Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01095/05
Data do Acordão:10/24/2007
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS DE MORA
Sumário:I - Há oposição de julgados quando duas decisões perfilham solução oposta estando em causa o mesmo fundamento de direito sem que tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica.
II - Os juros moratórios a favor do contribuinte não incidem sobre os juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA00064636
Nº do Documento:SAP2007102401095
Data de Entrada:03/07/2007
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA - AC STA PROC10/02 DE 2002/04/17.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:LGT98 ART30 ART35 ART43 ART100 ART102.
DL 73/99 DE 1999/03/16 ART3.
PORT 291/2003 DE 2003/04/08.
CCIV66 ART212 ART559 ART560.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1120/06 DE 2007/03/07.; AC STA PROC1041/03 DE 2004/10/20.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 5ED V1 PAG336-482.
JORGE DE SOUSA IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG145-148.
LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG420-421.
CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS PAG185-187.
ALMEIDA COSTA DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 10ED PAG749.
CORREIA DAS NEVES MANUAL DOS JUROS 3ED PAG23.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO ART559.
VAZ SERRA IN BMJ N55 PAG111-112.
ALFREDO SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 3ED PAG73.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública vem recorrer, por oposição de acórdãos, do aresto desta Secção de 2 de Novembro de 2006, que julgou ter o contribuinte direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao termo do prazo da respectiva execução espontânea e a juros de mora contados desde o termo desse prazo até efectivo e integral reembolso do imposto pago e incidentes sobre o montante deste e respectivos juros indemnizatórios.
Apresentou, como fundamento, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Abril de 2002, recurso n.º 010/02, em que, “tendo a sentença condenado a administração a pagar juros moratórios a partir do prazo para cumprimento espontâneo da decisão exequenda”, julgou-se que eram devidos “juros indemnizatórios desde o pagamento da quantia liquidada até essa data, às taxas que sucessivamente vigoraram no período indicado”. Todavia, os juros moratórios incidiram “apenas quanto à quantia liquidada e não sobre os juros indemnizatórios, por não estar legalmente previsto o anatocismo de juros”.
E, quanto a esta última questão, é manifesta a oposição.
Com efeito, está em causa o mesmo fundamento de direito, não houve alteração substancial da regulamentação jurídica e foi perfilhada solução oposta nos dois arestos: no acórdão recorrido, julgou-se que os juros de mora incidiam sobre o imposto pago e respectivos juros indemnizatórios; e no acórdão fundamento entendeu-se que os juros moratórios incidiam apenas quanto à quantia liquidada e não sobre os juros indemnizatórios.
A Fazenda recorrente apresentou as seguintes conclusões:
1. Os juros indemnizatórios (art°s. 43° e 100° da LGT e 61° do CPPT) e os juros de mora a favor do sujeito passivo (art. 102°, nº 2 da LGT) revestem idêntica natureza e destinam-se a cumprir a mesma função ou objectivo: ressarcir um dano presumido pelo legislador, que consiste na privação ou indisponibilidade de quantias em dinhei­ro, traduzindo-se numa indemnização objectivamente fixada, correspondente ao rendimento do capital em causa (o valor dos juros legais), à semelhança do regime pre­visto na lei civil, privativo da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias (art. 806°, nº l do Código Civil);
2. Face à identidade de natureza e função, os juros indemnizatórios e de mora a favor do sujeito passivo não podem ser devidos relativamente ao mesmo período de tempo, tendo a jurisprudência vindo a entender que os primeiros apenas serão devidos, nas situações previstas no nº 1 do art. 43° da LGT, desde a data do pagamento indevido e até ao termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial que tenha determinado a restituição do tributo indevidamente pago, contando-se a partir daí apenas juros de mora, pelo que, pelos mesmos motivos não deverão os juros de mora incidir sobre os juros indemnizatórios;
3. A lógica subjacente à indemnização por mora prevista no art. 806°, nº. l do Código Civil e no nº 2 do art. 102° da LGT é a de fixação do seu valor em termos objectivos, independentemente de prova e quantificação do dano, correspondendo apenas e tão-só ao valor do rendimento do capital em dívida que é dado pelo montante dos juros legais, pelo que, considerar que os juros de mora a favor do contribuinte incidem, não só sobre o montante do tributo a restituir pela Administração Tributária, mas igual­mente sobre os juros indemnizatórios, traduzir-se-á em subverter essa lógica específi­ca da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias, conduzindo a uma indemniza­ção de valor superior ao que havia sido intenção do legislador fixar;
