a sentença sob recurso apreciou deficientemente os factos pertinentes e fez errada aplicação do art.º 60.º da LGT.
M) Acresce que não foi devolvida a notificação em causa (enviada sob registo), não foi invocado qualquer justo impedimento ao seu levantamento e que não foi efectuada qualquer alteração ao domicílio da impugnante, pelo que a AF beneficiava da presunção a que alude o n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, a qual só podia ser afastada nos termos do n.º 2 da mesma norma, a qual a sentença sob recurso não considerou.
N) A sentença sob recurso faz, assim, errada aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do CPPT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por acórdão de 30/3/10, declarou-se o TCAS incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, e competente para o efeito o STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. Magistrado do MP emite parecer no sentido de que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito porquanto a FP vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório e afirmando factos que o Tribunal recorrido não estabeleceu na sentença recorrida.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão, as mesmas silenciaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização, respeitante ao exercício de 2000, que culminou com a elaboração do relatório de fls. 31 a 39, que se dá por integralmente reproduzido, onde, entre o mais, consta o seguinte:
“(…)
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo: Código PNAIT 22135 – Pessoas colectivas com denúncias
(…)
II.3. Outras situações
II.3.1 Enquadramento Fiscal
A sociedade, constituída por marido e mulher, deu início de actividade em Fevereiro de 1998 e na declaração de início de actividade a que se refere o artigo 30.º do CIVA e 110.º do CIRC foi referido, entre outras informações, o seguinte:
. Actividade Principal – Construção de edifícios e compra e venda de propriedades – CAE 45211;
. No exercício da sua actividade efectua transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem o direito à dedução e transmissões de bens e/ou prestação de serviços que não conferem o direito à dedução;
. Vai efectuar a dedução do imposto suportado segundo a afectação real (artigo 23.º, n.º 2 do CIVA) de todos os bens e serviços.
Em função destas informações ficou enquadrado:
IVA – Regime Normal Trimestral
IRC – Regime Geral
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1 – IVA
Actividade efectivamente exercida e a dedução do Imposto
No exercício de 2000 realizou as seguintes operações activas:
. Prestação de serviços com materiais incluídos – actividade sujeita à taxa normal e que nos termos do disposto no artigo 20.º do CIVA confere direito à dedução;
. Prestação de serviços sem materiais incluídos – actividade sujeita à taxa normal e que nos termos do disposto no artigo 20.º do CIVA confere direito à dedução;
. Venda de um terreno – actividade isenta nos termos do artigo 9.º, n.º 31 do CIVA e que nos termos do disposto no artigo 20.º do CIVA não confere direito à dedução;
O sujeito passivo deduziu todo o IVA suportado (excepção feita para as limitações decorrentes do artigo 21.º do CIVA).
Os custos directos são identificáveis pelo que a afectação real para efeitos de dedução do IVA foi correctamente aplicada em 2000. Em 2001 a empresa começou a construir para venda em terreno próprio tendo deduzido também o imposto suportado nesta actividade.
Para a dedução do IVA suportado nos custos comuns a empresa utiliza a percentagem a que se refere o artigo 23.º, n.º 1 do CIVA calculada de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Durante a visita o sujeito passivo enviou declarações de substituição para regularização do IVA deduzido indevidamente em 2000 e 2001 conforme a seguir se indica:
PeríodoImposto apurado a favor do EstadoObservações
2000.12T87 621$ - 437,05 €IVA dos custos comunsactividade isenta
2000.09T333 948$ - 1 655,73 €IVA dos custos directosactividade isenta
2001.12T153 433$ - 765,32 €IVA dos custos directos e custos comunsactividade isenta

III.2 – IRC
Na declaração periódica de rendimentos e na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se referem os artigos 112.º e 113.º do CIRC foram declarados, entre outros, os seguintes valores:

Rubricas19992000
Vendas de produtos16 273 505$11 555 550$
Prestação de serviços 7 600 000$
TOTAL16 273 505$19 155 550$
Variação de produção9 678 865$(3 580 713$)
Outros ganhos extraordinários 194 249$ 586 682$
Total dos proveitos26 056 619$16 161 519$
CMVMPC16 421 494$ 6 064 607$
F. Serviços externos 2 131 560$ 1 935 427$
Despesas com pessoal 4 737 412$ 5 841 612$
Reintegrações a amortizações 1 162 465$ 1 234 529$
Outros custos 318 723$ 665 265$
Total dos custos24 771 654$15 741 440$
Imposto sobre o rendimento 257 945$ 97 370$
Resultado líquido 1 027 920$ 322 709$
Resultado fiscal 1 285 226$ 424 079$
Matéria colectável com redução de taxa 1 285 226$ 424 079$
Taxa a) 20% 20%
Imposto 257 046$ 84 816$
Total das deduções 150 000$ 162 735$
IRC liquidado 107 046$
a) Taxa a que se refere o artigo 45.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro
Não estão reunidas as condições a que se refere o artigo 45.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, nomeadamente a condição referida na alínea c) do n.º 3, isto é, não houve um crescimento da matéria colectável, em relação ao exercício anterior, de pelo menos 5%, pelo que a taxa a aplicar é de 32% de acordo com o disposto no artigo 80.º, n.º 1 do CIRC.
Assim, a colecta é de 676,89 (135 705$) e não € 423,06 (84 816$) sendo a diferença de € 263,83 (50 889$).
IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
IV.1 – Vendas
Em 2000 foram utilizadas três contas para o registo do volume de negócios, conforme mostra o quadro seguinte:

ContasFacturasValor registadoCliente
712231 – Vendas de P. Acabados6 e 7
10 a 18 e 21
2 000 000$
5 555 550$
B…, Lda
C…
712241 – Vendas isentas
72131 – Prestação de serviços a 17%19 e 207 600 000$D… (sócio gerente)
Total19 155 550$
Na facturação não é cumprido o disposto no artigo 35.º do CIVA, isto é:
• Na conta 712231 – Vendas de produtos acabados foram registados os serviços prestados que incluem materiais. As facturas não discriminam materiais e mão-de-obra sendo indicado um único valor com o seguinte descritivo “Construção de uma moradia”.
• Na conta 72131 – Prestação de serviços foram registadas as facturas que se referem apenas a mão-de-obra mas também não discriminam o n.º de horas. É indicado um único valor com o descritivo “Construção de moradia no lote 47, Urbanização de … Acabamento, serviço de estuque e pintura”.
IV.2 – Recebimentos e pagamentos/meios financeiros
Na contabilidade está evidenciada apenas uma conta de depósitos à ordem e outra de empréstimos:
• 12.8 – CCAM Pombal – Balcão de Albergaria dos Doze, conta n.º …;
• 231108 – CCAM Pombal – Balcão de Albergaria dos Doze, conta caucionada – … (…);
Verificaram-se várias anomalias no movimento das contas bancárias e de caixa conforme a seguir se exemplifica:
Os cheques emitidos entram em caixa sendo os pagamentos feitos através desta conta. Feita a conciliação bancária, verificou-se o seguinte:

12.8 CCAM
Saldo em 1/01/2000 7 013 698$
Movimento a débito18 884 392$
Movimentos a crédito25 891 300$
Saldos em 31/12/2000 6 790$
Nestes movimentos verificaram-se as seguintes anomalias:

12.8 CCAM
Docum.DébitoCréditoValorObservações
070310171282311084000 00$Transferência efectuada da conta … CCAM Pombal – A. dos Doze de D… (sócio gerente)
07009005
08009003
09009005
09009008
128111880 000$
1 500 00$
1 170 000$
2 000 000$
Documento interno com suporte de extracto enviado pelo banco
09051001
10051001
11000001
12051001
1111281 318 438$
1 733 186$
2 318 218$
628 756$
Documento interno

No extracto enviado pelo Banco registaram-se os seguintes movimentos:

CCAM
Saldo em 1/01/2000 1 611 386$
Movimento a débito21 054 392$
Movimentos a crédito22 659 168$
Saldos em 31/12/2000 6 610$
Também se verificam movimentos no banco que não estão revelados contabilisticamente, ou seja:

CCAM
DataEntradasSaídasObservações
04/04/20001 170 000$00Depósito
08/08/20001 000 000$Utilização de empréstimo – conta …
3 052 300$Valor de vários cheques não registados na contabilidade
29/02/20001 000 000$Transferência para a conta … (Conta particular do sócio gerente)

Também na conta 231108 – Empréstimos CCAM – Conta caucionada foi feito um movimento a débito de 6 500 000$00 através de documento interno n.º 12051023 por crédito da conta 11 – Caixa.
Além dos movimentos já referidos verificaram-se ainda outros movimentos através de documentos internos na conta 11 – Caixa, conforme a seguir se indica:

