Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0981/09.9BEAVR
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:I - A dívida proveniente de incentivos fiscais e financeiros “SIII”, concedidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de junho, tem natureza civil, não tributária.
II - O prazo de prescrição é de 20 anos – artigo 309.º do CC.
III - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente - artigo 323.º, n.º 1 do CC.
IV - A citação prevista no artigo 191.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, por aviso postal, interrompe aquele prazo prescricional se ficar demonstrado que chegou ao conhecimento do executado.
Nº Convencional:JSTA000P27215
Nº do Documento:SA2202102170981/09
Data de Entrada:01/05/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A…………, LDA., identificada nos autos, concluindo do seguinte modo as suas alegações:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença de 23/06/2020, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela Oponente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal relativamente à mesma, por ter concluído que a dívida exequenda se encontra prescrita.
II. A questão a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, por ter considerado que a citação postal feita à Oponente por ofício expedido por correio registado em 13/11/2009 no âmbito do processo de execução fiscal com o n.º 0035200901031210 – cfr. letra K) dos factos dados como provados, tendo carácter provisório, não releva para efeito de interrupção do prazo de prescrição em curso e não se verificando quaisquer outros factos com relevância interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição, concluiu que a dívida exequenda se encontra prescrita.
III. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode conformar-se a Fazenda Pública com o que foi decidido, pelas razões que de imediato se passam a expor.
IV. O Tribunal “a quo” aplicou as regras tributárias, nomeadamente o artigo 49.º, da LGT e o conceito de citação pessoal previsto no CPPT - o executado só se considera chamado ao processo para se defender quando é citado pessoal ou editalmente, como resulta da conjugação das normas dos artigos 192.º, 193.º e 203.º, n.º 1 do CPPT, quando é aplicável o regime de prescrição do Código Civil, onde não existem normas semelhantes.
V. A dívida exequenda respeita a quantia proveniente de restituição de incentivos financeiros ao investimento concedidos à Oponente ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (“SIII”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 194/80, de 19/06. VI. É uma dívida de natureza civil.
VII. Não estando em causa uma dívida de natureza tributária, na ausência de norma que disponha de modo diverso, é lhe aplicável o prazo de prescrição e a forma de contagem previstos nos artigos 309.º e 306.º, n.º 1 do CC.
VIII. E, não o regime da prescrição das dívidas tributárias, nomeadamente, o efeito interruptivo previsto no artigo 49.º, n.º 1 da LGT e consequentemente, as regras de citação do CPPT.
IX. Em consequência, os efeitos da citação como facto interruptivo são exclusivamente os previstos no CC, não havendo que convocar as normas da LGT.
X. Determina o artigo 323.º, n.º 1 do CC que: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
XI. A prescrição interrompe-se pela citação nos termos do n.º 1 do referido artigo, 323.º do CC, sendo que esse efeito interruptivo se baseia em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício do direito pelo respectivo titular.
XII. O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através da citação de que o credor pretende exercer o direito.
XIII. Basta que o ato do titular do direito, objecto de citação, exprima directa ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.
XIV. Resulta da letra K) dos factos dados como provados pelo Tribunal “a quo” que, em 13/11/2009 foi enviado à Oponente, por via postal registada, o ofício n.º 4876, datado de 12/11/2009, contendo a citação para o processo de execução fiscal n.º 0035200901031210.
XV. A Oponente (executada) foi citada de que corre contra si um processo de execução fiscal para cobrança da quantia proveniente de restituição de incentivos financeiros, tendo apresentado oposição, pelo que, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode deixar de se retirar as consequências decorrentes do preceituado no referido artigo 323.º, n.º 1 do CC.
XVI. A referida citação da Oponente exprime a intenção da Exequente exercer o seu direito a ser reembolsada da importância correspondente ao benefício financeiro indevidamente recebido pela mesma.
XVII. Nessa conformidade, possui eficácia interruptiva da prescrição para efeitos do n.º 1 do artigo 323.º, n.º 1 do CC, sendo idónea a produzir a interrupção do prazo de prescrição em curso.
XVIII. A prescrição interrompe-se pela citação e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo que, regra geral, conta-se a partir do ato interruptivo [artigos 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1 CC], dispondo o artigo 327.º n.º 1 do CC que caso a interrupção resulte de citação ou ato equiparado, o novo prazo não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
XIX. Assim, iniciando-se a contagem do prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC, a partir do momento em que foi declarada a caducidade dos incentivos financeiros (22/08/1997) - cfr. letra E) dos factos dados como provados, tendo em conta a sua interrupção com a citação da Oponente - cfr. letra K) dos factos dados como provados, e considerando que, nos termos da interpretação conjugada do artigo 323.º do n.º 1, do artigo 326.º e do n.º 1 do artigo 327.º do CC, a citação como facto interruptivo, apenas tem de consubstanciar a expressão direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o ato pertence, sem mais formalismos, ao contrário do que sucede no CPPT, a dívida exequenda não podia ter sido julgada prescrita, como o fez o Tribunal a quo.
XX. Termos em que, deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada e substituída, por outra que julgue improcedente a oposição, mantendo-se a execução fiscal n.º 0035200901031210 contra a Oponente
Termos em que, e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença de que se recorre, substituindo-se por outra que julgue improcedente o presente processo de oposição à execução fiscal com as devidas consequências legais, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.».