4. Por outro lado, e em termos literais, o nº 2 do art. 102° da LGT refere-se apenas à mora relativamente à execução espontânea de decisões judiciais quando impliquem a restituição de tributos, não abarcando, na sua letra, os juros indemnizatórios a que haja lugar;
5. O anatocismo (juros sobre juros) não se encontra expressamente previsto na legisla­ção tributária, pelo que será, em regra, proibido (art. 560° do Código Civil), tal como decidido no acórdão fundamento;
6. O legislador consagrou prazos de execução espontânea de decisões judiciais diversos para a restituição de tributos e o pagamento de juros indemnizatórios: a decisão anulatória de acto tributário que implique a restituição de tributo deve ser executada no prazo actualmente previsto no art. 175°, nº 3 do CPTA e, anteriormente à entrada em vigor deste último, no prazo decorrente da conjugação entre os art°s. 5°, nº l e 6°, nº l do Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17/06, ambos contados a partir do facto previsto no nº 2 do art. 146° do CPPT; pelo contrário, quanto à decisão que reconheça o direito ou condene no pagamento de juros indemnizatórios, o prazo de execução será de 90 dias a contar do início do prazo de execução espontânea (nº 2 do art. 146° do CPPT), por força dos n°s l e 2 do art. 61° do CPPT;
7. A divergência de prazos para cumprimento das decisões judiciais quanto à restituição de tributos e pagamento de juros indemnizatórios leva a que, no momento em que a Administração se constitui em mora relativamente à restituição do tributo, não possa ainda verificar-se mora relativamente ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que os juros de mora a favor do contribuinte não podem começar a vencer-se sobre estes últimos;
8. Os juros indemnizatórios não constituem uma indemnização calculada de acordo com as regras dos arts. 562° e ss. do Código Civil, que revista autonomia, enquanto obri­gação pecuniária, relativamente à qual pudesse ser devida uma nova indemnização, pela mora no seu cumprimento, ao abrigo do n. 2 do art. 102. ° da LGT (ou 806°, nº l do Código Civil): eles têm já a mesma natureza que a indemnização dos art°s 102. °, nº 2 da LGT e 806°, nº l do Código Civil, pelo que não haverá lugar a qualquer indem­nização por mora a calcular sobre os mesmos.
9. O legislador previu expressamente, quanto aos juros compensatórios a favor do Esta­do, que os mesmos se integram na dívida de imposto (art. 35°, nº 8, da LGT), pelo que, em caso de juros de mora a favor do Estado, por incumprimento dos prazos de pagamento voluntário de tributos, não se colocam dúvidas quanto à inclusão daqueles na sua base de cálculo; porém, não foi consagrada qualquer norma semelhante em relação aos juros indemnizatórios, o que deverá considerar-se uma opção propositada do legislador, de manter a autonomia entre o crédito relativo à restituição de tributo indevidamente pago e os juros indemnizatórios, não fazendo estes últimos parte da base de cálculo ou incidência de juros de mora a favor do sujeito passivo que venham a ser devidos ao abrigo do nº 2 do art. 102° da LGT.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, uma vez que é de sufragar a doutrina contida no acórdão fundamento.
Em sede factual, vem apurado que:
1. Nos autos de recurso contencioso de anulação que correram termos no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro sob o n.º 1/2000 foi, por douta sentença proferida em 2002.02.13 e inserta a fls. 38 a fls. 44 do apenso, decidido “julgar procedente a impugnação e determinar a anulação da liquidação impugnada, com restituição ao recorrente do imposto pago e juros indemnizatórios, nos termos legais”;
2. Por douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 2002.10.30, transitado em julgado e inserto de fls. 73 a fls. 78 dos autos em apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, foi decidido “negar provimento ao recurso” interposto pela Fazenda Pública da douta sentença a que alude o n.º anterior.
3. Através do ofício n.º 487, datado de 2003.01.15, o Exmo. Director da Alfândega de Aveiro notificou o exequente nos termos que constam do documento de fls. 28 a fls. 28v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde, além do mais, conclui que “por aplicação directa do artigo 95.º do Tratado da União Europeia (actual art. 90.º), há lugar à restituição de € 850,79, referente ao Imposto Automóvel pago a mais na DVL n.º 99/9979.2, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios”;
4. Através do ofício n.º 3156, datado de 2003.03.28, o Exmo. Director da Alfândega de Aveiro notificou o exequente nos termos que constam do documento de fls. 27 a fls. 27v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde, além do mais, informa que se procedeu “em 24.03.2002 à anulação formal da primeira liquidação no valor de € 3875,31 e à prática de um novo acto de liquidação de acordo com o artigo 95.º do Tratado da União Europeia, em cumprimento do critério fixado pelo acórdão exequendo, através da Declaração Complementar de Veículo, registada nesta Alfândega sob o n.º 009/CF2003, de 24-03-2003, procedendo-se ao reembolso da quantia atrás referida”.