111 - Caixa
Docum.DébitoCréditoValorObservações
120510101112111000032 457 000$D… – factura 19 a)
120510101112111000036 435 000$D… – factura 20 a)
22110011111 443 893$Não se trata de um documento interno mas sim de um recibo do Fornecedor E…., SA no qual é identificado o cheque 969002 CGD
a) Salienta-se o facto deste cliente ser sócio gerente
A conta caixa foi creditada por 443 890$, por débito da conta 2111001 – E…. – F…, SA (documento 100099013) sendo o documento de suporte um recibo do Fornecedor no qual é identificado o cheque n.º 969002 da CGD. O responsável pela contabilidade disse tratar-se de um cheque do cliente C…. Junto do Fornecedor obteve-se o depósito do referido cheque assim como a factura e o correspondente recibo. Junto do cliente C… obteve-se a cópia do cheque emitido à ordem de F…, SA.
Na conta corrente do cliente C… existe um saldo devedor de 500 000$ em 31/12/2000, correspondente à factura n.º 21. Este saldo foi anulado em 31/12/2001 conforme a seguir se indica

DocumentoConta debitadaConta creditadaValor
100009014120821110002500 000$

O recibo tem a mesma data da factura (13/12/2000) e o cheque n.º … emitido pelo cliente foi depositado em 16/10/2000, documento n.º 100009014.
Com o seguinte movimento:

