Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0144/21.5BCLSB
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29570
Nº do Documento:SA1202206090144/21
Data de Entrada:05/23/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A…………
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 17.03.2022 - que, negando provimento à sua apelação, manteve nos seus precisos termos o acórdão - de 28.09.2021 - pelo qual o Tribunal Arbitral do Desporto [TAD], por unanimidade, declarou procedente a acção interposta por A………… e determinou a revogação do acórdão - de 10.05.2021 - proferido pelo «Pleno do Conselho de Disciplina da FPF» [Secção Disciplinar], que condenou este último na sanção de 16 dias de suspensão e, acessoriamente, com a sanção de multa no valor de 1.020,00€ pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 140º, nº1, do RDLPFP [Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, na sua versão consolidada e ratificada na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26.08.2020].

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

O recorrido – A………… - apresentou contra-alegações em que defende, além do mais, a não admissão da revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Pleno do Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou A………… com as sanções supra indicadas por protestos contra a equipa de arbitragem, ocorridos no jogo nº13106 entre o SL Benfica e o FC Porto SAD, realizado a 06.05.2021, a contar para a 31ª jornada da Liga NOS - não se poderia manter porque no âmbito do respectivo «processo disciplinar sumário» não foi assegurado, em pleno o «direito de defesa» do arguido.

Importa assinalar que nos autos não se discute se, em processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disciplinar deve ou não ser precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido. Na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional, é aceite por todos que o deve ser - ver AC do TC nº594/2020, de 10.11.2020, processo nº49/20, e AC do TC nº742/2020, de 10.12.2020, processo nº506/20. O dissídio entre as partes reside antes em saber se esse direito de defesa foi - no presente caso - efectivamente assegurado ao arguido pois que não lhe foi comunicado o conteúdo dos «esclarecimentos adicionais prestados pelo árbitro», onde constava - nomeadamente - a alegada utilização, por ele, de uma expressão [Isto é 2 amarelo, caralho] que contribuiu para o seu sancionamento disciplinar.

Escreve-se no acórdão objecto desta pretensão de revista, além do mais, o seguinte:

[…]

A alteração ao conteúdo do relatório da equipa de arbitragem é evidente. Estamos perante facto novo que assumiu fundamental relevância na decisão punitiva, ainda que não tenha como efeito a imputação de novo ilícito - integrando-se igualmente no artigo 140º [protestos contra a equipa de arbitragem]. Com efeito, compulsada a decisão punitiva da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e bem assim as peças processuais apresentadas, pela FPF, quer no TAD, quer neste Tribunal, é manifesto que o sancionamento se ficou a dever também - e diríamos até especialmente - ao uso da expressão em causa. Não havendo uma acusação propriamente dita, é necessário que ao arguido sejam dados a conhecer, de forma clara, os factos que lhe são imputados, isto é, o concreto comportamento, alegadamente adoptado pelo arguido, que se pretende sancionar. Assim sendo, é forçoso concluir que não foi devidamente assegurado, no âmbito do processo disciplinar em causa, o direito de defesa do arguido, ora recorrido.

[…]

A FPF, tanto na qualidade de apelante como - agora - de autora da pretensão de revista, vem alegar erro de julgamento de direito, essencialmente por duas razões: o conteúdo essencial do sancionamento foi notificado ao arguido, pois era o constante do relatório do árbitro; além disso, o arguido teve acesso aos esclarecimentos adicionais do árbitro, uma vez que o ficheiro correspondente foi criado e disponibilizado - em pasta respectiva - na mesma data da concessão de audiência prévia.

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista da FPF não deverá ser admitida. Associada às decisões unânimes das instâncias - arbitral e judicial, e ambas, também, por unanimidade - está o discurso fundamentador das mesmas, que se mostra «dotado de lógica e de razoabilidade jurídica». A decisão tomada surge pois como aceitável, e não é de forma alguma claramente carente de ser sujeita ao crivo do tribunal de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

É certo que os comportamentos dos dirigentes desportivos, pelo impacto que têm, são, à partida, dotados de relevância social, porém, os contornos específicos da «questão» aqui em causa, que consiste, apenas, em saber se o «direito de defesa do arguido» foi efectivamente assegurado, mostra-a reduzida ao âmbito do formalismo processual, e não ao da substância desses comportamentos.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Junho de 2022. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.