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Por decisão sumária, o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente para conhecer do recurso atribuindo a competência ao Supremo Tribunal Administrativo, por entender que está em discussão apenas matéria de direito.

1.4. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida estão provados os seguintes factos:
«A) Em 28/10/1981 a aqui oponente apresentou um pedido de concessão de incentivos financeiros, ao abrigo do disposto nos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de junho, que regula o Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (SIII), com vista à criação de um novo forno para a fabricação de todo o tipo de tijolo e telha – facto não controvertido; fls. 9 do suporte físico dos autos.

B) Pelo despacho n.º 795/83, de 03/05/1983, no âmbito do processo n.º 3396, os incentivos financeiros requeridos foram concedidos à oponente – cfr. fls. 9/10 do suporte físico dos autos.

C) Do despacho referido na alínea anterior consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
INCENTIVOS FINANCEIROS: os correspondentes à Taxa básica de bonificação de 7,498%, referida à data da aprovação da operação de crédito e sujeita às alterações decorrentes do preceituado no n.º 4 do art. 13.º
A concessão destes incentivos previstos fica condicionada à realização, sujeita a verificação, dos objetivos constantes do projeto de investimento dentro dos correspondentes prazos.
(…)” – cfr. fls. 9/10 do suporte físico dos autos.
D) Com data de 07/10/1996, a aqui oponente enviou à Direção Geral das Contribuições e Impostos, a carta constante de fls. 53/57 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, destacando-se o seguinte:

“ASSUNTO: Comprovação do regime Geral do DL. 194/80 de 19 de Junho – Processo n.º 3396
Exmºs. Senhores:
Na sequência do v/ ofício de 96.08.20, da posterior conversa telefónica e da carta ref.ª 157/JES/PN de 96.09.18 e no que concerne ao assunto em epígrafe, vimos pela presente, de acordo com o solicitado, enviar a V. Exas. todos os elementos que conseguimos compilar a fim de permitir a emissão de um despacho definitivo do processo supra-referenciado.
(…)”.
E) Em 22/08/1997, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferiu despacho a determinar a caducidade dos incentivos concedidos em 11/09/1981, com o seguinte teor: “Nos termos dos n.ºs 1 a 4 do art.º 43º do D. L. 194/80, de 19 de Junho, determino a caducidade dos incentivos fiscais e financeiros provisoriamente concedidos à empresa, “A…………, LD.ª”, em virtude da pontuação final do projecto não atingir o limiar mínimo exigido no n.º 3 do art.º 8º do Decreto-Lei acima identificado.

