Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/23.0BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
TRIBUNAL
UNIÃO EUROPEIA
Sumário:Estando a questão objecto do recurso pendente de apreciação no TJUE, impõe-se suspender os presentes autos de recurso até à emissão de pronúncia por aquele Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P32047
Nº do Documento:SAP20240321080/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a decisão arbitral proferida em 28 de março de 2022 no processo arbitral n.º 372/2021-T, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), dela interpor recurso por alegada oposição com o decidido pela Decisão Arbitral proferida no Processo nº 350/2021-T, de 22/02/2022, na parte referente à conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, da redação do n.º 1 do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, ao prever na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União Europeia reduções do imposto diferenciadas em função dos tempos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal Administrativo da Decisão Arbitral proferida em 28.03.2022 no Processo n.º 372/2021-T, por contradição com a Decisão Arbitral proferida em 22.02.2022, no Processo n.º 350/2021-T, no respeitante à decisão de anulação parcial da liquidação impugnada (com anulação parcial da quantia paga em excesso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios) efetuada ao abrigo da nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
B. A Entidade Recorrente tem legitimidade e está em tempo para interpor o presente recurso, o qual é apresentado na sequência da notificação à Diretora-Geral da AT, efetuada por correio registado de 16.05.2023, da decisão sumária do Tribunal Constitucional, proferida em 15.05.2023, que recaiu sobre o recurso interposto pelo Ministério Público, atenta a cessação da interrupção dos prazos de outros recursos que caibam da decisão, conforme o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
C. A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a Decisão Arbitral que se indica como fundamento, relativamente ao entendimento da conformidade do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o direito da União Europeia, concretamente com o artigo 110.º do TFUE.

D. Na sequência do pedido do Requerente de anulação parcial da liquidação, a Decisão Arbitral a quo entendeu que deve ser aplicada, por referência à componente ambiental, a mesma percentagem de redução prevista na lei para a componente cilindrada, considerando que o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na parte em que estabelece um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso para a componente ambiental, permite uma discriminação entre os veículos usados nacionais e os provenientes de países da União Europeia, viola o artigo 110.º do TFUE.
E. De acordo com a mesma decisão, conforme se extrai do sumário da mesma (ponto 3), o artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, “não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP) porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução aplicada à componente cilindrada (65%), na taxa de redução de ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE ”.
F. Entendendo, assim, a mesma decisão, com referência à atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que “(…) haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado-Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE” (a. págs. 42 da decisão).
G. Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com a Decisão Arbitral fundamento, pela anulação parcial da liquidação de ISV, por defender que a mesma padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução às duas componentes, determinando a anulação parcial da quantia paga em excesso, e pela procedência do pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
H. A Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 350/2021-T, em 22.02.2022, tendo também por base atos tributários de liquidação de Imposto Sobre Veículos efetuados ao abrigo da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, além de outros realizados ao abrigo da redação anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, entendeu que a nova redação está em conformidade com o direito da União Europeia, pugnando pela sua compatibilidade com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária (cf. págs. 27 a 31 da decisão).
I. A mesma decisão fundamento defende que, na sua decisão, o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro”
J. Na Decisão fundamento, o tribunal arbitral, considerando, quanto às liquidações efetuadas em 2021, que as liquidações de ISV foram efetuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE, não sendo o artigo 11.º, n.º 1, do CISV incompatível com a jurisprudência comunitária dimanada da interpretação do artigo 110.º do TFUE, estando de acordo com a decisão do TJUE proferida no Processo C-169/20, decidindo, por isso, pela procedência parcial do pedido, mantendo os atos de liquidação impugnados praticados em 2021.
K. Deste modo, a decisão Arbitral sob recurso considerou que, tendo sido aplicada a taxa prevista no n.º 1 do artigo 11.º, há que continuar a entender que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, viola o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por não aplicar a mesma taxa/percentagem de redução prevista para a componente cilindrada, à componente ambiental.
L. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com a conformidade com o direito da União Europeia, concretamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, de liquidações de ISV efetuadas ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão contestada, com substituição da mesma por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV, com todas as consequências legais, ao abrigo do n.º 6, do artigo 152.º do CPTA.
M. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral Recorrida considera que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, não está em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, ao prever taxas de redução distintas para as componentes cilindrada e ambiental, a aplicar na tributação dos veículos admitidos de outro Estado-membro da União Europeia.
N. As anteriores redações do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro de 2016, e a sua conformidade com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE foram objeto de processos de contencioso junto do Tribunal de Justiça, sendo que a redação resultante da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro de 2016, deu origem ao Proc.º n.º C-169/20 do TJUE, que opôs a Comissão Europeia ao Estado Português, norma igualmente questionada no âmbito de diversos litígios no tribunal arbitral tributário, por não prever a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental do ISV, as quais se encontravam previstas apenas para a componente cilindrada no cálculo do valor do imposto aplicável aos veículos usados admitidos no território nacional de outros Estados-membros.
O. Através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, ainda antes da prolação do Acórdão do Proc.º C-169/20, o legislador nacional procedeu à alteração da redação do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, passando este a prever que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de redução sobre a componente ambiental do ISV à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, conforme resulta das percentagens constantes da tabela D constante daquela norma.
P. Conforme resulta da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021, a nova redação n.º 1 do artigo 11.º do CISV “(…) A tabela de desconto para a componente ambiental do ISV aplicável aos veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, proposta pelo Governo na Proposta de Lei, mantém o essencial do entendimento da Comissão Europeia defendido na petição apresentada pela Comissão Europeia junto do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo n.º C-169/20 e salvaguarda as legítimas preocupações ambientais do Governo, já que as percentagens de redução propostas, ao invés de estarem associadas à desvalorização comercial média do veículo (como sucede no desconto aplicado à componente cilindrada), estão associadas diretamente à vida útil média remanescente dos veículos, o que configura uma boa métrica do horizonte temporal de poluição que o veículo irá gerar ao longo da sua vida.
Mantendo inalterada a lógica subjacente à tabela de taxas de desconto para a componente ambiental do ISV proposta pelo Governo, propõe-se uma redução do seu número de escalões e, consequentemente, reajustamento das suas taxas, por forma a que a tabela possa ser mais facilmente articulada com a tabela de descontos aplicável à componente cilindrada do ISV, já que, deste modo, ambas as tabelas passam a ter o mesmo número de escalões e as mesmas taxas, ainda que por referência a anos de uso diferentes (atenta a lógica distinta que subjaz a cada uma das tabelas).” (Cf. Proposta de Lei n.º 61/XIV/2ª – de acordo com a 2.ª Subst. 1261C-1).
Q. Não podendo, por conseguinte, ser imputados a atos de liquidação efetuados ao abrigo da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º já prevê, na Tabela D, percentagens de redução para a componente ambiental.
R. Não obstante, a Decisão arbitral, ora recorrida, entende que a atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, por não prever e aplicar as mesmas taxas de redução para as duas componentes, cilindrada e ambiental, continua a violar o artigo 110.º do TFUE, considerando que o ato de liquidação resultante da aplicação da redução prevista na tabela D, para a componente ambiental padece de ilegalidade.
S. Defendendo a decisão arbitral sob recurso que embora o atual modelo de tributação tenha diminuído significativamente a discriminação que existia entre os veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado nacional, a verdade é que não se pode afirmar que tenha sido eliminado qualquer efeito discriminatório (...), que continua a existir à luz da jurisprudência europeia invocada.
T. Afirmando, assim, com fundamento em conclusões que retira dos acórdãos proferidos nos Processos n.º C-290/05, C-200/15 e C-169/20, todos do TJUE, e das decisões dos processos arbitrais n.ºs 572/2018-T e 776/2019-T, as quais foram prolatadas quanto a impugnação de liquidações efetuadas ao abrigo da redação anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que a nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º mantém, embora de forma mais limitada, o efeito discriminatório, continuando a exceder o montante residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados no território nacional.
