Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/05.1BECBR-B
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25692
Nº do Documento:SA1202003040606/05
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:A....... E OUTROS
Recorrido 1:MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E MINISTRO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

B……………….. e outros intentaram, no TAF de Coimbra, nos termos do art. 161º e seguintes do CPTA (versão decorrente do DL 214-G/2015, de 2.10), contra os Ministros da Administração Interna e das Finanças, acção pedindo a Extensão de Efeitos do Acórdão do TC Norte, de 06.03.2015.

O TAF julgou a acção improcedente.
E o TCA Norte, para onde os Autores apelaram, confirmou essa decisão.
É desse Acórdão que os Autores vêm recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Os autores, que eram funcionários da Direção-Geral de Viação – extinta com a criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – e estavam integrados na carreira de inspector de viação ou desempenhavam funções de inspecção intentaram, no T.A.F. de Coimbra, a presente acção pedindo a extensão dos efeitos do Aresto do TCAN, de 06.03.2015, (rec. 606/05.1BECBR) à sua situação jurídica.
Aquele Tribunal julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR do pedido com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos previstos nos n.º 1 e 2/b) do art.º 161º do CPTA, isto é, por não se verificar a (i) identidade das situações jurídicas entre os Requerentes da extensão dos efeitos da sentença e aqueles que obtiveram a decisão favorável e (ii) por não terem sido prolatadas por tribunais superiores cinco sentenças, transitadas em julgado, no mesmo sentido.

Os Autores apelaram para o TCA mas este negou provimento ao recurso e confirmou a sentença pelas razões que, no essencial, se transcrevem:
“Os requisitos de que depende são os seguintes:
(i) Que os requerentes se encontrem na mesma situação jurídica das pessoas a que se reportam essas sentenças [nº. 1];
(ii) Que quanto a eles não haja sentença transitada em julgado [nº. 1];
(iii) Que os casos decididos sejam perfeitamente idênticos [nº. 2];
(iv) Que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas por tribunais superiores, no mesmo sentido, cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse sentido terem sido decididos em três casos, por sentença transitada em julgado, os processos selecionados segundo o disposto no artigo 48º [nº. 2, alínea a)];
(v) Não ter sido proferido número superior de sentenças, também transitadas em julgado, em sentido contrário ao das sentenças referidas na alínea anterior, nem serem as referidas sentenças contrárias a doutrina assente pelo Supremo Tribunal Administrativo em recurso para uniformização de jurisprudência [nº. 2, alínea b)];
Tratando-se de requisitos de verificação cumulativa, basta a inverificação de qualquer deles para soçobrar a pretensão dos requerentes.
....
Pois bem, na situação presente, e quanto ao invocado requisito de necessidade de perfeição das situações jurídicas em confronto, é nosso entendimento que os Exequentes/Recorrentes não se encontram na mesma situação jurídica do grupo de funcionários que beneficiou do julgado prolatado por este Tribunal Superior na ação nº. 606/05.1BECBR, que, reconhecendo a validade do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentação do D.L. nº. 112/2001, determinou, quanto aqueles, a convolação objetiva do processo por impossibilidade da lide nos termos do artigo 45º do CPTA.
Realmente, examinando o teor do aresto prolatado por este T.C.A.N., assoma evidente que o ali decidido só tem reflexo relativamente a um concreto grupo de funcionários integrados na carreira de inspeção que formularam pretensão jurisdicional de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentação do D.L. nº. 112/2001 previamente à revogação do ato legislativo carente de regulamentação, operada pelo D.L. nº 77/07, de 29.03, que, no seu artigo 13º, revogou expressamente o D.L. nº 484/99, de 10.11.
Este parâmetro [instauração da ação previamente à revogação do ato carente de legislação] reveste-se de particular importância para a verificação do requisito relativo à perfeição da identidade da situação jurídica em confronto, pois considerou-se no aresto fundamento que se a ação tivesse sido instaurada após a revogação do ato legislativo carente de regulamentação, a mesma teria que ser julgada improcedente.
....
Deste modo, e sopesando que a factualidade assumida na alínea J) do probatório coligido nos autos, concatenando-a com a data de revogação do ato legislativo carente de regulamentação, assoma evidente que não ocorre a verificação do pressuposto relativo à perfeição de identidade de situações jurídicas previsto no nº.1 do artigo 161º do C.P.T.A.
Acrescente-se que não se verifica, igualmente, as condições de que o legislador faz depender a possibilidade de apresentação de pedido extensivo, isto é, a existência de 5 sentenças transitadas em julgado ou 3 casos relacionados com a existência de processos em massa nos termos do preceituado no art.º 48º do CPTA.
Efetivamente, no caso versado, não só há qualquer notícia da existência de processos em massa na matéria em discussão nestes autos, como não se encontra cumprida a condição da existência de 5 sentenças transitadas em julgado com idêntico sentido decisório [entenda-se dispositivo].
........
É que, não resta qualquer dúvida de que, ao estabelecer o requisito referente à existência de 5 sentenças prolatadas por Tribunais Superiores transitadas em julgado, o legislador pretendeu referir-se, inequivocamente, a decisões jurisdicionais transitadas em julgado em número de 5, uma vez que tal número traduz uma garantia de uniformidade jurisprudencial na jurisdição quanto ao julgamento de um certo tipo de situação de fáctico-jurídica.
Sendo assim, apesar do aresto deste TCA Norte proferido no processo n.º 606/05.1BECR abranger 34 destinatários efetivos, a verdade é que configura uma única apreciação jurisdicional da questão.
Portanto, não pode deixar de ser valorada como uma única decisão jurisdicional para todos os efeitos, o que implica que não existe, no caso concreto, aquele mínimo de uniformidade jurisprudencial que o legislador reputou de imprescindível para desencadear o mecanismo da extensão dos efeitos da sentença.
Assim sendo, é forçoso concluir que também não se mostra o preenchimento do pressuposto previsto na al. a) do nº. 2 do art. 161º do C.P.T.A.