Fica deste modo revogado o despacho de concessão provisória de incentivos proferido em 3 de Maio de 1983.
(…)”
F) Pelo ofício n.º 077207, datado de 29/10/1997, a oponente foi notificada do despacho mencionado na alínea anterior – cfr. fls. 74 do suporte físico dos autos.

G) Através do ofício com a referência NBI/AA – Proc. n.º 3396/SIII, datado de 09/02/2006, da Direção Geral do Tesouro do Ministério das Finanças e Administração Pública, rececionado em 13/02/2006, a oponente foi notificada nos termos seguintes:

“Assunto: SIII – D.L. n.º 194/80, de 19/6
No âmbito do processo de concessão de incentivos financeiros, foi atribuído a essa empresa, ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (SIII), um subsídio de 15.817,27 € (quinze mil oitocentos e dezassete euros e vinte e sete cêntimos). Entretanto, tendo em consideração o despacho ministerial de concessão definitiva desses mesmos incentivos, oportunamente remetido a V. Ex.ªs, que veio determinar a caducidade dos incentivos recebidos, verifica-se a necessidade dessa empresa repor ao Estado os mesmos.
Nesta conformidade, solicita-se que seja depositada no prazo de 30 dias contados a partir da data desta notificação, a quantia de 15.817,27 € (quinze mil oitocentos e dezassete euros e vinte e sete cêntimos), numa conta junto da D.G.T. com o NIB (....)” – cfr. fls. 76 do suporte físico dos autos.
H) Em 03/03/2006 a oponente apresentou na Direção de Serviços de IRC um requerimento a solicitar os “elementos que serviram de cálculo para determinar a caducidade do incentivo financeiro provisoriamente concedido, assim como, uma prorrogação de 120 dias no prazo constante do vosso supra mencionado ofício.

A presente solicitação vincula-se à necessidade de, face ao longo tempo decorrido desde o início do processo, tempo esse que ascende a vinte e cinco anos, e às alterações entretanto ocorridas na Empresa, tanto de ordem humana como na própria estrutura acionista da mesma, se tornar necessário um longo processo de pesquisa a fim de podermos procurar coletar todos os elementos necessários, ainda disponíveis, que nos permitam uma análise o mais criteriosa possível do assunto e posterior resposta ao V/ofício.” – cfr. fls. 77 do suporte físico dos autos.
I) Na mesma data apresentou na Direção Geral do Tesouro um requerimento com o seguinte teor:

“Na sequência da conversa telefónica no passado dia 02 de Março, com a nossa colaboradora Dra. …………, segue em anexo cópia da carta enviada à Direcção dos Serviços de IRC, solicitando o envio de todos os elementos que permitam à signatária a análise o mais correcta possível do processo mencionado em epígrafe, bem como, o pedido de prorrogação do prazo.
Após o recebimento e análise destes elementos responderemos de imediato ao ofício referenciado.”
J) Em 12/11/2009 o Serviço de Finanças de Anadia instaurou contra a aqui oponente o processo de execução fiscal n.º 0035200901031210, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de incentivos fiscais e financeiros (SIII) concedidos ao abrigo dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de junho, e respetivos juros de mora, no montante global de 18.149,69 € - cfr. fls. 6 do suporte físico dos autos.

K) Em 13/11/2009 foi enviado à oponente, por via postal registada, o ofício n.º 4876, datado de 12/11/2009, contendo a citação para o processo de execução fiscal - cfr. fls. 15/16 do suporte físico dos autos.

L) Em 11/12/2009 deu entrada no Serviço de Finanças de Anadia a petição inicial que deu origem aos presentes autos de oposição – cfr. carimbo aposto a fls. 17 do suporte físico dos autos.».