U. Concluindo, no sentido de que “haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado-Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE”.
V. Ao invés do sustentado na decisão a quo, a nova redação da norma não continua a consagrar um “efeito discriminatório”, estabelecendo, tão só, taxas percentuais que, embora não sendo totalmente coincidentes com as reduções previstas para a componente cilindrada, têm o mesmo número de escalões e taxas, igualmente de 10% a 80%, embora com referência a diferentes anos de uso, conforme decorre da Tabela D, facto que assenta numa lógica “objetiva” (critérios objetivos), que atende à natureza específica de cada uma das componentes em causa.
W. E conforme se explicitou em sede de proposta do Orçamento de Estado para 2021, no caso da componente ambiental, atende-se à vida útil média remanescente dos veículos, não podendo afirmar-se, teoricamente, que tal facto permite a persistência de uma discriminação entre os veículos registados em território nacional e os veículos provenientes de outro Estado-membro, o que só pode ser aferido, em face dos critérios objetivos em presença.
X. Decorre da jurisprudência comunitária, especificamente do Acórdão de 05.10.2006, do Proc.º C-290/05 “Ákos Nadasdi”, que pela primeira vez se debruçou sobre a questão ambiental no âmbito do imposto sobre os veículos automóveis, que critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais, constituem critérios objetivos, que podem ser utilizados no âmbito da tributação automóvel, desde que deles não resulte discriminação, não podendo ser onerados os veículos provenientes de outros Estados-membros face aos veículos nacionais similares.
Y. De acordo com o mesmo acórdão (Proc.º C-290/05) os Estados-membros têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos em função de critérios objetivos como sejam a natureza das matérias-primas utilizadas ou os processos de produção aplicados, desde que compatíveis com o Tratado e direito derivado e se forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação.
Z. Importando clarificar que, no caso do Proc.º C-200/15, como no do Proc.º C-169/20 (aos quais a decisão recorrida alude para sustentar a sua posição), o Tribunal de Justiça pronunciou-se quanto a situações de vazio jurídico, em que não estavam previstas na lei, em concreto no artigo 11.º do CISV, percentagens de desvalorização para veículos até um ano e desvalorização superior a 52% para veículos com mais de cinco anos, por referência à componente cilindrada (Proc.º C-200/15), nem percentagens de redução para a componente ambiental (Proc.º C-169/20).
AA. Ora, a questão sob escrutínio não se reconduz às situações visadas naqueles processos do Tribunal de Justiça, já que, na sua redação atual, o artigo 11.º, n.º 1, prevê, na tabela D, a aplicação de reduções nas duas componentes, cilindrada e ambiental, não podendo, por conseguinte, a decisão recorrida, para sustentar a sua posição, estender os seus efeitos à situação em apreço.
BB. No Proc.º C-169/20, o TJUE pronunciou-se quanto ao facto de o artigo 11.º, na redação da Lei n.º 71/2018, não prever percentagens de redução na componente ambiental, decidindo que, “ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.
CC. E, ainda antes da prolação do acórdão no Proc.º C-169/20, a redação do artigo 11.º foi alterada no sentido de passar a prever percentagens de redução/desvalorização também para a componente ambiental, estabelecendo a nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º, na tabela D, à semelhança da componente cilindrada, percentagens de redução por anos de uso, que vão igualmente de 10% a 80% embora com escalões de “idade” diferentes da componente cilindrada, pelo que, o imposto, atualmente, é calculado tomando em consideração a desvalorização real dos veículos usados, o que não ocorria antes da alteração legal.
DD. Acresce que, não se retira do Acórdão do Proc.º C-169/20 que, para garantir a neutralidade do imposto, as reduções/percentagens, atinentes à componente ambiental teriam de coincidir na totalidade com as previstas para a componente cilindrada, por só assim se eliminar toda a discriminação dos veículos usados admitidos de outros Estados–membros face aos veículos nacionais.
