Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0186/07.3BECBR
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
CPPT
Sumário:Sendo o acórdão do TCA-Norte sindicado nos autos plenamente conforme à jurisprudência consolidada sobre a questão, não enfermando de erro notório ou manifesto que justifique a admissão da revista para melhor aplicação do direito, não é de admitir o recurso de revista.
Nº Convencional:JSTA000P32104
Nº do Documento:SA2202404100186/07
Recorrente:AA (E OUTROS)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório –

1 – AA e BB, ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 2 de junho de 2022, que negou provimento ao recurso por eles interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgara improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 1997 a 2001.

Os recorrentes concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos:

1. Os recorrentes interpõem o presente recurso excepcional de revista, ao abrigo do art.º 285.º do CPPT (na redacção da lei n.º 118/2019 de 17 de setembro), por considerarem que os fundamentos que deixam invocados nas suas alegações, integram o pressuposto legal de admissibilidade desta espécie de recurso, por estar em causa a apreciação de questão cujo conhecimento é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

2. É jurisprudência desse Venerando Tribunal que: Se a impugnação judicial da liquidação se fundar na errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável, a revisão administrativa da matéria colectável é um preliminar indispensável ao uso desse meio processual. // Embora os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base naqueles erros, a condição de impugnabilidade não se verifica se na impugnação forem invocados outros vícios, designadamente o vício de falta de fundamentação.

3. Se assim é relativamente ao contribuinte originário, não se vislumbram razões para que o não seja relativamente ao contribuinte subsidiário, até porque nos termos do n.º 5 do art.º 22º da LGT: “As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal…”

4. In casu, efectivamente não foi apresentado pelos recorrentes, pedido de revisão nos termos do art.º 92º da LGT, mas tal não constitui qualquer obstáculo à apresentação de impugnação judicial, constituindo causa de pedir desta a apreciação do vício de falta de fundamentação, mesmo tendo existido acordo celebrado em sede de revisão da matéria tributável entre o perito da administração e o perito do contribuinte originário, por força do princípio da impugnação unitária constante do art.º 54.º do CPPT.

5. Mesmo que se aventasse que a existência de acordo entre a AT e o contribuinte originário teria efeito preclusivo, o que não se admite, sempre se dirá que a 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 86.º da LGT repete a regra de que na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, porém, quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, essa possibilidade de invocar qualquer ilegalidade sofre uma limitação, pois, não há a possibilidade de invocar ilegalidades quanto a matérias que foram objecto de revisão relativas à fixação por acordo da matéria colectável determinada por métodos indirectos; as ilegalidades que podem ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação com origem em acordo obtido na comissão de revisão são, designadamente, a ilegalidade do procedimento, o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte, a violação de competências legais, a falta de fundamentação formal dos actos de liquidação ou outros elementos da liquidação (v.g. taxa, deduções, etc.), não abrangidos na preclusão supra referida, por força do estatuídos nos artigos 86.º, n.º 4 e 92.º n.º 3 da LGT.

6. Acresce que sendo o acordo celebrado em sede de revisão da matéria tributável entre o perito da administração e o perito do contribuinte originário matéria entre terceiros relativamente ao responsável subsidiário revertido que haja impugnado a liquidação do imposto e que não tenha deduzido pedido próprio de revisão da matéria tributável, poderá este alegar o vício da falta ou insuficiência de fundamentação da liquidação.

7. Ao decidir em sentido contrário, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento.

Termos em que e nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser recebido e a final ser proferido douto acórdão que revogando o acórdão recorrido, ordene a baixa dos autos para conhecimento da causa de pedir considerada precludida, com as legais consequências.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.


3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA não emitiu douto parecer sobre a admissão da revista.

4 – Nos termos do disposto nos artigos. 663.º n.º 6 e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido – cf. fls 5 e 6 do acórdão.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário do recurso de revista excepcional não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14). Também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional.

Vejamos.

O acórdão sindicado nos presentes autos não conheceu, por falta de elementos para o efeito, da invocada prescrição e, quanto ao erro de julgamento imputado à sentença recorrida julgou-o improcedente, porquanto os Recorrentes não apresentarem pedido de revisão da matéria coletável, sendo certo que invocam nestes autos (atento o teor da petição inicial e alegações de recurso), erro nos pressupostos de facto e de direito na fixação da matéria tributável, pelo que o entendimento sufragado na sentença proferida pelo Tribunal a quo de julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade das liquidações de IVA dos anos de 1997 a 1999 é de manter, sendo certo, que tal entendimento não viola os direitos de defesa dos Recorrentes, os quais podiam/deviam apresentar no prazo de 30 dias contados da sua citação para a execução fiscal o competente pedido de revisão (fls. 8 do acórdão recorrido).

Os recorrentes arguiram a nulidade do acórdão proferido por omissão de pronúncia quanto à falta de fundamentação, que o TCA julgou inverificada por acórdão de 12 de setembro de 2023.

Pretendem agora os recorrentes que seja admitida revista para conhecimento da questão de saber “deve considerar-se como absorvido na excepção de inimpugnabilidade do imposto apurado por métodos indirectos o vício de falta de fundamentação, na ausência de apresentação de pedido de revisão pelos responsáveis subsidiários?” (fls. 9 das alegações de recurso), questão que os recorrentes consideram que merece uma reapreciação para melhor aplicação do direito.

O acórdão já respondeu, e bem, por remissão para a sentença, que Não é de colocar, no âmbito de um acordo, a possibilidade de vício formal derivado de falta ou deficiência de fundamentação, pois a lei e a CRP apenas a exigem quanto a decisões da Administração (actos administrativos, cujo conceito é definido no art. 120.º do CPA) e não quanto a acordos, mesmo que inseridos em procedimentos administrativos ou tributários (arts. 268.º, n.º 3, da CRP, 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT) – cf. acórdão de 12 de setembro de 2023, que indeferiu a arguição de nulidade.

E sem colocar em causa a possibilidade de impugnar a liquidação por vício de falta de fundamentação desta, que a jurisprudência da jurisdição reconhece desde há muito (cf., por todos, o Acórdão deste STA de 26 de junho de 2013, rec. n.º 0216/13), certo é que, não podem os recorrentes, escudados neste fundamento, pretender discutir a quantificação operada por métodos indirectos (e que teve por base o acórdão obtido na Comissão de Revisão onde participou a originária devedora) quando não usaram o meio próprio para o efeito, o que precludiu essa possibilidade, conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores da jurisdição -

Concluindo:

Sendo o acórdão do TCA-Norte sindicado nos autos plenamente conforme à jurisprudência consolidada sobre a questão, não enfermando de erro notório ou manifesto que justifique a admissão da revista para melhor aplicação do direito, não é de admitir o recurso de revista.

O recurso não será, pois, admitido.


- Decisão -


6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista.

Custas pelos recorrentes. .

Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Aragão Seia - Francisco Rothes.