3. Fundamentação de direito
A questão que se coloca no presente recurso é saber se a dívida que está a ser cobrada coercivamente no processo de execução fiscal n.º 0035200901031210 do serviço de finanças de Anadia, e em que é executada a ora Recorrida, dívida proveniente de incentivos fiscais e financeiros “SIII”, concedidos ao abrigo dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de junho, está prescrita.

O Tribunal recorrido respondeu afirmativamente, que a dívida prescreveu em 2017, alicerçado nos seguintes pressupostos: que a dívida tem natureza civil, não tributária; que o prazo de prescrição é de vinte anos; que o prazo de prescrição se conta a partir da data da notificação do despacho a determinar a caducidade dos incentivos concedidos, com a consequente revogação do despacho que os concedeu (29/10/1997); que a citação da ora Recorrida no processo executivo (“K” dos factos provados) não interrompeu a prescrição, por ser provisória; que não se evidenciam quaisquer outros factos suspensivos ou interruptivos da prescrição.

A AT não se conforma com o decidido, pugnando pelo efeito interruptivo da citação nos termos do artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil (CC), apelando, em síntese, à natureza não tributária da dívida, à aplicação das normas dos artigos 309.º e 306.º, n.º 1 do CC quanto ao prazo e contagem da prescrição, à não aplicação do disposto no artigo 49.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e das regras de citação do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ao facto de a citação ter dado a conhecer à executada a intenção de o credor exercer o seu direito.

Vejamos.
Não se discute no presente recurso a natureza civil da dívida exequenda, portanto, não tributária. Nem que o prazo de prescrição é, por isso, o prazo ordinário, de vinte anos, previsto no artigo 309.º do CC, e que começou a correr com a notificação à ora Recorrida do despacho que determinou a caducidade dos incentivos, com a consequente revogação do despacho que os concedeu. O que tem suporte na jurisprudência deste Tribunal, citada pelo Tribunal recorrido, plasmada no acórdão de 20/03/2019, proferido no processo n.º 2340/07.9BEPRT. Onde existe divergência é na idoneidade da citação efetuada na execução fiscal para interromper o decurso do prazo prescricional.
O Tribunal recorrido entendeu que a citação prevista no artigo 191.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, tendo caráter provisório, não releva para efeitos de interrupção do prazo de prescrição. Suportou-se na jurisprudência do TCA Norte, nos acórdãos 17/09/2019, 02/07/2010, 18/03/2010, 17/06/2010, proferidos nos processos, 0623/09.2BEPRT, 00141/10.6BECBR, 01715/09.3BEBRG e 0651/09.8BEPNF, respetivamente, nos quais (à exceção do último que não tratou da questão, não obstante constar do respetivo sumário), foi afirmado que a citação a que se reporta o artigo 49.º, n.º 1, da LGT e que tem efeito interruptivo da prescrição, não é a citação efetuada através de aviso postal, nos termos do artigo 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respetiva data, e que tem carácter provisório, mas a citação efetuada, nos termos do artigo 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, por citação edital.

Acontece que aquela jurisprudência não é transponível para o caso sub judice. Na verdade, há que atentar na diferente natureza das dívidas exequendas, tributária naqueles arestos, não tributária, nestes autos. O que implica, desde logo, que o artigo 49.º da LGT, onde estão previstas as causa de interrupção e de suspensão da prescrição, inserido na secção III “Prescrição da prestação tributária”, do capítulo IV “Extinção da relação jurídica tributária”, não se aplique às dívidas civis, as quais têm o seu regime substantivo previsto nos artigos 309.º, 310.º e 323.º e seguintes do CC.

O artigo 323.º do CC, que dispõe:
«1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.»