EE. Defende-se que, por outro lado, incumbe ao sujeito passivo/Impugnante demonstrar que o imposto resultante, calculado com a percentagem de redução que lhe foi aplicada por conta da componente ambiental, prevista na tabela D para o veículo em causa, não teve em conta a depreciação real do veículo, excedendo o montante residual incorporado no valor dos veículos usados semelhantes já matriculados em território nacional, tal como foi feito no âmbito do Proc.º C-169/20 do TJUE, conforme referido no ponto 16 do acórdão.
FF. A Decisão fundamento, conforme se extrai de págs. 27 a 31 da decisão, defende que “o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art.º 11.º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro”, concluindo que “as liquidações de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE.”
GG. No mesmo sentido da decisão fundamento pronunciam-se também, designadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 209/2021-T, 349/2022-T, 571/2022-T e 481/2022-T, já transitadas em julgado, sendo que a decisão do processo n.º 481/2022-T, aludindo à natureza dos critérios e possibilidade de aplicação de diferentes taxas de redução à componente cilindrada e à competente ambiental do imposto, refere o seguinte:
“31.O acórdão do processo C-290/05, de 05/10/2006, Ponto 52, esclarece que o critério ambiental é um critério objetivo e, sendo objetivo, como compensação não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.
Ora, a Tabela D do artigo 11.º do CISV tem duas componentes, a cilindrada e a ambiental e se, relativamente à primeira nenhumas dúvidas se suscitam quanto à relação que se possa estabelecer entre os preços dos veículos novos e usados e os valores residuais de imposto neles incorporados tendo em vista a liquidação do imposto, já relativamente à segunda tem de se concluir que há uma certa liberdade conformadora do imposto pelo legislador nacional, pois desde que ele tenha adotado critérios objetivos, de todos conhecidos e a todo o momento verificáveis, nada obriga a que as regras que funcionam para a componente cilindrada tenham necessariamente de ser aplicáveis à componente ambiental, estando neste caso justificada a diferenciação que se estabelece entre as diferentes percentagens por tempos de uso consoante as componentes.”
HH. No Proc.º n.º 209/2021-T, na parte referente ao pedido subsidiário – anulação parcial da liquidação efetuada ao abrigo da redação atual do n.º 1 do artigo 11.º do CISV – decidiu-se pela improcedência do mesmo, com fundamento, designadamente, em que:
“32. Não se vislumbra, contudo, ilegalidade na referida diferença (decorrente do facto de as percentagens de redução estarem associadas, nas componentes cilindrada e ambiental, à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respectivamente). (…)
33. Usando, aqui, uma terminologia próxima da que foi adoptada pela Comissão Europeia na acção por incumprimento contra o Estado Português, interposta a 23/4/2020 no TJUE, ainda que com base numa redacção anterior deste art. 11.º do CISV (que desconsiderava totalmente a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV): se “a tabela de desvalorização adoptada pela legislação nacional [...] conduz[ir] [agora, com a nova redacção, e ao contrário do que sucedia com a anterior,] a uma aproximação razoável do valor real do veículo usado importado” (sublinhado nosso), então também já não será evidente que “o montante pago para registar um veículo usado importado excede o montante relativo a um veículo usado similar já registado em Portugal” e, consequentemente, também já não se concluirá, em face da actual redacção do referido artigo 11.º do CISV, existir uma violação do artigo 110.º do TFUE e da jurisprudência do supra referido Tribunal de Justiça.
34. (…) o Requerente também não apresentou nestes autos jurisprudência do TJUE que, atendendo ao disposto no artigo 110.º do TFUE, “vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental).”
