Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0912/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:Se, interposto recurso por oposição de acórdãos, não se verifica identidade substancial das situações fácticas em confronto, nem divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, não deve o mesmo ser admitido, por falta de um dos pressupostos desse recurso de oposição de acórdãos, nos termos do disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P16576
Nº do Documento:SA2201311130912
Data de Entrada:05/21/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA veio, ao abrigo do disposto no art. 284º do CPPT, interpor recurso por oposição de acórdãos para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 10/07/2013 no Processo nº 912/13, que concedeu provimento ao recurso interposto pela sociedade “A…………, S.A.” da sentença proferida em processo de reclamação deduzida contra acto do órgão de execução fiscal que determinara o pagamento da quantia exequenda sob cominação de accionamento da garantia bancária, revogando a sentença na parte em que julgara não ser permitida a apreciação da prescrição da dívida exequenda, e ordenando que os autos baixassem à 1.ª instância para conhecimento dessa questão após fixação da pertinente matéria de facto.
Indicou como acórdão fundamento o proferido em 29/06/2011 por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no processo nº 217/11.

2. Admitido o recurso e notificada a Recorrente para alegar sobre a questão preliminar da existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (art. 284º nº 3 do CPPT), veio fazê-lo, apresentado alegações tendentes a demonstrar a identidade de situações de facto e de direito em ambos os arestos.

3. A Recorrida contra-alegou, sustentando que o recurso devia ser julgado findo por falta de verificação dos requisitos que a lei exige para este tipo de recurso.

4. Por decisão do Exmº Juiz Conselheiro Relator, proferido em 25/09/2013, a fls. 391 a 394, julgou-se que não existia a invocada oposição de acórdãos, uma vez que a diferente solução jurídica a que chegaram os acórdãos em confronto é ditada pela dissemelhança das situações fácticas em que assentaram. E, consequentemente, julgou findo o recurso, em conformidade com o disposto no art. 284º nº 5 do CPPT.

5. É contra este despacho que a recorrente Fazenda Pública apresenta a presente reclamação para a conferência, alegando o seguinte:

I. Na sequência da notificação do Acórdão proferido no processo acima indicado no qual se identificou como recorrente A…………, SGPS, SA., proferido a fls. 297 a 313, em 25.09.2013 interpôs a Fazenda Pública recurso por oposição de julgados, a fls...

II. Tendo sido admitido o recurso interposto pela Fazenda Pública esta alegou no sentido de demonstrar preliminarmente, a existência de oposição entre o acórdão de que recorre, proferido nos autos acima identificados e o acórdão invocado como fundamento do recurso, o proferido no proc. 0271/11.

III. Ora, entende o Exmº Colendo Conselheiro Relator, no seguimento do estatuído no art. 284º do CPPT, que, para o recurso por oposição de julgados, são exigidos a verificação cumulativa de alguns requisitos que enumera.

IV. Entre esses requisites o que nos interessa para realçar a contradição do decidido; destacamos:

“(i) Identidade da questão de direito sobre que recaíram o acórdão em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas.” Todo o destaque a cheio é nosso.

V. Agora vejamos o que o Colendo Conselheiro escreve para contrariar a subsunção identitária da matéria factual:

2.4. No Acórdão recorrido o que se decidiu foi que o pagamento, ainda que voluntário, não pode ser considerado espontâneo se efectuado para obviar ao accionamento da garantia bancária e, por isso, esse pagamento não obsta a que seja apreciada ulteriormente a prescrição, tanto mais que o executado pode recuperar o montante pago.” E,

VI. E onde vai o douto Acórdão procurar a não identidade da questão de facto?

VII. Na constituição ou não de garantia.

VIII. E, porquê?

IX. Porque presume que o credor Estado ao exigir a constituição de garantia e com a consequente susceptibilidade de a poder executar, direito existente à data da execução, com o fim deliberado de a suster e que, como é obvio, o recorrido tinha já conhecimento de ser esse o fim, está a colocar essa garantia, como se fosse uma situação fáctica diferente daquela outra referida no acórdão fundamento, por esta ser uma coação que contraria o estatuído no nº 2 do art. 403º do CC e aqueloutra, ser uma simples execução.

X. Neste desenho, designadamente em matéria de imposto, por ser ainda da única e exclusiva competência do Estado, revestido de poderes de “Jus imperi” faz sentido invocar-se a aplicação da norma do Código Civil, no nº 2 do art. 403º do CC, designadamente a espontaneidade da prestação?

XI. Será que na determinação da identidade dos requisites, a existência de garantia é relevante para aferir da conformidade dos requisitos previstos no art. 284º do CPPT, do ponto de vista da dívida ao credor Estado, com maior relevância do que a própria execução?

XII. Entendemos que não e nem sequer determina uma situação fáctica - de coação - diferente do que aquela (coação) que é pressuposta na prossecução da própria execução.

XIII. Tal questão apenas foi levantada para reforçar uma hipotética ideia - até de forma indirecta - de coação que visa cimentar - sem qualquer racionalidade - como acima vimos ser diferente daqueloutra que o pagamento através do processo de execução previne.

