Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0765/09
Data do Acordão:11/18/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
VALOR PATRIMONIAL
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração de coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq).
II - Não obstante os “critérios objectivos” para a determinação do valor patrimonial tributário fixados nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI, desde a entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro que se permite que, quando a aplicação daqueles critérios conduza à fixação de um valor patrimonial tributário que se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção possa ser fixado por aplicação do método comparativo dos valores de mercado (cfr. o n.º 4 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), o que legitima que se tome em consideração na avaliação, os ónus incidentes sobre o prédio, como parece ser de justiça.
III - O facto de a nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI apenas ter entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efectuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI), é de cariz procedimental, logo é de aplicação imediata a menos que tal aplicação prejudique garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes (cfr. o n.º 3 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária), o que no caso não ocorre.
Nº Convencional:JSTA00066120
Nº do Documento:SA2200911180765
Data de Entrada:07/15/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU DE 2009/02/18 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:CIMI03 ART38 N1 ART41 ART42 ART43 ART44 ART45 N3 ART76 N4 N5 NA REDACÇÃO DA L 64-A/2008 DE 2008/12/31.
LGT98 ART12.
Referência a Doutrina:CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL 1972 PAG242.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu de 18 de Fevereiro de 2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “A..., LDA” contra o valor patrimonial tributário de € 89.270,00, atribuído em segunda avaliação ao prédio urbano da freguesia de Dardavaz inscrito sob o artigo 970º, apresentando as seguintes conclusões:
A) O acto impugnado diz respeito a valor patrimonial tributário, de € 89.270,00, atribuído ao artigo urbano 970, da freguesia de Dardavaz, concelho de Tondela.
B) A impugnante, em 31-01-2005, adquiriu, por € 2.632,00, ao Município de Tondela o artigo urbano 970, inscrito na matriz predial da freguesia de Dardavaz.
C) A impugnante ficou obrigada a não alienar este prédio nos 6 anos seguintes à escritura, no caso até 31-01-2011, bem como a conceder o direito de reversão a favor do Município.
D) Da 1ª e 2ª avaliações deste artigo resultou um valor patrimonial de € 89.270,00.
E) Defende a impugnante e o Tribunal “a quo” que, quer na 1ª quer na 2ª avaliações, no apuramento do valor patrimonial tributário, nomeadamente no que concerne ao coeficiente de localização, não foram tidas em conta as citadas onerações.
F) O valor patrimonial assenta em factores puramente objectivos, sendo determinados nos termos do Código do IMI, art.º 7º do CIMI, através da fórmula que consta no art.º 38, conjugado com o artº 45º do CIMI, uma vez que se trata de um lote de terreno para construção.
G) Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração: as acessibilidades (qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas), proximidade de equipamentos sociais, designadamente, escolas, serviços públicos e comércio, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário, art.º 42º nº 3 do CIMI.
H) A CNAPU propõe trienalmente o zonamento e os respectivos coeficientes de localização (art.º 62º nº 1 alínea b) do CIMI), com base na proposta do zonamento de cada município, elaborada pelos peritos locais, sendo, portanto, aqui que se têm em consideração as características previstas no n.º 3 do art. 42º do CIMI, e não já em cada avaliação.
I) Estes valores estão directamente ligados à envolvência do prédio e sua localização, não se reportando a qualquer ónus. Veja-se que não é inferior o valor patrimonial de um prédio que se encontre hipotecado ou penhorado, pelo que também o não deve ser no caso de estar onerado com cláusula de proibição de transmissão, o que desembocava na violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13º da CRP.
J) O valor patrimonial tributário é totalmente distinto do valor de mercado do bem, e só este último deverá coadunar-se aos ónus que sobre ele impendem, facto que se verificou, no tocante à impugnante, uma vez que foi-lhe estipulado um preço irrisório de € 1,00 por m2, pelo facto deste ficar onerado por um período de 6 anos.
K) Este tipo de oneração não tem cabimento nos coeficientes: de afectação, art. 41.º, de localização, art.º 42º, de qualidade e conforto, art.º 43º, e de vetustez, art.º 44º, todos do CIMI.
L) Face ao exposto, somos de entendimento de que a repetição da avaliação conduziria ao mesmo resultado, visto que estas onerações legalmente não afectam o valor patrimonial.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provada, a presente impugnação, com as legais consequências.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra 2ª avaliação de prédio urbano (artigo 77º nº 1 CIMI).