O que releva para a interrupção da prescrição, no caso das dívidas de natureza civil, é que o ato judicial, a citação ou a notificação, ou qualquer outro ato judicial (n.º 4), dê a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer o seu direito. E desde que o ato tenha lugar (que não haja falta de citação ou de notificação), ainda que ele seja nulo, produz, ainda assim, efeitos interruptivos (n.º 3). Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levado ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excecionais acima referidos; se, porém há nulidade, não deixa de haver interrupção, se não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção” - Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, página 291.
Por outro lado, atribuindo a lei civil efeito interruptivo a qualquer ato judicial que dê a conhecer ao devedor a intenção do credor, ainda que nulo, perde relevância nestes casos distinguir a citação postal do artigo 191.º do CPPT, provisória, da citação pessoal, que tem lugar após a penhora de bens, prevista no artigo 193.º do mesmo diploma legal. À primeira, como ato judicial que é (o processo de execução fiscal tem a natureza de processo judicial, na sua totalidade, como decorre do n.º 1 do artigo 103.º da LGT), tem de ser atribuído o efeito interruptivo se ficar demostrado que chegou ao conhecimento do executado, que com ela ficou a conhecer a intenção do credor de exercer o seu direito.
O que, de forma evidente, aconteceu no caso dos autos. A executada foi citada para a execução, por via postal registada (“K” dos factos provados). E tal missiva chegou ao seu conhecimento pois deduziu a oposição na sequência da citação, o que resulta desde logo, do confronto da data em que foi enviada o ofício contendo a citação (13/11/2009) com a da apresentação da petição inicial no serviço de finanças (11/12/2009), dentro do prazo trinta dias previsto no artigo 203.º do CPPT (de notar que com esta referência não se está a afirmar que o prazo para apresentar a oposição à execução fiscal se contava desde a data da citação por aviso postal, mas apenas retirar do cumprimento do prazo legal, a receção da citação pela executada). Mas a evidência surge no próprio texto do articulado, como faz notar o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, quando no seu cabeçalho a Oponente refere que “citada no processo executivo nº 0035 2009 01031210, ao abrigo do disposto nos artigos 203º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), (…), vem deduzir OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO (…)”. Ou seja, ao contrário do que aconteceu nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, citados na sentença recorrida, em que não houve qualquer reação do executado perante a citação provisória, só tendo apresentado a oposição na sequência da citação pessoal, efetuada após a penhora, no presente caso, a oposição foi deduzida na sequência da citação postal, demonstrando que chegou ao conhecimento da executada.
Assim, e como defende a Recorrente, e também o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, o ato praticado na execução fiscal de citação por via postal registada, remetida em 13/11/2009, tem o efeito interruptivo (efeito instantâneo) previsto no n.º 1 do artigo 323.º do CC, pois deu a conhecer ao destinatário a intenção por parte da exequente de exercer o seu direito de crédito.

Nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do CC “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”.

Ora, tendo em conta que o prazo de vinte anos começou a correr a partir da notificação do despacho de revogação de concessão dos incentivos, a qual foi efetivada através de correspondência remetida em 29/10/1997 (ponto “F” do probatório), interrompeu-se, pelo menos, passado cinco dias após a instauração da execução no serviço de finanças, em 12/11/2009, independentemente da data em que a citação se efetivou. Na verdade, ainda que a citação se faça para além desses cinco dias, o seu efeito de interrupção da prescrição faz-se repercutir ao decurso daqueles cinco dias – cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 07/03/2007, 14/12/2016 e 04/07/2018, proferidos nos processos 554/06, 193/14 e 01644/15, respetivamente.

Interrompido o prazo de prescrição, inutiliza-se o tempo decorrido anteriormente e inicia-se a contagem de novo prazo prescricional a partir do ato interruptivo, de acordo com o disposto no artigo 326.º do CC. Contudo, face ao estipulado no n.º 1 do artigo 327.º do CC, resultando a interrupção de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao presente processo – cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/07/2018, proferido no processo 01644/15.

Assim, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, a dívida exequenda não se mostra prescrita.

4. Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para conhecer das demais questões cujo conhecimento foi dado como prejudicado.

Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça por não ter apresentado contra-alegações (artigo 527.º n.ºs 1 e 2 Código de Processo Civil aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT; artigo 7.º n.º 2 Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.