35. Acresce, ainda, que, como se referiu na factualidade não provada (vd. supra, ponto III.2), o Requerente não comprovou, nos presentes autos, a alegação, que fundamenta o seu pedido subsidiário, de que (vd. §§ 51 e 56 da p.i. e, genericamente, §§ 51 a 59) “o montante do imposto [aplicado à luz da ‘tabela de desvalorização pelo número de anos de uso, aplicável à componente ambiental do ISV’, com a ‘aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021’], [teria sido] calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, [e] excede[ria] o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.” Acresce que o Requerente remete (vd. § 62 da p.i.) a sustentação da alegação supra citada, que seria violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, para um processo (C-169/20) que não incidiu sobre a nova redacção do artigo 11.º do CISV (como refere, expressamente, o TJUE, no referido Acórdão do processo C-169/20, de 2/9/2021, em resposta à “afirmação da República Portuguesa, avançada na tréplica, de que está em discussão na Assembleia da República portuguesa uma nova redação para o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos”, [tal] “argumento é irrelevante, na medida em que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de modo que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça”); e o mesmo se pode dizer das invocadas “inúmeras decisões arbitrais” (vd. §§ 63 e 64 da p.i.), também elas proferidas no contexto de redacção anterior do referido artigo do CISV. “.
II. Na decisão proferida no Proc.º n.º 349/2022-T, pugna-se pelo seguinte:
22.1(…) o Requerente limita-se a fazer a alegação de que «O montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional» (ponto 60), sem o fundamentar, ou seja, não é suficiente alegar a diferenciação de reduções do imposto por ano de uso, e afirmar relativamente à componente ambiental que a norma atualmente em vigor e que esteve na base da liquidação do imposto pago pela impugnante continua a violar frontalmente o artigo 110.º do TFUE (…)
23.1Há uma presunção de legalidade nas percentagens mencionadas na referida tabela que só fica em crise se for fundamentadamente questionada, o que não sucede nos presentes autos, uma vez que as provas existentes são unicamente a informação constante da DAV de introdução no consumo do veículo em que, para o caso, releva que o veículo teve uma data de primeira matrícula em 02.11.2011, foi admitido como usado com 26 949 quilómetros percorridos, é movido a gasolina/bioetanol, e emite 368 g/Km de CO2.(…)
JJ. No que concerne aos pressupostos do recurso, a Jurisprudência e a Doutrina têm entendido que o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
KK. O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária prevê, no artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
LL. No caso vertente encontram-se preenchidos todos os requisitos de admissibilidade impostos pelo artigo 152.º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo n.º 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no Proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
MM. Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no recurso n.º 87156, de 26.04.1995.
NN. Decorre, de todo o exposto, que a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a Decisão fundamento, devendo a decisão recorrida ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV, supra identificado, praticado em 2021.
Termos em que, deve ser admitido o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Proc.º n.º 372/2021-T, em 28.03.2022 e a Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 350/2021-T, em 22.02.2022, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral de anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, com todas as consequências legais.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, porquanto ambas as decisões arbitrais se debruçaram sobre a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (na decisão arbitral recorrida também se apreciou a legalidade de atos à luz do disposto na mesma disposição legal na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2017, mas não é deste segmento que vem interposto o recurso), tendo os tribunais arbitrais perfilhado soluções divergentes e a decisão arbitral recorrida não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que se desconhece qualquer pronúncia do STA sobre esta questão, tendo por base a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro e, quanto ao mérito, impõe-se a confirmação da decisão arbitral recorrida, julgando-se improcedente o recurso.

4 - Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.
- Fundamentação -

5 - Questões a decidir

Importa averiguar previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
A. O Requerente introduziu em Portugal, com origem em ..., pelo valor de € 11.560,00 (onze mil quinhentos e sessenta euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca ..., modelo ..., designação comercial “...”, movido a gasóleo, nº de motor ...33, n.º quadro ...44, cilindrada 1968 cc, de cor ... e outras, com 194.351 km percorridos.
B. O veículo foi matriculado pela primeira vez na ... a 14 de novembro de 2013, tendo-lhe sido atribuída a matrícula ....0KG.