A questão dos autos é, pois, a de saber se os juros moratórios a favor do contribuinte incidem, ou não, sobre os juros indemnizatórios.
Dispõe o artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária que no “caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.
Trata-se de uma inovação – antes dela não se encontravam previstos juros moratórios a favor do contribuinte – que surgiu desamparada no ordenamento fiscal: por uma banda, a Lei Geral Tributária não fixou expressamente a taxa destes juros moratórios a favor do sujeito passivo; por outra, numa perspectiva meramente dogmática, o legislador continuou a classificar como indemnizatórios juros que, em rigor, criada a espécie dos juros moratórios a favor do sujeito passivo, como tal seriam de classificar – cfr. as alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 43.º deste diploma legal onde o legislador determina expressamente serem fonte de juros indemnizatórios situações em que a Administração Tributária se constitui em mora.
Por outro lado, a previsão do dito artigo 102.º, n.º 2, (“casos de a sentença implicar a restituição do tributo já pago”), “aparentemente, estaria também abrangida no artigo 100.º [do mesmo diploma legal] em que se refere que há lugar a juros indemnizatórios a partir do termo do prazo de execução da decisão nos casos de procedência de impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 5.ª Edição, 2006, p. 482, nota 9.
É que, no ponto, o artigo 102.º, n.º 2, utiliza o conceito “sentença” e o 100.º “impugnação judicial”, dois conceitos que significam a mesma realidade processual.
Assim, literalmente interpretados, aqueles dois incisos normativos apontariam para a obrigação da Administração Tributária pagar ao sujeito passivo, a partir do termo do prazo da execução da decisão e relativamente ao mesmo período temporal, juros indemnizatórios e juros moratórios relativos à mesma dívida tributária, nos casos em que uma decisão anule, ainda que parcialmente, um acto de liquidação.
Contudo, tal conclusão carece de respaldo, desde logo se se atentar à ratio destes juros.
Com efeito, os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”.
Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade”.
Cfr. o acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.º 01220/06.
Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função.
Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.
Cfr. o acórdão citado e Jorge de Sousa, ob. cit., p. 336.
Daí que se deva entender o dito artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária como uma “norma especial sobre a execução de sentenças”, ou seja, um “artigo que completa o disposto no artigo 100.º”, devendo aquela prevalecer sobre esta “quando a decisão a executar é uma decisão judicial”.
Cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, p. 420, nota 4.
Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicáveis aqueles dois artigos, há que interpretar correctivamente o artigo 100.º: em virtude da liquidação ilegal, são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do artigo 102.º, n.º 2.
Cfr. Lima Guerreiro, ob. cit., pp. 420-421.
Por outro lado, são de diferente natureza as dívidas que geram juros indemnizatórios e as dívidas que são fonte de juros compensatórios: no primeiro caso, pretende-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal – artigo 43.º da Lei Geral Tributária -, sendo indiferente que o devedor seja o Estado ou um particular; e, no segundo, visa-se reparar o dano sofrido pela Administração Tributária que, por facto imputável ao sujeito passivo, se viu privada, nomeadamente através do atraso da liquidação, de dispor de uma receita que lhe era devida - cfr. artigo 35.º do mesmo diploma. Daí que, quando se torna possível a realização da liquidação, os juros compensatórios sejam conjuntamente liquidados com a dívida de imposto, na qual se integram – n.º 8 deste último normativo.
Assim, os juros de mora – a favor da Fazenda Pública -, sendo devidos, vão incidir também, nesta medida, sobre os juros compensatórios, à taxa de 1% ao mês ou fracção – cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (determina a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas).
Ou seja: se o sujeito passivo não cumprir a obrigação tributária no prazo de pagamento voluntário, passam a ser devidos juros de mora a favor da Fazenda Pública que são calculados sobre a dívida de imposto na qual, nos termos do artigo 35.º, n.º 8, da Lei Geral Tributária, se integram os juros compensatórios (que eventualmente sejam devidos).
Naturalmente, não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto.
Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
E também não é possível, nos preditos termos, que os juros de mora – a favor do contribuinte – incidam sobre os juros indemnizatórios, em face da sua idêntica função.
Aliás, tal função reparadora, ainda que atinente a factos geradores distintos, como se viu, é concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa.
Com efeito, a Lei Geral Tributária não determina qual é a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo e o sistema fiscal prevê apenas duas taxas de juro: a taxa de juros legal de 4% ao ano, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; e a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.
