Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0133/23.5BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.
Nº Convencional:JSTA000P31820
Nº do Documento:SAP202401240133/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 91/2023-T, de 14.06.2023, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrido A... S.A., melhor sinalizado nos autos, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com Acórdão do STA de 23.02.2023, prolatado no processo nº 102/22.2BALSB, quanto à mesma questão de direito, cujo objecto é a possibilidade de os vícios do valor patrimonial tributário poderem ser suscitados e conhecidos no âmbito de impugnação judicial.

Inconformada, a recorrente AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.
B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo
C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 91/2023-T, de 14.06.2023 e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023
D. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
E. Em ambas as decisões está em causa:
i. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação sobre o património regulados pelo Código do Imposto Municipal sobre o Património (IMI);
ii. Pese embora no Acórdão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI, e na decisão recorrida o IMI e o AIMI, o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, ambos são impostos municipais sobre o património, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação no caso do IMI;
iii. Por outro lado, em ambos os arrestos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;
iv. No Acórdão fundamento estão em causa os atos de liquidação de 2017, 2018, 2019 e 2020 e na decisão recorrida os atos de liquidação de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020;
v. Não obstante os períodos de tributação não sejam totalmente coincidentes não há alterações substanciais entre ambos os períodos que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço;
vi. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção;
vii. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.
F. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.
G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,
H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.
I. Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
J. Em sentido oposto, a decisão recorrida admite a impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário,
K. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza a jurisprudência sobre esta matéria.
L. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.
M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.
N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça.

As recorridas A... S.A. (doravante A...); B..., S.A. (doravante B...); e C..., S.A. (doravante C...), vieram apresentar contra-alegações, que concluíram nos seguintes termos:

1.ª - A douta decisão recorrida julgou procedente o Pedido Arbitral apresentado, anulando parcialmente as liquidações de IMI e AIMI respeitantes aos anos de 2016 a 2020, no montante global de €18.022,54, bem como, as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzidos, condenando a Recorrente no reembolso do imposto indevidamente pago às Recorridas, na quantia determinada em execução da decisão arbitral e no pagamento parcial de juros indemnizatórios.
2.ª - A F.P pretende demonstrar com as respectivas alegações que, no caso vertente, se encontram reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos entre Decisão arbitral 91/2023-T de 14-06-2023, (Decisão recorrida) e o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido no processo n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023, (Acórdão fundamento), requerendo a anulação da decisão arbitral e que a mesma seja substituída por outra consentânea com o Acórdão Fundamento.
3.ª - As Recorridas subscrevem inteiramente a decisão recorrida que julgou procedente o pedido arbitral com fundamento em "erro imputável aos serviços" previsto no 78.º n.º 1 da LGT, por entenderem ter sido devidamente fundamentada e ter procedido a uma adequada valoração da matéria de facto, bem como, a uma irrepreensível interpretação e aplicação da lei. No entanto,
4.ª - No caso de este Supremo Tribunal confirmar a existência de uma contradição entre a decisão recorrida e o Acórdão Fundamento sobre as mesmas questões fundamentais de direito, a revisão oficiosa dos actos tributários em análise sempre deve ser admitida com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 4 do art.º 78.º da LGT, aliás, como foi defendido no Pedido de Pronúncia Arbitral pelas Recorridas.
5.ª - Na verdade, o Acórdão Fundamento não se pronuncia especificamente sobre a revisão oficiosa prevista no n.º 4 do art.º 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de “revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória”, admitindo a revisão de actos de avaliação, que são um tipo de actos de fixação da matéria tributável (art.º 81.º n.º 1 da LGT).
6.ª - E da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado na mesma, por serem actos consequentes, tais como o IMI e o AIMI.
7.ª - A revisão da matéria tributável com fundamento no n.º 4 do art.º 78.º da LGT, traduz-se no dever de revogação de actos ilegais que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária previsto no n.º 2 do art.º 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no art.º 55.º da LGT.
8.ª - Trata-se de uma revisão admitida a título excepcional e tem por objecto actos de fixação da matéria tributável “consolidados” por falta de impugnação tempestiva, sendo admitida apenas quando “o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
9.ª - Admite-se o “sacrifício” do princípio da segurança jurídica (que justifica a inimpugnabilidade por decurso do prazo normal de impugnação) pela prevalência do princípio da justiça, em situações em que a sua aplicação se reconduz a uma injustiça grave, ostensiva e inequívoca, como definida no n.º 5 do art.º 78.º da LGT.
10.ª - Acresce que, no art.º 78.º, n.º 4 da LGT, não se faz depender a possibilidade de revisão da data dos actos de fixação, mas sim do ano em que foi praticado o “acto tributário”, com base na matéria tributável fixada, admitindo a revisão “nos três anos posteriores ao do acto tributário”.
11.ª - Encontram-se, nos presentes autos, preenchidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do art.º 78.º da LGT:
A fixação de valores patrimoniais dos terrenos para construção das Recorridas, com o recurso à aplicação dos coeficientes não especificamente previstos (coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação) enferma de erros exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação;
Não existiu qualquer comportamento negligente por parte das Recorridas que tenha contribuído para a errada fixação da matéria tributável efectuada pela Administração Tributária;
É manifesta a natureza “grave” da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois, a tributação em IMI e AIMI dos prédios referidos nos autos foi consideravelmente superior ao devido;
As Recorridas apresentaram tempestivamente os respectivos pedidos de revisão oficiosa em 30/04/2021, dentro dos “três anos posteriores ao do acto tributário”.
12.ª - Sempre se justificaria a anulação dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa das Recorridas (e, posteriormente, dos recursos hierárquicos da A... e da B...), quanto à matéria tributável, bem como, a anulação parcial das consequentes liquidações de IMI e AIMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais (art.º 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 2.º, alínea c), da LGT).
13.ª - Apesar de as Recorridas entenderem que a douta decisão recorrida não é merecedora de censura, devendo ser mantida nos seus precisos termos, caso este Supremo Tribunal confirme a existência de uma contradição entre esta decisão e o Acórdão Fundamento sobre as mesmas questões fundamentais de direito, sempre deverá o Recurso sub judice improceder por se verificarem preenchidos os requisitos da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do art.º 78.º da LGT.
NESTES TERMOS, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA ‘F.P.’ SER JULGADO IMPROCEDENTE, PROFERINDO-SE DOUTO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A TAMBÉM DOUTA DECISÃO RECORRIDA NOS SEUS PRECISOS TERMOS OU, SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, PROFERIR NOVO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL APURADA COM FUNDAMENTO EM INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA E A CONSEQUENTE ANULAÇÃO PARCIAL DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IMI E AIMI. ASSIM DECIDINDO V. Exªs. FARÃO J U S T I Ç A .

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, por estar verificada a existência da oposição de julgados, no seguinte parecer:

I
(Recurso)
1. «A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) entidade requerida na ação arbitral tributária que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o n.º 91/2023 de 14.06.2023 vem, por não se conformar com a decisão final aí proferida e ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação da Lei n.º 119/2019 de 18 de setembro, apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, o que faz nos termos e com os fundamentos elencados nas alegações que, para o efeito, junta.»
2. E, em síntese, conclui assim a respetiva alegação:
«(…)
B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo
(…)
E. Em ambas as decisões está em causa: i. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação sobre o património regulados pelo Código do Imposto Municipal sobre o Património (IMI); ii. Pese embora no Acórdão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI, e na decisão recorrida o IMI e o AIMI, o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, ambos são impostos municipais sobre o património, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação no caso do IMI; iii. Por outro lado, em ambos os arrestos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos; iv. No Acórdão fundamento estão em causa os atos de liquidação de 2017, 2018, 2019 e 2020 e na decisão recorrida os atos de liquidação de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020; v. Não obstante os períodos de tributação não sejam totalmente coincidentes não há alterações substanciais entre ambos os períodos que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço; vi. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção; vii. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.
F. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.
G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06.
H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.
I. Enquanto no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
J. Em sentido oposto, a decisão recorrida admite a impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza a jurisprudência sobre esta matéria.
(…)
M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.
N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.».
II
(Recurso por oposição de julgados)
a) Admissibilidade
3. Preceitua o n.º 2 do artigo 25.º (Fundamento do recurso da decisão arbitral) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/201, de 20 de janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária): “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
Este ponto, da admissibilidade do recurso, é de julgar nos termos propugnados na douta alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Com efeito, no caso é recorrida a Decisão arbitral n.º 91/2023-T, de 14 de junho de 2023 ((Sumário: I - A legalidade dos actos de liquidação de IMI e AIMI pode ser apreciada em processo de impugnação judicial com base em vícios imputáveis aos actos de fixação do valor patrimonial tributário, não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI).) (doravante “Decisão arbitral”), arguida de estar em oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), proc.º n.º 102/22
5. A Decisão arbitral proferiu julgamento de mérito sobre o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelas Requerentes C..., A... e B..., contra a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, naqueles autos de processo n.º 91/2023-T, assim tendo posto termo ao litígio em causa, nomeadamente “julgando procedente o pedido arbitral e anulando parcialmente as liquidações de IMI e AIMI respeitantes aos anos de 2016 a 2020, no montante global de € 18.022,54, bem como as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido”.
6. Os factos que integram a causa de pedir da Decisão arbitral, respeitam aos pedidos de apreciação da legalidade das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, dos atos de liquidação de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2016 a 2020, com base em vícios imputáveis aos anteriores atos de fixação do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção”, por terem sido incluídos na respetiva fórmula de cálculo coeficientes legais alegadamente não aplicáveis, sendo que os contribuintes não requereram, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a realização da 2.ª avaliação dos mesmos, nem deduziram impugnação judicial direta das avaliações diretas em causa.
Os factos que integram a causa de pedir do Acórdão-fundamento, respeitam ao pedido de declaração da ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação do AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, com base na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção”, sendo que o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a realização da 2.ª avaliação dos mesmos, nem deduziu impugnação judicial direta das avaliações diretas em causa (n.º 3.1.3).
7. A dissemelhança parcial dos factos integrados nas causas de pedir quanto aos meios procedimentais e às decisões impugnadas (a Decisão arbitral respeita aos indeferimentos expressos dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa) aos tributos (a Decisão arbitral considerou, além do AIMI, ainda o IMI) e ao período da tributação (a Decisão arbitral considerou ainda as liquidações de ambos os aludidos tributos referente ano de 2016), não prejudica a identidade substancial das situações, pois, como bem aduz a Rcte., em qualquer das hipóteses está sempre em causa um imposto municipal sobre o valor patrimonial tributário dos prédios situados no território português, sendo que a situação legislativa vigente em 2016, no que aos preceitos legais agora em causa respeita, não divergia daquela vigente no período subsequente, de 2017 a 2020.
8. Por outra parte, para os efeitos do presente recurso, o ponto fundamental de Direito em causa respeita à arguição da ilegalidade da liquidação do AIMI e do IMI, com fundamento em vícios imputáveis aos prévios atos de fixação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”, por terem sido incluídos na respetiva fórmula de cálculo coeficientes legais alegadamente não aplicáveis, sendo que em ambas o contribuintes, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, não requereram a 2.ª avaliação, nem deduziram impugnação judicial direta das avaliações diretas em causa .
Ora, a Decisão arbitral ajuizou ser admissível (não há preclusão), mas já o Acórdão fundamento julgou não ser admissível (há preclusão), a invocação de vícios imputáveis aos prévios atos de fixação do valor patrimonial tributário, dos quais não foi deduzida impugnação judicial direta, ou seja, são verdadeiramente contraditórios os sentidos decisórios das decisões de mérito em causa.
9. Finalmente, o recurso foi interposto no dia 4 de setembro de 2023, no prazo de 30 dias estabelecido na lei, sendo assim tempestivo (25.º, n.º 3, do RJAT, e art. 152.º, n.º 1, do CPTA.
10. Assim sendo, concluímos que, por estarem cumulativamente verificados os mencionados pressupostos legais, é de admitir o presente recurso da Decisão arbitral (RJAT, art. 25.º, n.º 2).
b) Mérito do recurso
11. Este ponto, em essência, deve também ser julgado nos termos propugnados na douta alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou seja, no sentido em que “não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação” e, assim, “(…) por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.” (conclusões N e O).