3. Os Autores, ora Recorrentes, não se conformam com tal decisão pelo que pedem a admissão da revista para a qual formulam, entre outras, as seguintes conclusões:
“3.ª Efetivamente, quer os 34 funcionários em relação aos quais o acórdão-base reconheceu a titularidade de uma situação jurídica favorável, quer os requerentes no presente processo de extensão .... estavam na mesma situação factual à data do início do processo que deu origem ao acórdão cuja extensão de requer – 2005 – ou seja, estavam na mesma carreira de inspeção e na mesma instituição, a então DGV.
6.ª Uma vez que o acórdão-base reconhece uma situação jurídica favorável a 34 funcionários da ex-DGV que foram autores, em coligação, no processo que esteve na origem do acórdão base, estes obtiveram, na realidade, 34 decisões de reconhecimento de situação jurídica favorável. Efetivamente, como reconhece a doutrina e a jurisprudência, existindo coligação ativa, tal corresponde a tantas ações quantas os AA coligados. Pelo que está satisfeito o requisito que o legislador teve na ideia ao exigir um número mínimo de decisões «no mesmo sentido».
8.ª A interpretação da norma da alínea a), do n.º 2, do artigo 161.º, que conduza a indeferir a extensão de um acórdão favorável a 34 funcionários de uma determinada carreira e de um determinado serviço público, AA em coligação ativa nesse processo, a 25 outros funcionários dessa mesma carreira desse mesmo serviço público é inconstitucional por violação do princípio da igualdade. ...
9.ª Uma interpretação do artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPTA, de tal modo restritiva que impeça a extensão de efeitos de um acórdão no qual se julga ilegal a omissão de regulamentar o DL 112/2001 em relação à carreira de inspeção da ex-DGV a funcionários dessa mesma ex-DGV que, à exata semelhança dos 34 AA em coligação nesse acórdão de referência, estavam inseridos nessa mesma carreira de inspetor de viação na data de produção de efeitos desse DL 112/2001, é inconstitucional também por violação do princípio da tutela judicial efetiva ......... .”

4. Como se acaba de ver a questão suscitada nesta revista é, unicamente, a de saber se a situação jurídica dos Recorrentes preenche os requisitos previstos nos n.º 1 e 2/b) do art.º 161º do CPTA e se, por isso, aqueles podem beneficiar dos efeitos favoráveis alcançados pelos Autores da supra identificada acção. Isto é, se entre a sua situação e a daqueles que obtiveram a decisão favorável existe a identidade reclamada na citada norma do CPTA e se já foram tirados nos Tribunais Superiores cinco Acórdãos, transitados em julgado, no mesmo sentido.
O Acórdão recorrido, sufragando decisão do TAF, respondeu negativamente a essas interrogações. Resposta que nos parece não merecer censura.
Com efeito, tudo indica que o TCA decidiu bem quando, contrariando a alegação dos Recorrentes, afirmou que a acção onde foi proferida a decisão favorável constitui uma única decisão e não, como aqueles pretendem, trinta e quatro decisões.
Por outro lado, também cremos que o Acórdão julgou correctamente quando considerou que inexistia identidade de situações jurídicas entre a situação dos Recorrentes e a dos beneficiários da decisão favorável e isto porque essa identidade dependia de que aqueles tivessem instaurado a acção previamente à revogação do acto carente de legislação, o que não aconteceu. Requisito que a decisão favorável considerou essencial.
Finalmente, ainda se dirá que o Acórdão recorrido justificou a sua decisão de forma clara e convincente com discurso lógico e coerente que os Recorrentes não foram capazes de desmontar neste recurso, demonstrando o erro dessa decisão.
No tocante às alegadas inconstitucionalidades, esta Formação tem entendido que elas poderão ser suscitadas directamente no Tribunal Constitucional pelo que não podem, por si só, ser fundamento da admissão deste recurso.
DECISÃO.
Termos em que acordam em não admitir a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 4 de Março de 2020. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.