XIV. Não faz sentido invocar a coação numa prestação, com requisitos diferentes, com origem na lei e sem qualquer sinalagma (directo).

XV. A lei estatui meios próprios para reagir. E,

XVI. é inaudito o Estado, no caso concreto do imposto reportado ao pagamento do que lhe é devido e com origem na lei, ser condenado com o juízo de valor de o ter obtido por coação e, sem sequer ter feito uso dessa garantia para receber a referida importância

XVII. Pelo que, não constitui situação factual diferente e com relevância nos termos dos requisitos exigidos pelo art. 254º do CPPT a reportada no Acórdão recorrido - de coação por existir garantia que nem sequer foi activada - do que aqueloutra (coação) reportada no Acórdão fundamento e que está pressuposta na prossecução da própria execução.

XVIII. O que tendo obtido despacho desfavorável do Relator, solicita a intervenção da conferência para uniformizar procedimentos, como, pensa, ser de elementar justiça.

Pelo que se requer que tal questão seja tratada em conferência para uniformizar procedimentos.

6. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 652, nº 3, in fine, do actual CPC, a Recorrida veio defender o acerto da decisão do Relator.

7. Face ao impedimento, por ausência temporária, do Exmº Juiz Conselheiro Relator, cumpre ao primeiro adjunto substituí-lo (art. 661º, nº 1 do actual CPC), submetendo à conferência a matéria sobre que incidiu o referido despacho. Deste modo, e com dispensa de vistos legais face à natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir em conferência.

8. O despacho reclamado é, no que aqui interessa, do seguinte teor (do qual que nos absteremos de reproduzir as notas de rodapé, porque meramente ilustrativas da jurisprudência existente sobre as asserções jurídicas feitas ao longo da decisão):

«(…) caso o recurso seja admitido, deve o recorrente apresentar «uma alegação tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida» (art. 284º, nº 3).

No presente caso, tendo o recurso sido admitido, cumpre agora verificar se a alegação aduzida pela Recorrente a coberto do nº 3 do art. 284º do CPPT é apta a demonstrar a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, designadamente nos seus vectores de identidade da questão tratada e de identidade substancial das situações fácticas.

2.2. Ao caso, porque a execução deu entrada antes 1 de Janeiro de 2004, é aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 (2), como decorre do art. 2º da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o novo ETAF, e o art. 4º da mesma Lei, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, que fixou a data da entrada em vigor do novo Estatuto em 1 de Janeiro de 2004. O que significa que, para se poder falar em oposição de julgados legitimadora de recurso para o Pleno da Secção, nos termos do disposto no art. 30º, alínea b), daquele diploma legal (ETAF de 1984) e 284º do CPPT, aqui aplicável ex vi do disposto no art. 12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, necessário se toma que os acórdãos considerados em oposição hajam decidido sobre a mesma questão fundamental de direito, aplicando os mesmos preceitos legais de forma diversa a idênticas situações de facto.

Como tem sido repetidamente explicitado pelo Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (3), relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se critérios já firmados para detectar essa contradição. Assim, para que se dê como verificada oposição de acórdãos susceptível de justificar a apreciação do recurso previsto no art. 284º CPPT, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado nos dois arestos solução oposta;
iv. que tal oposição decorra de decisões expressas, não bastando invocação de decisões implícitas ou a simples oposição entre razões ou argumentos acessórios enformadores das decisões finais ou a consideração colateral tecida no âmbito da apreciação dc questão distinta.

2.3. A Recorrente sustenta que há oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão de 29 de Junho de 2011 proferido por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no processo com o nº 217/11. Em seu entender, o acórdão recorrido, ao subscrever o entendimento de que «[a]inda que a obrigação tributária esteja prescrita, não pode considerar-se pagamento espontâneo o pagamento que, apesar de voluntário, tenha sido efectuado para obviar à iminente prossecução da execução e à prática de um acto lesivo, uma vez que o nº 2 do art. 403º do CC refere que «a prestação considera-se espontânea quando é livre de toda a coacção»» e de que «[s]e o pagamento não puder considerar-se espontâneo, mantém utilidade o conhecimento da questão da prescrição da dívida exequenda, uma vez que o executado poderá obter a restituição do montante pago», está em oposição com o referido acórdão de 29 de Junho de 2011, no qual se decidiu que «extinta a execução fiscal, com fundamento no pagamento da respectiva dívida, a prescrição deixa de poder ser utilmente invocada».

Salvo o devido respeito, e como procuraremos demonstrar, são distintas as situações de facto em causa nos acórdãos em confronto e distinta a ratio decidendi ou a essência da tese jurídica que neles foi adoptada e sem a qual as respectivas decisões não teriam sido proferidas como foram, pelo que não se verifica um dos requisitos deste tipo de recurso, que é o de a mesma questão fundamental de direito ter sido decidida de forma expressa e antagónica em ambos os acórdãos.

2.4. No acórdão recorrido, o que se decidiu foi que o pagamento, ainda que voluntário, não pode ser considerado espontâneo se efectuado para obviar ao accionamento da garantia bancária e, por isso, esse pagamento não obsta a que seja apreciada ulteriormente a prescrição, tanto mais que o executado pode recuperar o montante pago.