12. Com efeito, temos por improcedentes e infundados os argumentos invocados na douta Decisão arbitral contra as razões de decidir do douto Acórdão-fundamento, cuja argumentação e decisão subscrevemos na íntegra, com a devida vénia.
13. Com efeito, cumpre primeiramente assinalar que, embora o mesmo tenha sido invocado pela ora Rcte. em abono das suas teses, em parte alguma do discurso de fundamentação da Decisão arbitral é considerado, ao menos expressis verbis, o douto Acórdão fundamento e, sobretudo, as suas razões de decidir.
14. Por outra parte, a Decisão arbitral recorrida jamais considera na sua fundamentação, como devia, as normas jurídicas constantes do n.º 1 (“A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.”) e n.º 4 (“Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”), ambos do artigo 86.º (Impugnação judicial) da LGT.
Nomeadamente não considerou aquela primeira norma jurídica, que é verdadeiramente a premissa decisiva no quadro das soluções plausíveis da questão jurídica em causa, de modo que a preterição da mesma nesse contexto gera, inelutavelmente, o desvalor do raciocínio jurídico mobilizado como fundamento da Decisão arbitral.
15. Assim, por uma parte, diversamente do que pretende a Decisão arbitral, não há razão para advogar que o ato de avaliação direta da matéria coletável tem, invariavelmente caráter “interlocutório”.
Ao invés, tal avaliação, tipicamente, integra um procedimento administrativo autónomo, com função de “acertamento”, o qual culmina com a emissão de um “ato administrativos em matéria tributária”, do tipo “verificação ou avaliação constitutiva (porque, embora sejam manifestações de ciência, criam a certeza jurídica oficial quanto aos factos verificados ou avaliados)” (No âmbito do Direito administrativo, cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito administrativo, 5.ª ed., 171 (Coimbra: IUC, 2017).). Assim discorreu, aliás, o douto Acórdão-fundamento: “Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt). Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.” (n.º 3.2.).
16. Em qualquer caso, e assim remata categoricamente o ponto, “quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.” e “O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10). (ibidem).
17. Todas estas razões de decidir são fundadas na interpretação e aplicação do bloco de preceitos e normas jurídicas legais cuja consideração é decisiva para a boa decisão do litígio, a saber, as disposições conjugadas: dos artigos 71.º a 77.º, em particular do n.º 1 deste preceito (“Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”) do Código do IMI, relativos a “Reclamações e impugnações da avaliação”; dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 86.º da LGT; e dos n.ºs 1 e 7, do artigo 134.º (Objeto da impugnação) da LGT.
18. E contra isto não milita a invocação do regime do artigo 78.º da LGT, nomeadamente dos seus n.ºs 1 e 4, pois, como bem referiu a ora Rcte., “o artigo 78.º da LGT não abrange os actos de avaliação patrimonial, que não são actos tributários, previstos no n.º 1, nem são actos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma” e, talvez sobretudo, porque não se “verifica qualquer erro no acto de liquidação, foi calculado com base no valor patrimonial constante na matriz predial em estrito e integral cumprimento da lei” e nem o “fundamento da injustiça grave ou notória do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efectuada de acordo com o n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, com base nos valores patrimoniais inscritos na matriz predial, não impugnados com esse fundamento pelo sujeito passivo no prazo e nos termos previstos na lei;” (posição da Requerida, n.ºs iv a vi).
PA via para superar o caso decido ou resolvido, formado por causa imputável ao contribuinte, será a de requerer, no procedimento autónomo estabelecido na lei para o valor patrimonial tributário dos prédios, uma nova avaliação, calculada eventualmente segundos os critérios pelo mesmo propugnados, que relevará então nos termos e para os efeitos legais (Código do IMI, al. b), do n.º 1, do art. 115.º).
19. Finalmente, é impertinente e incorreto aplicar neste litígio em matéria tributária, como pretende a Decisão arbitral, um “conceito do acto destacável impugnável” e um “princípio da impugnação unitária” procedentes do regime do CPTA e do CPA.
Pois que, como vimos, as leis tributárias em causa contêm todo um regime próprio e completo sobre a matéria do procedimento de avaliação direta e seu regime de impugnação judicial, pelo que não há aqui qualquer vazio normativo que seja de colmatar com recurso às leis do procedimento e do processo administrativo, pois estas não relevam senão como direito complementar o subsidiário (LGT, al. c), do art. 2.º, e só depois do “Código de Processo Tributário e os demais códigos e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infracções tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais”, e CPPT, al. d), do art. 2.º, só após três níveis de legislação).
20. Em conclusão, e em suma, subscrevemos com a devida vénia a doutrina do douto Acórdão-fundamento, sintetiza na s seguintes proposições: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (…); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio; e (iii) prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.”.
III
(Conclusão)
Face ao exposto somos de parecer que é de conceder provimento ao presente recurso, por estar verificada a existência da oposição e julgados, quanto ao ponto da falta de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário gerar caso resolvido que obsta à impugnação incidental dessa avaliação na liquidação do imposto que tiver por base o resultado da mesma, com anulação da douta Decisão arbitral recorrida n.º 91/2023-T, de14.06.2023, e substituição da mesma por acórdão que dirima o litígio nos termos da doutrina fixada pelo douta Acórdão-fundamento, do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), proc.º n.º 102/22.2BALSB, de 23 de fevereiro de 2023 (CPPT, art. 284.º, n.º 6).
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1. - Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A. As Requerentes são titulares e legitimas proprietárias de alguns prédios, entre os quais se destacam, para o que este pedido de pronúncia arbitral importa, os terrenos para construção cujos valores patrimoniais tributários foram determinados de acordo com a fórmula prevista no artigo 38.º, n.º 1 do Código do IMI.
B. Nas avaliações dos terrenos para construção de cada uma das Requerentes, foram considerados pela AT, nomeadamente, os coeficientes de afectação (Ca), de localização (Cl) e de conforto (Cq), em virtude de a mesma entender que o calculo do valor patrimonial tributário dos prédios a construir contem todos os coeficientes considerados na avaliação dos prédios urbanos edificados.
A...
C. A A... é titular e legitima proprietária do artigo matricial urbano n.º ... da freguesia de ... e ..., sito no concelho da Figueira da Foz e distrito de Coimbra, conforme caderneta predial urbana que agora se junta (cf. Documento n.º 10, junto com o PPA).
D. Nesta caderneta predial urbana, verifica-se que o referido artigo se trata de um terreno para construçaÞo avaliado, em 13-07-2015, no VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO de € 274.880,00 (€ 279.003,20, após actualização em 2018):

