Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0921/15.6BEPRT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO
RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Nas liquidações adicionais praticadas após procedimento de inspecção tributária, o acto de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o conteúdo do relatório de inspecção.
II - Caso o acto de liquidação não contemple a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas se verifique o relatório de inspecção identifica cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incide o imposto, a taxa a aplicar e sustente a sua decisão na legislação aplicável, preanunciando ainda a emissão do acto de liquidação e a sua posterior notificação, e aquele acto venha a apresentar um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, tal é suficiente para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P26347
Nº do Documento:SA2202009160921/15
Data de Entrada:05/29/2019
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- O A………….., S.A., com os sinais dos autos, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 6 de Setembro de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial na parte referente ao acto de liquidação do imposto do selo n.º 220156430000077, apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
a. As liquidações de imposto materializam-se aquando da sua notificação, razão pela qual terão sempre de conter a sua fundamentação, porquanto só desta forma estará a dar-se pleno cumprimento ao disposto no número 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, sendo que a admitir-se que o facto de os sujeitos passivos terem sido notificados, anteriormente, de quaisquer outros atos administrativos desonera a Autoridade Tributária na indicação das razões de facto e de direito que levaram a Autoridade Tributária a decidir da forma que o fez, será considerar a parte final do número 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária como letra morta - o que não deverá aceitar-se;

b. Independentemente dos atos administrativos praticados antes da emanação do ato de liquidação, o ato de liquidação tem de estar sempre - ele próprio - fundamentado, ainda que sucintamente, ou, pelo menos, indicar o(s) ato(s) onde consta(m) essa fundamentação através de remissão formal e expressa para os relatórios, informações ou pareceres antes emanados (e sua junção caso ainda não tenha sido efetuada a notificação ao destinatário) - o que notoriamente não se verifica no caso sub judice;

c. Não tendo havido qualquer remissão, direta ou indireta para outros atos administrativos e ao não constarem os elementos mínimos necessários para a correta apreensão dos elementos de facto e de direito que presidiram à liquidação, o ato emanado está necessariamente votado ao vício de ausência de fundamentação;

d. Concluindo-se que o problema reside na falta de fundamentação do ato de liquidação de Imposto do Selo - por não conter as razões de facto e de direito subjacentes à decisão da Autoridade Tributária, nem de forma sucinta nem através de remissão, terá forçosamente, de se concluir que, independentemente da possibilidade de o Recorrente utilizar o instituto do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a liquidação de Imposto do Selo padecerá sempre do vício de falta de fundamentação, na medida em que o recurso ao referido mecanismo legal não sana o vício em análise;

e. O mecanismo do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não poderá servir o propósito de permitir à Autoridade Tributária fundamentar a posteriori as liquidações de imposto já notificadas aos sujeitos passivos, porquanto, apenas é de atender à fundamentação contextual e contemporânea ao ato tributário, ou seja, aquela que se integra no próprio ato e em face da qual se procede à apreciação contenciosa da respetiva legalidade;

f. E foi precisamente pelo facto de o Recorrente entender que a falta de fundamentação do ato de liquidação não é suscetível de ser sanado através do mecanismo legal previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o Recorrente não lançou mão do mesmo: porque considerou que é o próprio ato de liquidação que padece de falta de fundamentação, quanto à qualificação e quantificação dos respetivos factos tributários, não a notificação em si mesma;

g. Ainda que o problema de falta de fundamentação residisse no ato de notificação, a realidade é que, ainda assim, o Recorrente entende que não teria de socorrer-se do mecanismo a que alude o artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto o referido instituto apenas permitirá sanar o ato de notificação que não contiver a decisão, os meios de defesa e os prazos para reagir, sendo que caso o elemento em falta seja a fundamentação material da decisão - por não constar, ainda que sucintamente ou por remissão -, este vício da notificação não se sana pela não utilização do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, desta forma, a notificação será irregular e o ato notificado ilegal por vício de falta de fundamentação, nos termos da alínea c) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

h. No caso de se verificar que o ato de notificação não contém o elemento de fundamentação da decisão (sucinta ou por remissão), o ato de notificação é ilegal, mas não é ineficaz, pelo que o sujeito passivo (i) não poderá alegar a ineficácia do ato relativamente a si pese embora a falta de fundamentação (por não ter utilizado) o mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no entanto, (ii) poderá alegar a ilegalidade do ato, ainda que tenha não utilizado o mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que fez o Recorrente na presente ação;

i. Constata-se, portanto, que o ato de liquidação de Imposto do Selo padece do vício da falta de fundamentação, em clara violação dos artigos 268.º, número 3 da Constituição da República Portuguesa, 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo, 77.º da Lei Geral Tributária e 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 6430000077, tudo com as legais consequências.
Em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00, requer-se a V. Exa. se digne, nos termos do artigo 6.º, número 7 do Regulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor.».