C. Após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 14 de abril de 2021, procedeu à sua importação, tendo em 17 de abril de 2021 dado entrada do mesmo em território nacional e, em 7 de maio de 2021, apresentado junto da Alfândega de Leixões a declaração aduaneira de veículo (DAV), para introdução no consumo do veículo
D. A DAV, à qual foi atribuído o nº. ...16, de 2020.05.07, foi apresentada pelo Requerente através de representante direto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente de ... e com 194.351 km percorridos.
E. No quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0,0001 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 156 g/km.
F. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo com mais de 7 ano a 8 anos de uso, quanto à componente cilindrada, e com mais de 7 a 9 anos, quanto à componente ambiental, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, ao qual correspondem, respetivamente, percentagens de redução de 65% (componente cilindrada) e 43% (componente ambiental).
G. No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efetuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 6.063,37.
H. Do valor total de imposto, € 4.380,64 são relativos à componente cilindrada, e € 7.947,63 são relativos à componente ambiental.
I. No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 4.380,64 foi deduzida a quantia correspondente a 65% do seu montante, ou seja, € 2.847,42, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
J. No que concerne à componente ambiental, ao valor de € 7.947,63 foi deduzida a quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 3.417,48, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados
K. A liquidação de imposto sobre o veículo em causa tem o n.º ...21/...70, de 2021 05-07.
L. O Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de € 6.063,37, em 27.05.2021.
M. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 22 de junho de 2021.

6.2 Por seu turno, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:
1. A Requerente introduziu em Portugal, entre 28/10/2020 e 19/01/2021, veículos ligeiros de passageiros usados, provenientes de diferentes Estados-membros da UE, (cfr. Doc. 1 à Impugnação e no processo administrativo), designadamente constantes das seguintes DAVs:
2. Em resultado da apresentação das DAVs acima referidas, a AT, através do Diretor da Alfândega de Peniche, liquidou ISV no valor global de € 23.082,77.
3. De acordo com a informação constante das mencionadas DAVs, o valor global de ISV liquidado tem como parcela um montante de € 39.391,88 referente à componente cilindrada, e um montante de € 3.179,57, referente à componente ambiental.
4. No que concerne à componente cilindrada referente às DAVs acima referidas, foi deduzida uma quantia total no valor de € 19.306,77, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados.
5. Em relação à parcela da componente ambiental (de € 3.179,57), não foi aplicada qualquer percentagem de redução relativamente às liquidações efetuadas em 2020, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV (com referência à redação estabelecida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2017).
6. Porém, em relação às liquidações efetuadas em 2021, resultantes das DAV n.º 2021/..., n.º 2021/... e n.º 2021/..., foi aplicada uma redução, pelo montante total de € 181,90, à componente ambiental, nos termos da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV e correspondente tabela D (i.e., ao abrigo da redação atribuída pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2021).
Em resumo, o quadro abaixo espelha as reduções respetivamente aplicáveis às componentes cilindrada e ambiental, por DAV:
7. Por não se conformar, em parte, com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental (para as liquidações de 2020) ou uma redução de taxa equivalente àquela que é utilizada para a componente cilindrada (para as liquidações de 2021), a Requerente apresentou, em 11/02/2021, junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa dos correspondentes actos de liquidação de ISV.
8. Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Peniche, notificado à Requerente em 02.06.2021 (cfr. Doc. 7 da Impugnação e do processo administrativo).


7 – Decidindo
7.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência
Vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto da decisão arbitral n.º 372/2021-T proferida nos presentes autos por alegada contradição do ali decidido com o que o foi no Processo nº 350/2021-T, de 22/02/2022, na parte referente à conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efetuadas em 2021, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV à data em vigor (redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021).
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.
Na decisão arbitral recorrida está em causa um pedido de anulação parcial da liquidação de ISV, relativo a uma admissão de veículo usado no território nacional em 7 de maio de 2021 (alínea C) do probatório), e reembolso da quantia de € 1.748,48 euros, com a invocação de que na redução prevista no artigo 11º do CISV, se devia aplicar à componente ambiental, em que foi utilizada a taxa de 43%, a mesma taxa aplicada à componente cilindrada de 65%, sob pena de violação do disposto no artigo 110º do TFUE.