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E. E sobre este valor patrimonial tributário, vieram a incidir as taxas do IMI (0,40%) e do AIMI (0,40%) aplicáveis nos anos em analise, tendo a A... sido notificada, nos anos de 2018 e 2019, das Demonstrações de LiquidaçaÞo de IMI (cf. Documento n.º 4, junto com o PPA) e, nos anos de 2019 e 2020, das DemonstraçoÞes de LiquidaçaÞo de AIMI (cf. Documento n.º 5, junto com o PPA), a saber:

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F. Todas estas liquidaçoÞes - onde se encontram incluídos o IMI e o AIMI que incidiram sobre o supracitado artigo urbano n.º ... - foram atempadamente pagas pela A... (cf. Documentos n.º 11 e n.º 12, juntos com o PPA).
G. No dia 30-04-2021, a A... apresentou, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa das liquidaçoÞes em causa (cf. Documento n.º 13, junto com o PPA) e, em 21-09-2021, deduziu, nos termos do artigo 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do artigo 80.º da LGT, recurso hierárquico do despacho de indeferimento, proferido pela DirecçaÞo de Finanças de Coimbra (cf. Documento n.º 14, junto com o PPA).
H. A A... veio a ser notificada do indeferimento deste recurso hierárquico em 16-11-2022, pela Direcção dos Serviços do IMI (cf. Documento n.º 1, junto com o PPA).
B...
I. A B...é titular e legitima proprietária do artigo matricial urbano n.º ... da freguesia de ... e ..., sito no concelho e distrito de Viseu, conforme caderneta predial urbana (cf. Documento n.º 15, junto com o PPA).
J. Da análise desta caderneta predial urbana, constata-se que este artigo configura um terreno para construçaÞo avaliado, em 03-12-2012, e donde resultou o valor patrimonial tributário de € 63.730,00 (€ 64.685,95, após a actualização em 2018):