Ou seja, perante uma situação em que o órgão da execução fiscal notificou o executado para pagar a dívida exequenda e o acrescido, sob pena de accionar a garantia, o executado, do mesmo passo que efectuou o pagamento, afirmou que só o fazia para obviar a que fosse accionada a garantia, o que lhe acarretava graves prejuízos, mas que não prescindia de que fosse apreciada e decretada a prescrição invocada previamente ao pagamento.

2.5. No acórdão fundamento decidiu-se que não se podia apreciar a questão da prescrição invocada após o pagamento da dívida exequenda e do acrescido que foi efectuado por compensação contra a qual o executado não reagiu.

Note-se que no caso aí sub judice não existia qualquer garantia pendente e que a prescrição só foi invocada cerca de 3 anos após ter sido efectuado o pagamento.

2.6. Do que vimos de dizer, resulta claramente que, apesar de em ambos os arestos de ter apreciado a prescrição em face do pagamento da dívida exequenda, as questões de direito decididas por um e outro são diversas.

Podemos, pois, concluir que, não só no acórdão fundamento não foi decidida qualquer questão em sentido diverso da decisão proferida no acórdão recorrido, como também que a situação de facto aí em causa não tem paralelo com a situação do acórdão recorrido.

Em resumo, não só não há coincidência entre as questões jurídicas tratadas nos acórdãos recorrido e fundamentos, como nem sequer há identidade entre as situações de facto sobre que os mesmos arestos se debruçaram, o que tudo leva a concluir que inexiste oposição entre ambos susceptível de ser dirimida mediante o presente recurso fundado em oposição de acórdãos, pelo que este deve ser considerado findo, atento o disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.

3. Face ao exposto, considerando não verificada a invocada oposição de acórdãos, julgo o recurso findo (art. 284º, nº 5, do CPPT).».


9. É indiscutível que os recursos por oposição de acórdãos apenas devem prosseguir a sua tramitação no caso de identidade de situações fácticas enfrentadas nos acórdãos recorrido e fundamento e que, na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, tenham perfilhado soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.
E é também inquestionável que reclamação para a conferência do despacho do Relator que jugou findo o recurso por falta de verificação desse específico pressuposto, reclamação que a lei contempla no art. 652º nº 3 do actual CPC, não visa alcançar “uniformização de procedimentos” como invoca a Requerente. O que se pretende com este instituto é que quem se sentir prejudicado e discordar do sentido da decisão sumária possa obter a substituição da opinião singular do relator pela colegial do tribunal. O que se visa é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.
No caso vertente, depois de lida atentamente a decisão reclamada, este tribunal não tem qualquer dúvida em confirmar, em conferência, o acerto do decidido pelo Relator, por ser manifesta a falta de identidade do quadro factual e jurídico em que se moveram os acórdãos ditos em oposição, e de não ocorrer, em boa verdade, qualquer incompatibilidade jurídica nas soluções encontradas.
Para além de tudo o que ficou dito na fundamentação da decisão reclamada, e que sufragamos sem qualquer reserva de convicção, verifica-se que enquanto no acórdão recorrido a execução não se encontrava extinta quando foi formulado o pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda e que o acto de pagamento que o executado entretanto efectuou foi apenas para obviar a que a garantia bancária fosse accionada, tendo, porém, deixado expressamente declarado que apesar do pagamento não prescindia da apreciação da prescrição da dívida exequenda, já no acórdão fundamento a extinção da execução já ocorrera quando o pedido de declaração da prescrição foi formulado (por compensação da iniciativa da AT ocorrida cerca de três anos antes), não tendo havido nenhum pagamento “condicionado” da dívida, pois não houve qualquer ameaça de prosseguir com a execução, designadamente através do accionamento de garantia, até porque a dívida não se encontrava garantida.
Deste modo, o contexto factual do acórdão recorrido é completamente distinto do contexto factual do acórdão fundamento
Por outro lado, no acórdão fundamento nem sequer foi equacionada a questão de saber se constituía um acto espontâneo ou um acto sob coacção aquele em que o pagamento da dívida exequenda é feito para obviar ao prosseguimento da execução com o accionamento de uma garantia prestada e com a expressa menção, pelo executado, de que esse pagamento não significava prescindir da apreciação da prescrição da dívida já colocada em sede de reclamação judicial. Essa questão nem sequer se colocava face ao contexto factual em que foi proferido o acórdão fundamento.
E é precisamente essa a questão que integra o cerne factual e jurídico do acórdão recorrido e que constitui, aliás, a ratio decidendi da solução que nele foi adoptada.
Sendo assim, nenhum entendimento jurídico inconciliável ressalta do cotejo dos acórdãos recorrido e fundamento, posto que em ponto algum deste último se contraria a tese expressa no primeiro.
Importa, pois, concluir pela inexistência da invocada oposição de julgados, indeferindo-se, em consequência, a reclamação.

10. Termos em que se acorda, em conferência, em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se nos seus precisos termos o despacho reclamado.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 13 de Novembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.