O Tribunal arbitral julgou procedente a pretensão do impugnante no entendimento de que o artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação dada pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, continua a não se mostrar conforme ao artigo 110.º, do TFUE (…) porquanto a referida disposição legal não atende à depreciação real do veículo e não permite garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. (…) Embora o atual modelo de tributação tenha diminuído significativamente a discriminação que existia entre os veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado nacional, a verdade é que não se pode afirmar que tenha sido eliminado qualquer efeito discriminatório. Assim, da aplicação de diferentes metodologias de redução, daquela que se aplica à componente ambiental, resulta a conclusão que não foi excluído todo o efeito discriminatório, que continua a existir à luz da jurisprudência europeia invocada (cf. decisão arbitral, a fls. 34 a 36).
Por sua vez na decisão arbitral fundamento estavam em causa vários pedidos de anulação de liquidações de ISV referentes a outros tantos factos tributários ocorridos nos anos de 2020 e 2021, sendo que para efeitos do presente recurso importa apenas o segmento da decisão relativa aos factos ocorridos em janeiro de 2021 (fls. 28 e seguintes da decisão), em que nas liquidações do ISV foi feita uma redução de 52% na componente da cilindrada e uma redução de 28% na componente ambiental, ao abrigo do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro.
Tendo nesta sede o tribunal arbitral considerado, após invocar o entendimento sufragado pelo TJUE na decisão proferida no processo C-169/20: «Pelo que se acompanha a conclusão da Requerida no sentido de que “na sua decisão o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art.º 11.º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75B/2020, de 31 de dezembro”».
Como decorre do exposto, ambos os arestos se debruçaram sobre a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (na decisão arbitral recorrida também se apreciou a legalidade de atos à luz do disposto na mesma disposição legal na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2017, mas não é deste segmento que vem interposto o recurso), tendo os tribunais arbitrais perfilhado soluções divergentes.
Não havendo, por enquanto, jurisprudência deste STA sobre a questão tendo por base a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, haverá, pois que conhecer do mérito do recurso.

7.2 Do mérito do recurso
Sucede, porém, que por Acórdão deste STA do passado dia 22 de novembro, no processo do Pleno Tributário n.º 25/23.8BALSB, em que se colocava questão idêntica à dos presentes autos, foi determinado o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da seguinte questão: o artigo 110º do TFUE e os comandos ínsitos no acórdão do TJUE n.º C-169/20, são afrontados pela alteração legislativa de 2020 do artigo 11º do CISV, que estabeleceu as regras de desvalorização da componente ambiental, mas em que a desvalorização da componente ambiental obedece a critérios distintos da desvalorização da componente da cilindrada, o que implica taxas de desvalorização distintas e, nessa medida, poderá acarretar um efeito discriminatório sobre os veículos usados importados de outros países da União?
Estando a questão pendente de apreciação no TJUE, impõe-se suspender os presentes autos de recurso até à emissão de pronúncia por aquele Tribunal, dando-se conhecimento a este processo do Acórdão que venha a ser emitido pelo TJUE, quando o for.
- Decisão -
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em:
A) julgar verificada a oposição de julgados;
B) Quanto ao mérito do recurso, suspender os presentes autos até que seja proferida decisão pelo TJUE no reenvio prejudicial a que se procedeu no processo n.º 25/23.8BALSB, devendo o Acórdão que vier a ser proferido pelo TJUE ser junto a este processo.

No mesmo sentido, os Acórdãos do Pleno deste STA de 24 de janeiro de 2024, processo n.º 84/22.0BALSB e de 21 de fevereiro de 2024, processo n.º 71/23.1BALSB.


Custas a final.
Notifique.

Lisboa, 21 de março de 2024. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.