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K. Sobre este valor patrimonial tributário, vieram a incidir as taxas do IMI (0,30%) e do AIMI (0,40%) aplicáveis nos anos em análise, tendo a B... sido notificada, nos anos de 2016 até 2019, das DemonstraçoÞes de LiquidaçaÞo de IMI (cf. Documento n.º 6, junto com o PPA) e, nos anos de 2017 a 2020, das DemonstraçoÞes de LiquidaçaÞo de AIMI (cf. Documento n.º 7, junto) com o PPA, a saber:

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L. Todas estas liquidaçoÞes - onde se encontram incluídos o IMI e o AIMI que incidiram sobre o artigo urbano n.º ... – foram atempadamente pagas pela B... (cf. Documentos n.º 16 e n.º 17, juntos com PPA).
M. No dia 30-04-2021, a B... apresentou, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa das liquidaçoÞes em causa (cf. Documento n.º 18, junto com o PPA) e, em 22-07-2022, deduziu, nos termos do artigo 66.º do CPPT e do artigo 80.º da LGT, recurso hierárquico do despacho de indeferimento, proferido pelo Serviço de Finanças de Viseu (cf. Documento n.º 19, junto com o PPA).
N. Em 12-01-2023, a B... foi notificada do indeferimento deste recurso hierárquico, pela DirecçaÞo de Finanças de Viseu (cf. Documento n.º 2, junto com o PPA).
C...
O. A C... é titular e legítima proprietária de alguns terrenos para construçaÞo, entre os quais se destacam, os artigos matriciais urbanos n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., e n.º..., todos sitos na freguesia de ... (...), concelho de Ílhavo e distrito de Aveiro, conforme cadernetas prediais urbanas (cf. Documentos n.º s 20 a n.º 26, juntos com o PPA).
P. Confrontando as cadernetas prediais de cada um dos artigos matriciais, constata-se o seguinte:
Q. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 44.930,00 (€ 45.603,95, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 20, junto com o PPA):

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R. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 56.970,00 (€ 57.824,55, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 21, junto com o PPA):

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S. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 415.180,00 (€ 421.407,70, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 22, junto com o PPA):

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T. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 415.180,00 (€ 421.407,70, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 23, junto com o PPA):

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U. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 216.820,00 (€ 220.072,30, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 24, junto com o PPA):

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V. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 03-01-2014, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 216.820,00 (€ 220.072,30, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 25, junto com o PPA):

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W. O artigo matricial urbano n.º ... foi avaliado em 10-10-2006, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 292.220,00 (€ 328.739,75, após a actualização em 2019) (cf. Documento n.º 26, junto com o PPA):

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X. Sobre os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construçaÞo, vieram a incidir as taxas do IMI (0,375%, e 0,35%) e do AIMI (0,40%), aplicáveis nos anos em análise, tendo a C... sido notificada, ao longo dos anos de 2016 até 2019, das DemonstraçoÞes de LiquidaçaÞo de IMI (cf. Documento n.º 8, junto com o PPA) e, nos anos de 2017 a 2020, das DemonstraçoÞes de LiquidaçaÞo de AIMI (cf. Documento n.º 9, junto com o PPA):