2- O Representante da Fazenda Pública apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 1ª Instância que julgou improcedente a Impugnação Judicial, à margem referenciada, interposta por A…………. SA com o NIPC ………. e sede em ……….., Porto, contra os actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) do ano de 2015 com o n.º 20156430000077, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 201500000008863, a 201500000008870 no montante total de € 423.541,60.

II. Visava a presente impugnação judicial a anulação do Acto Tributário de liquidação de imposto de selo aqui impugnado no montante de por Vicio [sic] de forma por falta de Fundamentação com as devidas consequências legais, mormente a anulação da liquidação de Juros compensatórios e o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

III. A notificação da liquidação de IS no montante de € 386.711,44 ocorreu em 2015.01.23, acompanhada da demonstração das respectivas liquidações de juros compensatórios no montante de € 36.830,16.

IV. Na sequência das respectivas correcções a impugnante não aceita a validade das liquidações de IS e JC que lhe foram notificados, porque os documentos de cobrança enfermam de falta de fundamentação, sem remissão de direito e sem indicação do facto sujeito a imposto e sem exposição das razões de facto e de direito, bem como da incidência dos JC, o que os torna inválidos.

V. Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta a fundamentação exaustiva do acto, e nada foi contestado quanto a esse relatório, dando-se como plenamente provados os factos,

VI. E da demonstração da liquidação constam o número de dias sobre os quais foram contados os juros, data de início e de fim, bem como as taxas aplicadas e sobre que montantes,

VII. E constam também da Douta sentença a fls 5, donde resulta que não se entendem os argumentos da Mº Juíza à quo, quando vem dizer, a fls. 10 que de acordo com o Acórdão do TCAS de 17/10/2013 que aqueles elementos devem constar da liquidação e justamente por isso à falta de fundamentação, pelo que deve ser corrigida a Douta Sentença e serem repostas na ordem jurídica as respectivas liquidações de juros compensatórios.

VIII. A Impugnante não impugnou em momento algum os factos materiais constantes no RIT, posto que os mesmos devem ser dados como factos certos e seguros e como tal, serem considerados provados nestes autos.

IX. A nota de liquidação é, tão só, um mero documento de pagamento, apenas com efeitos indicativos para pagamento, porquanto, todo o procedimento correctivo e fundamentante aconteceu através do procedimento inspectivo à contribuinte, levado a cabo pelos SIT da AT, em conformidade com os artigos 36.º do CIS e 36.º do CPPT:

X. Aliás, esta estrutura configurativa é comum a qualquer nota de liquidação de um qualquer imposto, a forma como foi determinado encontra-se espelhada no relatório inspectivo, após exaustiva prelecção dos fundamentos subjacentes a essa mesma liquidação.

XI. A impugnante também não fez uso das prerrogativas legais previstas no artigo 37.º do CPPT relativas à comunicação ou notificação insuficiente, em que se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias pode o interessado dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

XII. Logo, não teve qualquer dúvida acerca da fundamentação dos actos tributários, ou da sua falta.

XIII. Não enfermam assim as correcções praticadas pelos Serviços de Inspecção Tributária de qualquer erro ou vício que lhe possa ser imputável tendo-se constituído nessa sequência a obrigação tributária de cobrança de IS, cujo imposto deveria ter sido atempadamente entregue nos cofres do estado;

XIV. Posteriormente, em acto continuo, foi notificado o competente Documento de Cobrança, exclusivamente com informação relativa a dados de pagamento, aliás, como é comum e consensual, quer no desempenho tributário, quer no desempenho administrativo de qualquer órgão do Estado.

XV. ou seja a haver qualquer, alegada, falta de fundamentação do acto e da liquidação ela tinha que ter sido arguida em momento anterior, ou seja, antes da sua regular (que o foi) constituição e consolidação na ordem jurídica.