FUNDAMENTAÇÃO
1. O valor patrimonial tributário (vt) dos “terrenos para construção” resulta da soma de duas componentes: valor da área de implantação do edifício a construir e valor do terreno adjacente à área de implantação (art. 45º nº 1 CIMI)
O valor da “área de implantação do edifício” a construir varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, sendo consideradas na fixação da percentagem as características atendíveis para a fixação do coeficiente de localização aplicável na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, nomeadamente acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário (arts. 42º nº 3 e 45º nº 3 CIMI)
O valor do “terreno adjacente à área de implantação” é calculado nos termos do art.40.º nº 4 CIMI (art. 45º nº 4 CIMI)
2. No caso em análise o “vt” foi determinado indevidamente por aplicação dos critérios aplicáveis aos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, como resulta da consideração dos coeficientes de localização (cl), de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) (art. 38º nº 1 CIMI; PA de avaliação apenso fls. 5)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento
A sentença impugnada deve ser confirmada (com a fundamentação supra enunciada)
4 – Notificadas as partes do Parecer do Ministério, veio a Recorrente responder (a fls. 75 e 76 dos autos), sustentando a final que deve ser dado provimento ao presente recurso e anulada a sentença recorrida por errada aplicação do direito
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se na fixação do valor patrimonial tributário foram observadas as regras legais de fixação do seu valor ou se, como decidido, devia ter-se tomado em conta os ónus que impendem sobre o prédio.
6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. A 31 de Janeiro de 2005 a Impugnante adquiriu ao Município de Tondela, o lote nº 3 da Zona Industrial Municipal de Tondela, com área de 2.632 m2, inscrito na matriz sob o artigo 970 da freguesia de Dardavaz;
2. Da escritura referida em 1 consta que o preço foi de € 2.632,00 (dois mil e seiscentos e trinta e dois euros);
3. Por via da aquisição referida em 1, a Impugnante ficou obrigada ao cumprimento das disposições previstas no Regulamento e condicionalismos para a Atribuição de lotes na Zona Industrial, aprovado pela Câmara e Assembleias Municipais de Tondela – nos termos constantes de fls. 12 a 17 dos presentes autos;
4. Nos termos do referido Regulamento – referido em 3 – é proibida a transmissão do prédio nos seis anos posteriores à escritura – prazo que terminaria a 31 de Janeiro de 2011;
5. A 30 de Março de 2005 a impugnante entregou a declaração modelo 1 do IMI, relativa ao prédio em causa nos presentes autos, cujo valor patrimonial se encontra em causa;
6. Após avaliação realizada a 18 de Junho de 2005, o valor patrimonial tributário do imóvel em causa foi fixado em € 87.270,00;
7. A Fazenda Pública não tomou em consideração na fixação do valor patrimonial, os condicionalismos que oneram o prédio em questão;
8. O custo médio de construção por metro quadrado fixado para o ano de 2005, foi de € 490,00 (quatrocentos e noventa euros).
7 – Apreciando
7.1 Do valor patrimonial tributário do prédio urbano
A sentença recorrida, a fls. 39 a 49 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida e condenou a Fazenda Pública a proceder a avaliação do valor patrimonial tributário tendo em consideração os condicionalismos que o imóvel em questão sofre, durante a vigência dos mesmos (cfr. o dispositivo da sentença recorrida, a fls. 47 dos autos).
Alicerçou-se a decisão na prova de que a Fazenda Pública não tomou em consideração os condicionalismos que oneram o prédio em causa e no carácter objectivo de tais condicionalismos, pois que estes efectivamente alteram o seu valor objectivamente, pelo menos no que se refere à oneração de não venda durante 6 anos, tendo-se, assim, considerado que nomeadamente no coeficiente de localização do imóvel, deveria ter sido tomada em consideração tal circunstancialismo, pelo menos durante a vigência dos condicionalismos, a influência que estes têm de ter, necessariamente, no valor patrimonial tributário do imóvel em causa(cfr. a fundamentação da sentença recorrida, a fls. 46 e 47 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando, em síntese, que o valor patrimonial assenta em factores puramente objectivos, que no coeficiente de localização não se entra em linha de conta com quaisquer ónus que incidam sobre o prédio, que o valor patrimonial tributário é totalmente distinto do valor de mercado do bem, e só este último deverá coadunar-se aos ónus que sobre ele impendem, sendo que este tipo de oneração não tem cabimento nos coeficientes: de afectação, art. 41.º, de localização, art.º 42º, de qualidade e conforto, art.º 43º, e de vetustez, art.º 44º, todos do CIMI (cfr. conclusões F), L), J) e K) das suas alegações de recurso, supra transcritas).