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Y. Todas estas liquidaçoÞes – onde se encontram incluídos o IMI e o AIMI que incidiram sobre os sete terrenos atrás enunciados – foram atempadamente pagas pela C... (cf. Documentos n.º 27 e n.º 28, junto com o PPA).
Z. No dia 30-04-2021, a C... apresentou, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa das liquidaçoÞes em causa (cf. Documento n.º 29, junto com o PPA), tendo sido notificada, no passado dia 16-01-2023, do respectivo despacho de indeferimento, proferido pelo Serviço de Finanças de Ílhavo (cf. Documento n.º 3, junto com o PPA), dele não tendo interposto recurso hierárquico, por entender que teria o mesmo desfecho.
AA. Não se conformando com os referidos indeferimentos, porquanto, é sua convicção que as liquidações de IMI e AIMI que lhes subjazem são ilegais, porque contrárias à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito e, por conseguinte, deverão ser (parcialmente) anuladas, as Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral.
*

2.1.2. - No acórdão do STA fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

a. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:
§ Liquidação com o n.º ...08, referente ao ano 2017, no montante total de € 4.025.291,53;
§ Liquidação com o n.º ...33, referente ao ano 2018, no montante total de € 4.054.699,52;
§ Liquidação com o n.º ...85, referente ao ano 2019, no montante total de € 3.580.298,52;
§ Liquidação com o n.º ...02, referente ao ano 2020, no montante total de €2.979.749,57.
b. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças;
c. As sobreditas liquidações foram processadas com base nos VPT’s que à data de 1 de janeiro de cada um dos anos (2017, 2018, 2019 e 2020) constavam das respetivas matrizes...
d. ... e fixados entre 2008 e 2017 (Doc 4, com o PPA);
e. Em parte, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção...
f. ... e que haviam sido fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas respetivas cadernetas prediais urbanas;
g. Os citados prédios são os terrenos para construção identificados na seguinte Tabela, elaborada pelo Requerente e junta aos autos (Doc 6, com o PPA) e que espelham os VPT’s que constavam da matriz respetiva em 1 de janeiro de cada um dos anos a que respeitam:
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h. Em 25/05/2021 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas alegando errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção;
i. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.
j. A AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os sobreditos coeficientes [conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020 - Documento 5 que junta em anexo com o PPA];
k. - Não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente pedido de revisão oficiosa destes atos tributários;
l. – O referido pedido de revisão oficiosa considerou-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
A.2. Factos não provados
Não ficou demonstrado:
- que o Requerente tivesse impugnado ou reclamado dos VPT´s que serviram de base às liquidações documentadas e impugnadas.»
*

2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre a Decisão Arbitral recorrida e o Acórdão fundamento existe contradição quanto à mesma questão de direito, pois enquanto no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efectuada, a decisão recorrida admite a impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário.
Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 348/2021-T, de 05/04/2022, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à obtenção da dedução no exercício de 2016, do valor do PEC referente ao ano de 2015.
Invoca a recorrente oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral proferida no processo n.º 203/2020-T, de 08/10/2020.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta, pelas razões constantes do seu douto Parecer supra transcrito e que infra se destacarão, que não se verifica um dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento inexiste, identidade de pressupostos de facto.
Reagindo contra o ponto de vista do Magistrado do Ministério Público, a recorrente sustenta, no essencial, que ambas as decisões - i.e., tanto a decisão arbitral recorrida, como a decisão arbitral fundamento —, além de incidirem sobre um contexto factual idêntico nos termos prefigurados pelo artigo 152.° do CPTA, trataram da mesma questão jurídica fundamental (recortada em torno do alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto, dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.
Importará, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos.
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.°3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
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2.2.2.- Da análise do caso concreto:


No caso sub judicibus e na formulação efectuada pela própria recorrente, na decisão arbitral recorrida esteve em causa a questão fundamental de direito de saber se era admissível (não preclusão) a invocação de vícios imputáveis aos prévios actos de fixação do valor patrimonial tributário, dos quais não foi deduzida impugnação judicial directa.
A Decisão arbitral pronunciou-se sobre o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelas Requerentes C..., A... e B..., contra a Requerida ATA, julgar o procedente o pedido arbitral e anulando parcialmente as liquidações de IMI e AIMI respeitantes aos anos de 2016 a 2020, no montante global de € 18.022,54, bem como as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido.
Factualmente, na Decisão arbitral recorrida, estavam em causa os pedidos de apreciação da legalidade das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa e, concludentemente, dos actos de liquidação de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2016 a 2020, com base em vícios imputáveis aos anteriores actos de fixação do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção”, por terem sido incluídos na respectiva fórmula de cálculo coeficientes legais alegadamente não aplicáveis, sendo que os contribuintes não requereram, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a realização da 2.ª avaliação dos mesmos, nem deduziram impugnação judicial directa das avaliações directas em causa.
Já os factos que integram a causa de pedir do Acórdão fundamento, respeitam ao pedido de declaração da ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação do AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, com base na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção”, sendo que o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a realização da 2.ª avaliação dos mesmos, nem deduziu impugnação judicial directa das avaliações directas em causa (n.º 3.1.3).
Como acentua o Ministério Público no seu douto Parecer, a dissemelhança parcial dos factos integrados nas causas de pedir quanto aos meios procedimentais e às decisões impugnadas (a Decisão arbitral respeita aos indeferimentos expressos dos recursos hierárquicos e do pedido de revisão oficiosa) aos tributos (a Decisão arbitral considerou, além do AIMI, ainda o IMI) e ao período da tributação (a Decisão arbitral considerou ainda as liquidações de ambos os aludidos tributos referente ano de 2016), não prejudica a identidade substancial das situações, pois, como bem aduz a Rcte., em qualquer das hipóteses está sempre em causa um imposto municipal sobre o valor patrimonial tributário dos prédios situados no território português, sendo que a situação legislativa vigente em 2016, no que aos preceitos legais agora em causa respeita, não divergia daquela vigente no período subsequente, de 2017 a 2020.
No tangente à questão fundamental de Direito, como já se deixou antever, em dissensão centra-se na arguição da ilegalidade da liquidação do AIMI e do IMI, com fundamento em vícios imputáveis aos prévios atos de fixação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”, por terem sido incluídos na respectiva fórmula de cálculo coeficientes legais alegadamente não aplicáveis, sendo que em ambas as decisões o contribuintes, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, não requereram a 2.ª avaliação, nem deduziram impugnação judicial directa das avaliações directas em causa.
E, nesse ponto, enquanto a Decisão arbitral entendeu ser admissível (não haver preclusão), já o Acórdão fundamento julgou não ser admissível (haver preclusão), a invocação de vícios imputáveis aos prévios atos de fixação do valor patrimonial tributário, dos quais não foi deduzida impugnação judicial directa, ou seja, são realmente opostos os sentidos decisórios das decisões de mérito em causa.
Destarte, afigura-se-nos que a questão fundamental de direito, foi decidida em sentido divergente, o que permite dar como verificada a desarmonia das decisões que justifica a prossecução do recurso por oposição de julgados, assim se devendo passar ao conhecimento do mérito do recurso.
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2.2.3.-Do mérito do recurso

Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à questão de saber se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações.
O Pleno da SCT do STA uniformizou jurisprudência quanto à questão controvertida, pontificando a respeito o acórdão fundamento proferido em 23-02-2023, no Processo nº 0102/22.2BALSB, acessível em www.dgsi.pt pelo que, tomando em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, limitamo-nos a remeter, com as necessárias adaptações e nos termos dos artigos 663.º, n.º 5 e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do supra referido Acórdão que uniformizou jurisprudência no sentido de que “É de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”
Assim sendo o recurso merece provimento.
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3. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em tomar conhecimento do mérito do recurso, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Comunique-se ao CAAD.
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - José Gomes Correia (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo (nos termos do artigo 8.º do CC) – Fernanda de Fátima Esteves.