XVI. “A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido e, nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.” (“vide” acórdão do TCA Sul, processo n.º 03177/09, de 12/01/2010, acessível integralmente no site www.dgsi.pt).

XVII. “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação” (conforme acórdão do TCA Sul, processo n.º 02076/07, de 01/04/2008, também acessível no sítio da internet www.dgsi.pt).

XVIII. “In casu”, inexistem quaisquer dúvidas que é por culpa exclusiva da Impugnante que houve um retardamento na liquidação do imposto do selo devido, tendo o mesmo ulteriormente sido liquidado pela AT, na sequência da inspeção tributária que lhe foi efetuada.

XIX. No que concerne aos juros indemnizatórios nos termos preceituados no artigo 43.º da LGT, é nossa convicção que não há lugar aos mesmos, porquanto, não se verificou qualquer erro e/ou Vicio que seja imputável à AT, até porque, conforme se demonstrou, há lugar há liquidação de IS.

XX. Ainda sobre os juros indemnizatórios, e embora sem conceder, ainda que se viesse a decidir de forma diversa nunca poderia a AT ser condenada no pagamento dos mesmos na medida em que a jurisprudência tem entendido, pacifica e uniformemente, não serem de aplicar juros indemnizatórios nos casos em que se verifiquem divergências de entendimento e interpretação, sobre um mesmo facto tributário.

XXI. O valor das percentagens das custas deve ser corrigido.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, deverá manter-se na ordem jurídica a liquidação de I.S. no montante de € 386.711,44 e deverão ainda ser repostas na ordem jurídica as liquidações de juros compensatórios n.ºs 201500000008863, a 201500000008870 no montante total de € 36.830,16, adequando os argumentos produzidos à decisão final da sentença e corrigidas as percentagens de custas, assim se fazendo a costumada Justiça.


3- O recuso foi inicialmente endereçado ao Tribunal Central Administrativo Norte, que, por decisão da relatora, de 2 de Maio de 2019, se considerou incompetente em razão da hierarquia e declarou competente o Supremo Tribunal Administrativo

4- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com base no seguinte: “[…] o ato de liquidação adere ao RIT, onde consta a fundamentação de facto e de direito da liquidação e que foi devidamente notificado à entidade recorrente […]”.


5- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante foi alvo de uma inspecção tributária ao exercício de 2012 autorizada pela Ordem de Serviço nº OI201400028 – cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 47 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Concluída a inspecção identificada em A) foi elaborado relatório de inspecção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - cfr. fls. 37 a 121 do PA;

C) Mediante ofício com a referência “0212 15 01-19” foi a Impugnante informada do seguinte:

“(…) Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do

Relatório de Inspecção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver

lugar.”

cfr. documentos de fls. 35, 36 e 37 do PA, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;

D) Após a acção inspectiva identificada em A) e o envio do oficio identificado em C) foi remetida à Impugnante demonstração de liquidação do imposto de selo n.º 2015 00001096856 e das liquidações de juros compensatórios n.º 201500000008863, n.º 201500000008864, n.º 201500000008865, n.º 201500000008866, n.º 201500000008867, n.º 201500000008868, n.º 201500000008869 e n.º 201500000008870, na qual se encontram vertidas as seguintes cálculos:


cfr. documentos de fls. 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».



2. Do direito

2.1. A sentença recorrida foi proferida em 6 de Setembro de 2018 e notificada às partes em 11 de Setembro (fls 66 a 80 do SITAF). O recurso foi interposto pelo Recorrente através de requerimento de 24 de Setembro de 2018, tendo as partes sido notificadas da admissão do recurso em 22 de Outubro de 2018 (fls 87 e 88 do SITAF). As alegações de recurso foram apresentadas em 9 de Novembro e as contra-alegações em 26 de Novembro.
Das conclusões formuladas nas contra-alegações resulta evidente que a intenção da Fazenda Pública é não só a de contra-alegar, mas também a de recorrer da sentença do TAF do Porto na parte em que lhe é desfavorável, ou seja, no segmento em que julgou parcialmente procedente a impugnação e anulou as liquidações de juros compensatórios. Porém, para o efeito teria a Fazenda Pública de ter apresentado o respectivo requerimento de recurso em prazo, ou seja, nos 10 dias seguintes à notificação da sentença (ex vi do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, na redacção em vigor até à entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), o que não sucedeu, pelo que, estando caducado o direito de recorrer no momento em que foram apresentadas as contra-alegações, não há que conhecer do recurso aí “enxertado”.
Com efeito, tendo transitado em julgado a sentença no que respeita à anulação das liquidações de juros compensatórios na data em que foram apresentadas as contra-alegações, não se conhece, nesta sede, da anulação das liquidações de juros compensatórios, sendo o mesmo válido para o segmento da condenação em custas, limitando-se o presente recurso a conhecer da impugnação da sentença, na parte em que não deu provimento à impugnação da liquidação adicional do imposto de selo.