DocumentoConta debitadaConta creditadaValor
1000090141208111500 000$

IV.3 – Pelos motivos referidos não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável/base tributável para efeitos de tributação em ITC e IVA (artigos 51.º e 52.º do CIRC e 84.º do CIVA conjugados com os artigos 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária).
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Tendo em conta os indícios, referidos no ponto IV, de que a contabilidade não reflecte a situação patrimonial da sociedade nem os resultados efectivamente obtidos, vamos proceder ao apuramento do volume de negócios e do lucro tributável por métodos indirectos tendo por base o seguinte critério:
• Utilização do rácio da Margem Bruta I-3.º quartil do CAE 45211 – Construção de Edifícios (unidade orgânica) que é de 77,27%.
A utilização do 3.º quartil é justificada pelo facto da empresa ter uma estrutura reduzida, com implicação nos respectivos custos, e dos custos financeiros serem de montante reduzido.
Assim:
Volume de negócios Presumido = CMVMPC/(1-0,7727)
= 6 604 607$/0,2273
= 26 681 069$ (€ 133 083,61)
IVA em falta = (V. N. presumido – V. N. declarado) x Taxa
= (26 681 069$ - 19 155 550$) x 0,17
= 1 279 338$ (€ 6 381,31)
O imposto em falta é distribuído por períodos em partes iguais.
Lucro Tributável proposto = Lucro tributável declarado + Correcções ao V. negócios
= 424 079$ + 7 525 519$
= 8 804 857$ (€ 43 918,44)
(…)”.
B) No dia 22/10/2002, foi emitido o ofício de fls. 43, visando a notificação da impugnante para o exercício da audição prévia sobre o projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção.
C) Em 05/12/2002, a impugnante foi notificada do relatório de Inspecção Tributária e dos despachos que sobre ele recaíra, bem como da fixação da matéria tributável, por métodos indirectos, para o ano de 2000, em sede de IRC e de IVA, respectivamente, nos montantes de 43.918,44 € e 6.381,31 € - fls. 54 a 55.
D) Contra a fixação do lucro tributável por métodos indirectos, em 13/06/2003, a impugnante apresentou, nos termos do art.º 91.º da LGT, a reclamação de fls. 57 a 65, que se dá por integralmente reproduzida.
E) Em 04/08/2003, a impugnante foi notificada da denegação do pedido referido na alínea antecedente, por ter sido apresentado fora do prazo legal – fls. 70 a 74.
F) Em 12-3-2003, foi emitida a liquidação de IRC referente ao ano de 2000, de fls. 7, que se dá por integralmente reproduzida.
III – 1. Importa a título prévio decidir da questão suscitada pelo Exmo. PGA junto deste Tribunal, pois que o seu conhecimento precede o de qualquer outra (artigos 16.º do CPPT, 101.º e 102.º do CPC), prejudicando, se procedente, a apreciação e julgamento das demais questões suscitadas no recurso.
Sustenta o Exmo. Magistrado do MP que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito porquanto a FP vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório e afirmando factos que o Tribunal recorrido não estabeleceu na sentença recorrida.
É o que se apura, em seu entender, nomeadamente da conjugação das conclusões E) e F), em que a recorrente refere que “para a impugnante é certo ter existido notificação para o direito de audição, situando o momento da sua efectivação depois da elaboração do projecto do relatório inspectivo … tal como os documentos integrados o demonstram e o ponto b) do probatório estabelece” quando o que sobre esta matéria se decidiu na sentença recorrida foi que «não obstante a fls. 44 dos autos constar um registo de correspondência, a verdade é que este não ostenta qualquer carimbo dos CTT, donde fosse possível inferir que a notificação, que supostamente o acompanhava, foi remetida ao destinatário».
Verifica-se, assim, para o MP divergência com o decidido em sede de matéria de facto e nomeadamente no que respeita às ilações de facto retiradas do probatório.
Vejamos. Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o STA “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o TCA das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do CPPT e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do ETAF).
Entende a actual jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título de exemplo, os recentes acórdãos de 21/4/2010, de 14/4/2010, e de 20/1/2010, proferidos nos recursos n.ºs 189/10, 1/10 e 950/09, respectivamente) que, perante as conclusões das alegações de recurso que não estejam suportadas em factos estabelecidos no probatório fixado na sentença recorrida, haverá que ponderar se tais conclusões se traduzem efectivamente em novos factos que contrariam os fixados ou em novas ilações de facto deles retiradas – caso em que se verifica excepção dilatória de incompetência deste Tribunal para conhecimento do recurso (artigos 101.º, 494.º, alínea a) e 493.º, n.º 2 do CPC) -, ou se, pelo contrário, estão em causa factos, em abstracto, irrelevantes para a decisão da questão decidenda ou meras ilações jurídicas retiradas dos factos fixados – caso em que este Supremo Tribunal será ainda competente para conhecer do recurso.
Ora, no caso dos autos, analisado o teor das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente FP, facilmente se constata que não vem posta em causa nem se discute qualquer matéria de facto, mas exclusivamente matéria de direito.
Em concreto, o que se invoca é a nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia e erro de julgamento relativamente ao direito de audiência prévia que apenas vem questionado em termos jurídicos, deixando incólume a matéria de facto tal como fixada na primeira instância.
Improcede, pois, a questão prévia suscitada, declarando-se este Tribunal competente para conhecer do recurso, pois que versa exclusivamente matéria de direito.
2. Vem suscitada pela recorrente, desde logo, a nulidade da sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, por ter deixado de se pronunciar em matéria que deveria conhecer e ter-se ocupado de questão que não havia sido alegada pela parte e que não sendo de conhecimento oficioso constituía matéria afastada do seu conhecimento e consequente pronúncia.
Nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença ou acórdão, em suma, a decisão, é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar ou conheça de questão de que não podia tomar conhecimento, o que está em correspondência directa com o dever que lhe é imposto – cfr. artigo 660.º, n.º 2, daquele primeiro diploma legal -, de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infracção a esse dever, que concretiza a dita nulidade - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 143.