Alega, finalmente, a recorrente que a repetição da avaliação conduziria ao mesmo resultado, visto que estas onerações legalmente não afectam o valor patrimonial (cfr. conclusão L) das suas alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e da confirmação da decisão, fundamentada, porém, no facto de o valor patrimonial tributário ter sido determinado indevidamente por aplicação dos critérios aplicáveis aos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, como resulta da consideração dos coeficientes de localização (cl), de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) (art. 38º nº 1 CIMI; PA de avaliação apenso fls. 5) (cfr. parecer, a fls. 71 dos autos).
Vejamos, pois.
Tem razão o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto na observação que faz, e a que a recorrente não deu resposta convincente, de que na determinação do valor patrimonial tributário do terreno para construção em causa nos presentes autos não se terão tido em conta exclusivamente as regras próprias de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, constantes do artigo 45.º do Código do IMI, mas também, ao menos parcialmente, as aplicáveis à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, constantes do artigo 38.º e seguintes do Código do IMI, como se infere da consideração, na avaliação questionada, dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq), que constituem, quer directamente, quer por remissão do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI, elementos estranhos ao cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção tal como fixado no 45.º do Código do IMI.
Este é, por si mesmo, motivo suficiente para invalidar o acto de fixação de valor patrimonial do prédio, por vício de violação de lei na fixação do valor em causa (violação do artigo 45.º do Código do IMI), pelo que, só por esta razão, não poderia o acto de fixação de fixação do valor patrimonial manter-se na ordem jurídica.
Acresce que não é verdade, ao contrário do alegado pela Recorrente, que a repetição da avaliação determinada pela sentença recorrida conduza necessariamente ao mesmo resultado, pois que as limitações que oneram o prédio não afectariam o seu valor patrimonial.
O motivo pelo qual a impugnante requereu segunda avaliação do imóvel e veio depois impugnar o valor fixado em segunda avaliação, foi o da alegada injustiça de se desconsiderar a situação particular do prédio em virtude dos ónus que sobre ele impendem (cfr. a petição de impugnação, a fls. 2 e 3 dos autos, bem como o requerimento de segunda avaliação e o laudo do representante legal do sujeito passivo, constantes do apenso administrativo junto aos autos), sendo reconhecido pela própria recorrente que a existência de tais limitações se reflecte no valor de mercado do bem avaliado.
Isto porque, não obstante os “critérios objectivos” para a determinação do valor patrimonial tributário fixados nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI, permite-se hoje, desde a entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009) - cujo artigo 93.º que deu nova redacção ao 76.º daquele Código -, que quando a aplicação daqueles critérios conduza à fixação de um valor patrimonial tributário que se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado (considerando-se como tal, para além de outra situação que aqui não importa considerar, um valor superior ou inferior em mais de 15% ao valor normal de mercado – cfr. o actual n.º 5 do artigo 76.º do Código do IMI), o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção possa ser fixado por aplicação do método comparativo dos valores de mercado (cfr. o n.º 4 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), o que permitirá tomar em consideração, na avaliação, os ónus incidentes sobre o prédio, como parece ser de justiça.
Não se diga pois, como alegado, que o valor patrimonial tributário é totalmente distinto do valor de mercado do bem, e só este último deverá coadunar-se aos ónus que sobre ele impendem, visto que foi o próprio legislador que sentiu necessidade de criar esta “válvula de escape” para os casos em que os “critérios objectivos” previstos nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI, conduzam a valores “distorcidos” relativamente ao “valor normal de mercado”, o que significa que este valor não deixa de ser tido como um valor de referência essencial.
O facto de a nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI apenas ter entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efectuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI), é de cariz procedimental, já que não define a matéria colectável, antes estabelece apenas o procedimento da sua determinação (cfr. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 242). Assim, dada esta sua natureza procedimental, trata-se de norma de norma de aplicação imediata, a menos que tal aplicação prejudique garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes (cfr. o n.º 3 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária), o que no caso não ocorre.
O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, ordenando-se que a nova avaliação do prédio cuja realização foi determinada na sentença recorrida seja efectuada observando o disposto no n.º 4 do artigo 76.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na sua actual redacção.
Custas pela Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 18 de Novembro de 2009. - Isabel Marques da Silva(relatora) -Brandão de Pinho - António Calhau.