Esta taxa mais elevada que a devida nas restantes espécies de juros justifica-se pelo facto de estar em causa a violação da obrigação principal do “dever fundamental” de pagar impostos. Ao não cumprir a obrigação tributária no prazo de cumprimento voluntário, num momento em que a liquidação já foi efectuada e o montante em dívida é já certo, líquido e exigível, o contribuinte impede o Estado Fiscal de Direito de actuar, uma vez que este não pode “dar (realizar prestações sociais), sem antes receber (cobrar impostos)” – Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Colecção Teses, 1998, pp. 185-187.
Ora, bem se vê que esta taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado, dada a sua natureza especial, só se aplica aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, que não do contribuinte, em virtude da predita violação da obrigação principal do dever fundamental de pagar impostos.
Pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento.
Cfr., mutatis mutandis, o acórdão do STA de 20 de Outubro de 2004, processo n.º 01041/03, em que se decidiu que, “na vigência do Código de Processo Tributário, os juros indemnizatórios devidos na sequência de impugnação judicial que anulou o acto de liquidação, no qual ocorreu erro imputável aos serviços, devem ser contados à taxa do artigo 559.º do Código Civil, já que o artigo 24.º do CPT nem estabelece essa taxa, nem, quanto a ela, remete para as leis tributárias”.
Taxa de 4% que, dada a natureza das dívidas envolvidas, nos preditos termos, é também aplicável aos juros compensatórios (como determina expressamente o artigo 35.º, n.º 10, da Lei Geral Tributária) e aos juros indemnizatórios (por força da remissão expressa do artigo 43.º, n.º 4, do mesmo diploma legal).
Por fim, o artigo 560.º do Código Civil proíbe, por regra, o anatocismo.
Há, todavia, três situações em que o anatocismo é permitido, sendo que, em princípio, “só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano” – n.º 2 do dito artigo 560.º.
Assim, “para que os juros vencidos produzam juros [I] é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, [II] a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização” – n.º 1.
Contudo, [III] estas restrições “não são aplicáveis (…) se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio” – n.º 3.
Ora, no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias.
Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros.
E não se diga que os juros indemnizatórios não são verdadeiros juros.
À míngua de uma definição legal, a doutrina desenvolveu o conceito de juro enquadrando-o na figura dos frutos civis, uma vez que são produzidos periodicamente por uma coisa (a obrigação de capital), sem prejuízo da sua substância, em consequência de uma relação jurídica.
Cfr. o artigo 212.º do Código Civil, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição, 2006, p. 749, Correia das Neves, Manual dos Juros – Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3.ª Edição, 1989, p. 23, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1968, nota 1 ao artigo 559.º.
Concretizando a noção, Correia das Neves, ibidem, define juro “como um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo, e que varia em função do valor do capital, da taxa (…) de remuneração e do tempo de privação”, considerando que a obrigação de juros também se encontra prevista na lei para casos em que “não há prévia cedência de um capital, mas simples não cumprimento oportuno de uma obrigação imposta legalmente, embora esta seja ainda uma obrigação de capital pecuniário” (pp. 18-19).
E, ainda nestes últimos casos, se trata, bem vistas as coisas, de uma remuneração de capital, uma vez que é o seu desapossamento que está em causa.
Ora, os juros indemnizatórios gozam destas características e não é pelo facto de terem uma função reparadora que a sua natureza se altera, até porque “rigorosamente, todo o juro é compensatório (do uso legítimo do dinheiro, do atraso da prestação ou de outro facto)” - cfr. Vaz Serra, “Obrigação de Juros e Mora do Devedor”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 55, pp. 111-112.
Não pode, pois, aceitar-se que os juros tenham outra natureza por terem uma função compensatória ou indemnizatória, uma vez que todas as espécies de juros partilham essa função e, se assim se entendesse, o regime do anatocismo seria absolutamente desprezível, já que não teria a que se aplicar (não haveria, então, “juros” sobre juros).
Finalmente, não se objecte, à tese exposta, com uma eventual inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, já que é diversa, como acima se acentuou, a natureza da dívida ao Estado para pagamento de impostos – cfr. Casalta Nabais, ob. cit. – e a da dívida daquele ao contribuinte, situável no plano de qualquer outro débito a este.
Em suma: os juros moratórios não podem incidir sobre os juros indemnizatórios.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, na parte em que decidiu que os juros moratórios incidem sobre os indemnizatórios pois que aqueles não são devidos.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Outubro de 2007. – Domingos Brandão de Pinho (relator por vencimento e sorteio) – José Norberto de Melo Baeta de QueirozFrancisco António Vasconcelos Pimenta do ValeJorge Lino Ribeiro Alves de SousaJorge Manuel Lopes de SousaLúcio Alberto de Assunção Barbosa (vencido, de acordo com o voto junto) – António Francisco de Almeida Calhau (vencido, de acordo com o voto do Exmº. Consº. Dr. Lúcio Barbosa).