Ora, não é tal a situação nos autos, uma vez que o tribunal equacionou as questões suscitadas no sentido de delas, depois, conhecer.
E entre as questões elencadas pela impugnante estava, sem dúvida, a invocada omissão do direito de audição com a consequente anulação do procedimento.
Aliás, na própria decisão recorrida a questão de saber se ocorreria o vício de forma por falta de notificação para audiência prévia antes da aplicação dos métodos indirectos é expressamente mencionada.
Sucede, porém, que o que a Mma. Juíza “a quo” acaba por concluir na apreciação dessa questão é que dos documentos juntos aos autos não resultava sequer a prova da notificação da impugnante para o exercício do direito de audição prévia que a lei lhe confere e nessa medida, julgando verificado o alegado vício de forma, determinou a anulação da liquidação impugnada.
A questão que se coloca, então, é, pois, antes uma questão de eventual erro de julgamento, mas nunca nulidade por omissão de pronúncia, que é um vício formal, de limites da decisão.
Vejamos, então, se a sentença sob recurso apreciou, ou não, deficientemente os factos pertinentes e fez errada aplicação do artigo 60.º da LGT.
A liquidação impugnada, com fundamento em inexistência dos factos tributários, erro na determinação, qualificação e quantificação da matéria colectável por métodos indirectos, falta de pressupostos para o recurso a tais métodos, vício de forma, preterição de formalidades legais, violação de lei, desvio de poder, ausência ou vício de fundamentação e outras ilegalidades referidas no artigo 99.º do CPPT, resultou de correcções, com recurso a métodos indirectos, efectuadas no âmbito de acção inspectiva levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária.
Na sentença recorrida, a Mma. Juíza “a quo”, considerando que a impugnante havia deduzido fora do prazo legal o pedido de revisão da matéria colectável, com a consequente aplicação do disposto nos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º do CPPT, decidiu que o acto objecto dos autos era inimpugnável com fundamento em erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos e em errónea quantificação da matéria colectável determinada com recurso àqueles métodos.
Contudo, entendeu, também, que a situação de pré-contencioso obrigatório acolhido nas normas acima referidas não estendia os seus efeitos aos demais vícios invocados pela impugnante, nomeadamente os alegados vícios de forma por falta de notificação para audiência prévia antes da aplicação dos métodos indirectos e de desvio de poder.
E quanto a estes julgou apenas verificado o primeiro (considerando prejudicado o conhecimento do segundo) com a consequente anulação da liquidação impugnada.
Assim, o objecto do recurso prende-se apenas com a verificação ou não deste vício de forma por falta de notificação da impugnante para o exercício do direito de audição prévia.
Considerou a Mma. Juíza “a quo” que o alegado vício se verificara porquanto dos documentos juntos aos autos não resultava qualquer prova da notificação da impugnante para efeitos do exercício do direito de audição pois não obstante a fls. 44 dos autos constar um registo de correspondência respeitante a um ofício de fls. 43 visando a notificação para tal exercício sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção a verdade é que este não ostentaria qualquer carimbo dos CTT.
Ora, independentemente da força probatória dos documentos juntos aos autos, o certo é que a impugnante em momento algum põe em causa a sua notificação para exercer o direito de audição, pois o que ela alega na petição inicial é apenas que os SIT só a notificaram para exercer tal direito depois de elaborarem o projecto de relatório, não o tendo efectuado antes de lançar mãos dos métodos indirectos para efeitos de tributação (v. artigos 23.º a 25.º da p.i.).
Ou seja, o que a impugnante visa discutir é o momento da realização do direito de audição e não a sua efectivação.
O alegado vício de forma, por preterição de formalidade legal, consubstanciar-se-ia, assim, para a impugnante em não ter sido convidada a pronunciar-se antes da decisão de tributação por métodos indirectos, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
Sendo certo que, de acordo com os documentos juntos aos autos e com a confissão desse facto no articulado inicial, é patente que a impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção.
Mas ainda que assim se suscitassem dúvidas quanto ao recebimento do projecto do relatório de inspecção através do ofício de fls. 43 referenciado na alínea B) do probatório, pelo menos quanto ao relatório da inspecção a que foi submetida a impugnante o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida que o mesmo lhe foi notificado (facto fixado na alínea C) do probatório) e que sobre ele (do qual constava a proposta de correcção da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (v. fls. 52) a impugnante pôde pronunciar-se, como fez, apresentando a reclamação referida na alínea D) do probatório.
E, assim sendo, a audiência do contribuinte antes da decisão de aplicação de métodos indirectos não é imposta pela lei nos casos em que, antes, o contribuinte já teve a possibilidade de se pronunciar sobre a questão, designadamente, se foi objecto de uma acção de fiscalização que culminou com um relatório no qual foi feita a proposta de tributação por métodos indirectos e esse relatório lhe foi transmitido e sobre ele foi admitido a fazer-se ouvir (v., neste sentido, o acórdão deste STA de 14/12/2005, proferido no recurso n.º 644/05 e a actual redacção do artigo 60.º da LGT dada pelo n.º 2 do artigo 40.º da Lei 55-B/04, de 30/12, com carácter interpretativo, pelo que tudo se passa como se a redacção inicial sempre tivesse disposto conforme a interpretação que lhe foi fixada legislativamente).
Razão por que o alegado vício de forma se tem de julgar por não verificado.
A decisão recorrida que assim não entendeu não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento impugnado, e, em consequência, ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que aí se conheça dos demais vícios suscitados pela impugnante.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Setembro de 2010. – António Calhau (relator) – Casimiro Gonçalves – Pimenta do Vale.