2.2. Segundo o Recorrente, a liquidação impugnada enferma de falta de fundamentação, na medida em que omite as disposições legais em que se fundamenta (desrespeitando o disposto no artigo 77.º da LGT e 125.º do CPA, na redacção em vigor à data da sua prática), assim como a qualificação e quantificação dos factos tributários, não sendo sequer possível afirmar que estas exigências legais se encontram preenchidas por via de remissão, pois nenhuma remissão consta da referida liquidação.
Porém, não tem razão.
Com efeito, o acto de liquidação em causa foi praticado, como resulta da matéria de facto dada como provado na sentença, na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2012 (v. ponto A da matéria de facto), cujo relatório foi notificado ao impugnante e aqui Recorrente (v. ponto C da matéria de facto) contendo a seguinte menção expressa: “Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.
Por essa razão, o que o Recorrente questiona não é o desconhecimento em absoluto da qualificação e quantificação dos factos tributários que deram origem à liquidação impugnada, nem o seu fundamento de direito, mas tão-só se, atenta a factualidade em apreço – em especial a circunstância de no acto de liquidação de que veio posteriormente a ser notificado não se fazer referência expressa ao referido relatório de inspecção tributária – é possível considerar que se encontram preenchidas as exigências legais de fundamentação dos actos tributários.
Ora, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal administrativo tem afirmado à saciedade (v., por todos, acórdão de 12 de Março de 2014, proc. 01674/13) «[O] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual». E essa fundamentação pode, como resulta da lei, ser uma fundamentação remissiva, por adesão às conclusões de um relatório de inspecção tributária (artigo 63.º, n.º 1 do RCPIT e 77.º, n.º 1 da LGT).
É o que sucede neste caso, como se infere do confronto entre as conclusões do relatório de inspecção e a demonstração de liquidação do imposto para o ano de 2012 (pronto D da matéria de facto); confronto do qual é possível inferir que aquela liquidação resulta de a Administração Tributária, como se fundamenta do relatório de inspecção, ter considerado que os juros de mora cobrados decorrentes de incumprimento de contratos de crédito à habitação, a taxa de serviço de comerciante e as avaliações de imóveis no âmbito da concessão de crédito à habitação, estavam sujeitos a Imposto de Selo.
É certo que daquela demonstração de liquidação (i. e., do acto de liquidação) não constava a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas, como se concluiu – e bem – na sentença recorrida, a notificação do relatório de inspecção (onde a “Administração Tributária identificou cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incidia o imposto, a taxa a aplicar, sustentando a sua decisão na legislação aplicável”) que pré-anunciava a emissão daquele acto e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação. É que, nestes casos, o acto de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o relatório de inspecção e, como também se afirma na sentença recorrida, o “cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando”. Ora, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), ela atem-se à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção; irregularidade que não prejudicou a correcta compreensão pelo sujeito passivo da relação entre ambos (como atesta a presente acção), não sendo sequer necessário mobilizar: i) primeiro, o princípio da razoabilidade para sustentar que, atento o conteúdo de ambos (do relatório de inspecção, cuja notificação antecedeu a do acto tributário), qualquer declaratório normal teria objectivamente estabelecido aquela relação e, com isso, teria tido acesso à fundamentação da liquidação; ou ii) subsidiariamente, a aplicação do regime do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do CPPT no quadro de uma relação de colaboração leal e de boa-fé nas relações tributárias, para concluir que não existe a alegada falta de fundamentação.

Da dispensa do remanescente
Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, a questão decidida se afigurar de complexidade reduzida, como é o caso aqui, em que a decisão é maioritariamente remissiva.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Ferraz - Francisco Rothes.