VOTO DE VENCIDO
Não acompanho a tese que fez vencimento, pelo que voto vencido.
Alinho as razões da minha discordância na fundamentação que segue.
A questão a resolver é esta: os juros moratórios incidem ou não sobre os juros indemnizatórios?
Para quem entenda que os juros indemnizatórios são juros na sua acepção estrita, então, como é evidente, não podem os juros moratórios incidir sobre os juros indemnizatórios.
Na verdade, e como bem refere a recorrente Fazenda Pública, o anatocismo (juros sobre juros) não se encontra expressamente previsto na legislação tributá­ria, pelo que será, em regra, proibido (art. 560° do Código Civil).
Mas não é este o meu entendimento.
Vejamos porquê.
O art. 30º da LGT dispõe o seguinte:
“1. Integram a relação jurídica tributária:
“…
“d) O direito a juros compensatórios
“e) O direito a juros indemnizatórios …”.
Por sua vez o art. 35º da LGT dispõe:
“1.São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
“2. São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.
“…
“8. Os juros compensatórios integram-se na própria dívida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados…”.
Estatui finalmente o art. 43º da LGT:
“1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
“…
“4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios”.
Do cotejo das referidas disposições legais, afigura-se-me inequívoco que os juros compensatórios e os juros indemnizatórios têm a mesma natureza.
E, como tal, devem estar sujeitos ao mesmo regime jurídico.
Daí que, a meu ver, não tenham a natureza de juros, na acepção restrita do termo, mas, quer num caso, quer noutro, tenham antes a natureza de uma reparação civil.
Os juros compensatórios têm a natureza de um agravamento da dívida de imposto, uma sobretaxa, visando indemnizar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ser ou foi indevidamente reembolsada ao contribuinte “Juros nas relações tributárias”, de Jorge de Sousa in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, pág. 145.
Por sua vez, os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional.
Daí que deva dizer que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual Autor e obra citados, págs. 156 a 158.
Tendo uma natureza idêntica devem, a meu ver, ter um tratamento idêntico.
Os juros indemnizatórios são a contraface dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo Sousa e José Paixão, 3ª Edição, pág. 73.
Não é possível dizer-se que num caso estamos perante uma situação de anatocismo e noutra não.
E sendo embora certo que a concretização da indemnização se faz de forma diversa num caso e noutro (nos juros indemnizatórios a liquidação é autónoma enquanto nos compensatórios se englobam na dívida tributária global), isso não significa que não tenham a mesma natureza.
E daí que, sendo pacífico que os juros de mora incidam também sobre os juros compensatórios, devem também eles incidir sobre os juros indemnizatórios.
Que não são, na minha óptica, e como acima explicitei, juros no sentido estrito do termo.
Sendo embora certo que não há expressamente na LGT, e para os juros indemnizatórios, uma norma idêntica à do nº 8 do citado art. 35º da LGT, a idêntica natureza dos juros compensatórios e indemnizatórios, exige um tratamento idêntico.
Sob pena de tratamento mais favorável e privilegiado da administração, que não é compaginável com um Estado de Direito.
Não é relevante dizer que se está perante o dever fundamental de pagar impostos, que postula uma diversa natureza dos juros compensatórios.
Nem vale dizer que num caso – quando o credor é o contribuinte – estamos perante um desapossamento ilegal, sendo indiferente ao dito contribuinte que o devedor seja o Estado ou um particular, e, no outro – quando o credor é o Estado (por dívidas de impostos) –, se viu este privado de uma receita que lhe era devida, assumindo assim esta dívida uma natureza diversa.
É que, não o esqueçamos, o desapossamento ilegal dos bens do cidadão ocorre por um acto de autoridade do Estado, munido do seu jus imperii, dotado de órgãos e meios para desapossar o contribuinte das quantias em dívida.
A esse poder do Estado tem que corresponder um dever de igual dimensão.
Tal argumento – central – da tese vencedora, é pois, no meu ponto de vista, um argumento reversível.
Assim, e para mim, é inequívoco que os juros de mora incidem também sobre os juros indemnizatórios.
Daí que o acórdão recorrido, proferido na Secção, não mereça, na minha óptica, qualquer censura.
Confirmaria assim o aresto sob censura.
Voto pois vencido.
Lúcio Barbosa.